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José Maria Ferreira Jardim da Silveira

José Maria Ferreira Jardim da Silveira Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental da Unicamp Os impactos econômicos da biotecnologia na cana

Apontar os principais impactos econômicos da biotecnologia no cul- tivo da cana-de-açúcar poderia ser apenas um exercício de projeção, que certamente tomaria como refe- rência os significativos impactos já verificados nos cultivos de soja, mi- lho, algodão e canola, obtidos com a difusão de eventos da moderna bio- tecnologia (no caso, transgênicos). São impactos na redução de custo de produção dessas culturas (de 3 a 15% na maioria dos casos), a melhoria do planejamento e manejo da produção, a redução de emissões de CO 2 e o menor uso de inseticidas (com gran- de impacto no caso do algodão).

Os impactos das tecnologias já disponíveis – ainda que tenham que ser desenvolvidas para a cana - já jus- tificariam a importância da pesquisa com biotecnologia na cana e com as medidas de biossegurança requeridas para sua liberação ambiental. A pró- pria redução das emissões de CO 2 já poderia ser utilizada para modificar os parâmetros de organizações co- mo o Instituto de Investigações sobre Políticas Alimentarias e Agrícolas - FAPRI, e o International Food Policy Institute - IFRPI, da FAO, atenuando o caráter negativo de suas projeções, em relação à expansão da produção de álcool para uso como biocombustível.

Todavia, pode-se mostrar que a discussão atual é mais ampla do que isto: já estamos em uma corrida tec- nológica, em que, até o momento, somos a referência mundial e, por isso mesmo, sofrendo com medidas concretas que, se há pouco estavam localizadas apenas no campo do pro- tecionismo agrícola, passaram para o campo das estratégias competitivas. Contra elas, apenas o endurecimen- to diplomático do Brasil nas rodadas internacionais em favor da liberali- zação agrícola, o que é fundamental, mas não suficiente.

Um economista olharia para os gastos dos países desenvolvidos com subsídios para biocombustíveis, em torno de US$ 15 bilhões/ano, e argu- mentaria em favor do livre comércio. As incongruências do liberalismo eco- nômico dos países centrais há muito nos atingem. Entretanto, o fato é que a manutenção do programa do etanol de milho, com baixa competitividade (custos quase três vezes superiores ao do etanol brasileiro) e subsídios, de- ve ser vista como parte de uma estratégia de longo prazo. Nela, entram não apenas outras gramíneas (switch grass e miscathus), mas o uso de re- síduos industriais e agrícolas, por meio da hidrólise ácida, e a busca de aumento da produtividade do próprio milho. Sendo a matéria-prima mais de 50% (até 70%) do custo da produ- ção dos biocombustíveis, está clara a importância estratégica do aumento da produtividade da agricultura.

A percepção por parte de nossos concorrentes de que nos acomoda- mos, ou pior, de que não poderemos avançar mais, seria desastrosa. Nos modelos de avaliação de impacto das citadas organizações internacionais (FAPRI e IFPRI), curiosamente, a ex- pansão do cultivo de cana invade as áreas de floresta tropical e a expansão do milho para a produção de etanol, nos EUA, não seria causador de tanto impacto sobre as emissões de CO 2 . Mesmo respeitando a seriedade – in- questionável – dessas instituições de pesquisa, fica claro que a vigilância sobre os passos do Brasil já é seve- ra e que, nos embates diplomáticos, o campo simbólico conta para gerar embargos e justificar taxas absurdas – como a de US$0,54/galão de álcool exportado para os EUA.

Neste cenário, não basta mostrar que a sincronização da alta dos preços de produtos agrícolas e dos preços da energia tem no programa do etanol de milho uma das causas principais. É preciso apontar claramente para a possibilidade de manter o aumento da participação de biomassa na ma- triz energética (crescente, a partir de 1975), sem significativas elevações de custos, com redução das emissões de CO 2 e com baixa pressão so- bre as áreas dedicadas ao cultivo de alimentos. Em que campos a biotecnologia pode atuar? Em primeiro lugar, é clara sua importância para as culturas que po- tencialmente poderiam ser deslocadas pelos cultivos energéticos. Os cenários internacionais devem passar a incorpo- rar os efeitos da biotec- nologia agrícola sobre os cultivos de grãos. Re- centemente, Kim Anderson, do Banco Mundial, mostrou que a difusão do cultivo de algodão trans- gênico resistente a insetos na África e Ásia (China e Índia) deslocaria áreas de cultivo nos EUA.

Em segundo, claramente pode atuar no aumento da flexibilidade pa- ra o cultivo de cana, cujas variedades ainda têm suas características ligadas ao objetivo de produção de açúcar. A geração de variedades de cana para produção de energia é fundamental. Também o é a adaptação a diferentes condições climáticas. Nas análises do impacto do aquecimento global, não se leva em conta que a substituição de cultivos gera áreas para o cultivo da cana. Incorporar fatores de maior resistência à seca é outra área de in- vestigação relevante.

Em terceiro, é óbvia a importân- cia no aumento da produtividade. A meta é passar de 6.000 litros de ál- cool, para 9.000 litros, por hectare, o que só pode ser conseguido pela combinação de ciência básica e de méto- dos que acelerem o processo de me- lhoramento genético.

Há uma corrida internacional pela bioenergia. No Brasil, até o momen- to, há ações coordenadas, no sentido de promover parcerias público-priva- das, que criem um corpo sólido de co- nhecimento e de mecanismos de sua apropriação estratégica. Somos capa- zes de gerar novos genes e colocá-los no contexto de um amplo programa competitivo, em um campo em que já somos competitivos. Usando a figura criada por economistas, ainda pode- mos figurar como “cão que morde” e não apenas “cão que ladra”, para evitar que, em um futuro próximo, fiquemos felizes em acomodar, como um gato gordo, os investimentos tecnológicos internacionais no Brasil.

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