O Progresso de Criança 2019

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O ANGLO TATUÍ TEM CONVIVÊNCIA NO PERÍODO DA MANHÃ

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03 LITERATURA

Docente de literatura é recordista de prêmios obtidos por estudantes Graduada em letras pela Uniso (Universidade de Sorocaba) e mestre pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, a professora Mariana Fogaça Calviño detém um recorde absoluto no município: é a docente com maior número de estudantes premiados no Concurso Literário “Paulo Setúbal”, atualmente, o mais importante da cidade. Quase uma sala de aula inteira (na média das unidades particulares, que é de 20 matriculados, conforme a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado) orientada por ela já venceu o certame. Os estudantes concorrem na modalidade literatura, de âmbito municipal. “Infelizmente, não sei exatamente o número, mas acredito que tivemos, mais ou menos, 16 premiações”, conta. Somente na 18ª edição do Concurso “Paulo Setúbal” – Literatura e Artes Visuais, promovida em 2019, o Colégio Anglo arrebanhou, simplesmente, todos os prêmios possíveis. Dividido em três categorias na área de literatura, o certame reserva prêmios ao primeiro e segundo colocado entre os alunos do 6º e 7º ano do ensino fundamental, entre os do 8º e 9º e, por fim, entre os estudantes do ensino médio. Dos seis agraciados, todos estudam com a professora Mariana no Anglo Tatuí – ou melhor, “todas”, já que formam um grupo totalmente de meninas. São elas, respectivamente: Luiza Valdrighi Marinho, vencedora entre o 6º e o

Arquivo pessoal

Mariana Calviño posiciona Anglo em destaque absoluto em concursos

Além de alunos, professora, ao centro, teve menção honrosa

7º ano; Laura Valdrighi Marinho, segunda colocada na mesma categoria; Catarina Costa Barreto, campeã entre o 8º e o 9º ano; Maria Eduarda Xavier Soares, segunda colocada; Fernanda Antunes, vencedora no ensino médio; e Isabella Koyama, a segunda nesta categoria. Além das premiações principais, na somatória entre as três categorias literárias, houve 12 menções honrosas, entre as quais mais duas alunas de Mariana acabaram agraciadas: Giovana Cunha dos Santos, do 8º ano fundamental, e Hillary Fabiana Tereza Farah Zanella, do 3º ano médio. A própria professora, pelo mesmo certame de 2019, na divisão de adultos em âmbito nacional, intitulada Prêmio Literário “Paulo Setúbal” e que se desdobra nas categorias contos, crônicas e poesias, levou mais duas distinções: ganhou mênção honrosa nas categorias conto e crônica, pelo Prêmio Galardão (reservado a autores residentes em Tatuí). Mariana trabalha há quase 15 anos no Colégio Anglo Tatuí e, atualmente, cursa especialização em neuropsicopedagogia. A professora também atua no


04 Colégio Anglo de Cerquilho e lecionou em outras duas unidades da instituição. “Passei por dois outros colégios, pelos quais tenho um imenso carinho: trabalhei por quatro anos no Anglo de Itapetininga e oito anos no Anglo de Itu”, descreve. Apaixonada pela profissão, a docente conta que teve contato com a literatura muito cedo, ainda na infância. Talvez por esse motivo, saiba o quão importante é trabalhar com os conceitos envolvendo o mundo das letras junto aos pequenos. “Eu me lembro que, assim que comecei a ler, ganhei o livro infantil ‘Marcelo, Marmelo, Martelo’, da escritora Ruth Rocha. Lembro-me de ficar horas lendo e relendo. E, desde então, tudo o que vinha em minhas mãos eu lia”, descreve. A recordação seguinte vem dos quadrinhos da Mafalda, do pensador e historiador gráfico Joaquín Salvador Lavado Tejón, conhecido como “Quino”. Mafalda é uma menina preocupada com a humanidade e a paz mundial. As tiras escritas e desenhadas por Quino apareceram em 1964, ganhando popularidade na América Latina e Europa. “Meu pai me dava os gibis em espanhol. Assim, posso dizer que eu lia em português e em espanhol também”, comenta. Somadas a outras referências, obtidas com a profissionalização, Mariana se dedicou a trabalhar com a escrita em sala de aula. No Anglo Tatuí, a professora faz uso de método apostilado, adicionando outros textos. “Trabalhamos com o conteúdo proposto, que já vem muito bem elaborado para os alunos”, conta. As aulas de redação são complementadas por conhecimentos de outras disciplinas. Mariana salienta que o trabalho é em conjunto com outros professores. Para a educadora, a participação dos colegas é imprescindível para “a perfeita aprendizagem”. “Portanto, tudo é feito e escolhido em conjunto”, frisa. Enquanto ela, como professora de redação, trabalha determinado tema, a docente de gramática faz o mesmo. O diferencial é que a abordagem da segunda é específica para a disciplina dela. Da mesma maneira, acontece com a professora de leitura, no caso do ensino fundamental, e de literatura, no ensino médio. Mariana leciona para estudantes matriculados desde o 6º ano do ensino fundamental no Anglo (segundo ciclo) até o cursinho preparatório para o vestibular.

As idades variam de 11 a 19 anos e, também por isto, os conteúdos são direcionados. “Os alunos têm contato com vários temas e gêneros”, descreve. Mas, é no ensino fundamental que a base é formada, conforme enfatiza a professora. Os pequenos orientados por ela têm a oportunidade de passar por todos os estilos, começando pela literatura fantástica, que é a preferida por Mariana, até a de terror, ficção científica, aventura e humor, entre outras. “Ali (no ensino fundamental), eles têm o primeiro contato com, praticamente, todos os gêneros necessários: narrativa, poesia, paródia, cordel, artigo de opinião, carta, notícia, reportagem, dissertação, entrevista, entre outros”, observa. Em outras palavras, as crianças não têm contato somente com a literatura propriamente dita, ganhando mais que vocabulário. Elas acumulam uma bagagem de aprendizagem importante para toda a vida. “Todos os textos apresentados são necessários para a formação do aluno”, destaca a professora. Outra característica peculiar à tática da docente é que ela, ao contrário de relutar, adota as novas tecnologias como ferramentas de aprendizado. “Vivemos um momento tecnológico sem precedentes, e nosso papel não é lutar contra as tecnologias, mas saber que elas têm um papel importante também”, avalia. No caso dos livros, apesar de o suporte variar (do papel impresso para o formato digital), Mariana destaca que as histórias continuarão existindo e sendo apreciadas “por todos”. “Por isso, sabemos que as crianças e os adolescentes sempre gostarão de uma boa história”, argumenta. Uma comprovação inequívoca deste fato é o desempenho dos estudantes orientados pela professora. Somente em Tatuí, os alunos acumulam premiações em várias edições do “Paulo Setúbal”, conquista que continua a ser celebrada tanto pelos vencedores como pela docente e pelo próprio Anglo Tatuí, a cada nova edição. “É uma gratidão fazer parte da história desse concurso tão incrível, que temos a honra de dizer que é da nossa cidade! E, neste ano, tive a alegria de receber duas menções honrosas por meus textos”, conta. “Foi maravilhoso ver a alegria dos meus alunos por me verem recebê-las”, acrescenta. Na opinião de Mariana, o desempenho dos estudantes é resultado de uma soma de fatores, sendo os principais “a criatividade, a autonomia, a disciplina

e o amor”. A professora conta que sempre incentiva cada um dos estudantes a encontrar o próprio caminho na escrita, o que proporciona a eles, desta forma, autonomia. Com esse processo, o aluno é estimulado a desenvolver a criatividade. Passa, então, a encontrar “lugares escondidos dentro de si que, aos poucos, revelam talentos inimagináveis”. “Assim também como a disciplina, eles são muito disciplinados e sabem que o progresso só vem com o esforço”, frisa. Já o amor é o fator que permite a fixação do conteúdo. Isto porque, conforme destaca a professora, sem ele, nenhum aluno teria aprendido de fato. “O amor é o elo de confiança que nos une e faz com que eles (os estudantes) enxerguem que eu só quero o melhor para eles”, enfatiza. Para quem está na fase de aprendizado, os concursos são extremamente importantes. De acordo com Mariana, os certames, como o “Paulo Setúbal” e também o de Natal, em desenho e redação, promovido pelo jornal O Progresso, por exemplo, têm o papel de incentivar as pessoas e promover a área abrangida, seja ela de humanas, exatas ou biológicas. Além disto, os concursos valorizam o conhecimento individual e coletivo. “No caso da literatura, fazem o mesmo caminho: incentivam, promovem e valorizam”, analisa. Ainda que objetivem a premiação e, por consequência, possam gerar algum grau de competitividade, Mariana enxerga os certames com outros olhos. Apesar de saber que todos vivem em um mundo competitivo, a professora tem outro discurso: ela não superestima a vitória individual, preferindo valorizar o coletivo. “Consegue imaginar cada criança escrevendo seu texto, sentada no interior de sua casa, ou na escola, e, depois, levando à professora para que esta envie à inscrição? É assim que imagino todas que participam, e, para mim, todas são vencedoras, porque escolheram o melhor caminho: o caminho do conhecimento”, afirma. Mariana argumenta que, assim como muitas pessoas, já recebeu “inúmeros nãos” ao longo da vida. E destaca que, nem por isto, “foi vencida”. Para a professora, a “derrota” (não ganhar um concurso, não ser aprovado na prova, perder um emprego), como as pessoas conhecem, “é muito subestimada”. “Acredito que ela seja importante para

forjar o caráter de cada um. Portanto, não há rivalidade, não há perdedor. Há aquele que venceu hoje e aquele que vencerá amanhã, mas todos merecem nosso orgulho e nossa admiração”, defende. Um dos suportes à desmistificação da derrota pode – e deve – ser o mundo das palavras. Na avaliação da educadora, a literatura é “o melhor caminho para a educação infantil e para toda a vida”. A professora acredita tanto nisso que projeta o mundo como perfeito se todos os pais e responsáveis incentivassem as crianças a lerem sempre. “Toda criança gosta de histórias. Isso só precisa ser incentivado no decorrer dos anos. Com o tempo, a leitura se tornará um hábito e a criança, um adulto leitor”, sustenta. De acordo com a professora, quem se envereda pelo mundo da literatura, mesmo que “a passeio” (não escrevendo, mas lendo), só tem a ganhar. Além de aumento de vocabulário, conhece áreas distintas, desenvolve a criatividade e melhora a comunicação. “Enfim, o conhecimento liberta!”, exclama. Em Tatuí, o caminho para a libertação proporcionada pelo conhecimento obtido com a literatura passa pelos concursos. O que leva o nome de “Paulo Setúbal”, a título de conhecimento, atrai, além dos moradores da cidade, pessoas de todo o Brasil. “A edição deste ano teve 500 participantes. Isso é muito gratificante para nós. A cidade, além de ser a Capital da Música, poderá dizer, em breve, que também é a ‘Capital da Literatura’! Seria um sonho”, confessa. Mariana também ressalta que, na cidade, os colegas dela, que são professores e atuam “em todos os cantos da cidade”, têm dedicado a vida ao melhor ensino e, também, à literatura junto a cada aluno. Entretanto, para ela, é necessário fazer um pouco mais. “É preciso que cada responsável (pai, mãe, avô, tio...) desperte o prazer da leitura e da escrita em seus pequenos”, avalia. Outra medida seria a criação de um centro destinado somente para leitura e escrita. “Sempre imaginei um espaço assim, cultivado para acolher crianças e jovens que desejem aprender de fato a ler e a escrever. Ler não é somente decodificar os signos, ler é interpretar, relacionar, inferir. Assim como escrever não é somente colocar palavras no papel, é imaginar, criar, sentir, abrir-se para um mundo ainda muito desconhecido pela maioria das pessoas”, encerra.


