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PINK FLOYD TY SEGALL THEE OH SEES JULIANNA BARWICK LOVERS & LOLLYPOPS
1 OUT T e a t r o S ã o L u i z : NOISERV
4 OUT M u s i c B o x : DJ MARFOX+ NOITE DJ DADIFOX+ PRÍNCIPE DJ LILOCOX
5 OUT C C B : PEIXEI : AVIÃO+ LONG WAY TO ALASKA
MASTON Ele diz que Shadows não é um disco de reflexões sobre os 60’s mas sim as sombras da pop de Los Angeles da época. Fã confesso do que Van Dyke Parks e Brian Wilson foram tramando em parelha, dedicou-se a aperfeiçoar mestria na maior variedade de teclados. Quantos mais e mais vintage melhor. Frank Maston, californiano de raiz, vê no analógico a salvação e foi assim que se fez one-man-psych-band a tocar também as guitarras, baixos e baterias das suas edições. Puras viagens alucinogénicas cinematográficas em que se experimenta e desafia o seu próprio conceito de pop. Maston anda na Europa em tour, infelizmente ou ninguém se lembrou dele ou ninguém reparou a tempo que ele pode vir a ser grande.
FKA TWIGS Tahliah Barnett é a mente por detrás de FKA Twigs. Música e produtora britânica, de origem jamaicana, que acaba de dar à luz EP2. De Londres – mas alheia àquilo que se anda a passar no caldeirão inglês – apresentou-se como exploradora nata das sonoridades do trip-hop e do grime. O que tem de frágil e de misteriosa tem-no também de sensibilidade pop. Um fruto de uma fusão de Bjork com Grimes pode ser um possível cenário de referências para Barnett. Canções intrigantes, minimais e obscuras fazem de FKA Twigs um dos nomes a ter em atenção nos próximos tempos. O contrato com a Young Turks já cá canta e está neste momento super-concentrada no álbum de estreia. Vejamos agora se a qualidade corrobora o entusiasmo.
7 OUT C C B : MALLU MAGALHÃES
9 OUT T e a t r o M a r i a M a t o s : SCOUT NIBLETT
10 OUT Z D B : BLACK BOMBAIM + EQUATIONS+ LOVERS & LOLLYPOS SOUNDSYSTEM
11 OUT DEAD MEADOW
TELEGRAM
Na ZDB é sempre de aparecer e os Dead Meadow dão a degustar na noite de Outubro o seu harém musical. Umas vezes stoner. Outras só para curtir.
Telegram continuam a dar a Londres o crédito de ser uma das mais fervilhantes incubadoras da música alternativa. Além disso a provar que lhes basta um single, que nem os Temples, para fazer correr datas e o interesse das mais atentas majors. Vizinhos dos Toy não só geograficamente mas também no som – Dan Carey é produtor de ambos –, onde o pós-punk é ingrediente mas não é regra. As vestes são negras, é certo, e os cabelos longos são mas há aqui mais alguma luz. Há irrequietação de guitarras à Television, há refrão orelhudo e não se olha só para os sapatos. Matt Saunders (vocalista e guitarrista), Matthew Wood (guitarrista), Oli Moon (baixista) e Jordan Cook são daqueles vampiros que podem apanhar sol. Um single, só? Não se faz, queremos mais.
Z D B : DEAD MEADOW
12 OUT M e o A r e n a : LINDA MARTINI
22 OUT Z D B : PHARMACON+ BODY/HEAD (KIM GORDON & BILL NACE)
23 OUT
JOHN WIZARDS Sul-africano de 25 anos: John Wizards. Feiticeiro pós-world-music-todo-o-terreno, Withers, é dono de um dos mais marados cocktails que alguma vez vamos beber. Rumba, tropicalia, jazz, pop, afro-beat ou qualquer outra conjugação que queiram arriscar enquadra-se provavelmente no que ele faz. Mais um produtor com toque de midas para fazer com que África se dance e se reflicta no futuro. Visionário suficiente para ter produzido as suas primeiras coisas com o intuito de aproximar Cape Town e Maputo com sofisticação máxima na hora de brincar com o pitch. Se já conseguiram imaginar qualquer coisa a que isto soe, imaginem-no agora acelerado tal maneira que a coordenação do corpo não acompanha. John Wizards tem disco homónimo lançado em Setembro. Oiçam-no e afastem os objectos mais frágeis, ou melhor, qualquer objecto. É preciso espaço para tanta coisa numa só canção.
T e a t r o M a r i a M a t o s : JULIANNA BARWICK
29 OUT C o l i s e u d o s R e c r e i o s : FOALS + EVERYTHING EVERYTHING
de QUIM ALBERGARIA
MICHAEL SHRIEVE
(baterista do Santana no Woodstock)
Não que me pareça muito admitido mas acredito seriamente que o solo do "Soul Sacrifice" no Woodstock que este (na altura) miúdo de 20 anos fez, mudou a maneira de pensar a bateria das gerações que vieram depois. Groove branco, tens que adorar. Obviamente que toda a escola do gospel drumming tem que ser respeitada e louvada, mas o Questlove ou um Deantoni são uma banda por si. O Steve Gadd podia malhar nas slow jams.
MAKOTO NO BAIXO/ BAIXISTA DO ROD STEWART (circa “Do Ya Think I’m Sexy”)
As parecenças com o baixista do Rod Stewart só me levam a respeitar ainda mais um dos músicos que me ensinou mais e insiste em fazer-me esforçar-me mais. O melhor baixista que eu já vi.
HERBIE HANCOCK E STEVIE WONDER NAS TECLAS
PANDA BEAR E APHEX TWIN
Head Hunters e Talking Book. Não me interessa mais nada. Ok, o Dr. John também podia vir mandar voodoo do bom.
Textura em prol da canção e a negação da canção em prol da textura destes dois abriram portas de percepção e ajudaram-nos a perceber que uma porta é o que nós quisermos que seja.
(a molharem a sopa com samples e doidura)
BEYONCE ON ACID
(com a Gal Costa, Stevie Nicks e o Otis Readding como backup singers)
Imaginem só. Alma, coração e moves.
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PRINCE E JIMMI HENDRIX NA GUITARRA Maomé partiria o cajado e utilizava-o como claves depois de ver estes garotos a separar as águas com um funk sexy e sideral totalmente extremo. Inseminação acústica. Trompetas de falópio. Seríamos uma civilização com futuro se estes dois tivessem uma banda.
BOM DISCO / MÁ CAPA
FIONA APPLE - “WHEN THE PAWN...” Poetisa, compositora marada, clara rapariga dos 90 nas partes mais sentimentais e dona de um dos discos mais característicos Fiona já é. Não foi é capaz de fugir, apesar do poema, de um aparato best of na capa da sua masterpiece.
MENÇÕES HONROSAS
QUEENS OF THE STONE AGE - Lullabies To Paralyze -
- Um Fim-de-semana no Pónei Dourado -
B FACHADA
GRATEFUL DEAD - American Beauty -
- Fly Or Die -
N.E.R.D.
