Saber & ver não ocupa espaço – Cadernos do Olhar#26

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SABER &VER NA˜O OCUPA LUGAR Cadernos do Olhar #26


SABER &VER NA˜O OCUPA LUGAR Cadernos do Olhar #26 Outono 2018 Claudio Ferlauto «Desenhar mais que uma habilidade manual, é o domínio do mundo pelo olhar ou aprender como ligar o movimento da retina ao movimento da mão. Para ter sucesso nesse processo, temos que aprender a ter a mente tranquila. A mão e a retina precisam se movimentar em passos unidos simbióticamente ao traçar fisicamente uma linha. E por meio desse processo que podemos aprender a confiar, não na mente, mas na retina», diz Elliot Earls. Quem afirma «não saber desenhar» revela a incapacidade de olhar, perceber o que está à sua volta. «Parar o mundo», exigia D.Juan do aprendiz Castañeda, incapaz de desligar o olhar automático da razão no treinamento com o bruxo. Imaginamos garantir nosso olhar por meio do visor da máquina fotográfica e do celular, mas isso não garante que vimos ou vemos. Desenhar – e olhar – grava para sempre o mundo na mente e no coração. Prende, Apreende.


Meu caderno é excelente, não para os que gostariam de ver nas pintura e ilustrações o mundo real em que vivem mas para os que querem recordar o mundo das lendas e dos antigos mestres. Folheei-o, mostrando as imagens. Fiz rapidamente com um alfinete uma série de furinhos no contorno da figura e pus uma folha branca sob o modelo. Salpiquei uma boa quantidade de pó de carvão na folha de cima, depois a sacudi de modo que o pó passasse pelos furos. Retirei o modelo. O pó de carvão transferira, ponto a ponto, toda a silhueta para a folha de baixo. Orhan Pamuk, Chamam-me Cegonha, em Meu nome é vermelho.

Desenho primordial, Gamboa, 1984



MODER NISMO Primeira embalagem, Água de Vibele, 1969. Design Signovo com Antonio Aiello e Pedro Mohr Porto Alegre RS. Desenhada sob influência do construtivismo e concretismo no final da década de 1960. Não sei como conseguimos manter, ainda hoje, uma unidade em perfeito estado de conservação.

«Isso me lembrava do modo como me sentia em relação ao design bem no início. Lembro-me de olhar para o primeiro protótipo que criei. E simplesmente não conseguia parar de olhá-lo; era tão bonito, tão real e tão perfeito! Mas depois de algum tempo, tudo se torna imperfeito, ou pior, você fica entediado com aquilo. Assim também acontece quando você recebe uma peça finalizada; eu tenho a primeira peça impressa que fiz em algum lugar no porão de casa. Tenho amostras de todos os tipos de coisas, como um folheto que fiz há 25 anos para uma empresa de luminárias. Era uma peça em duas cores, acho que tenho umas vinte cópias dela. Na época, achava que era realmente importante, e tive que guardar muitas cópias porque era bem bonita. E, é claro, ela não era tão ruim, mas era uma das primeiras coisas impressas de algo que fiz». Michael Bierut


Dรกrky Presentes


TIPOG RAFIA Uma das primeiras marcas, desenhada em 1969 a partir de caracteres da Futura, projetada por Paul Renner entre 1924 e 28, editada pela Letraset sob licença da Bauer Types.

Artes gráficas no final da década de 1960 significava o uso de uma tipografia feita com metal, tipos móveis, linotipia e clichês. Ou com Letraset. O catálogo dos tipos transferíveis, funcionava como os softwares dos dias de hoje, tinhas as informações de como proceder para tirar o melhor resultado do produto, e disponibilizava fontes de qualidade para todo e qualquer uso: publicidade, comunicação visual e arquitetura.Tinha o nome de Spacematic Letraset. Seguindo as instruções obtínha-se uma composição tipográfica considerada correta na época. Para obter variações, como espaçamentos maiores, só havia um modo de resolver: a prática. Com esse sistema a composição tipográfica, passou das mãos de técnicos em artes gráficas para a responsabilidade de designers, publicitários e projetistas.


CARTAZ POSTER Desenhado em 1969 o cartaz foi alvo de investigações dos serviços de segurança do III Exército e do DOPS que afirmavam que as linhas vermelhas do pentagrama musical significavam a infiltração comunista no país. Projeto Signovo com Antonio Aiello e Pedro Mohr. Impressão litográfica da Gráfica da Livraria do Globo, Porto Alegre.

¶ O cartaz moderno, simples e direto, foi aperfeiçoado na Suíça, durante e após a II Guerra Mundial. Artistas e refugiados de toda a Europa, reunidos na Suíça, trabalharam na reconstrução de um continente destruído pela guerra e para fugir das tradições do século XIX. Uma das ferramentas utilizadas pelos artistas gráficos e designers foi a grade/grid racionalista desenvolvida no âmbito do estilo internacional e da escola suíça de tipografia. A estruturação lógico-matemática do trabalho criativo não foi inventada neste momento e já tinha antecedentes seculares, como os do arquiteto Villard de Honnecourt, que no século XIII elaborou um método de divisão geométrica do espaço que difere da escala de Fibonacci pelo fato de que qualquer formato de página escolhido pode ser subdividido. No Renascimento, Albrecht Dürer e Leonardo da Vinci também faziam lá suas contas e trabalhavam com relações formais em seus projetos. ¶ No Brasil, uma geração de artistas gráficos que incluem Almir Marvingner, Mary Vieira, Antonio Maluf, Hermelindo Fiaminghi, Wyllis de Castro, Alexandre Wollner, Aloisio Magalhães, Geraldo de Barros, Maurício Nogueira Lima e outros trabalharam e divulgaram os princípios do modernismo e do estilo internacional durante as décadas de 1950 e 1960, e ficaram conhecidos para a posteridade como os construtivistas brasileiros. ¶ Para artistas e designers, da Europa, dos EUA e do Brasil, nesse momento, o cartaz era uma metáfora de ordem e (re)construção.



SABER &VER NA˜O OCUPA LUGAR

Primeiro projeto edificado, Igreja Bom Pastor, Santo André SP.Projeto Signovo com Antonio Aiello e Pedro Mohr, anos 1970 À direita, desenho Cris Burger

Cadernos do Olhar#26 Outono 2018 Design e edição Claudio Ferlauto Textos complementares Orhan Pamuk, Michael Bierut Ilustração Cristina Burger Tipografia Fenice, Bauer Bodoni Futura, Syntax Linotype Gianotten Contato claudio@qu4tro.com.br qu4tro.com.br/blog Mais publicações em issuu.com/olhargrafico



QUE PODEMOS FAZER PARA NOS DIFERENCIAR NESTE MAR DE ADOBICES PHOTOSHOPICES WORDICES E OUTRAS IDIOTICES?

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¶ Somos cerca de 700 milhões de usuários de softwares ao redor do mundo. Desse total quantos são designers gráficos ou webdesigners? Talvez uns 70 milhões de pessoas utilizam a mesma plataforma, os mesmos recursos e truques, produzindo as mesmices geradas a partir do default das máquinas. E, portanto, resultando em soluções parecidas, bem acabadas e com cara de coisa de computador, em incontáveis línguas e milhares de sotaques culturais.

Mail Art/1º impresso – Escondendo o jogo, Porto Alegre, 1971 Cris Burger, Nilo Soares, LP Gallina, Flávio Pons, Claudio Ferlauto


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