05 SAÚDE (EM RISCO)

“Não vacinar é ignorância”, diz pai com filho vítima de paralisia No final de setembro, o Ministério da Saúde confirmou 4.507 casos de sarampo em 19 estados do Brasil. Mais de 97% deles, registrados em 168 municípios do estado de São Paulo. O levantamento soma dados de julho até o mês passado. Em Tatuí, o número de positivados subiu de 7 para 10, em aumento de 42,85%. Até este mês, dos 52 casos suspeitos, 27 aguardavam resultado e 15 foram negativados. O médico alergologista Jorge Sidnei Rodrigues da Costa alerta para o fato de que, assim como no Brasil, a doença voltou a aparecer na cidade por falta de vacinação. Situação que o aposentado José Vieira de Miranda, de 89 anos, considera injustificável. Ele é pai de cinco filhos - um deles, Roberto Miranda, de 61 anos de idade, vítima de paralisia infantil aos 12 meses de vida. Casado com Margarida Vieira de Miranda, José Vieira vive em Cesário Lange, onde nasceu. Na época que Roberto veio ao mundo, ele explica que a cidade era distrito de Tatuí e, por não ser autônoma, carecia de melhorias, como a vacinação. Cesariolangense “da gema”, José Vieira conta que, da prole, quatro filhos não receberam imunizações. Fundamentalmente porque, naquela época, a vacina ainda não havia chegado à localidade. Vale lembrar que as vacinas contra a poliomielite – que causa a paralisia infantil – só chegaram ao Brasil nos anos de 1955 e 1961, mas em campanhas de aplicação reduzidas. Primeiro, veio a Salk (injetável) e, só mais tarde, a Sabin (gotinha). “Não existia vacinação aqui. Não tinha nada. Faltava tudo. Quando precisava, tinha que ir para Tatuí. E em Tatuí pouca coisa tinha também”, relata. Sem imunização, Roberto contraiu poliomielite em novembro de 1958. Ele está entre os dez casos de crianças infectadas no município vizinho no mesmo período. Das acometidas pela doença contagiosa e provocadas por vírus que pode acarretar em paralisia nos membros

Cristiano Mota

“Deixar de imunizar representa erro e risco”, acresce especialista

José Miranda e esposa Margarida defendem a vacinação

inferiores, apenas duas sobreviveram. “Ele tinha completado um ano. Era um moleque coisa mais linda do mundo, um garotão, mas mudou depois de começar a manifestar a doença”, recorda José Vieira. Sem indicação do que seria, a família estranhou o comportamento do menino. Em princípio, o pai e a mãe acharam que se tratava de uma gripe mais forte. Roberto, que nasceu em casa – no prédio onde funciona atualmente a prefeitura de Cesário Lange e que pertencia à família –, teve febres muito altas. Os pais seguiram, na ocasião, as recomendações de benzedeiras e o que determinava o costume. Deram banho para não deixar a febre subir. Na primeira vez que o menino apresentou os sintomas - que incluíam nariz escorrendo -, José Vieira diz ter ficado assustado. “Ele teve convulsão, e nós nunca tínhamos visto aquilo. Ele havia caído doente de uma hora para outra”, relata. Como a população não dispunha de muitos recursos, a solução do casal foi encaminhar a criança para ser avaliada por um farmacêutico. Os pais buscaram ajuda durante 15 dias. “Procuramos tudo que foi recurso, mas, na época, era muito mais difícil.

Para se ter ideia, nós tínhamos de ir para São Paulo atrás de médico. E, para isto, era necessário pegar um táxi em Tatuí”, conta. Fora o táxi, a população contava com as “jardineiras” (modelo antigo de ônibus) ou dispunha de trem. O problema é que tanto um como outro demorava. Se optassem por trem, o casal perderia dois dias, um para ir e outro para voltar. Como tinham urgência, José Vieira e Margarida escolheram o táxi. Da farmácia em Cesário, o aposentado trouxe o filho para Tatuí. Mas, isto depois de a criança ter sido medicada com remédios contra a gripe, sem efeito. Mesmo em Tatuí, José Vieira ressaltou que, naquela década, os profissionais contavam com poucos recursos para realizar diagnósticos. “Eles tinham, simplesmente, o conhecimento de um clínico-geral, mas não o de hoje. Era um negócio de auscultar o coração, ver a pressão e um termômetro”, aponta. Em Tatuí, o casal levou a criança para três médicos. Nenhum deles chegou a um diagnóstico. “Levava o menino e, na volta, já tinha febre e precisava retornar”, lembra José Vieira. Roberto só melhorou depois de sofrer a convulsão. No dia seguinte ao episódio, o menino amanheceu sem febre. O pai desconfiou da mudança abrupta

e estendeu um tapete no piso de taco da sala para colocá-lo para engatinhar. “Quando eu o deixei, vi que só mexia com a perninha esquerda e o braço. A outra perna não se movimentava. Não falei nada para minha mulher, para ela não ficar nervosa, mas decidi que, no mesmo dia, levaríamos ele ao médico”, conta. Desconfiado do problema, José Vieira comunicou o fato ao profissional, que, após o relato, encaminhou a criança para a capital. A família e o médico queriam evitar que o garoto tivesse sequelas muito graves. Após quase um mês do primeiro sintoma, o pai e a mãe viajaram com a criança. Em São Paulo, tiveram o diagnóstico confirmado, mas com uma notícia consoladora. José Vieira lembra que o médico havia garantido que a doença não evoluiria. Isso significava dizer que a paralisia não afetaria outros membros ou se estenderia para a outra perna. Do segundo médico, os pais levaram a criança para um terceiro, que chegou a reclamar do atendimento, programado para a véspera de Natal de 1958. José Vieira ficou indignado com a queixa do profissional, e, por pouco, “não perdeu a cabeça”. “Quase que eu dei um soco na cara dele. Estava com o nervo à flor da pele, e o médico ainda reclamou. Disse a ele para não querer estar na minha situação, de ter um filho de um ano de idade com paralisia e necessitando de cuidados médicos”, conta. Acalmado pelo taxista e pela esposa, José Vieira retornou a Cesário Lange. Mas, no dia seguinte, voltou a Tatuí, onde teve indicação para tratamento de fisioterapia em São Paulo. Na capital, um quarto médico confirmou o diagnóstico e repassou, por escrito, os procedimentos do tratamento a ser feito em Tatuí. Para evitar que a criança tivesse mais problema, os pais viajaram com ela durante dois anos. Margarida trazia Roberto para a fisioterapia três vezes por semana.


06 xumba, está diretamente ligada à não vacinação. É o que aponta o médico Jorge Sidnei. Segundo ele, o retorno dos casos deve-se a vários fatores, mas, essencialmente, à imigração de venezuelanos nos estados do Norte brasileiro. De acordo com o médico, a vacinação é um dos quatro pilares preconizados pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e que havia garantido ao Brasil, em 2016, certificado de erradicação pela Opas (Organização Pan-Americana de Saúde). Os outros três, são: aleitamento materno, acompanhamento dos primeiros mil dias de vida da criança e cuidados para evitar a diarreia. No Brasil, Jorge Sidnei afirma que os imigrantes trouxeram de volta o vírus tipo D8 e, provocaram, portanto, quase uma epidemia. “É um surto, e o que

realmente, estão com as vacinas em atraso”, adverte. De modo geral, os pais têm levado as crianças para a primeira dose, mas faltado na segunda. O médico avisa que esse comportamento não pode ocorrer. Jorge Sidnei ressalta que o calendário vacinal precisa ser “respeitado à risca”. “Nós temos, no Brasil, um calendário. E a primeira dose da vacina contra sarampo, caxumba e rubéola tem de ser aplicada com 12 meses de idade; a segunda, com 15 meses, protegendo também contra a varicela”, detalha o profissional. Somente depois da segunda dose é que a criança é considerada imunizada. Tanto é que a Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo instituiu a “dose zero”, uma imunização extra, indicada para coibir a proliferação do vírus que provoca o sarampo.

Cristiano Mota

“Foi o que permitiu a ele continuar andando e a nós, reduzirmos o dano na perna esquerda. Mas, ele tinha cinco anos, quase seis, quando foi começar a andar”, diz a mãe. Por causa da paralisia, Roberto sofreu com atrofia dos músculos da perna. O membro também teve o desenvolvimento interrompido, o que fez com que sofresse encurtamento, sendo necessárias duas cirurgias para correção. Em uma delas, os médicos precisaram quebrar os ossos para reorganizá-los. Mais velho, Roberto desistiu das operações e desenvolveu problemas cognitivos. “Ele permaneceu na fase de criança, não tendo condições de estudar”, afirma Margarida. Conforme a mãe, Roberto conseguiu chegar até o sexto ano do ensino fundamental (sétima série). “É algo que mutila a pessoa”, emenda. Sem capacidade para trabalhar e cuidar de si mesmo, Roberto fica sob a tutela dos pais. Na época do aparecimento da doença, José Vieira era comerciante. Antes, havia trabalhado como carpinteiro e, depois, como vereador. Mas, foi o ofício de comerciante e não o de político que permitiu o tratamento. Isto porque José Vieira atuou por três legislaturas sem vencimentos. Durante a vida pública, defendeu a bandeira da vacinação e, após ser nomeado funcionário da Educação, atuou efetivamente nas campanhas por 35 anos. Prova disso são os certificados de participação nas ações. Para os pais, defender a vacinação é um modo de amenizar a dor. Margarida chora ao lembrar, por exemplo, o que o menino dissera a ela depois de ver uma campanha de vacinação contra a poliomielite na televisão. “Ele falava: ‘Olha mãe, eu poderia ter sido protegido’. Mas é que não tinha”, lamenta a aposentada. José Vieira diz que, ao contrário do descaso que vem ocorrendo na atualidade por parte dos pais, ele e a esposa não vacinaram por não terem opção. O aposentado acrescenta que a recusa é um “ato de ignorância muito grande”. “Pessoas que não querem levar os filhos para vacinar é porque ignoram o que é a paralisia infantil, não conhecem a realidade, porque, se conhecessem um pouco, se vissem o que ela representa para um ser humano, iriam vacinar”, afirma. O reaparecimento de doenças como sarampo e, mais recentemente, a ca-