Reis em criar um ambiente garagem-rock sensual, neste disco torna-se específico que não é preciso acelarar para agradar. Acelarados só a escolher o filme de horror série B na montra.
“Zé!” e “Zappa Português” são das melhores canções da carreira de Fachada. Logo ao primeiro disco. Trovador linguarudo sábio manuseador da palavra portuguesa, senão o mais, com uma estreia de ouro. Só a capa é que tentou distorcer a frescura e o charme deste álbum...felizmente não conseguiu.
Jerry Garcia, bela bebedeira hein? O lettering e a rosa são de mau gosto, o fundo madeira não envernizada pior. American Beauty é um dos mais bonitos hinos à tradição da música folk e do country. Temas como “Friend of The Devil”, “Candyman” ou “Ripple” são dos mais memoráveis monumentos da banda e mereciam melhor fotografia!
Com este trabalho, Pharrell Williams e Chad Hugo escreviam uma página crucial na música pop. E com estilo inigualável. Fly or Die é um disco de ruptura mas com a pior moldura possível. Um ovo quebrado? A bandeira dos USA? Os três a sair lá de dentro, a sério?
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PINK FLOYD e o longo respirar fundo antes de DARK SIDE OF THE MOON por TIAGO CASTRO
Existem bandas históricas com percursos artísticos que causam inveja a qualquer grupo actual. Principalmente quando essas bandas se deram ao luxo em editar álbuns atrás de álbuns em busca de uma identidade sónica, sem preocupações comerciais, enquanto que hoje esse é um território praticamente proibido. Um dos casos flagrantes, dado o enorme sucesso comercial ao longo da carreira, é o dos Pink Floyd.
Para muitos é aquela banda de que os pais gostam e que
ouvem o The Wall ou o Dark Side of The Moon em repeat. Para outros o que conta é só o início psicadélico com Syd Barrett ao leme e as suas obsessões infantis projectadas em pequenas sinfonias que tanto têm de estranho como de pop. No entanto, entre o álbum de estreia dos Pink Floyd em 1967, The Piper At the Gates of Dawn, e Dark Side of The Moon de 1973, estão seis álbuns de estúdio, todos eles muito diferentes entre si e que na época estabeleceram os Floyd como banda de vanguarda relevante. Se podemos mesmo considerar os Pink Floyd desse espaço temporal como uma das mais definitivas bandas alternativas, a verdade é que pelos padrões de hoje, da 6
forma como a indústria se rege, com a velocidade das novas tecnologias a ditar o que é ou não popular, nenhuma banda actual, consegue fazer o que os Floyd fizeram em finais dos anos 60 e primeira metade da década de 70. A culpa da existência de tantos discos até Dark Side of The Moon é de Syd Barrett, o fundador dos Pink Floyd e líder na sua primeira fase. São dele os primeiros singles e com enorme êxito comercial, “Arnold Layne” e “See Emily Play”. Os temas revelavam já a tendência do psicadelismo e a união de formas musicais de vanguarda com o universo da música pop. E o disco The Piper At The Gates of Dawn não desiludiu. Não só é uma das obras primas da música psicadélica, como foi também um sucesso na tabela de vendas.
(da esq. para a drt.) Os discos esquecidos: More, Ummagumma, Meddle e Obscured by Clouds
“...é impossível não ouvir Foxygen e não recordar imediatamente a folk pastoral do segundo lado de Atom Heart Mother.”
Mas a queda do génio de Syd Barrett, rendido à droga da época, o LSD, ditou a mudança de rumo dos Pink Floyd. Entrou David Gilmour para ajudar nos concertos, à medida que Barrett ia ficando mais frágil. Syd acabou por sair da banda e Gilmour ficou como guitarrista e cantor, mas na sombra dos restantes elementos, ganhando protagonismo à medida que os álbuns seguintes foram saindo. Roger Water, Nick Mason e Richard Wright foram assumindo as novas composições, tentando chegar aos calcanhares de Syd Barrett. Nunca o conseguiram... A Saucerful of Secrets, o segundo álbum de 68 é o mais próximo que chegaram, mas para isso também contribui uma última música com Syd Barrett. A partir daí, os Floyd partem em busca de novas ideias, novos sons e novas possibilidades para o formato canção, que deixou de estar restringida aos 3 minutos do formato single. 1969 é ano de uma banda sonora, More, para o filme do mesmo o nome e que deu origem a um disco, o primeiro de dois para películas do franco-suíço Barbet Schroeder. A outra banda sonora é Obscured By Clouds de 72, para o filme “La Vallée”. E nesse mesmo ano sai o mais atípico disco dos Floyd, o duplo Ummagumma. Num dos LP’s está um concerto, que faz um contraponto com as composições solitárias de cada um dos músicos que surgem no outro disco. Se por um lado este trabalho poderá ser considerado excessivamente artsy, por outro, é inegável o talento dos quatro músicos e o entendimento que fazem do estúdio de gravação como mais um instrumento ao serviço das sua ideias sónicas. Em 1970 é editado um álbum que tem uma capa mais famosa do que a música. Atom Heart Mother é o disco da “vaca” e ao longo dos anos tem sido considerado pela banda como o seu trabalho mais fraco. No entanto, entre os fãs desta fase de experimentação, é muitas vezes apontado como um dos melhores e muito se deve ao tema título, uma sinfonia rock instrumental, com orquestra e coro. A segunda face do álbum conta com algumas canções mais curtas, onde a folk, a pop e o psicadelismo se entrelaçam.
Em 1971 e antes da edição de nova banda sonora, Obscured By Clouds de 72, é colocado à venda o registo Meddle. É tido como a ante-câmera para Dark Side of The Moon, com uma produção que se aproxima da opus magna da banda. A peça musical mais conhecida de Meddle é “Echoes”, que ocupa todo o lado B e onde Gilmour se assume finalmente como um dos mestres da guitarra dos anos 70. Desde A Saucerful of Secrets até Obscured By Clouds, encontramos dezenas de músicas esquecidas dos Pink Floyd mas que são cruciais para o desenvolvimento artístico da banda, de forma a atingir aquele som definitivo que em 1973 lhes trouxe fama mundial. Todas estas experiências sonoras são fascinantes e em todos os discos estão depositados temas vanguardistas e que ainda hoje continuam a inspirar. É difícil por exemplo ouvir a banda sonora de Virgin Suicides dos Air e não pensar em linhas melódicas dos álbuns More ou Obscured By Clouds. E é impossível não ouvir Foxygen e não recordar imediatamente a folk pastoral do segundo lado de Atom Heart Mother. E muitos outros exemplos são possíveis espelhar dentro deste período que muitas vezes passa ao lado do fã habitual de Pink Floyd. Acima de tudo, o que todos estes álbuns provam é que uma banda está constantemente em mutação. Deve ter tempo, espaço e álbuns para explorar a sua criatividade e até os seus erros. Nenhum grupo é perfeito, muito menos os Floyd. Mas são essas imperfeições que transformam esta fase menos popular dos Pink Floyd numa das mais fascinantes da história do rock do século XX e que deve servir como influência para uma indústria que aos poucos se levanta após os danos causados pela revolução digital.
