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Reflexos da Luta no Cotidiano Escolar
by ONG FASE
vo, quase sempre prejudicando o projeto estritamente pedagógico das escolas. Por tudo isso, achamos que se o 1 Q período tinha sido marcado por um certo pedagogismo, nes5e segundo o que prevaleceu foi um certo politicismo.
As novas questões marcadas pelo contatoconfronto com o Estado absorveram totalmente as lideranças comunitárias, as equipes que administravam as escolas e as próprias professoras e pais. Essa percepção que temos hoje desse momento não pretende ajuizar, como bom ou como ruim, falar do certo ou do errado. O contexto histórico geral, as necessidades e os rumos que as escolas foram tomando, a precariedade das condições de ensino, os salários baixíssimos das professoras, tudo isso, associado à compreensão de que a educação é um direito de todos e que o movimento popular sairia politicamente reforçado desta luta, fez com que as escolas optassem por esse caminho. Considerando os limites deste trabalho, vamos nos deter um pouco mais na luta pelo aumento das bolsas para o ano de 1979, pela amplitude e repercussão que esta veio a assumir. Antes, porém, vamos falar um pouco de algumas questões ligadas diretamente ao nosso trabalho de assessoria sócio-pedagógica às escolas.
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No início dessa 2<:1 fase das escolas, nossa assessoria estava em plena mudança de suas concepções de trabalho. Avaliando nossa prática, sentíamos que precisávamos dar um conteúdo crítico, dialético à idéia de participação e organização comunitária. Parecia-nos que já não bastava o trabalho comunitário pelo trabalho comunitário. Era necessária uma direção que rompesse com o caráter assistencialista que estava assumindo. Mais do que as idéias de criatividade e participação comunitária, tornavase importante a construção de uma visão crítica de sociedade. Quais os saldos que tínhamos obtido até então? Para que estavam servindo as escolas? C.::>mo estava a capacidade reivindicatória da população? E sua organização"? As escolas estavam, de fato, sendo dirigidas pelas lideranças locais? Estas não se encontravam muito dependentes de nosso trabalho? Qual o grau de articulação entre os grupos comunitários da área? O que estavam discutindo? Como? Todas essas indagações direcionaram nossa assessoria para uma linha de esclarecimento, de conscientização dos direitos e da necessidade de se lutar por eles. Passamos a incentivar a organização, mobilização e articulação com outros bairros, fornecendo elementos de análise para o desenvolvimento de uma consciência mais fundamentada, de tal forma que as lideranças comunitárias assumissem um papel de agentes ativos naquela proposta sócio-pedagógica que estávamos elaborando. Por essa época, 76/77, nos convencemos de que nossa postura estava gerando uma forte relação de dependência com os moradores e suas lideranças. Estávamos certos da necessidade de superá-la, pois constituía-se numa deficiência que estava atingindo todo o nosso trabalho, e não só o relativo às EC's.
Aos poucos foi se dando uma inversão em nosso relacionamento com os grupos populares: eram estes que passavam a procurar-nos para que prestássemos apoio. Um exemplo ilustrativo foi a enorme requisitação que passamos a receber para assessorar chapas sindicais e outras atividades de organização do movimento popular. Contribuímos nesse processo, antes de tudo, mudando definitivamente nossa natureza de instituição autogerida, geradora de projetos, para uma entidade implementadora dos mesmos, em especial os surgidos das próprias populações junto às quais estávamos trabalhando. Naturalmente que essas mudanças não se restringiram a estas formalidades. Não se trata disso. O que de fato houve foi uma mudança de metodologia, possível devido aos primeiros sinais de abertura política no país. No caso particular das EC's, a repercussão sobre nosso trabalho de assessoria foi imediata, a
começar pelo 1ato de que a coordenação dos treinamentos passou a ser responsabilidade de equipes comunitárias eleitas em reuniões. Contudo, continuamos colaborando numa perspectiva de socialização de certas informações e conhecimentos que possuíamos. De troca de experiência e saberes.
O conteúdo dos treinamentos voltou-se bem mais para questões sócio-políticas. Sem deixar de aprofundar com as professoras aspectos que possibilitassem um aprimoramento de sua prática em sala de aula, passou-se a enfatizar estudos sobre os Direitos do Homem - direito à ao trabalho, à remuneração justa, à sindicalização, ao bem estar-social em geral, e à educação, em particular -sobre a situação sócio-pol ítico-econômica e sobre legislação e planejamento educacional em nosso sistema de ensino. Passamos a dar uma atenção especial ao trabalho com os pais. A maior movimentação co· munitária do período permitia e propiciava um envolvimento maior daqueles, não só nas diversas lutas que constantemente se travavam mas, principalmente, nas discussões sobre a luta do Convênio. Depois do pedagogismo do 1 Q período, começamos a entender a escola não como um simples instrumento de alfabetização de crianças, mas também, como uma possibilidade de trabalho junto aos pais destas. Essas mudanças foram difíceis para todos. Entre as professoras, ao crônico problema da rotatividade da equipe, somou-se o da heter geneidade. Os treinamentos, agora, contavam com um número maior de participantes, de procedências distintas. Algumas possuíam maior experiência de sala de aula e, assim, aceitavam discutir com mais intensidade questões mais amplas; outras, com menos tarimba, não. Estas reclamavam que a política não iria resolver os problemas e impasses do dia-a-dia escolar. O que, de fato, ocorreu, foi uma grande injeção de discussões políticas, como forma de responder às exigências e impasses daquele momento. Entendemos, hoje, que isto prejudicou o aprimoramento dos métodos pedagógicos. Também estávamos "perdidos" enquanto assessoria. Talvez não tenhamos sabido combinar as coisas. Talvez, naquela época, isso ainda não fosse possível. Queríamos era "despsicologizar" nossos treinamentos. Politizá-los. Torná-los um espaço a mais de reflexão e construção de respostas para os desafios que anualmente enfrentavámos com a SEMEC. Decerto, o que importa registrar é que esta situação de formulação do trabalho gerou uma insegurança e uma visível queda de desempenho por parte das professoras. Nesses 4 anos (76-79), em várias reuniões de avaliação, tivemos que questioná-las sobre o sentido das EC's, se realmente valia a pena lutar pelo convênio. Sobre o que, afinal, as escolas representavam para elas. Faltavam às aulas; não cumpriam horários; deixavam outras pessoas tomando conta da turma; ausentavam-se das reuniões de pais e das próprias reuniões sobre o aumento das bolsas da SEMEC; usavam cartilhas que não seguiam o método da escola; ficavam passando exercícios de cobrir durante a maior parte da aula e não utilizavam músicas, jogos, "hora das novidades", bem como outras sugestões que recebiam nos treinamentos. Procurávamos refletir com elas sobre essa situação, argumentando que não estávamos querendo um curso de alfabetização qualquer. Oue desejávamos, isso sim, realizar um trabalho em que a leitura e escrita fossem meios através dos quais, crianças e adultos, aprendessem a ler a realidade com olhos de solidariedade. A que levaria um simples esforço de memorização mecânica? Manter a "disciplina" dos alunos, valorizar o "bom aluno" como aquele que tira as melhores notas, era tudo que queríamos? Seria possível rompermos com todas as dificuldades e falhas, expostas e sentidas, sem entrarmos fundo no mundo daquelas crianças e seus pais? Sem entendermos e assumirmos os objetivos comunitários de nossas escolas? A essas questões associavam-se outras relacionadas à organização e gestão das escolas. Desde a assinatura dos Convênios, criaram-se Equipes Administrativas com o intuito de agilizar e garantir a dinâmica escolar e, principalmente, para gerir as verbas das bolsas da SEMEC. Essas equipes eram formadas por pais, professores e membros de outros grupos comunitários. A bem da verdade, em algumas escolas estas já existiam. Porém, é a partir de 76/77 que realmente se implantam. Os Convênios tornaram necessárias a ampliação, a diversificação e centralização das escolas, de suas equipes. As reuniões, encontros e treinamentos multiplicaram-se. Isso tudo colocou em pauta novas contradições. O choque da mudança de um trabalho de natureza voluntária para um remunerado e as dificuldades para adequar-se uma estrutura administrativa a um projeto pedagógico democrático e participante, são dois exemplos disto.
Diversos problemas relativamente graves surgiram: incrementação do espírito de competição e individualismo, além do aumento do número de pessoas que queriam tornar-se professoras apenas para ganhar, por puro interesse; problemas de desvio das verbas da SEMEC por alguns membros das equipes administrativas; descontentamento do pessoal destas equipes por não terem uma função remunerável como as professoras, são alguns exemplos.