Jorge Sidnei alerta sobre segunda dose para imunização

acontece, por causa da internet e das chamadas ‘fake news’, é o que temos visto com muita frequência: pessoas mal informadas”, analisa o especialista. Em alguns casos, o médico ressalta haver má intenção. Isto porque as informações são sempre no sentido de por em cheque a eficácia das vacinas, quando não dizer que as imunizações podem fazer mal ou provocar a morte. “Existem trabalhos mostrando que as vacinas, atualmente usadas tanto no Brasil quanto no mundo, são altamente eficientes e não provocam nada”, sustenta. Jorge Sidnei aponta que tem sido comum, na internet, um movimento chamado “Antivacinação”, o que resulta em redução da cobertura vacinal e de falhas nas cadernetas. “Tenho visto, em meu consultório, que muitas pessoas,

“Nós sabemos que uma pessoa contaminada infecta, perto dela, de 18 a 20 pessoas. É uma doença altamente contagiosa”, frisa. Para quem desconhece a gravidade da doença, Jorge Sidnei conta que, em 1981, quando começou a residência médica, o sarampo ocupava a terceira posição como principal causa de morte entre crianças. A primeira era a broncopneumonia e a segunda, a diarreia. “Trata-se de uma doença extremamente grave, que causa muitas complicações, como encefalite, que é uma inflamação do cérebro, provoca uma conjuntivite intensa no olho, febre muito alta, desidratação, vômitos etc.”, enumera. Defensor da imunização, Jorge Sidnei atua intensamente na aplicação das vacinas desde 1982, ano em que trouxe

para Tatuí um posto de vacinação (atual Cevac). “Naquela época, não se fazia vacina de sarampo, caxumba e rubéola nos postos”, lembra. O médico introduziu, no município, a vacina MMR (as siglas em inglês para sarampo, caxumba e rubéola). Essa imunização entrou na rede pública dez anos depois. “Neste período, acabei vendo muita criança com sarampo, rubéola congênita (que é quando a mãe adquire a doença na gravidez)”, conta. Na segunda situação, o resultado pode ser a criança nascer com a cabeça pequena, ter problemas cardíacos e outras complicações que podem levá-la a óbito. Outro alerta do profissional é com relação a outras doenças, como a tuberculose e hanseníase. De acordo com ele, já existem relatos de casos suspeitos no país. O alergologista argumenta que a imunização é uma ação que precisa ser iniciada na criança logo ao nascer. Começa com a BCG intradérmica, para prevenir a tuberculose e contra a meningite tuberculosa. A outra vacina necessária é a de hepatite B, obrigatória. O médico orienta que as mães procurem sempre o posto de vacina para colocarem a caderneta de vacinação em dia, que não deixem de cumprir o calendário do PNI (Programa Nacional de Imunizações) e respondam às campanhas. Acrescenta que, se as doses não puderem ser encontradas na rede pública, estão disponíveis na iniciativa privada. Caso da pneumo 13 (vacina pneumocócica), da meningite B e da Meningo ACWY, que protege contra infecções generalizadas. Há, ainda, as que imunizam contra a dengue, indicada a partir dos nove anos de idade, e contra o cobreiro (a herpes zóster), indicada para pessoas acima de 50 anos. O ideal é que as campanhas consigam vacinar 95% da população. No Brasil, segundo Jorge Sidnei, este percentual gira em torno de 75% na primeira dose e de 67%, na segunda. “Ou seja, é extremamente baixa”, ressalta. Para quem perdeu a caderneta ou não lembra se tomou a segunda dose, o indicado é ser vacinado pelo menos mais uma vez. A imunização evita que os vírus sofram mutação, ao contaminarem adultos, e a reintrodução de doenças como a coqueluche (tosse comprida). “Na dúvida, entre em contato com um pediatra e não caia na crença de que vacina faz mal”, conclui.


07 PSICOLOGIA

Distanciamento entre pais e filhos é principal impacto da tecnologia Divulgação

Pais também têm dificuldades em acolher individualidade das crianças

Psicólogas abordaram temáticas em evento próprio no CEU

Afinal, o que meu filho precisa? A pergunta que, praticamente, todos os pais podem se fazer tem respostas amplas. Sem falar nas causas, que podem ser diversas. No quesito educação, as indagações dos pais são dirimidas com ajuda da psicologia. Também com ela, um eventual problema de comportamento é solucionado. É o que aponta Marinara Aparecida Quevedo Soares. De acordo com ela, falta psicologia na educação dos filhos, mas não somente a aplicação propriamente dita da ciência que trata dos estados e processos mentais, do comportamento do ser humano e de suas interações com um ambiente físico e social. “Falta informação. Como sempre digo, não existe um curso para se tornar pai e mãe. E não há uma receita de como educar os filhos”, argumenta. Marinara ressalta que toda criança é única, pelo menos no comportamento. Isto significa dizer que, mesmo que os pais tenham dois filhos, gêmeos ou não, deem a eles a mesma educação, muito provavelmente, as crianças serão diferentes.

Também influenciam na formação educativa e, portanto, na individualidade, fatores como o contexto social, cultura e até mesmo a época em que a criança vive. “Tudo isso vem a acrescentar”, salienta. Embora a sociedade viva na chamada era pós-digital, na qual as tecnologias impactam não só a disseminação de informação, mas direcionam o consumo, Marinara enfatiza haver grande ausência de dados de qualidade quanto à informação. Pelo menos, da que trata da relação entre pais e filhos. “Isto pode ser prejudicial, porque o excesso de informação remete à tecnologia e o uso dela em excesso promove, também, distanciamento das famílias”, diz. Trata-se de uma nova engrenagem para um velho mecanismo. Conforme a psicóloga, é como se os pais tivessem substituindo a babá de antigamente pelo meio eletrônico de hoje. Ao agregar dispositivos como “smartphones” e “tablets” no cotidiano das crianças, os pais estariam “terceirizando a atenção”. “E aí os pais acabam se distanciando e não suprem as necessidades da criança, que são a atenção e o afeto. Isto é essencial para o desenvolvimento. É na

relação com os pais que a criança vai aprender”, explica Marinara. Quando esta etapa de interação não ocorre, os pais também são afetados. Para eles, a psicóloga destaca que educar os filhos é se “autoeducar” também. “Quando nós falamos sobre educação dos filhos, quem educa são os pais, e é aí que existe o que nós chamamos de educação parental”, descreve. A educação parental é uma ação programada, que apresenta como especificidade a mediação ou orientação sobre as práticas educativas, que são as maneiras de se educar. “E é aí que entram os estilos parentais”, ressalta a psicóloga. Marinara observa a existência de pais que podem ser muito permissivos ou muito autoritários. O ideal é que possam dosar as práticas, ter equilíbrio. “É uma relação de respeito mútuo, necessário para o desenvolvimento saudável”, afirma. Outro ponto a ser avaliado é que, muito possivelmente, os pais tendem a repetir as principais referências que tiveram na infância. Acabam reiterando comportamentos sem ter a consciência de que eles podem não ser saudáveis

às crianças. Quando os pais tomam consciência de que um determinado comportamento não é legal, a situação muda. “Nisto, entra o treinamento de pais. Ele possibilita que os pais tomem consciência de quais comportamentos, de quais atitudes vêm tendo e que não são saudáveis ao desenvolvimento da criança”, diz. No entanto, em boa parte dos casos, os pais chegam a essa reflexão em situações críticas. E, ainda assim, só conseguem ver o problema nas crianças. Tanto que as principais reclamações nos consultórios costumam ser de “birra”, comportamento das crianças que, na maioria das vezes, é confundido. Marinara revela que a birra pode ser, na verdade, uma ansiedade. Diferentemente dos adultos, as crianças não sabem que estão ansiosas e, por isto, sofrem muito. A criança ansiosa chama a atenção, muitas vezes, chorando antes de ir para a escola, ou chorando quando precisa se separar dos pais. “O filho sempre vai catastrofizar, tendo um comportamento que pode ser confundido com birra”, conta. Na criança, a ansiedade revela preocu-


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Cristiano Mota

família e não em uma terapia infantil, porque nós precisamos da presença de todos”, conta. Na terapia sistêmica familiar, o trabalho consiste em analisar o modo como o sistema familiar funciona. Nessa perspectiva, o tratamento não é do paciente identificado, mas de todo o núcleo. Isto porque o adulto pode provocar ou incentivar um determinado comportamento da criança que seja problemático. “Uma criança pequena fazendo birra, se o comportamento dos pais for atendê-la toda vez que ela chorar, eles estão, literalmente, sincronizando com a criança. Você faz o que eu quero e eu, o que você quer. Pronto, o sistema está ligado. Então, não é a criança que tem o problema, o adulto também”, aponta Lucilene. O olhar da terapia sistêmica faz com

Jéssica Covos diz que escola atua na relação de pais e filhos

são os primeiros a acionarem os pais quando têm dificuldades em lidar com os alunos. Preocupados, os pais procuram logo uma ajuda psicológica. Boa parte deles, quando chegam pelas vias particulares (convênio), já vai

Cristiano Mota

Paula Reis Brabo atuou na organização de evento aos pais

aos consultórios dos profissionais com diagnósticos, o que gera preocupação para os pais. Segundo Jéssica, isso ocorre porque, quando precisam consultar um especialista, os pacientes têm de retirar uma guia de encaminhamento. A ordem é emitida por um clínico-geral, que necessita – no caso dos convênios particulares – inserir o CID (Código Internacional de Doenças). Ocorre que, na prática, muitos destes diagnósticos não se consolidam. “Então, o trabalho que nós temos é de desmistificar a ajuda psicológica”, frisa Jéssica. A missão dos psicólogos, então, é a de trabalhar as questões do aspecto saudável da criança. Para isto, os profissionais utilizam um “olhar mais sistêmico”. “Costumo dizer aos pais que eles estão em uma terapia de

que os familiares reflitam sobre o papel de cada ente da família. Mas, isto não significa que a criança “vai melhorar ou sarar”, conforme as profissionais. Ao contrário, representa que os demais membros deixaram de incentivar a existência de um comportamento.

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pação excessiva em relação ao que pode acontecer no futuro, essencialmente, com os pais. Ela teme que alguma coisa de ruim possa acontecer e, para evitar que os pais saiam, começa a chorar. O recomendado para estas situações é a prevenção. Marinara ressalta que os pais podem evitar problemas oferecendo atenção, além de uma educação emocional. Precisam ensinar as crianças a aprender a identificar o que elas estão sentindo. E explicar que os sentimentos são normais e que não é feio senti-los. Além do distanciamento, outra dificuldade para os pais superarem no relacionamento com os filhos diz respeito à individualidade. Lucilene Lera Alciati e Jéssica Muhamed Covos declaram que muitos dos pais e mães relutam em aceitar que os filhos apresentam comportamentos diversos do que eles gostariam de ver. Nestes casos, as diferenças são tidas como uma ameaça. “Às vezes, até, como uma falha de caráter”, esclarecem as psicólogas. Exemplos clássicos são as crianças extrovertidas, mas filhas de pais tímidos. Daí, a queixa apresentada nos consultórios é de que as crianças têm um comportamento inadequado, não param quietas ou são espalhafatosas. “Trata-se de um comportamento diferente do habitual, do resto do sistema”, aponta Lucilene. A psicóloga diz que, em situações como essas, qualquer atitude diversa pode ser entendida como um problema: a criança que chora demais, ou a que não corresponde às expectativas dos pais na escola. As instituições de ensino também se fazem presentes na relação entre pais e filhos. E, vez ou outra, são os professores os primeiros a trazer à tona a discussão sobre o comportamento dos pequenos. Jéssica explica que os professores

Para resolver as questões de conflito, as psicólogas explicam que a principal estratégia é “trazer o problema à tona”. Quando a família é muito crítica, a título de exemplo, as profissionais denunciam os comportamentos sistêmicos. “Nós somos testemunhas do comportamento que está instalado. Então, mesmo que a família seja mais discreta, o comportamento vai aparecer. Pode demorar um pouco mais, mas, em uma segunda sessão, ele estará lá”, comenta. Quando o pai ou a mãe reprime a criança pelo comportamento, mas não elogia uma atitude positiva, as psicólogas intervêm. “Nós dizemos, por exemplo, que a criança teve atitudes positivas que ninguém elogiou, mas mostramos que, no primeiro equívoco, todo mundo criticou”, descreve a psicóloga. De modo geral, os problemas familiares – e os envolvendo as crianças – aparecem quando estão causando angústia. E a demora em procurar ajuda, conforme as psicólogas, deve-se a vários fatores. Dentre eles, o preconceito. Muitos pais podem classificar o comportamento da criança como frescura. Há casos, também, em que há descrédito no trabalho dos profissionais. E outros que consideram a ida a um consultório apropriada apenas para “doidos”. “Tem preconceito de todo jeito. Tem quem fale que não precisa de psicólogo porque não está louco, quem ache que não necessita de ajuda porque não tem problema. Mas, a questão precisa ser resolvida no outro”, diz Lucilene. Para driblar estas questões, a psicóloga costuma convidar os familiares a acompanharem as sessões. Quem aceita enxerga que a terapia não é destinada a quem “tem culpa”. “A terapia de família nunca vai trabalhar com a culpa, porque não se trata de culpa, mas de um jeito de ser”, finaliza.

A psicóloga Lucilene Lera Alciati falou sobre individualidade


09 PROFISSÃO AFINADA

Música promove autodisciplina, estimula raciocínio e a memória Já é sabido que o aprendizado de música traz benefícios vários. Na infância, a atividade facilita a experiência da leitura e da escrita, promove a autodisciplina, ajuda no desenvolvimento do raciocínio lógico, aumenta a capacidade de memorização, as habilidades de comunicação e desperta a criatividade. Para Luís Marcos Caldana e Marcelo de Jesus da Silva, o Marcelo “Bambam”, a música fez bem mais que isso: abriu um “mundo de oportunidades”. Os músicos têm histórias de vida distintas, mas que se assemelham muito quando o tema é o impacto do ensino da música desde a juventude. Caldana é formado em tímpanos, percussão e acessórios, como era chamado o atual curso de percussão sinfônica. O músico ainda estudou educação artística pela Faculdade Asseta e possui pós-graduação em educação musical, pela Facon (Faculdade de Conchas). Atualmente, Caldana é coordenador do Grupo de Percussão do Conservatório de Tatuí, professor coordenador da área de percussão do CDMCC, timpanista da Orquestra Sinfônica do Conservatório de Tatuí e docente na Escola Livre de Música, em Itapetininga. “Comecei (na música) aos 15 anos”, inicia. Caldana ingressou no Conservatório em 1979. Natural de Tietê, o músico precisou vencer adversidades para aprender a tocar e tornar-se profissional. A primeira delas, o contexto social. “Nasci e fui criado em um sítio, com pais agricultores”, relata. Desde a infância, ele apreciava a música popular brasileira e o samba, ritmos nacionais. Mas, o pop e o rock progressivo sempre lhe chamaram a atenção. “Lembro-me pouco (das referências musicais), porque, no sítio que vivíamos, nossa televisão era um rádio de pilha. E ouvíamos muito sertanejo raiz”, conta. Os sucessos da época pertenciam a Tião Carreiro e Pardinho e ao Trio Parada Dura. Toquinho, Vinicius de Moraes e Tom Jobim também faziam barulho. Para acompanhar as canções, Caldana

Cristiano Mota

Para Caldana e Bambam, ela ainda abriu ‘mundo de oportunidades’

Luís Caldana iniciou na música aos 15 e tem 40 de profissão

batucava alto em um par de latas de óleo velhas. “Na época, as vasilhas eram grandes, de 20 litros. Eu simulava uma bateria e ficava tocando. Já era uma vocação que tinha. Estava no sangue”, argumenta. A entrada no Conservatório marcou uma segunda transformação na vida do músico. Com as aulas, Caldana começou a ter contato com o gênero clássico, o que o fez ampliar os horizontes. Até então, ele tinha a intenção somente de cursar e tocar bateria. Mas, o som clássico permitiu a ele ir mais longe. Morando em Tietê, Caldana frequentava as aulas em Tatuí uma vez por semana, aos sábados. As instruções aconteciam no subsolo do prédio do Museu Histórico “Paulo Setúbal” (MHPS), nas salas que compunham a antiga cadeia pública. O músico vinha de ônibus, tendo de percorrer uma verdadeira cruzada. Para chegar à rodoviária de Tietê, ele pedalava – quando dava – por sete quilômetros, a distância entre o sítio e o centro da cidade. De lá, pegava uma “jardineira” para Tatuí. Esforço possibilitado com a ajuda e o apoio dos pais.

Com o tempo e as transformações econômicas, a situação mudou. Caldana conta que o pai chegou até a pensar em parar de apoiá-lo, por falta de condições financeiras. Foi então que o aluno conversou com o professor Javier Calvino. “Expliquei toda a situação e, por uma coincidência, ele me disse que já havia pensado em me chamar para ser monitor, porque eu já tinha quatro anos de curso, conhecimento básico, já estava alfabetizado musicalmente”, relembra. Caldana iniciou na função de monitor em 1985. Depois, ingressou no Projeto 79, do maestro José Antônio Pereira, recebendo bolsa de estudo pelo trabalho com a banda e pelas aulas que ministrava na atuação da monitoria. Na sequência à formatura, Caldana teve nova conquista proporcionada pela música. “O Conservatório apareceu para mim como primeiro emprego e que permanece até hoje”, orgulha-se. O convite para integrar o quadro docente veio do então maestro Antônio Carlos Neves Campos (falecido no ano de 2013). Em 1987, Caldana teve outro chamado: lecionar em Itapetininga. Na

sequência, passou a tocar na Orquestra de Sorocaba e, em paralelo à música clássica, tocava bateria, pandeiro e conga, como músico integrante de grupos e bandas. Animou bailes nos bares de Tatuí, como o Tro-lo-ló, e da região. Também tocou em festas de casamento e bailes de formatura e debutantes. A primeira experiência no exterior veio em 1999, em Budapeste, na Hungria, em uma conferência de bandas. Depois, seguiu com a Midwest Clinic, em Chicago, nos Estados Unidos; um intercâmbio em Monterrey, no México; workshops e masterclasses na Costa Rica; apresentação de música clássica na Argentina; e ação de ensino de percussão brasileira em Kentucky, nos Estados Unidos. “Todos estes trabalhos foram bem gratificantes. Quando você sai do país para levar a cultura brasileira para outros povos e tem reciprocidade, vê que os músicos ficam maravilhados e como é tocado, isto nos deixa muito feliz”, afirma. Com 40 anos dedicados à música, Caldana frisa que ela representa a vida dele. “Tudo que eu tenho hoje, eu construí com a música. Minha família, meus filhos, meus instrumentos. E é muito gratificante fazer o que você gosta”, salienta. Para o professor, o ensino da música começa pelo incentivo. Os pais precisam estimular as crianças, dar a elas a oportunidade de escolher se querem ou não. Embora a concorrência na área esteja acirrada, Caldana diz que há uma expansão do campo de atuação, tanto em orquestras como em universidades. Ainda que não siga carreira, ele ressalta que a criança terá muitos benefícios se optar por estudar música. A coordenação rítmica e motora exigidas como requisito mínimo para o ingresso no curso de percussão, por exemplo, é fundamental para o desenvolvimento dos pequenos. “A música sempre faz bem à alma, ao coração, e é uma terapia”, classifica. É este sentimento que motivou Marcelo Bambam – um pouco mais cedo que


Arquivo pessoal

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Marcelo Bambam agarrou oportunidade e conheceu o mundo

Caldana – a procurar a música. Natural de Pereiras, Bambam teve o primeiro contato com a futura profissão aos dez anos de idade, quando entrou para a Corporação Lira Santa Cecília. O grupo era regido pelo maestro Gastão Pereira. Dois anos depois, Bambam ingressou no Conservatório de Tatuí como aluno. A entrada se deu por meio de um projeto da prefeitura de Pereiras. Na época, a administração municipal ofereceu aos componentes do grupo a chance de concorrerem a uma vaga em um dos cursos da escola de música. Na banda, Bambam tocava bombardino, mas, em Tatuí, escolheu o trombone de vara. “Vendo aqueles instrumentos todos, acabei me apaixonando pelo trombone, mas se passaram dois anos até que eu pudesse vir a estudar”, explica. O projeto permitia a Bambam viajar para Tatuí, mas não cedia a ele o instrumento. Nos dois primeiros anos de curso (1991 e 1992), o aluno teve contato com o trombone de vara apenas no Conservatório. Com ajuda do pai – e esforço próprio –, Bambam conseguiu comprar um instrumento seminovo.

“O Conservatório era a grande oportunidade da minha vida e eu a agarrei com unhas e dentes. Ele me ofereceu professor, infraestrutura, oportunidades. Daí para a frente, mudou a minha vida e da minha família”, testemunha. Bambam veio de Pereiras junto com um grupo de meninos e ficou. “Eu gostei, continuei. Os demais seguiram outros rumos, outras profissões”, comenta. Para ingressar no Conservatório, Bambam teve de passar por seleção. O processo era composto por uma prova teórica e uma instrumental. Contudo, como o jovem já possuía conhecimento, por ter integrado banda em Pereiras, conseguiu passar pela etapa. “Eu tinha conhecimento de banda tradicional, mas que vim ampliando. E o estudo foi a grande porta da minha vida”, frisa. No Conservatório, já instalado “ao lado da rodoviária”, Bambam passou a estudar semanalmente. A rotina de viagens durou seis anos. Aos 16, ele tocava na Banda Sinfônica do Conservatório, na Big Band e na Orquestra Sinfônica. Por amor à música, pelo talento e dedicação, o músico realizou vários sonhos. Um deles, o de acompanhar, junto ao maestro


11 Neves, cantores como Aguinaldo Rayol e Jair Rodrigues. Artistas que os pais dele ouviam na juventude. Teve como inspiração, para seguir firme nos estudos, o piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna da Silva. Aos 16 anos, Bambam tocou na Banda Sinfônica Juvenil do Conservatório em uma festa com a presença do esportista e regência do maestro Pereira. “Eu via o Ayrton na televisão, aos domingos, e, de repente, fui tocar para ele. Poder ver o ídolo de frente foi muito motivador. Então, assimilei muito aquilo e percebi que quanto mais me dedicasse, mais sonhos poderia realizar”, conta. Na época da formação, Bambam passava de oito a dez horas por dia estudando. Tamanha força de vontade levou o músico a ser convidado para integrar o corpo docente do Conservatório. Bambam é professor e monitor da Orquestra Sinfônica, em São Paulo, corporação pela qual realiza concertos como solista. É também artista “endorsee” e “clinician” da Yamaha. “Tenho uma vida profissional muito requisitada, mas que é fruto de pla-

nejamento de criança e dedicação, que transformaram minha vida como adulto”, ressalta. Em Tatuí, foi aluno do renomadíssimo professor Gilberto Gagliardi. Fez especializações no Brasil e no exterior, somando mais de 40 certificados. É licenciado em música, pedagogia, artes e pós-graduado em ensino de educação musical. Também cursou educação

musical com ênfase em DI (deficiência intelectual) e está em fase de conclusão de pós-graduação em regência. Bambam também tem passagens fora do país. “É algo que eu nunca tinha sonhado”, diz. Além da região, a música levou-o para o Peru, Espanha, Estados Unidos, Argentina e Portugal e, há dez anos, a trocar Pereiras por Tatuí. Para o professor, a música é funda-

mental ao desenvolvimento da criança. Ela atua tanto na cognição como no comportamento, porque ajuda a despertar o sentimento de coletivo. Isto porque, na música, o individualismo não prospera. “Sozinho, na música, não se consegue nada. As coisas só acontecem em uma banda, por exemplo, se todo mundo atuar junto”, reforça. No Conservatório, os cursos musicais têm classes bem variadas, com alunos a partir dos nove anos. Assim como Caldana e Bambam, eles vêm de várias cidades. Têm, na cabeça, o desejo de se tornarem músicos “para sempre”. A instituição também oferece os cursos de musicalização infantil, voltado para crianças com idades entre 4 e 5 anos; iniciação musical, de 6 a 8 anos; além de musicalização para educadores e musicografia em braile, ambos para adultos. Mais informações sobre número de vagas, data de abertura dos processos seletivos e requisitos para inscrições são obtidas pelo telefone (15) 32058444.



13 EMPREENDEDORISMO

‘Bem-Me-Quer’ celebra 40 anos como sonho de ensino realizado Ideia pioneira de professora Zeneide iniciou como creche e expandiu Divulgação

Zeneide (ao centro) ao lado de Ziza dedicaram vida à escola

“Imagine uma formiguinha construindo um castelo. Foi exatamente assim que me senti quando resolvemos fazer esta escola”. O testemunho de Adalgiza Maria de Almeida Neta, a Ziza, representa uma modesta dimensão do que representa o Colégio Bem-Me-Quer para o empreendimento da família dela na área da educação. Uma das mais conceituadas instituições do ensino da cidade, a escola chega aos 40 anos de vida cheia de histórias. A principal delas é a que conta o trabalho pioneiro da professora Zeneide de Souza Almeida. Foi ela quem construiu a primeira creche da cidade a adotar uma metodologia própria de ensino. Zeneide nasceu em Sorocaba, por “um capricho do destino”. Segundo a neta, perto do nascimento, a mãe de Zeneide

precisou viajar. “A minha avó foi para a cidade de Sorocaba, só que houve um problema de enchente. Choveu muito, e o rio de lá transbordou. Ela não pôde voltar. Daí, mamãe nasceu em Sorocaba, por um problema climático, mas foi criada aqui”, conta Ziza. De família humilde, Zeneide precisou interromper os estudos para trabalhar. Ela atuou na Fábrica de Fiação e Tecelagem Santa Adélia, além de cabeleireira. “A vida era muito difícil, e ela fez o primário, o ginásio, mas não pôde prosseguir nos estudos”, relata Ziza. Somente depois de se casar é que Zenaide voltou a ter contato com os livros. Ela ingressou no curso de magistério no Instituto de Educação “Barão de Suruí”, formando-se professora. Passou, então, a dar aulas para o primeiro ciclo do ensino



fundamental. “Ela lecionou mais fora de Tatuí do que aqui”, conta a filha. Ziza explica que a mãe, no início de carreira, passou por vários municípios da região. Em Tatuí, começou como substituta. Depois, chegou a dar aulas em São Bernardo do Campo. Para apoiar a professora, a família toda mudou-se para a região do Grande ABC. Na época, Ziza tinha entre 12 e 13 anos. Anos mais tarde, a professora conseguiu uma cadeira em Iperó, onde teve um problema ocular. “Foi então que ela precisou parar de lecionar”, recorda Ziza. Como sempre precisava viajar para o trabalho, Zeneide deixava os filhos pequenos em casa, na companhia do marido, Dalci de Almeida, ou de outros parentes. Ziza ficava na companhia da irmã mais velha, Sueli, o que preocupava a professora, levando-a a ter a ideia de fundar um espaço para receber os filhos de mães que precisavam trabalhar. Entusiasmada com a ideia, Zeneide chegou a propor sociedade. Convidou uma amiga para abrirem uma unidade juntas. “Ela acabou conversando, mas indo sozinha. Montou uma escola infantil para atender os pequenos”, conta a filha. Nascia a Creche Educacional Bem-Me-Quer, construída com apoio de toda a família. O marido de Zeneide, por exemplo, mecânico de formação, construiu todos os brinquedos pedagógicos. “Papai era formado na Escola Industrial (a “Sales

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Zeneide realizou sonho com apoio de família e equipe

Gomes”), um homem muito inteligente, de cabeça muito aberta, sempre pronto para aprender, e uma pessoa muito criativa”, descreve Ziza. Dalci construiu todos os equipamentos na oficina, sozinho, mas teve a ajuda das filhas na finalização. “Lembro de ele chamar a gente (Ziza e Sueli) para ajudar a lixar. Foi, assim, um movimento familiar”, conta a diretora. A primeira unidade funcionou em uma casa na rua do Cruzeiro, no bairro Quatrocentos, que atualmente abriga uma academia de musculação. O imóvel, um sobrado, era originalmente ocupado por uma oficina mecânica, no andar de baixo, e utilizado, no andar de cima, como residência dos proprietários. A creche atendeu, inicialmente, crianças de seis anos de idade. Depois, passou a receber crianças a partir dos três. “Começou como creche, mas, como minha mãe era professora, para ela, não era suficiente pegar as crianças e só cuidar, alimentar e trocar. Ela, realmente, dava aula para os pequenos”, conta Ziza. Foi dentro das salas de aula que Zeneide iniciou o desenvolvimento de uma metodologia própria de ensino - recurso ampliado com a expansão da unidade. “A escola cresceu porque os pais pediram a continuidade”, lembra a filha. O espaço de educação infantil entrou em operação em junho de 1979. Em julho de 1984, mudou-se para a rua São Bento, 412, atual unidade 3 do Conservatório de Tatuí. Para iniciar as atividades


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como escola de ensino fundamental – que, na época, era o primário –, o Bem-Me-Quer tinha de ter material didático. Foi então que Zeneide assinou o primeiro contrato com o Grupo Positivo. O documento é datado de 13 de setembro de 1995 e permitiu que, no ano seguinte, a unidade ampliasse as atividades. A professora, no entanto, não abandonou o método de ensino que havia desenvolvido. Ela somou as técnicas. “Mesmo com o material, ela ainda seguiu com o que havia criado. Mamãe sempre falava: ‘Você vai para o novo, mas não abandona o velho’”. Segundo ela, a unidade concilia as novas práticas às antigas. Mostra disto é o uso dos livros, apesar da inclusão de computadores e o emprego, até os dias atuais, do “caderno quadriculado”. “Tudo isto não está nas apostilas, mas é um conhecimento que ajuda no desenvolvimento dos alunos”, frisa a diretora. Para levar a unidade à rua São Bento - casa da família -, Zeneide precisou adaptar o imóvel. Agregou, no prédio, a escola de balé (“Fred Astaire”) que pertencia à filha dela (já falecida). Para isto, utilizou parte da oficina do marido. “Ela repartiu a oficina de papai, pegou um grande pedaço para fazer o balé, que ficava no fundo, e colocou a escola na frente”, detalha a filha. Com o tempo e o aumento do número de crianças, a família precisou fazer novas adaptações. E Zeneide reduziu ainda mais o espaço de trabalho do marido. Posteriormente, a professora passou a administração do balé para duas professoras. A família, na época, entendeu que seria melhor alguém do ramo comandando a unidade, uma vez que nem Ziza e nem Zeneide eram da área. Em 1996, com a inclusão do material didático, a unidade recebeu as primeiras turmas do 1º e do 2º ano do ensino fundamental. No ano seguinte, agregou o 3º ano e, em 1998, ampliou para o “ginásio” e o ensino médio. Para preparar a unidade à expansão, a professora teve o cuidado de escolher o material didático que mais se aproximasse da filosofia de ensino dela. Zeneide ressalta que a maior preocupação era que os conteúdos preparassem os alunos para serem “cidadãos melhores”, além da busca por resultados. Na ocasião, em 1995, a professora conversou com vários grupos de ensino. Preferiu o Positivo por avaliar que ele

Dalci de Almeida na inauguração do ginásio poliesportivo do colégio

tinha um conteúdo “mais humanizado”. De 1996 a 1997, Zeneide atuou sozinha na administração. Para manter a unidade funcionando, contou com apoio de todos os funcionários. “Era respeitada pelos colegas e querida pelos funcionários”, recorda a filha. “As meninas que trabalharam com ela eram tudo para ela. Era como se fossem filha. E muitas falam até hoje que aprenderam a trabalhar com a minha mãe”, comenta Ziza. Este é o caso da coordenadora pedagógica Maria Cristina Olivier Lima França, que começou em 1995, deixou a unidade e, anos depois, retornou. Maria Cristina ficou encarregada de criar, para o ensino fundamental, os materiais de aula, com base na filosofia e pedagogia de Zeneide. “Todo mundo achou que era muita responsabilidade, mas mamãe sabia que a menina era competente”, aponta Ziza. De 1997 em diante, Zeneide passou a ter apoio da filha. Ziza deixou o cargo que ocupava na Caixa Econômica Federal para atender a um pedido da mãe. Como tinha tempo de trabalho, a filha decidiu se aposentar e resolveu que era a hora de ajudar a mãe. “E ela (a mãe), ‘marvadinha’, me largou lá”, brinca. Formada em matemática, Ziza conta que esperava, após 25 anos de trabalho em banco, poder lecionar. A atual diretora relembra que, na ocasião, ficou entusiasmadíssima com a possibilidade de voltar para a sala de aula. Mas, por conta do volume de trabalho, não conseguiu deixar o setor administrativo. “Você não consegue abraçar as duas

coisas. Morro de vontade, mas tenho a impressão de que, se pegar somente uma classe, os outros alunos podem se queixar, perguntar por qual motivo escolhi uma e não a outra”, avalia. Na escola, Ziza apoiou a mãe na tarefa da ampliação. Ainda na rua São Bento, a família precisou locar outro imóvel e, então, da ajuda de mais profissionais. Até aquele momento, era Dalci que realizava todo o serviço de manutenção da escola. “Ele fazia tudo. Andava com uma sacola antiga de lona, igual àquela que o pessoal usava no mercado, e carregava de tudo”, conta a filha. As ferramentas ficavam dispostas de modo bem organizado. “Meu pai era muito metódico e, quando ele vinha com a sacola, todo mundo já sabia que estava se preparando para consertar algo”, relata Ziza. A transferência do colégio para uma sede própria e maior aconteceu somente em 2005, durante o período de férias escolares. Mas, a história da construção do prédio é anterior. O desejo de Zeneide sempre foi construir uma escola. E aumentou quando a unidade já atendia um número muito grande de alunos. Para dar cona dos pedidos de matrícula, a professora precisou locar, de Nilza Marques, uma casa na esquina das ruas do Cruzeiro com Prefeito Assunção Ribeiro. O imóvel também precisou ser adaptado, permitindo, assim, que mais estudantes fossem atendidos. Só que exigia mais atenção da equipe. “Ficamos com dois endereços no mesmo quarteirão. Mas, por mais que fosse perto, ficava muito difícil de ad-

ministrar duas unidades”, explica a atual diretora. Ziza, então, encarou a missão de colocar em prática a maior pretensão da mãe. “O sonho da minha mãe era construir a escola”, conta. “E eu falo que esta bênção eu recebi de Deus”, complementa. Com empenho e profissionalismo, além do suporte da equipe, Ziza conseguiu juntar dinheiro para adquirir o terreno, na rua Mário Orsi, 245, também no centro. Depois de trabalhar muito e fazer nova reserva, Ziza conseguiu iniciar a obra. Entre o terreno e a finalização, passaram-se mais de cinco anos. “Lembro da primeira vez que vim aqui, com mamãe, quando o pessoal estava abrindo o alicerce. Vim segurando nas mãos dela. Ela ainda não estava doente e, quando olhei para ela - porque eu não estava conseguindo falar, por estar com um nó na garanta -, vi que ela estava chorando também. Foi muito forte, porque era um sonho sendo realizado”, relata. O colégio foi construído com recursos próprios. Ziza explica que tentou financiamento junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), mas não conseguiu. “Quando mudamos, não tinha porta nas salas de aula. Só depois que eu comecei a comprar as lousas. As carteiras vieram todas antigas. Mas, depois que tem o prédio, fica mais fácil”, observa. A unidade finalmente concluída conta com 12 salas de aula, laboratório de informática, física, química e biologia. Dispõe de lousa interativa e sala de estudos, além de quadra poliesportiva. O colégio emprega 42 funcionários e atende 263 estudantes, com aulas nos períodos da manhã e da tarde. No momento, a escola se prepara para outra novidade: no ano que vem, trabalhará com nova apostila, da Poliedro Educação. A instituição é conhecida pela aprovação de 50% dos alunos no ITA, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica. “É uma revolução no ensino, mas optamos pela troca não pelo resultado, mas pela didática e pelo modelo, que mais se aproxima do nosso, visando o desenvolvimento da pessoa”, afirma Ziza. Inspirado na margarida (o símbolo da escola), o Colégio Bem-Me-Quer projeta novos desafios, como uma faculdade - novo sonho que, agora, começa a ser compartilhado pela família da professora Zeneide.


17 COMPORTAMENTO

Projeto inspirado em movimento oferece palco e responsabilidade Ação une Justiça Restaurativa, movimento hip-hop e grupos juvenis AI Prefeitura

Um pequeno passeio de lazer, uma voltinha, geralmente, em shopping center. Encontro de jovens marcado por meio das redes sociais, em busca de diversão. As duas definições de “rolezinho” - movimento que se popularizou no Brasil a partir de 2013 - não se encaixam à prática que adolescentes tatuianos têm realizado atualmente. Primeiro, porque a cidade não tem shopping; segundo, porque, aqui, os jovens participam de atividade diferenciada. Uma vez por mês, eles frequentam o “Rolê na Praça”, projeto que estimula o protagonismo. O evento é fruto de parceria com a Justiça Restaurativa e com o CMJ (Conselho Municipal da Juventude). “A ação foi criada em cima do nome rolezinho”, explica Gustavo Grando, diretor do Departamento Municipal de Trabalho e um dos responsáveis pela implantação do projeto de lazer e cultura. Em 2017, Grando comandava o DMJ (Departamento Municipal de Juventude). Na época, o órgão recém-implantado enfrentava primeiro um grande desafio: coibir o uso de bebida alcoólica pelos jovens. “Nós precisávamos movimentar a Praça da Santa, que era onde tinha o maior número de menores - e boa parte, bebendo. Precisávamos dar qualidade ao movimento”, lembra. A presença de adolescentes no espaço sempre foi uma constante no contexto da vida social de Tatuí, mas ganhou novas proporções a partir de 2013. Mais que numerosa, ela gerava insegurança a quem passava pelas ruas do centro, em razão de diversos episódios de violência. O mais grave ocorreu em abril de 2016, quando três menores de 16 anos foram vítimas de violência generalizada. Os adolescentes envolveram-se em uma briga iniciada na praça Martinho Guedes (Praça da Santa), que acabou se arrastando pela Praça da Matriz e terminou na Martinho Guedes, a Praça do Museu. Além de críticas, o episódio mobilizou a classe política e a rede de proteção aos menores, culminando em providências. Mas, foi no ano seguinte, nos meses de agosto de novembro de 2017, que as ações mais importantes se concretizaram. Inicialmente, com operações para coibir a venda de álcool e uso de drogas pelos adolescentes; depois, com o projeto em si. “Aí, veio a Justiça Restaurativa, através do juiz Marcelo Nalesso Salmaso”, explica Grando. De acordo com ele,

Com programa diversificado, rolê une jovens de todas as tribos

a primeira ideia era promover, na praça, um evento de 15 em 15 dias. A programação incluía – e ainda segue a receita – atividades esportivas de basquete e futebol, além de apresentações de hip-hop. “Na verdade, o CMJ é que fez todo o projeto. A prefeitura, através do DMJ, e a Justiça Restaurativa, deram apoio. E nós criamos o ‘Rolê’, em função do movimento que já existia, mas era considerado problemático”, aponta o diretor. De acordo com ele, os responsáveis pela proposta sentiam que precisavam oferecer lazer, esporte e cultura aos jovens. Para estimulá-los a participar, o CMJ resolveu torná-los parte do processo de criação. Chamou, para isso, os integrantes de cada um dos grupos que gostariam de ser representados. “O Rolê na Praça só aconteceu por causa do apoio que teve dos grupos”, destaca Wilian Alexandre Nunes da Silva. Pastor auxiliar da Igreja Quadrangular, ele integra o conselho desde a formação. Silva menciona que a equipe achou fundamental colocar o jovem como “protagonista da sociedade”. “Nós sabemos que eles têm uma carência. Sou psicólogo também, e sei que o jovem gosta de pertencer a algo, de se sentir daquele lugar”, contextualiza. Para o CMJ, o ponto pacífico entre os membros era fazer os jovens atuarem no evento. “Esta ação veio para isto, para que os adolescentes pudessem estar ali (na Praça da Matriz) como parte ativa”, acrescenta. Como forma de atender a todos os grupos, a organização estabeleceu que a programação do “rolezinho” tinha de ser rotativa. As atividades são realizadas de acordo com os temas, começando pelo hip hop e seguindo com

os demais grupos. “O que é muito bacana é que nós chagamos a um consenso. Ali, quem faz o evento é o próprio jovem. Ele sente-se valorizado e encorajado a sonhar com um futuro, porque começou a perceber que pode ter um espaço na sociedade”, avalia. A primeira edição do “Rolê” aconteceu no dia 11 de novembro de 2017, com participação de 400 adolescentes. Contudo, por conta da programação de Natal, que também acontecia na praça Martinho Guedes, as atividades foram suspensas. “Ficamos dezembro e janeiro sem, voltando em fevereiro de 2018”, conta Grando. No ano passado, porém, o CMJ reformulou as atividades, retomando a programação em 2019, já incorporando sugestões obtidas a partir de questionários. Antes, durante e após os eventos, os conselheiros abordavam os jovens em circulação na Praça da Santa. A tática foi escolhida nas duas primeiras edições. Dela, resultaram medidas significativas e que garantiram “corpo” ao projeto. A mais importante de todas diz respeito ao estilo preferido pelos jovens (apresentações artísticas, atividades esportivas e ações de conscientização). Outra modificação não menos importante ocorreu no horário. Na edição inaugural, o “Rolê” começou mais cedo, às 19h, encerrando-se às 21h. Acontece que, nas praças, o movimento começava a partir das 21h30, o que levou a organização a alterar o início da programação para as 22h, seguindo até a meia-noite. Para Silva, o sucesso se deve a uma característica do rolezinho mantida em Tatuí. O que significa dizer que os menores continuam “combinando os encontros uns com os outros”. Mas, no formato atualizado, fazem mais: “Vão participar”, frisa. Não bastasse isso, quando estão no evento, os adolescentes ganham em responsabilidade e direito de expressão. “Eles têm liberdade para decidirem o que é melhor realizar como atividade cultural. Vetam ou não”, acrescenta o psicólogo. Além de estabelecer a programação, convidar os músicos e discutir a dinâmica das atividades desportivas, quem atua na organização tem o papel de estimular os frequentadores a seguirem as normas. Para tanto, em cada edição, os jovens dos grupos responsáveis utilizam crachás de identificação.