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...NICK CAVE & THE BAD SEEDS “Sunday’s Slave”, de Tender Prey
Aconteceu que piorou e ela já não dizia tiri-tiris durante as
suas músicas. A nossa rota era já meio fodida, e ambos queríamos duas coisas diferentes, vezes dois, em mútua maluqueira, sob birra de sermos sonhadores e na sua forma mais perfeita querermos tudo e na pior o contrário de tudo. Por isso dormíamos juntos, lavávamo-nos perto, ainda, e discutíamos só o ameno para nunca chegarmos à profundidade do Macho/Fêmea urbano. Éramos e não éramos, dá para perceber? A reconciliação seria mais lenta de outra forma. Assumindo uma relação os papéis de cada um pareceriam principais e no entanto a ideia de libertinagem, o lucro da vadiagem, sabia já, connosco aproximados-quanto-baste, a uma surpresa azeda e mal- vinda, traiçoeira e desgostosa. O sistema de som da minha sala estava ligado há uns tempos, desde que entrámos vindos do mercado e me chamaram a meio do processo de escolha do álbum para “ajudar com os sacos, não?!”. Lá foi o Lucas ter com a sua última favorita para ouvir em forma de zanga-dearrumação-de-despensa a sua voz que antes de todas as situações de, novamente, zanga-de-arrumação-de-despensa era das mais badass voices com quem tinha dividido casa, a única cantora, aliás, com quem tinha cruzado as pernas. Só me avisou que estava tudo pronto com o seu último disco a meio da secção dos congelados e depois, também de volta da zona das carnes e do gelo, com uma mão no gelado e a outra nas duas cervejas que iam arrefecendo mais depressa, que o tinha para ouvirmos. Normalmente a minha máquina de escrever está virada para Oeste. Superstições e merdas de quem no lugar dos sonhos só tem uma câmara a rolar e um candeeiro e fumo de cigarros e uma mulher, A mulher, que não está habituada ao batôn vermelho, nem ao estatuto de fatale, mas que preenche
os tempos todos do cinema e por isso me agarra, não só os sonhos, obviamente, como os ouvidos. Principalmente na sua balada, cheia de pinta Nick Cave, felizmente com uma vajuju, sobre jogar snooker e dar de livre vontade cigarros a mendigos que dizem “boa tarde”, abaladados pelas notas folk que ela pensa e arrojados pela sua voz que é mais gira do que ela, que já é superior a este mundo e ao outro. Habituei-me cedo às nossas trocas de opinião. Sempre fui drogado em mostrar à minha musa, depois da aceitação dos deuses, o que escrevia e se não fosse typado na direcção Oeste nem sequer valia o esforço. A adrenalina do “talvez ela não goste” era- me injectada e essencial. No geral ela gostava, no geral a minha bússola era respeitadora, no geral a superstição é criada pelo Homem, no geral não havia discussões e tanto o que escrevi nessa noite como a música dela, minha bandasonora, saberia a lar. Como grande tune que era, havia desilusão e palavras bonitas sobre coisas feias. Decidiu escrever uma letra sobre os símbolos da sua revolução e quando falava em mendigos e loucos e bares e tesões atraía-me. Depois de arrumarmos tudo sentámo-nos e encomendámos comida chinesa. Não querer fazer o jantar era birra, não me ter falado do disco também. Só mesmo a falta dos tiri-tiris significava que nada estava bem, porque ela era uma mulher de tiri-tiris, principalmente nos seus sons. Não era convencida e claro que tinha olhos azuis. Pelo menos era assim que os via. Nada “estar bem” era, enquanto não se importava de me dar o corpo e os olhares de “estou-te a lixar todo Lucas...”, saber que no génesis e no apocalipse era seu escravo de Domingo. Como os mendigos quando acordam num banco e precisam de um cigarro. Como ouvir a sua música e pensar o bom que é ser seu espectador. Como ser escravo num Domingo.
por GONÇALO PERESTRELO www.mendigoretro.tumblr.com
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Foto: Joana Castelo
Quase a completar o oitavo aniversĂĄrio, a Lovers & Lollypops continua a nĂŁo querer parar. Pode parecer uma daquelas verdades evidentes — prontinhas a sair do CapitĂŁo Ă“bvio—, mas a prĂĄtica faz nĂŁo o caminho para a perfeição, faz sim a estrada para a experiĂŞncia. Ediçþes, agenciamento, eventos: somos muitas entidades numa sĂł, a muito esforço pessoal (e nĂŁo, nĂŁo gostamos de nos queixar, mas o nosso escritĂłrio tem pouco mais do que dez metros quadrados —ainda assim ĂŠ confortĂĄvel, façamnos uma visita quando rumarem ao Porto). Claro que preparar, cuidar, pensar na nossa montra mais visĂvel (o MilhĂľes de Festa, pois claro) nos ocupou a agenda nos Ăşltimos meses. Mas, ao mesmo tempo, nĂŁo poderĂamos estar mais orgulhosos por ver os nossos Throes + The Shine (que passaram pelo Roskilde 2013) e os Black Bombaim (que foram a banda de abertura da meca das sonoridades mais pesadas, o festival Roadburn) a mostrarem-se por essa Europa fora. Ter os nossos meninos Glockenwise presentes em alguns dos maiores festivais nacionais (Paredes de Coura, ou Primavera Sound), ou ver os elogios que o homem serpente JibĂłia anda a granjear por aĂ deixa-nos de peito cheio. O amor Ă mĂşsica ĂŠ isso: amamos a arte pela arte e gostamos de pensar que imprimimos uma pegada naquilo que de mais novo se faz por cĂĄ. Vamos andar ocupados nos prĂłximos tempos. O truque ĂŠ nunca parar. No que diz respeito a novos discos, temos a felicidade de editar o novo longa-duração dos Loosers, depois de um longo hiato da banda, agora com uma nova formação.
NĂŁo queremos soar convencidos — atĂŠ porque somos suspeitos —, mas como se diz cĂĄ no norte, o ĂĄlbum “estĂĄ do caralhoâ€?! Os Torto, dos virtuosos Jorge Coelho, Jorge Queijo e Miguel Ramos, tambĂŠm regressam, naquele que serĂĄ um trabalho homĂłnimo, cheio de espaço a reǤGZÂŁQ 2QT HCNCT GO IWKVCTTKUVCU QWVTC FCU UWTpresas da rentrĂŠe serĂĄ o lançamento do segundo ĂĄlbum de Rui Carvalho. O Filho da MĂŁe mais KPETÂXGN FQU ÇŁPIGTRKEMGTU SWG UÂŁQ ÇŁNJQU FC OÂŁG vem aĂ, de alma aberta para nos fazer evadir do quotidiano, com ofertas de curas dedilhadas. E se ainda nĂŁo ouviram o Leeches dos Glockenwise, o disco-rock-mais-curto-do-ano (20 enĂŠrgicos minutos de sangue na guelra), ainda vĂŁo tempo — ĂŠ que o Ăşltimo trimestre de 2013 traz a edição do mesmo em formato vinil. Aguardem, vai valer a pena. NĂŁo queremos levantar muito do vĂŠu, mas lembram-se daquele encontro dos Black Bombaim e dos la la la ressonance? VĂŁo haver surpresas editadas a meias com os nossos amigos da PAD. Mais nĂŁo contamos, dĂŞem azo Ă imaginação. Concertos tambĂŠm vĂŁo existir. E sĂŁo coisas bonitas. Para jĂĄ, continuamos com a nossa residĂŞncia mensal no Lounge, em Lisboa, a jĂĄ conhecida Isto NĂŁo É Uma Festa Indie (INEUFI). A versĂŁo da INEUFI no Porto tambĂŠm vai andando de boa saĂşde — dia 1 de Outubro, no CafĂŠ au Lait, acolhemos o norte-americano Amen Dunes, projecto a solo de Damon McMahon, ex-artista de quarto, vozeirĂŁo hipnĂłtico da pop experimental obscura. Os seus discos tĂŞm o selo da Sacred Bones (a nossa editora-fetiche), portanto ĂŠ bom.
