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Marcos Silveira Buckeridge

Marcos Buckeridge

Marcos Silveira Buckeridge Professor de Fisiologia e Bioquímica de Plantas do Instituto de Biociências da USP Rotas para o etanol celulósico em um cenário de mudanças climáticas

Em um cenário de mudanças climáticas, o Brasil encontra-se em uma situação peculiar. Apesar de ser considerado um devastador de florestas, é também o país que apresenta um dos melhores níveis de sustentabilidade energética no mundo. Em grande parte, isto se dá graças ao etanol de cana. Mas, será que o Brasil continuará a ser um líder mundial na área de biocombustíveis, em especial o bioetanol?

Fizemos experimentos com plantas de cana, crescendo durante 1 ano, em alto CO 2 (720 ppm, esperado pa- ra meados do século), e descobrimos que nestas condições a cana produziu 60% a mais de biomassa no colmo, armazenou 29% a mais de açúcar e 20% a mais de fibras. Descobrimos que há quatro genes relacionados à captação de luz na fotossíntese, que aumentam nestas condições. Mani- pulando estes genes podemos tentar aumentar o acúmulo de biomassa, sem ter que depender de aumentar o CO 2 , transformando as respostas fi- siológicas da cana em biotecnologia, para produzir ainda mais bioetanol.

Para aumentar ainda mais a pro- dução de bioetanol, outra rota pos- sível é a utilização dos açúcares da parede celular. A parede ocorre em todas as células vegetais de todas as plantas e é composta de polissacarí- deos. Estes são formados de açúcares mais simples, os monossacarídeos, que se ligam entre si, através do que chamamos de ligações glicosídica, as quais têm grande quantidade de energia e podem ser quebradas, com relativa facilidade, por enzimas de plantas e microrganismos. Ao hidro- lisar os polissacarídeos e produzir monossacarídeos utilizando enzimas de microrganismos ou as próprias enzimas da cana, a eficiência é muito maior do que queimar o material vegetal ou tratá-lo com ácidos, pois há menos perda de calor e formação de compostos intermediários, que podem ser tóxicos para as leveduras e/ ou produzir efluentes poluidores.

A busca pela eficiência de hidrólise passa pelo uso de enzimas que são catalisadores específicos, que quebram apenas as ligações químicas desejadas. É como desmontar um equipamento complexo, usando todas as ferramentas corretas. A des62

montagem é rápida e eficiente, não exigindo grandes gastos por parte do desmontador. Se não tivermos as ferramentas apropriadas, a desmonta- gem torna-se ineficiente. O problema não é tão simples como parece, pois além de possuir ligações químicas di- ferentes, os polímeros da parede celu- lar interconectam-se de forma ainda desconhecida e isto dificulta muito o acesso às ligações glicosídicas. Por- tanto, é necessário, primeiro quebrar as interações de pontes de hidrogênio en- tre os polímeros e introduzir água entre eles. A hidratação dos açúcares tornamos mais acessíveis às enzimas, uma vez que para fazer a hidrólise, como o no- me diz, é necessário haver água.

Há vários tipos de parede celular em plantas e estes representam com- binações de diferentes polímeros. Ao contrário do que se acredita, em geral, as paredes celulares não são formadas apenas de celulose e ligni- na, mas de uma mistura de celulose (~30%), hemicelulose (~30%), pecti- nas (~30%), alguma lignina (~3%) e proteínas (~7%). Na cana, que é uma gramínea, já sabemos que as paredes são do tipo II, compostas por pouca pectina e com um complexo celulo- se-hemiceluloses, cujas últimas são uma mistura de arabinoxilanos>betaglucanos>mananos. A celulose é sin- tetizada na membrana das células e é complexada com as hemiceluloses, que são feitas no Complexo de Gol- gi, no citoplasma. As hemiceluloses são secretadas para o espaço intercelular e os betaglucanos e os mananos servem de andaimes para montar um complexo entre arabinoxilanos e celulose, travando o sistema em uma malha complexa, com vários tipos de ligações entre as moléculas. Já deve ter ficado claro para o leitor que desmontar este complexo não é tarefa simples. Será necessário conhecer cada tipo de ligação e a forma de agregação entre os polímeros, o que, em biologia celular, chamamos de “arquitetura” da parede celular. Para desmontar esta malha de polímeros, será necessário usar um conjunto de enzimas (de microrganismos e/ou da própria cana), que desmonte tudo e produza monossacarídeos que sejam fermentáveis.

Em 2001, usando o banco de dados do genoma da cana (SucestFapesp), identificamos 469 genes ligados ao metabolismo da parede celular. Descobrimos que a cana está constantemente sintetizando polissacarídeos de parede, mas que o sistema de hidrólise das principais hemiceluloses está praticamente desligado, conforme ilustra a figura.

Mais recentemente, determinamos a estrutura química dos polímeros de parede celular da cana e temos agora um mapa das ligações químicas a serem quebradas. Temos, assim, as chaves e as fechaduras dentro da própria cana. As perguntas que temos que responder agora são: como controlar o balanço entre os sistemas de biossíntese e degradação de parede? Quais os genes que controlam esta divisão de trabalho? Podemos alterar este padrão na planta, de forma a fazer com que ela torne suas paredes mais acessíveis às enzimas de fungos, para que obtenhamos açúcares livres a partir das hemiceluloses e celulose, de forma eficiente?

Várias plantas, ou partes delas, como os frutos e sementes, fazem isto de forma bastante eficiente. Por exemplo, descobrimos que ao terminar o desenvolvimento e tornar-se pronto para iniciar o amadurecimento, um fruto de mamão modifica suas hemiceluloses e degrada boa parte de sua celulose, amolecendo o tecido e permitindo a extração de açúcares e tornando o fruto mais doce.

O que temos que fazer é aprender com este e outros sistemas, como as plantas executam processos como este, em escala celular. Temos que saber quais genes estão por trás do controle de outros genes, que degradam ou constroem a parede celular. Esta é uma das justificativas mais importantes para que sequenciemos o genoma completo da cana. Sem ele, não teremos acesso aos genes controladores dos processos fisiológicos e bioquímicos, que nos levarão à eficiência máxima na produção do etanol lignocelulósico.

Ao alcançarmos esta meta, não só abriremos novos mercados para o bioetanol brasileiro e todas as tecnologias a ele associadas, mas também auxiliaremos na diminuição do efeito das emissões de CO 2 e nas mudanças climáticas associadas.

Na rota para o etanol lignocelulósico, seria mais produtivo obter a cana-energia, uma cana que tem a biossíntese de parede celular ainda mais intensa e que armazena polissacarídeos na parede, ao invés de sacarose, nos vacúolos das células do colmo. Com um sistema de ativação dos genes de degradação durante a maturação da cana, poder-se-ia produzir alterações, que preparem o bagaço para ser hidrolisado mais eficientemente pelas hidrolases fúngicas. O sequenciamento completo do genoma, aliado a estudos de proteômica e variabilidade genética relacionada à parede, serão aliados importantes. O círculo branco e verde representa a parede celular. B=biossíntese e D=degradação.

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