Jovens organizam evento e cuidam, também, das atrações

Embrião do “Rolê”, a Batalha da Santa consistia em uma disputa de rimas, já com o intuito de oferecer atividades para os jovens que frequentavam a região central no período da noite. “Em 2013, discutíamos a proposta de trazer eventos como atrativo e sempre com a temática de conscientização”, relembra. Entre os membros do CMJ, o rapper é o que tem mais proximidade com esse público. Além de cantar “a realidade” dos jovens, Visel desenvolve oficinas socioculturais. Ele ministra aulas no Creas (Centro de

AI Prefeitura

“A ideia do juiz era que o processo acontecesse de dentro para fora. E foi muito legal, porque, no próprio hip hop principalmente, as famílias compareceram”, lembra o ex-diretor do Departamento Municipal da Juventude. Grando destaca que a preocupação do CMJ era a de atender às expectativas dos adolescentes, mais que reprimir. A queixa dos jovens, em 2017, girava em torno da falta de opção de lazer, seguida da insegurança, sem contar um dos aspectos mais espinhosos: a imagem de marginalização. Daí o projeto ser realizado em parceria com as polícias Militar, Civil e GCM (Guarda Civil Municipal). Na opinião do rapper tatuiano Elvis Mendes Leal, o Visel MC, a situação dos jovens melhorou. Visel argumenta que os adolescentes ainda continuam a frequentar trechos entre as praças da região central, mas com mais segurança. “Os menores também são vistos com outros olhos pela sociedade”, segundo ele. “O problema da circulação - e que causava muita reclamação - era com relação à postura dos jovens, o que até virou notícia. Mas, isto ocorria porque onde o poder público não toma conta, outras coisas não tão boas tomarão”, analisa. Por acreditar nessa premissa, Visel – que soma mais de 20 anos de carreira – realizou em Tatuí a primeira ação voltada ao lazer dos jovens. Em 2014, com apoio do juiz Salmaso e da prefeitura, ele deu vida ao “Batalha na Santa”. “Sempre tive esta ideia (de organizar um evento no qual o jovem pudesse ter participação efetiva), mas não conseguíamos torná-la mais consistente. Acho que o que faz um projeto funcionar é que ele tenha permanência”, opina.

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Referência Especializado de Assistência Social), para menores infratores, e no CEU (Centro de Artes e Esportes Unificados) “Victor Hugo da Costa Pires”, para adolescentes carentes. “Posso dizer que boa parte dos que frequentam o centro da cidade aos finais de semana ou já passaram pela minha oficina, passam ou conhecem quem passa pela minha oficina. Então, é algo que tem muito a ver”, destaca. Com suporte do juiz, Visel argumenta que o movimento iniciado na cidade ganhou legitimidade. “Faltava um suporte, e ele deu mais força”, acrescenta.

Mais que mostrar à sociedade que o problema poderia ser “atacado de outra forma”, o apoio do magistrado fez com que as autoridades tivessem outro olhar para o movimento. “Ao invés de repressão, tivemos compreensão”, diz o rapper. Para ele, só a polícia, sem o lazer, não resolveria. Tanto que a sociedade chegou a pressionar, na época, para que houvesse forte investida das forças de segurança. Por opção, o CMJ e a prefeitura decidiram realizar ações de conscientização. E as atividades, neste ano, devem voltar a acontecer uma vez por mês.

EXPEDIENTE O tabloide “O Progresso da Criança” é uma publicação da Empresa Jornalística O Progresso de Tatuí. Redação Praça Adelaide Guedes, 145 - Centro - Tatuí -SP Tel.: (15) 3251-3040 / www.oprogressodetatui.com.br Jornalista responsável IVAN CAMARGO Reportagens e fotos CRISTIANO MOTA Gerência comercial LÍVIA AMARA RODRIGUES DE OLIVEIRA Diagramação ERIVELTON DE MORAIS Revisão ANA MARIA DE CAMARGO DEL FIOL Arte final

Edições que começaram na ‘Santa’ continuam na Matriz

ALTAIR VIEIRA DE CAMARGO (BISTEKA)


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Escotismo é movimento além de nó, venda e acampamento Em Tatuí, Goyotin e Tupancy trabalham modelo de coeducação

Divulgação

Fundado em 1907 pelo general Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, o escotismo é um movimento que vai muito além de “dar nó, vender biscoitos e acampar”. Atua na coeducação de crianças e jovens, estendendo as atividades para os adultos. Em Tatuí, o movimento é propagado por dois grupos: o Goyotin, criado em 23 de setembro de 1973, e o Tupancy, em atividade desde 1984. Na cidade, o movimento é um pouco mais antigo, como explica Luis Fernando Aparecido Pedroso de Barros, diretor-presidente do Tupancy na gestão 2019-2021. “O movimento em Tatuí já vem de mais de 50 anos, com o extinto Grupo Escoteiro Tatuí. Aquele foi o primeiro”, conta o dirigente. Depois, vieram o Goyotin, que completou 46 anos no mês passado, e o Tupancy, com 35 anos em 2019. As histórias dos dois últimos estão relacionadas. Barros explica que parte dos componentes do Goyotin, que tem sede na Coronel Euclides Figueiredo, número 260, no Jardim São Paulo, resolveram se desligar do movimento. “Na época, eles queriam inovar e, para isto, abriram um grupo, inicialmente, focado em crianças carentes, que é o Tupancy”, descreve. “Não há rivalidade. Nós até brincamos que existe uma concorrência saudável. Há competição, mas não rivalidade. Os grupos existem juntos”, acrescenta. Em ambos, o trabalho conta com

de beber e de cuspir no chão. Ele via isso Seja em seções, como no Goyotin, pelas ruas de Londres. Com o propósito ou em ramos, como no Tupancy, as de mudar a realidade, ele quis que o crianças e jovens desenvolvem ações jovem buscasse a natureza, o ambiente distintas, a depender da faixa etária. Os externo da cidade, e saísse em defesa de lobinhos, por exemplo, cumprem ativivalores”, conta o chefe Tupancy. dades lúdicas. No caso dos escoteiros, o Nos dois grupos em atividade na cida- trabalho é focado mais na parte da avende, assim como no movimento mundial, tura; os seniores ficam com o desafio. o escotismo não trata de religião. Os Claudia conta que a metodologia de escoteiros podem falar tanto de Deus trabalho é totalmente construída em como de outras entidades. “Falamos cima da história de Mogli, o menino do que as pessoas acreditam, de fé”, lobo, de Rudyard Kipling. Tanto que aponta Claudia. cada chefe assume o papel de um perOs conteúdos são divididos por fa- sonagem. E os pequenos ficam na pele ses, ou seções, assim chamadas pelo de Mogli. Goyotin. Aos sete anos, como lobinhos, É por esta razão que as atividades meninos e meninas têm o dever de são progressivas. Sempre quando vão cuidar das próprias coisas. Quando acampar com os lobinhos, os responestão na segunda fase, como escoteiros, sáveis destacam uma equipe de apoio, começam a assumir responsabilidades formada por pais. Ela fica responsável e, na fase adulta, realizam ações sociais. por cozinhar, acompanhar a hora do As atividades são voltadas para crian- banho e a hora de dormir. Os lobinhos ças e adolescentes. O Goyotin aceita não pernoitam em barracas. Já os meninos e meninas a partir dos 7 anos escoteiros podem cozinhar, montar a e até os 11, na seção lobinhos. Os esco- própria barraca, mexer em ferramentas. teiros reúnem crianças de 11 a 15 anos, Por fim, a equipe sênior faz tudo e, os seniores, jovens dos 15 aos 18. isto e mais um pouco. Neste estágio, No Tupancy, a idade mínima para os integrantes vivem o momento das lobinho é de 6 anos e meio, 10 anos e 6 responsabilidades, somadas ao das meses para o ramo escoteiro, 14 anos e aventuras. Participam, por exemplo, 6 meses para o ramo sênior, e até os 18 de atividades de rapel, caminhadas, para o ramo pioneiro. Este último segue entre outras. até o integrante completar 21 anos. Quem segue no escotismo, depois dos Ambos os grupos aceitam inscrições 18 anos, no caso do Goyotin, e dos 21, em qualquer idade. Luis explica que no do Tupancy, pode virar assistente de não é preciso ingressar como lobichefia e de diretor. Para isto, é preciso nho. Conforme ele, também não há profissionalizar-se, com cursos ofereexigência para que a criança cumpra determinados requisitos. O que existe cidos pela UEB (União dos Escoteiros do Brasil). é um processo natural de desenvolvimento físico e Tupancy tem atividades em grupo que focam no respeito psicológico, com base nas atividades. Em qualquer um dos grupos, as crianças cumprem etapas progressivas. Daí, a não necessidade de avaliação (como são os exames formais das unidades escolares). “O movimento estimula o jovem a ser independente”, frisa Luis. Divulgação

apoio dos pais. Claudia Barros, por exemplo, que comanda atualmente o Goyotin, começou como mãe de apoio. O primeiro contato com o escotismo aconteceu quando Claudia retornou a Tatuí. “Eu sou de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, e vim a Tatuí com 12 anos de idade. Depois, casei aqui e fui embora. Quando nasceram meus outros dois filhos, voltei. No retorno, meu mais velho estranhou muito. Não tinha amigos na escola e, então, nós procuramos o grupo para ajudá-lo”, conta a chefe. Os demais filhos entraram depois, seguidos pela mãe na direção e, na sequência, pelo pai. “Atualmente, eu, meu marido, meus dois filhos e minhas noras seguem. Todos são atuantes no movimento. Só o mais velho que se afastou por causa da profissão (ele atua na Aeronáutica)”, enumera Claudia. De acordo com ela, o escotismo pode ser definido como um método de coeducação. Ele funciona como apoio para a educação formal, por meio de princípios. Os que norteiam o movimento são “os deveres para com Deus, a pátria e o próximo”. Barros explica que o escotismo considera a escola como um modelo de educação formal. A família desempenha o informal e o movimento é classificado como modelo não formal. Preza, portanto, pela educação complementar. E nela estão incluídos os valores familiares e os que vêm da escola. A meta é, somando as metodologias, formar crianças e jovens cada vez melhores. Os primeiros grupos surgiram de forma espontânea. E aumentaram tanto que o fundador viu a necessidade de criar um sistema de organização. Também para que pudesse colocar o objetivo – o de educar os jovens – em prática. “Baden-Powell percebeu que os jovens tinham o péssimo hábito de fumar,