Antes disso, dois regressos: Dead Meadow, a 10 de Outubro no Plano B, e os Acid Mothers Temple (AMT), a 5 de Novembro, no Hard Club. Para os primeiros, viver nos anos 60 deve ter sido um privilĂŠgio. Basta pensar em Jimi Hendrix a ensinar ao mundo como ĂŠ que o acid rock e os blues se conjugam. Cinco FŠECFCU XQNXKFCU GUUC KPǤWÂŞPEKC RGTOCPGEG em todo o seu apogeu e Warble Womb, o mais recente trabalho dos gajos, ĂŠ mesmo isso. Toca a ouvir. No caso dos AMT, as apresentaçþes nĂŁo se dispensam — evitam-se. Nesta digressĂŁo em especial, Kawabata Makoto e companhia vĂŁo estar a tocar o Paranoid dos Black Sabbath de uma ponta Ă outra, com um (o seu) toque muito particular. NĂŁo queremos fazer a festa antes do tempo, mas isto tem tudo para correr mesmo muuuuito bem. Num curto resumo, estes somos nĂłs, isto ĂŠ o que fazemos e acabaram de ler os nossos planos para um futuro prĂłximo. Tudo isto ĂŠ possĂvel por sermos uma equipa que, a bem ou a mal, vai ouvindo muita mĂşsica e que se curte entre si. Neste momento, a L&L ĂŠ constituĂda pelo Jonathan, pelo Edu, pelo Fua, pela Bia, pelo FĂĄbio, pelo Kikas e pelo MĂĄrcio. Mandem-nos FQEGU RGNQ EQTTGKQ ÇŁECOQU  GURGTC www.loversandlollypops.net www.milhoesdefesta.com
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1998 Em 1998 tinha eu quinze anos e começava a
cultivar a minha colecção de discos. Por essa altura ainda eram menos de cem, e quase todos dessa década. Mas já lá não estavam os primeiros dois “cromos”, o Use Your Illusion II, dos Guns N’ Roses, e o Waking Up The Neighbours, do Bryan Adams, que a vergonha adolescente me tinha levado a vender. Nutria um amor desmedido por aquelas caixinhas de plástico, arrumadas por ordem alfabética. E pelas cassetes que gravava dos amigos, onde escrevia por FRANCISCA CORTESÃO cuidadosamente os nomes das faixas e o ano de edição. Passava horas colada à aparelhagem, a ouvir discos, a ler as letras pequeninas dos livretes, a tirar músicas de ouvido. Embrenhava-me em revistas de música e fanzines e abusava da paciência de quem trabalhava nas lojas especializadas do Porto, onde vivia (e a repetir a graça nas visitas a Lisboa), a fazer perguntas e a pedir para ouvir só mais um disco. Na minha colecção havia Blur, Salad, Pavement, Breeders e a obra completa dos Smashing Pumpkins. Foi algures em 98 que me deparei (foto Minta por Vera Marmelo) com a figura do singer-songwriter. É “Há qualquer certo que conhecia desde sempre (obrigada, pais!) o Bob Dylan ou o Leonard Cohen, já coisa no para não falar dos nossos cantautores, ou do escritor que Caetano e do Chico. Mas isto era outra coisa. Eram discos de criaturas nos seus vintes que canta e assina assinavam com nomes que não eram de banda por baixo de - embora às vezes tivessem som de banda -, que contavam histórias de que nem sempre eram os todas as suas heróis sem fingir que estavam a falar de outras vitórias e pessoas. Os “meus” primeiros singer-songwriters imperfeições bateram-me forte. Não podiam ser mais
que me comove.”
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diferentes um do outro. A única coisa que lhes sei comum, aliás, é terem ambos vivido em Los Angeles. Primeiro o Elliott Smith, quando saiu o XO, que me comoveu aos primeiros segundos da primeira música. Ainda hoje não passo muitos dias sem o ouvir (a tríade Roman Candle, Elliott Smith e Either/Or é a melhor companhia que conheço para viagens de comboio). Depois a Liz Phair, que entretanto perdi de vista, a cujos Exile in Guyville e Whip-Smart cheguei com quatro e cinco anos de atraso, mas em que colei como a poucos discos. Descobrir uma miúda a cantar daquela maneira sobre ela própria e os homens da vida dela foi particularmente importante nessa fase da minha vida. Ouvi aquelas trinta e duas canções vezes sem conta. Nenhum dos meus amigos rapazes percebia o fascínio. Há qualquer coisa no escritor que canta e assina por baixo de todas as suas vitórias e imperfeições que me comove. Vou aproveitar este espaço para vos ir dizendo dos meus favoritos, dos que me fazem companhia e me fazem querer escrever canções melhores, daqueles que ouço com doses variáveis de inveja, assombro e respeito. E com a estranha sensação de que os conheço – e a sensação ainda mais estranha de que eles me conhecem a mim.
por JOAQUIM QUADROS (foto: Tomás Paiva Raposo)
Éme é um rapaz de barba rija (no sentido literal e figurado) de nome João Marcelo. Desde cedo mostrou faro apurado por cançonetas de coração aberto capazes de o tornar num dos mais talentosos artesãos da palavra cantada em português. As reflexões naíve adolescentes do primeiro EP Passa-se Alguma Coisa Estranha Aqui amadureceram mais tarde nos bons-maus sonhos de Gancia, o adeus à puberdade. É um dos emblemas da Cafetra, também membro dos Passos em Volta e está a preparar o seu novo trabalho com Cão da Morte e B Fachada nos bastidores. Recebeu-nos em casa numa tarde de domingo e além de levantar o véu sobre o seu disco conversou connosco sobre o que é isto de crescer como songwriter.
Começando por aquilo a que se chama começo…de onde parte o Passa-se Alguma Coisa Estranha Aqui? Foi uma espécie de retrato naíve, quase instintivo, muito genuíno da tua parte que veio de vontade de expressão, de tocar ou de dizer alguma coisa?
“(...)se trabalhares exactamente de acordo com o que queres fazer e não faças cedências à tua personalidade enquanto gajo que toca, é fixe.”
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Esse primeiro EP vem como uma espécie de teste. Eu já tocava com os Passos [em Volta], foi assim que aprendi a tocar e que comecei a curtir tocar. E por acaso uma vez convidaram-nos, mas não conseguimos toda a gente para o concerto. Eu já me tinha comprometido e tinha umas malhas sozinho que podiam até servir. Não necessariamente que me apetecesse muito tocá-las ao vivo ou que me apetecesse mostrar a alguém mas decidi tocá-las sozinho em palco. Na altura alguém filmou e publicou na internet e o Cão da Morte viu, o Luís Gravito, com quem tinha começado a falar há pouco tempo. Gostou daquilo e perguntou-me se eu não gostava de gravar isso. Eu sinceramente nem sabia bem se gostava muito das músicas, nem estavam muito trabalhadas, e acabei por gravar em casa dele até porque estavam a sair as primeiras coisa da Cafetra e achei a altura certa. Editei, acabei por pôr no bandcamp, é um EP um bocado estranho, mas era o que eu gostava de tocar na altura. Depois o processo acabou por ser sempre igual, fazer coisas que gosto mais de tocar do que as anteriores e até agora sempre que eu gosto mais de tocá-las as pessoas também gostam mais de as ouvir. Vem tudo junto.
Na tua fase de começar a fazer música sei que o Pete Doherty teve alguma influência, o que é que surge primeiro a guitarra ou a escrita?
Tanto nos arranjos como na forma de trabalhar nas canções sentiram-se diferenças significativas. Continuou a ser tudo caseiro?
A minha iniciativa sempre veio de ler. Em miúdo lia bastante. Quando comecei a ler as primeiras coisas românticas e assim, havia um certo universo para onde aquilo me transportava. De algum modo na altura a única personalidade contemporânea que misturava referências literárias com música punk eram os The Libertines e foi essa ligação, se calhar, que me tenha dado vontade de fazer música. Comecei a escrever coisas e a perceber que o processo de escrever para ser lido não era a mesma coisa do que para ser cantado e ouvido. Na altura era assim que eu via as coisas, é difícil dizer isto sem soar pretensioso mas era o lado punk com algum lirismo.
Sim, tem sido tudo caseiro. Não sei como é que vai ser daqui para a frente, já não é uma bandeira mas é sempre bom e confortável gravar em casa e editares uma coisa em relação à qual tens tu o domínio do processo todo.
Depois do EP como é que foi o salto para o Gancia? Foi provocado no sentido de teres trabalhado para evoluir ou foi um progresso natural por teres tocado mais e de teres gravado o disco de Passos? Quando passas tempo a tocar e a tentar fazer malhas acabas por aprender muitas coisas. Esse disco de Passos em Volta pelo meio do EP e do Gancia foi importante para mim para ter a experiência de gravar. Um controlo maior no processo todo de começar um álbum, levá-lo até ao fim e conseguir fazer uma coisa que gostas.
Falaste-me em passos importantes dessa evolução, um maior empenho em tocar e trabalhar a voz.. Sim, o que é facto é que no início eu pensava só em mim e quem gostasse gostava quem não gostasse indiferente. Hoje em dia acho importante não dificultares as coisas para quem ouve. Acho que podes facilitar. Daí que se tocares uma coisa mais quadrada, seja ela como for, e se trabalhares exactamente de acordo com o que queres fazer e não faças cedências à tua personalidade enquanto gajo que toca, é fixe. Quanto mais horas tocas e cantas mais fácil se torna concretizar as ideias em termos práticos. Obviamente que espero que nunca venha a ser uma coisa tipo técnica de tapping e coisas aborrecidas. Isso não me interessa nada. Só me interessa tocar melhor na medida em que seja mais fácil tocar a música que eu mais gosto de tocar.
(de cima para baixo: Gancia (Primeiro LP); Júlia Reis (Pega Monstro); Abras e os Putas Bêbadas; B Fachada. ao lado: Éme e Cão da Morte)
O Cão da Morte tem sido um gajo importante para ti.. Foi por causa dele que isto aconteceu, se não fosse ele nem havia Éme. Foi ele que me disse “olha, era fixe gravarmos isso em minha casa” e aí é que comecei a prestar atenção às minhas canções porque no início nem gostava assim tanto de tocar sozinho. Gostava mais de tocar com Passos. Hoje em dia gosto dos dois. Às vezes penso que me sinto estabelecido e não me dá vontade de mudar ou de fazer outra coisa. Foi importante ele ter-me chamado para gravar o EP, ajudou-me a gravar o disco e toca teclas comigo ao vivo. É sempre um gajo importante e um buddy, acima de tudo.
estares a meio a pensar noutra coisa qualquer, estás mesmo a gostar ao máximo e sentires que cada verso é o teu favorito. Quanto mais aprendes mais curtes, comigo tem sido sempre assim e portanto quanto mais pessoas estiverem envolvidas no processo, obviamente não ao mesmo tempo, mais toda a gente tem a ganhar. Não podes ouvir tudo o que uma pessoa te diz nem rejeitar tudo o que outras dizem, tens que ver o que é melhor para ti mas é sempre bom trabalhar com pessoas de quem gostas e de quem gostas do trabalho.
sabes, mesmo que vás ao melhor e ele tenha reputação, se vais sair à rua um azeite. Na música é a mesma coisa, achas que fizeste canções brutais e que são as que gostas de tocar mas pode não haver ninguém a gostar delas. A esperança é sempre que gostem. O disco está a ser acabado. É suposto sair ainda este ano? Quem toca nele? É suposto sair este Inverno, sim, este Inverno. Não sei se na parte deste ano ou do próximo entre Janeiro e Fevereiro, vamos ver como é que as coisas correm. A minha banda fixa é a Júlia Reis das Pega Monstro e dos Passos, o Abras que toca em Putas Bêbadas e o Luís Gravito, ou seja, o Cão da Morte. Bateria, baixo e teclados respectivamente. E eu claro, a tocar guitarra e a cantar. Em princípio são estas três pessoas a tocar comigo.
“O que eu tenho que fazer é canções que me assentem e isso é um trabalho que nunca vai estar acabado...”
Consideras essencial ter um produtor? O papel que B Fachada está mais ou menos a assumir contigo neste próximo disco que estás a preparar.
