4 minute read

Luiz Gonzaga Esteves Vieira

Luiz Gonzaga Vieira

Nos últimos anos, grandes trans- formações foram observadas nos sis- temas de produção na agricultura. O surgimento de blocos comerciais e a queda de barreiras protecionistas criaram novas demandas. Além das atribuições que já recaem sobre a agri- cultura – produção de alimentos e de matérias-primas – foram adicionadas a redução de danos ambientais e o desenvolvimento de novos produtos. Estima-se que em 2020 a população atinja 8 bilhões de habitantes. Aumen- tar a produção para atender à deman- da por alimentos, fibras e energia, é, portanto, uma necessidade. Mudanças nos padrões do clima global e altera- ções no uso da terra ampliarão os pro- blemas regionais de produção.

A perspectiva do Brasil conso- lidar-se como o principal supridor mundial de combustíveis renováveis, principalmente advindos da cana-deaçúcar, é viável graças à sua dimen- são continental, seus abundantes re- cursos naturais, e um aproveitamento mais racional de suas imensas áreas.

A produção da cana é influencia- da por um grande número de fatores ambientais. A busca por altos rendi- mentos a baixos custos implica em conhecer mais detalhadamente a fi- siologia e a genética da cultura, com o objetivo de racionalizar as relações entre os diferentes fatores de produ- ção. O sucesso do setor está baseado em cultivares adaptados às condições ambientais de cada região produtora. O melhoramento genético convencio- nal tem obtido sucesso, aumentando e estabilizando a produtividade.

Entretanto, ainda persistem fortes perdas de colheitas, devido a influên- cias bióticas (pragas e doenças) e abióticas (deficiência hídrica, solos com baixa fertilidade, etc). Com o de16

Luiz Gonzaga Esteves Vieira Coordenador do Laboratório de Biotecnologia Vegetal do Instituto Agronômico do Paraná Biotecnologia na cultura da cana: oportunidades e desafios

créscimo da diversidade genética, diminuíram as opções disponíveis para enfrentar problemas, através das técnicas tradicionais, apesar de que essas técnicas continuarão essenciais no futuro.

Oportunidades e desafios: A moderna biotecnologia surge, potencial- mente, como um importante fator que permite ganhos de produtividade e aumento de oferta de produtos agrí- colas, ao mesmo tempo em que pode reduzir o ritmo de exploração de no- vas áreas agricultáveis, gerando, com isto, externalidades positivas para o meio ambiente e para a sociedade. O domínio destas técnicas é crucial para que o Brasil não perca uma de suas maiores conquistas: capacitação em melhoramento genético. A enge- nharia genética que produz organis- mos geneticamente modificados, que permitem a rápida incorporação de características desejáveis às varieda- des-elites de cana, é apenas mais uma das ferramentas da moderna biotec- nologia, esta sim, uma vastíssima área do conhecimento, com imensas aplicações práticas, e peça fundamen- tal para o avanço do conhecimento.

Conhecer e controlar fenômenos biológicos, visando obter produtos biotecnológicos, é um desafio perma- nente, sendo que um dos requisitos primordiais para isto é a identificação de genes que poderão ser utilizados nestes processos. Assim, através de trabalhos basilares como o Genoma Cana, financiado pela Fapesp, foram identificados genes envolvidos com o desenvolvimento, a produção e o teor de açúcar da planta, na resistência a doenças e com condições adversas de clima e solo. Para utilizar toda essa informação já gerada é preciso traba- lhos em genômica funcional, visando determinar a função dos genes, estu- dar a interação entre genes associados aos diferentes processos biológicos e verificar quais os genes que poderão ser usados no desenvolvimento de tec- nologias de interesse do setor sucro- alcooleiro. Felizmente, iniciativas re- centes, como o Programa de Pesquisa em Bioenergia – BIOEN, têm apoia- do pesquisas biotecnológicas, para avançar no conhecimento sobre a uti- lização da cana na produção de bio- combustíveis, em bases sustentáveis.

Atores e interesses na pesquisa

biotecnológica: A biotecnologia tem potencial para contribuir no aperfei- çoamento dos sistemas de produção da cana, além dos atuais paradigmas.

A maneira pela qual a biotecno- logia afetará este setor dependerá, fundamentalmente, das instituições e dos atores sociais envolvidos no seu desenvolvimento. No cenário inter- nacional, estas conquistas científicas têm levado ao rápido crescimento nos investimentos em pesquisa e desen- volvimento tecnológico e no número de instituições científicas e empresas de biotecnologia. Com isto, a ques- tão da propriedade intelectual é críti- ca. Se por um lado, os mecanismos de apropriabilidade contribuem para a redução dos riscos do processo de inovação, dos custos de P&D e da ex- ploração comercial, a corrida atualmente em curso no mundo para o domínio das biotecnologias também traz novas ameaças.

Com a liberação de plantas trans- gênicas, foi retomada a questão dos direitos de apropriação intelectual dos produtos, que determinam quem pos- sui e controla essas tecnologias. Essa preocupação vem dos usuários diretos de insumos, produtos e serviços, que têm observado uma grande concen- tração de direitos de propriedade da indústria de insumos agrícolas. Por- tanto, para defender os interesses da indústria sucroalcooleira é essencial o fortalecimento da tecnologia nacional de produção de cana e de seus subpro- dutos, através da biotecnologia.

O desenvolvimento de produtos biotecnológicos depende de grandes esforços de pesquisa. A vantagem competitiva dos países líderes em biotecnologia deve-se, em grande parte, à compreensão da necessida- de de promover a capacidade local de desenvolver esta tecnologia. É imprescindível que o Brasil não seja deixado em posição de desvantagem na sua capacidade de pesquisar, de- senvolver, adaptar e utilizar biotec- nologia para o setor sucroalcooleiro, para que possa trilhar seu próprio ca- minho, sem depender de tecnologias desenvolvidas em outros países, mas sim se tornando um fornecedor de tecnologia.

É preciso que todos os envolvidos neste tema tomem parte de discussões de maneira formal, pois se em certos aspectos a introdução de produtos biotecnológicos na cadeia agroindus- trial da cana é uma questão técnica, a gama de implicações de sua utiliza- ção faz com que as decisões sobre os vários aspectos da produção, comer- cialização e consumo sejam de cará- ter socioeconômico e político.

This article is from: