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Parte IV
— Preciso de umas coisas do mercado, por que vocês não vão ao centro e aproveitam para pegar umas frutas? Ordenou a meu pai.
O pai quase sempre vestia terno completo, camisa social branca e gravata. Era o seu normal. Sebastião carregava a listinha das compras. Desceram do bonde e caminharam pela rua da Praia, passando pelo Bromberg para ver umas ferramentas e na Livraria do Globo para comprar papel carbono e blocos de almaço pautado e quadriculado para as aulas. Atravessando a galeria no sentido do abrigo dos bondes, olhava os muitos balcões de vidro com todo tipo de bugiganga e objetos para casa, e aproveitava para namorar uma bola de couro Nº 5 na loja Cauduro, enquanto esperava o pai escolher as frutas nos ambulantes da praça.
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O pai conversou rapidamente com um amigo. Quem era? O nome dele não era Aimoré? Era o fotógrafo que tinha o estúdio ali no centro da cidade, e nos finais de ano colocava na vitrine da loja um Papai Noel articulado, que movimentava o rosto e a vara de marmelo. O que encantava a criançada. O pai sorria ao voltar com duas sacolas cheias. Dali foram assistir à missa das dez.
Antes passaram no mercado para comprar erva-mate. Voltaram de bonde, carregados de compras.
O primeiro domingo do mês era reservado para a missa na igreja das Dores e depois encontrar o nonno na Praça da Matriz.
— A benção nono.
— Benção.
Não lembra de ter formado uma frase sequer nesse diálogos dominicais, nem o nonno, que era muito econômico com as palavras, não fazia nenhum esforço para se comunicar com os netos. Após este pequeno e único diálogo de Sebastião com o avô, ele colocava a mão no bolso do paletó de linho branco, tirava algumas balas e dava a conversa por finda. Mais, só dali trinta dias.
Cadernos do OLHAR � Verão 2023
PÓS PERÍODO OBSCURANTISTA, NEGACIONISTA, FASCISTA
Editor Claudio Ferlauto
Tipografia Graviola, Henrique Beier, 2014
Bodoni, Morris Fuller Benton, 1989
Contatos clauf4455@gmail.com issuu.com/olhargráfico