Não sei bem se é produtor mas é fixe ter alguém por perto que tenha experiência. Alguém de quem eu curto e de quem eu goste da música e com quem troque ideias e que me dá boas ideias ou vice-versa, espero eu. Ajuda-me, gosto sempre de fazer coisas em grupo. Seja com o Cão, com o B, seja com os Passos seja com o Leo que também esteve muito presente quando gravei o Gancia. Eu gosto, é divertido trabalhar com pessoal diferente, fazer coisas diferentes e pores algum desafio naquilo que tu fazes. Alguém que te saiba questionar “porque é que fazes isto?”, “gostas mais de tocar assim?” ou “porque é que fizeste de outra forma?”. Acabo por perceber que o caminho das coisas é muito mais simples, que o fim de tudo é tu gostares mesmo. Quando estás a tocar uma malha não
Falaste-me há umas semanas de quereres apurar cada vez mais o formato canção. Não ser uma coisa tão sombria ou estranha como no Gancia mas sim teres uma abordagem mais directa às tuas músicas. É uma das coisas que queres passar com o novo disco? Sim, espero que sim mas ainda está num estado muito work in progress. Tu nunca sabes como é que um disco vai bater ou não vai bater. Isso já percebi que vai estar sempre fora do meu controlo mas tenho a sensação de que é quase como vestires roupas de alfaitate. Tu se vais a um bom alfaiate a roupa assenta-te, vai ficar como deve ser no teu corpo, como no de mais ninguém. O que eu tenho que fazer é canções que me assentem e isso é um trabalho que nunca vai estar acabado e sobretudo que não tem que ver com a forma como as pessoas as ouvem ou não. Se pegares na cena do alfaiate nunca
Pensaste no álbum e nestas canções, ao contrário do Gancia, mais virado para tocar ao vivo? Sim, curto tocar com banda. Os concertos que tenho dado com banda são sempre uma cena que eu gosto imenso. Também gosto de tocar sozinho e de fazer canções que resultem das duas formas mas tocar com banda mais regularmente é um objectivo que tenho. No Gancia foi muito por convidados embora o leque de instrumentos seja mais ou menos o mesmo mas sem um grupo fixo de pessoas e neste não. Agora há este grupo de pessoas e quero tê-los comigo em palco. Pode ser que haja novidades sobre isto em breve.
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IRREAL SOCIAL Embora todos tenhamos uma
playlist mais fajuta, recheada de música duvidosa, armazenada algures num dos dispositivos que carregamos todos os dias para todo o lado, com um nome falso - para que seja tão secreta como o Terceiro Segredo de Fátima - ninguém, mas rigorosamente ninguém admite que ouve música de merda. Se até o Spotify tem uma funcionalidade que publicita a toda a hora sobre como é possível esconder os guilty pleasures dos teus followers, cabe-me imaginar a quantidade de pessoas que terá sentido um ligeiro desconforto ao perceber que havia ali coisas que não estavam a contribuir para a passagem de uma boa imagem cá para fora. Simbolismos à parte, é este o tempo em que vivemos: mais virtual que físico, onde é possível construir toda uma nova ficção acerca de nós próprios, só porque os históricos podem eliminar-se para sempre da luz do dia e, para todos os efeitos, conta mais a forma que o conteúdo. O gosto musical é uma das melhores manifestações disto, já que, dependendo do género, a aglomeração em tribo é muito mais fácil de conseguir. E a problematização da questão, aqui, é toda de natureza interpretativa: temo-nos numa conta demasiado grande dede que vivemos de peitos abertos, voltados para o espectáculo: a percepção da nossa persona social como sendo uma coisa com flancos fez com que de repente toda a gente quisesse ser de uma liga de honra indestrutível que só existe no Universo paralelo de uma zona tão exclusiva que só lá vive uma pessoa. O histórico, as playlists e as colecções de discos (não CDs, DISCOS, porque CDs são... Cds?!?) dessa raça superior, soam sempre a mentira. São a Atlântida do gosto. Era preferível deixar os CDs no móvel dos CDs no quarto de adolescente que irá manter-se intacto qual casa museu em casa dos pais, a mentir assim. Relativamente ao gosto musical e à quantidade de coisas que o gosto musical parece ditar numa lógica de
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afirmação social e pessoal, a forma como de repente nos começámos a comportar passou a ser ditada não por aquilo que somos, mas sim por aquilo que o nosso legado virtual faz por nós. Tudo o que consumimos acaba por fazer parte de um dos os nossos inúmeros projectos artísticos - vulgo perfis em redes sociais - que estão lá, no éter do online, para reforçar a ideia de que fomos dotados de uma cultura superior, de um gosto musical absolutamente inquestionável e de uma idoneidade à prova de armamento químico.
“A vida depois de terminado o processo ficcional é como um concerto indie.”
A vida depois de terminado o processo ficcional é como um concerto indie. A relação vagamente bipolar que se estabelece entre a concepção social ideal e a estética do nosso tempo é uma das mais difíceis de gerir, especialmente se pensarmos no tom acusatório com que nos expressamos em todos os meios, porque a vida hoje é toda sobre expressar e emitir opiniões. Essa expressão é indirecta, logo aparentemente mais corajosa. No entanto, a não-efectivação da comunicação no Universo do Real catapulta o indivíduo para uma hipótese de construção desse mesmo Real (-ficcional). E é essa construção a grande responsável pelo grande aborrecimento em que a vida Real se tornou. O prazer não pode ser irónico. Porque a lógica do prazer é precisamente a contrária: a da celebração do efeito. O prazer também não pode ser dotado de culpa; libertemo-nos de uma vez da herança Católica Apostólica Romana. Soltem os Prisioneiros. Não tenham vergonha do vosso shuffle nem do cartaz mais eclético que alguma vez vi: actuavam no mesmo palco Crookers, Vengaboys, Linda Martini e Quim Barreiros.
por JOANA BARRIOS
www.joanabarrios.com
26 OUT
17 OUT
WHITE HAUS
CHILD OF LOV
BATIDA
MILES CLERET
Esteve mais de 10 anos ao serviço das pistas de dança com o emblema dos X-Wife ao peito e Dj Kitten foi outra das suas mais irrequietas prestações de serviços. White Haus é um novo ego de João Vieira que conjuga tudo isso. Diversão cerebral vinda do caldeirão nu-disco de Brooklyn e a pop mais catchy que sempre faz João Vieira levitar. Catarse de agitação de corpos onde os olhos não focam nenhum outro ponto que não o clímax musical. Levem o par de ténis mais confortáveis e esqueçam-se de tudo o resto.
Para quem não conhece, Child Of Lov é Cole Williams, produtor holandês com um só disco de apresentação no cardápio. Branco mas de coração bem escuro, basta pensarem em Prince a produzir boa gente como D’Angelo ou N.E.R.D., não deixando os Outkast de fora do baralho. Cole é capaz de procriar através de canções. Muito hip hop com groove sensual, funk-acendelíbido do melhor e mais fresco que temos ouvido. Se White Haus pede ténis confortáveis, Child of Lov lembra para trazerem precaução de ginga.
Pedro Coquenão é o principal culpado a encurtar a distância entre Lisboa e Luanda. Batida transporta-nos para estes sítios como se de um atravessarde-ruas se tratasse. Os ritmos do passado de África re-imaginados hoje, as raízes respeitadas mas desconstruídas com os elementos base como melhor estímulo. Dance Mangwolé (2009) e Batida (2012) são álbuns-monumentos daquilo que é sofisticar a tradição e pura tese de que a cultura existe para ser misturada. Não é por acaso que Gilles Peterson (BBC1) o acusou como dono de um dos mais frescos trabalhos do ano passado.
