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Marcelo Ehlers Loureiro
Marcelo Ehlers Loureiro Professor de Fisiologia Molecular de Plantas da Universidade Federal de Viçosa Etanol celulósico: desenvolvimento tecnológico dependente de uma abordagem multidisciplinar e interinstitucional
Quimicamente, o bagaço é muito interessante para a produção de bioetanol, uma vez que possui alto teor de celulose (50%), a qual pode ser convertida em glicose e fermentada quase que completamente. Adicionalmente, ainda possui pentosanas (25%), lignina (23%) e cinzas (2,4%). Entre as características da fibra do colmo da cana-de-açúcar, a lignina representa um dos principais entraves à produção do álcool celulósico, a partir de biomassa vegetal. A lignina dificulta o acesso de enzimas aos carboidratos fermentáveis, acarretando perdas, uma vez que a enzima é consumida no decorrer do processo.
Adicionalmente, dependendo da sua composição, os produtos de sua hidrólise podem resultar em alto nível de inibição das celulases e inibir a fermentação, e sua baixa polaridade pode promover a adsorção destas mesmas enzimas e reduzir sua atividade. Em resumo, a lignina aumenta o custo de produção, reduzindo a eficiência da degradação da celulose e da fermentação.
O programa de melhoramento da cana, conduzido pela UFV-Ridesa, vem observando, há vários anos, as correlações entre teor de fibra e teor de sacarose, e a variação no teor de lignina em vários genótipos, cultivados em diferentes ambientes. Inesperadamente, observamos que há grande variabilidade no teor de lignina (5%-26% do peso seco do colmo).
Adicionalmente, após mais de 5 mil determinações conjuntas do teor de fibra e sacarose, também, surpreendentemente, não observamos uma correlação negativa substancial (-0,04 a -0,14) entre o teor de açúcar e o nível de fibra de uma mesma planta.
Esta correlação baixa pode indicar a possibilidade de que novos genóti- pos poderiam ser selecionados, de forma a se obter um grande aumento na produção de álcool por unidade de área, o qual poderia ser associa- do a uma pequena redução no teor de açúcar em uma planta, concomitante com um grande aumento em seu teor de fibra, resultando em maior produção de álcool por hectare. Estes resultados alertaram-nos de que um novo processo de seleção gené- tica deve ser conduzido, de forma a produzir um cultivar de cana mais adequada para a produção de álcool celuló- sico. Baseados nestes estu- dos, uma equipe multidisci- plinar, coordenada pelo Dr. Márcio Henrique Pereira Barbosa, da UFV/Ridesa, composta por um grupo de pesquisadores da UFV e da USP, recentemente apoia- do financeiramente pelo CNPq, montou um programa interinstitucional de pesquisa, envolvendo desde a caracterização do teor e composição de fibra de genótipos, até o desenvolvimento de uma nova tecnologia de sacarificação e fermen- tação da cana, a ser testada com ge- nótipos selecionados, contrastantes para algumas características impor- tantes. O objetivo deste projeto é a obtenção de informações que permitam orientar um programa de seleção de material genético mais adequado para a produção de etanol celulósico.
Praticamente, nada se sabe sobre a parede celular da cana. Embora mais de 400 genes que contribuem para es- ta característica tenham sido identifi- cados no banco de genes Sucest, suas funções são totalmente desconhe- cidas. Conhecer a variabilidade na composição da parede celular da cana é o nosso principal objetivo no momento. Estes estudos bioquímicos e moleculares permitirão obter marca- dores, que serão essenciais na seleção genética. A seleção recorrente, uti- lizada no melhoramento da cana, baseia-se na avaliação de milhares de plantas anualmente, e analisar a pare- de celular nesta enorme população é inviável. Absorvendo a experiência obtida no Departamento de Química da UFV, na utilização da pirólise para analisar a composição da madeira, tentaremos reduzir a duração de uma análise de dias, para alguns minutos. Com apoio da Finep, estamos adicionando a este estudo a utilização de um GC-TOF, com pirólise automática, um espectrômetro MALDI-TOF-TOF e um micro-HPLC-Q-TOF. A multidisciplinaridade deste nosso projeto
inclui também descobrir os genes envolvidos no controle do teor e composição da lignina, incluindo, inclusive, outros genes ainda não descobertos em outras espécies, onde este assunto está mais bem estudado. Para isto, utilizaremos a tecnologia de análise do transcriptoma, bem como a caracterização de sua função. Criaremos também uma biblioteca de clones de DNA, cópia com seqüência completa, que auxiliará na caracterização dos genes da cana e seqüenciamento do seu genoma.
Adicionalmente, já possuímos clonados alguns genes completos de algumas enzimas importantes da síntese de lignina, e estamos transformando cultivares da Ridesa, objetivando a redução múltipla e simultânea de alguns destes genes, para obter plantas de cana, com menor teor de lignina no colmo, projeto em parceria com pesquisadores da Esalq, USP e Syngenta. Este esforço é uma primeira tentativa de descobrir os limites da manipulação do teor de lignina e seu efeito na fisiologia da planta, sua res- posta a estresses bióticos e seu rendi- mento na produção de etanol.
Fomos líderes da tecnologia do álcool a partir da sacarose da cana e seu uso como combustível, mas estamos atrasados no processo de desenvolvimento de uma tecnologia de produção do álcool celulósico. A parceria da iniciativa privada é fundamental para que este processo esteja o mais rapidamente disponível em nossas destilarias.