Goyotin recebe crianças a partir dos 7 anos de idade


20 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Crianças do município utilizam tecnologia na busca de soluções Alunos do Objetivo começam cedo a criar em 1º Fab Lab da região Cristiano Mota

Crianças interagem umas com as outras em atividades

Uma caixa vazia de água de coco, uma tampinha de refrigerante, pedaços de fita isolante e muita cola quente podem ter outra utilidade quando pensados a partir do uso da tecnologia. Com o emprego de um motor pequeno, movido a pilha, todos estes itens podem transformar-se em um helicóptero em miniatura. Esta é apenas uma das descobertas que alunos do Colégio Objetivo têm feito desde a implantação do “Fab Lab”, um espaço de “fabricação digital”, implantado em 2018. O Fab Lab é um laboratório que fornece ferramentas controladas pelo computador e materiais para a produção rápida de objetos. A meta é estimular a inovação por meio da prototipagem em um ambiente colaborativo. Na prática, o que estudantes como Gabriel Barros Gardenal, de 11 anos, estão experimentando vai além. Aluno

do quinto ano do ensino fundamental, Gabriel já trabalhou, com apoio dos colegas, em mais de uma dúzia de projetos. As experiências vão de um piano que reproduz som a partir de um circuito de programação ao acompanhamento da produção de objetos com uso de impressora 3D. “Gosto muito deste tipo de aula. Toda semana, espero ansioso para vir para cá”, conta Gabriel. O estudante frequenta o Fab Lab de uma a duas vezes por semana e define as atividades como uma prática “democrática”. De acordo com ele, todos os projetos são debatidos entre a professora de informática, Adriana de Fátima Martins de Almeida, ele e os colegas. “Ela (a professora) tem muitas ideias legais, mas é um conjunto de forças, porque há momentos que nós decidimos o que vamos fazer. Quando ela tem a ideia, nós ajudamos a realizar”, explica o estudante.

Além da docente, os alunos contam com apoio de auxiliares, que atuam na monitoria das atividades. Os projetos começam a ser trabalhados em vários ambientes. Podem partir das salas de aula – em um contexto interdisciplinar –, nascerem no laboratório de informática da unidade de ensino, da própria interação entre a professora e os alunos, ou, ainda, somente entre os estudantes. “É por isto que o Fab Lab funciona. Já tentei fazer algo em casa, mas aqui dá certo, porque todo mundo colabora. E aqui também temos os equipamentos certos para utilizar. Em casa, muitas vezes, não conseguimos acertar, saber como devemos proceder e o que utilizar, porque não temos suporte”, diz o aluno. No laboratório, o menino prefere o momento da montagem (a execução física do projeto) ao da programação. “Gosto mais de colocar a mão

na massa”, comenta. Entretanto, Gabriel destaca que, com os demais colegas, ele forma um time. Junto a eles, o estudante já confeccionou itens simples, como chaveiros e bonecos, e um dos equipamentos mais surpreendentes da unidade: o “Bob”, um robô produzido a partir de itens reciclados. Bob possui olhos e boca projetados em um tablet e é dotado de “AI”, sigla em inglês para inteligência artificial. A turma de Gabriel também realizou uma exposição, com bonecos impressos em 3D, sobre a viagem ao espaço. “Foi muito bonito de ver”, complementa. Frequentadora assídua do Fab Lab desde a abertura, Lorena Gallo, de dez anos, é apaixonada pelos robôs. A estudante conta já ter perdido as contas de quantas experiências dividiu com os colegas e destaca que o laboratório atrai porque é diferente. De acordo com ela, o formato de ensino no Fab Lab não é “engessado”. “Na sala de aula, nós só mexemos nos cadernos. Aqui, tudo que fazemos é colocar na prática o que aprendemos lá e no laboratório (de informática)”, emenda. Quando as atividades são mais complexas, Lorena diz que a professora é quem conduz os trabalhos. “Ela mostra o passo a passo; daí, é a gente produzir”, descreve. Embora haja modelos a serem seguidos, os estudantes podem soltar a imaginação no momento da execução dos projetos. Lorena, por exemplo, preferiu colorir o helicóptero. “Coloquei uma tampa na frente e um enfeite atrás”, conta. Fã de tecnologia, Vinícius Ceciliato, também de dez anos, afirma que adora programar. Diz que, quando está no Fab Lab, ele e os colegas não veem a hora passar. O tempo de duração das atividades é de uma aula convencional (45 minutos). A professora de informática explica que o modelo adotado pelo Objetivo é um derivado do conceito Fab Lab. A


Alunos contam com recurso de modelar em impressora 3D

estrutura desse tipo de laboratório é aberta à comunidade. No caso do colégio particular, como a ação está no início, a proposta foi criar o mesmo ambiente, mas para atender às necessidades dos estudantes. Segundo Adriana, a unidade de Tatuí é a primeira do polo a introduzir as tecnologias educativas na grade curricular do ensino. Fruto de iniciativa do empresário Acassil José de Oliveira Camargo Junior. “Ele queria criar um espaço onde o aluno pudesse criar soluções com uso da tecnologia”, conta. O laboratório tem como premissa ser uma oficina de criação, proposta que acabou sendo incorporada posteriormente à apostila do Objetivo pelo polo. “Desde o primeiro ano de ensino, a criança já começa a mexer com programação”, informa. A partir dos seis anos, os alunos iniciam com o “Scratch”, uma linguagem gráfica de programação voltada aos pequenos. Desenvolvido pelo MIT, o software consiste em um ambiente de desenvolvimento “acolhedor”, que permite criar animações, histórias interativas ou jogos em “browser” (navegador). No Fab Lab da unidade, os alunos também se familiarizam com o programa “Alice”. Ele oferece uma linguagem de programação baseada em objetos. “Alice” usa um ambiente de arrastar e

soltar, para criar animações de computador. Com as ações, o Objetivo sustenta ter se antecipado às obrigatoriedades

previstas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que deve entrar em vigor no ano que vem. A base estipula, dentre outras questões, que as escolas

Cristiano Mota

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No Fab Lab, alunos montam e programam os protótipos

comecem a utilizar a tecnologia educativa dentro da sala de aula. O laboratório dos estudantes possui dois ambientes: um para acomodar a impressora e outro voltado para o trabalho prático. Adriana, formada em gestão da tecnologia da informação pela Fatec (Faculdade de Tecnologia) “Professor Wilson Roberto Ribeiro de Camargo”, diz que a disposição das mesas no ambiente ajuda os alunos a realizarem os trabalhos em grupo. Permite, ainda, que as crianças aprendam a programação com atividades práticas. Para isto, a professora utiliza como recurso uma “abelha tecnológica”. O inseto é usado para testar a lógica da programação. Ele precisa percorrer o caminho feito pelas crianças até o final. Para isto, a abelha anda por cima de tapetes que contêm determinado tipo de comando (frente, traz, esquerda e direita). A programação do caminho é feita pelas próprias crianças, que colocam os tapetes no chão a partir de análise da finalidade de cada um dos símbolos. A meta é fazer a abelha chegar ao final do trajeto, superando eventuais obstáculos. Conforme a professora, o recurso é empregado desde o nível três do ensino infantil. A cada etapa, as dificuldades aumentam, o que ajuda a preparar os



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Adriana Almeida auxilia aluna a findar projeto de helicóptero

pequenos para desafios maiores. Entre eles, a confecção de jogos com o “Alice”. O grupo que utiliza o software começou pequeno, com seis alunos. Atualmente, tem mais de 50. Boa parte deles colaborou na construção do “Bob” e mais da metade em atividade envolvendo animais vertebrados e invertebrados. Todos os projetos concluídos são expostos na unidade e, posteriormente, cedidos aos estudantes. “A ideia do Objetivo é fazer com que o aluno produza e leve para a casa. Eles têm que saber mexer com isto e saber que as tecnologias devem ser levadas para a vida, para serem trabalhadas”, frisa Adriana. Mesmo que não opte por atuar na área tecnológica, a professora argumenta que o laboratório é essencial para a educação dos pequenos, especialmente na era do pós-digital. “O uso da tecnologia, como estimuladora de conhecimento, aumenta a concentração, sem contar que reforça o papel do trabalho em equipe. Na tecnologia, ninguém faz nada sozinho, um precisa do outro”, reforça Adriana. No caso do Objetivo, uma das turmas do segundo ciclo do ensino fundamental participará da OBR (Olimpíada Brasileira de Robótica). No ano passado, outro grupo desta mesma faixa de ensino obteve medalha. “As provas são ‘dificílimas’ e têm nível elevado, envolvendo equação do terceiro grau”, conta a professora. De forma a preparar os estudantes, o Objetivo mantém um sistema interdisciplinar. Muitas das atividades saem de tarefas de áreas como a biologia. Como não conta com prova, o laboratório acaba sendo mais atrativo. “Até mesmo estudantes que não conseguem cumprir as tarefas podem ser beneficiados”, observa a professora. Caso de Pedro Falconi Orsi, de 11 anos. O menino não concluiu o helicóptero, mas conquistou apoio dos demais colegas. Além disso, teve uma importante lição: “Sei que nem sempre as coisas saem como se quer”, reflete. Apesar de a turma contar com perfis diferenciados (alunos com mais ou menos facilidade com a informática), Adriana ressalta que todos crescem em conhecimento. Segundo a professora, mesmo que os estudantes optem pelas áreas do direito ou da moda, em qualquer uma delas, trabalharão com tecnologias. No caso da Fab Lab, inclusive, os projetos são todos desenvolvidos com softwares “open source” (de código fonte aberto). Isto permite não só que mais colegas possam contribuir com a construção da solução, como aperfeiçoá-la. Além disso, o laboratório apresenta uma outra forma de encarar as novas tecnologias. Segundo a professora, muitas estão acostumadas a terem “coisas prontas”, como os tablets e celulares, e não avançam. No ambiente colaborativo, os estudantes aprendem que podem, sim, fazer uso dos dispositivos, além de ampliar a função deles e buscar alternativas de uso. Mostra disso é que uma das turmas já conseguiu desenvolver um aplicativo. A experiência começou com um curso de programação, ministrado nas férias.



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