É daqueles tipos que pode tratar a world music por tu. Cleret é coleccionador de discos desde infância. Digger de profissão, maravilhosamente obcecado pela música africana, é dos mais dedicados a desenterrar os tesouros do passado. Trazer os mais bem guardados segredos do Gana por exemplo, em Ghana Soundz, foi o trabalho dele durante dois anos, em Accra, e compilar o melhor das guitarras do rock nigeriano nos 70’s em Nigerian Rock edifica-o como um dos grandes inconformados investigadores do planeta. Palmeiras, o cheiro do quente da terra e tudo a que a savana tiver direito. É o momento certo para dançar!
18 OUT
25 OUT
JAMES FERRARO
NIAGARA
NO AGE
RIDING PÂNICO
É uma daquelas histórias de que a cultura pop se vai orgulhar de contar um dia. James Ferraro é um músico e produtor nativo do Bronx. Mestre no sampling e prolífico imaginador de ambientes electrónicos a juntar a um dos mais requintados looks do universo indie. A herança dos 80’s compõe uma boa parte dos seus membros, mas o olho e a visão futurista de Far Side Virtual (2011) é aquilo que realmente o sacia. Trata-se da experimentação de ambientes glitch cromados e atirados para uma espécie de pintura modernista onde o não-caminho é a direcção certa. A levitar sobre várias influências mas sem posar realmente em nenhuma, Ferraro lançou Cold, o grande motivo que o traz a Portugal este mês. Esperem tudo menos o óbvio.
Sara Eckerson e os irmãos Alberto e António Arruda juntos a criar música dão pelo nome de Niagara. Experimentadores puros no que diz respeito à relação com a música de dança. Arredondando por defeito é o house onde se movem. Já por excesso, não sejamos preguiçosos pois não há definição quadrada ou matemática que os retrate. Beats selvagens atirados ao espaço cadenciados por uma única consciência, a de não seguir as estruturas tradicionais de produção. O EP Ouro Oeste, o mais recente trabalho mostrado – que mereceu até destaque no Gorilla vs. Bear –, é hipnótico-trippy e fresco. Muito fresco. É a Príncipe a deixar marcas, as primeiras de muitas.
Eles já provaram que não são só músicos. Randy e Dean são dois artistas mestres em repensar o punk e a melhor forma de o detonar em canções. Ao quarto disco – An Object – já não se testam mas continuam sim a reinventar-se e a provar que o noise também é uma nobre forma de arte. An Object é o quarto trabalho de estúdio e a sua apresentação é um dos momentos mais aguardados desta edição JUR. Um regresso é sempre um regresso mas No Age fazem-no ser especial ou nem sequer dormiam descansados.
Caso raro de expressão instrumental feita por cá. Uma barragem de som avassaladora incapaz de não levar tudo atrás. Da forma mais elogiosa possível. Seis músicos que já mostraram ter argumentos mais que suficientes para merecer os grandes palcos dos festivais. Agora pensem no monstruoso Homem Elefante, um dos discos do ano, tocado ali para o calor de 300 pessoas. O público que não se esqueça da armadura, “Dance Hall” e “Banzai” vão ser das mais bonitas catástrofes naturais a que vão sobreviver.
19 OUT
OCTA PUSH Leo e Bruno são tipos fora de série. Dois crânios na hora de criar labirintos de produção como já fizeram em vários EP’s não podem ter passado despercebidos. Oito é a super-obraconfirmação, sim, o primeiro disco que lançaram, e logo pela inglesa Senseless Records. As raízes diluem os mais variados backgrounds. Do retalho UK Garage e do dubstep ao mais carnal do afro-beat, a sensibilidade dos tentáculos absorve de tudo. Quem nunca os viu ao vivo que perceba que isto não é uma opção: é obrigatório. Até porque Alex (Youthless) é um dos convidados habituais. E costuma usar batom e peruca.
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THE FIELD Alex Wilner já fez de tudo um pouco sob os mais variados pseudónimos. The Field é onde mais tem depositado o seu talento e como tem obtido maior sucesso. Sueco, já viveu em Lisboa e actualmente reside em Berlim, ou seja, mundo suficiente para ter cruzado das mais diversas inspirações urbanas. Artesão de tensas viagens ao encontro do techno, capazes de afligir os mais claustrofóbicos. O novo álbum sai no próximo dia 30 de Setembro com selo da Kompakt. Os privilegiados que já ouviram Cupid’s Head decerto já sentiram os musculados trilhos daquilo que é a mais engenhosa forma de trabalhar a ambient music.
À
sua 7ª edição, o Jameson Urban Routes vai-se construindo festival. Um conceito tão bem definido quanto eclético que tem trazido relevantes surpresas. Quem lá esteve diz que foi das noites do ano, a da estreia de Toro Y Moi com El Guincho em 2010. Foi aqui que nomes nacionais como os (agora monstros!) Orelha Negra deram o primeiro concerto e por onde os You Can’t Win, Charlie Brown tiveram das primeiras casas cheias em Lisboa. Entre isso, Gilles Petterson, WhoMadeWho, Twin Shadow, Willy Moon, Lapalux ou HEALTH foram outras visionárias referências que o festival veio acrescentar à programação da cidade de Lisboa. A continuidade é importante e o JUR promete que é para ficar. As noites explicam-se, têm seguimento e elos que as unem. Este ano não falha a regra e listamos algumas das melhores razões.
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MENINA DO CAMPO que desde cedo se dedicou a desenvolver fascínio pelo seu instrumento preferido: a voz. Ao telefone a partir do seu apartamento em Brooklyn, Julianna Barwick, fala-nos de ter descoberto os pedais de efeitos, da árvore mágica na sua quinta e do seu novo e levitante álbum – Nepenthe – gravado na Islândia com a ajuda de Alex Somers (Amiina; múm). Saiu no último dia 20 de Agosto, carimbado pela Dead Oceans, e traz a música norte-americana em viagem tântrica, mais etérea que nunca. Depois de algumas datas pelos EUA ao lado dos Sigur Rós, regressa a Portugal para concertos nos dias 23 de Outubro no Teatro Maria Matos (Lisboa) e 25 de Outubro no Centro Cultural Vila Flor (Guimarães). por JOAQUIM QUADROS
Corrige-me se estiver enganado, mas além de música e de instrumentos tu és fascinada pelo som e pela voz, concordas com isto? Completamente! Eu adoro cantar, adoro mesmo. Gosto de criar música a partir da voz, sempre foi a minha maneira espontânea de fazer música e o meu maior interesse. Pelo menos nos meus primeiros passos. Compor com a voz como base é um dos meus maiores prazeres. A experiência de coro em criança teve influência nesse fascínio e na personalidade como música, obviamente… Claro, claro. Eu sempre cantei, aliás os meus pais dizem que eu comecei a cantar antes de falar (risos), a fazer as minhas próprias melodias. A minha mãe tem uma voz muito bonita e até participa no meu último disco – Nepenthe – e isso é um grande sonho tornado realidade. Ela sempre cantou em casa, eu sempre a acompanhei, cantava em igrejas quase diariamente. Além disso também fui do coro em todas as escolas onde andei. Cresci a cantar muito em grupo e a capella, quer na igreja quer na escola, por isso é que me apaixonei desta maneira pelas vozes humanas e pelas harmonias vocais que se tornaram na minha maior característica. E quando é que começaste a gravar e a brincar com as vozes sem ser em grupo, ou seja, as tuas primeiras aventuras com a própria voz que originaram as primeiras ideias para o teu primeiro álbum Sanguine (2006)? Eu durante a minha vida toda andei a brincar com melodias de voz, talvez muitas coisas venham de ideias mais antigas mas foi aos 20 anos que me ofereceram uma guitarra eléctrica. Com isso vieram os pedais de reverb, delay etc. e com isso veio o gravador de quatro pistas e comecei a tocar obsessivamente mas sem escrever letras porque isso nunca foi o meu forte. E a minha cena era mesmo o som, então comecei a tocar por vários sítios sempre com esse meu novo brinquedo. Esses pedais foram uma boa descoberta então. Absolutamente, isto abriu um mundo enorme para mim. Passei a poder fazer música muito mais rápido. Fiquei rendida aos loops, comecei a abrir a cabeça e nunca sabia como ia soar ou o que esperar quando acabava e punha play para ouvir. Em 5 minutos conseguia criar aquilo tudo? A sério? Foi um momento importante e excitante para mim, claro!
