Quarentena Parte III – Abril 2020

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Cadernos do Olhar

QUARENTENA DIAS DE MUDANÇAS: MEMÓRIAS PARTE III 1º DE ABRIL 2020 CLAUDIOFERLAUTO

Quando isso terminar, aquele

‘mundo que já acabou’ estará em ruínas. Assim podemos relacionar o futuro com nosso fascínio pelas ruínas industriais como Andreas Huyssen afirma: “Tais ruínas e suas representações […] são sinais de nostalgia dos monumentos de arquitetura industrial de uma era passada, que estava ligada a uma cultura popular da mão de obra industrial e sua organização política”.


Temos saudade das ruínas da modernidade porque elas ainda parecem encerrar uma promessa que desapareceu da nossa era: a promessa de um futuro alternativo”. — Teremos saudades de nossas ruínas recentes, digitais e enganadoras. Ruínas que serão representadas por imagens dúbias/geminianas e de caráter bipolar, onde veremos esquadros e compassos, softwares e PDFs, pincéis e lápis, html e java, papel e monitores, telas e screen. Um cárcere à Piranesi. De meios tradicionais e digitais.


Leio o artigo de um crítico italiano que quer salvar os museus e está encafifado com os visitas digitais aos espaços que requerem presença física. Alguém que quer manter a mesma rotina num mundo que já acabou: Raffaello.1520-1483, la grande mostra organizzata dalle Scuderie del Quirinale a Roma, è visitabile virtualmente grazie a una video-passeggiata. ¶ E o Papa Francisco rezando a missa sozinha na gigantesca praça do Vaticano me atormenta o olhar: l’immagine Francesco che cerca Dio, dinanzi a una piazza insolitamente deserta, è già storia. Cronaca di


un momento tragico, con molte implicazioni di senso.

— Pedem, por email, que separe um poema para intercambio. Pergunto como fui parar naquela lista de emails? na quals não vejo ninguém conhecido. Entendi que é uma pirâmide poética e que no final ficarei riquíssimo em poemas, se o Banco Central da Poesia não denunciar


a pirâmide como fraude literária. Meu poema seria: Aigua arrissada: peixos blancs i vermells mouen les brànquies sota la pluja.

Água eriçada: / peixes vermelhos e brancos / movem as brânquias / na chuva. Ricard Pinyol, Mallorca, 2016.

❦ — Me pedem que envie para dez pessoas um texto, que em literatura é um gênero popular conhecido como auto-ajuda. Passo. Ainda estou com controle sobre os nervos.

❦ — Todo santo dia me oferecem mercadorias etílicas — os vinte


melhores vinhos da Argentina, os dez melhores Pinot Noir — também passo, porque não sei o que serei no dia seguinte: infectado ou um infectador.

❦ — Chega mais um newsletter com as notícias de ontem, muito semelhantes às do dia anterior. De vez em quando um bom artigo sobre a realidade brasileira escrito por alguém que vive em Portugal ou na Alemanha. Muito irreal para minhas crenças.

❦ – Uma vizinha, ainda bem que meio distante, e da qual não conheço idade, escolaridade e cara, tenta emular o tenor


milanês que esteve na TV cantando O sole mio na sacada, emitindo o som estranhíssimo de uma canção gospel que ela deve ter aprendido no templo do Salomão. Ou será da Salomé?

— Os mais ricos que sempre incentivaram o “distanciamento (entre classes) social”, agora debatem outro distanciamento: — não cheguem perto de mim, por amor ao mercado! e por respeito as quatro castas governamentais: a do executivo, a do legislativo, a do judiciário e a dos militares. Afinal falam no equilíbrio dos três poderes, mas sempre esquecem do quarto: os militares.


Giovanni Battista Piranesi foi um artista italiano, famoso pelas suas gravuras da cidade de Roma e pelas imaginativas e atmosféricas gravuras de prisões (Carceri). As “Prisões” (Carceri d’invenzione ou Prisões Imaginárias) consistem numa série de 16 gravuras onde figuram enormes subterrâneos, escadarias monumentais e máquinas de grandes dimensões. São estruturas labirínticas de dimensões épicas mas aparentemente vazias de propósito ou função.


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QUARENTENA DIAS DE MUDANÇAS: MEMÓRIAS PARTE III 1º DE ABRIL 2020 CLAUDIOFERLAUTO

Quando isso terminar, aquele

‘mundo que já acabou’ estará em ruínas. Assim podemos relacionar o futuro com nosso fascínio pelas ruínas industriais como Andreas Huyssen afirma: “Tais ruínas e suas representações […] são sinais de nostalgia dos monumentos de arquitetura industrial de uma era passada, que estava ligada a uma cultura popular da mão de obra industrial e sua organização política”.


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