Acontece perderes-te em todas as camadas que vais criando, todas as vozes que vais acrescentando? Ou tens que ter uma disciplina redobrada para isso não acontecer? Bem, eu sou. Tenho que ser. Mas a verdade é que quando estou a criar há vezes que perco o fio condutor e acabo por ali. Quando sinto que chego a um ponto em que não há mais nada para acrescentar, nenhum efeito para tornar a canção mais próxima daquilo que eu quero, eu simplesmente paro. Às vezes vou ouvir e adoro, outras vezes nem sequer passo dos primeiros 30 segundos só por não ter gostado de alguma transição logo do começo da música. Enfim, não é fácil mas é isso que me desafia. Depois de lançares o Sanguine continuaste a experimentar o que podes fazer com a voz e com o teu processo de composição à volta dos efeitos. Que evolução é que sentiste comparando em termos de método de criação entre o primeiro e The Magic Place? No Sanguine eu estava a gravar as minhas vozes todas através do pedal de guitarra e a gravar para cassete, a usar o meu maravilhoso e fiel gravador de quatro pistas. Depois tudo o que ia fazendo com as guitarras, os loops, etc. era gravado da mesma maneira. Eu não fazia a mínima do que estava a fazer mas a verdade é que foi assim que apareceu o primeiro. Até que surgiu um encontro com o Paul Gold, o tipo que masteriza a maioria das minhas coisas, e eu levei-lhe a tal cassete e ele perguntou-me “desculpa, não tens um CD ou outro formato? Nada em computador?” eu respondi-lhe basicamente que nem sabia bem do que é que ele estava a falar mas que era só aquilo que tinha. Ele no fundo também gostou desse lado mais instintivo de tudo aquilo. Ainda hoje uso esse gravador tanto a gravar como ao vivo, mas agora sei que posso passar aquilo para computador e que facilita as coisas. Para o Magic Place fui mais cuidadosa em termos técnicos mas no fundo foi semelhante ao Sanguine com mais um bocado de conhecimento.
The Magic Place, o título do teu segundo álbum, é mesmo um sítio real ou foi um universo criado por ti, na tua mente, para essas músicas? Não não, há mesmo um sítio verdadeiro. Nós tínhamos uns terrenos quando eu era nova e havia uma árvore no meio do campo a que chamávamos de magic place. Eu passava lá horas e horas a brincar entre os 10 e os 14 anos, sentia-me como se estivesse num sítio saído da Alice no País das Maravilhas. Conseguíamos entrar dentro da árvore, deitarmo-nos lá, a árvore era enorme. Adorava lá estar, passava lá muito tempo sozinha. Entretanto voltámos lá uns anos depois e a árvore foi cortada, por isso já não há mais aquele sítio, o que é triste. Há o álbum para imortalizar o sítio, fizeste o teu papel. Tanto o eco, como todo o reverb, os efeitos, toda a dissipação do teu som são características fortes daquilo que é a Julianna Barwick enquanto artista. Tudo isso são como sinais de solidão? Farias música de outra maneira? Sem ser sozinha. Concordo. Mas embora esteja, eu não me sinto sozinha quando faço música por mim própria. É o que eu mais gosto. Eu agora não estou em digressão sozinha com o Nepenthe mas sempre andei e adoro. Sinto-me bem a cumprir os meus objetivos sozinha. No entanto não me considero sozinha de todo, quando eu gravei este último disco estive 6 semanas só com o Alex [Somers] e não foi nada que me tenha chateado. Nós trabalhámos todos os dias de segunda a sexta sem ver ninguém. E eu não sabia o que era ter alguém por perto enquanto trabalhava nas minhas coisas e senti-me confortável. Fiquei a perceber que gosto destas diferentes maneiras de fazer música e que isso acabou por ser uma diferença grande deste disco. Aqui no meu apartamento, sozinha a uma noite qualquer da semana, aí sim, sou capaz de me sentir sozinha.
Não sei bem. Tenho ouvido dizer isso mas provavelmente já há gente a fazer música como eu e talvez não se conheça. Eu não penso muito nisso, é mais de intuição do que propriamente intenção. Eu sei que isto parece estranho mas a verdade é que não penso muito antes de estar realmente a acontecer… Porquê a decisão de teres ido para a Islândia gravar o Nepenthe? Pelo que li, foste sem qualquer ideia pensada para o disco, criaste-o a partir de uma folha em branco já com o Alex Somers (múm, Amiina e colaborador nos Sigur Ros) ao teu lado. Foi o Alex que me convidou, só isso. Sempre tive curiosidade de ir gravar um disco à Europa e surgiu a oportunidade. É verdade, fui sem qualquer premissa para o álbum, sem nada preparado. A única coisa que usei já existente foi a “One Half ” que já existia mas numa versão completamente diferente. Eu costumava tocá-la mas nunca a tinha editado nem sequer gravado, de resto foi tudo lá, ou seja, 99% do álbum foi pensado já na Islândia. As pessoas que tocam comigo no álbum ouviram a parte que eu já tinha e deramlhe outro corpo, foi muito interessante. Então houve algum trabalho quase como banda na gravação do disco. Não foi bem. Tive membros dos Amiina a tocar e um coro a cantar comigo mas as ideias são essencialmente minhas, todas partiram da minha cabeça e eles tocaram-nas na gravação por cima do que já tinha feito. E agora vais começar a tour de promoção para o novo álbum. Por onde vais andar antes das tuas duas datas em Portugal? Com quem vais andar em tour? Tenho um concerto aqui em Nova Iorque já na próxima sexta-feira, depois faço várias datas com os Sigur Rós pelo Estados Unidos e a seguir sim vou para a Europa durante algumas semanas. O primeiro concerto é na Polónia, e depois Alemanha, acho eu. Desta vez vou viajar com um grande amigo meu, ele toca guitarra e samples, coisas do género, eu nas teclas e vozes. Ocasionalmente pode haver um pequeno coro ou uma secção de cordas mas a maioria dos concertos vão ser comigo e ele, mais ninguém. Estou com vontade voltar a Portugal.
O facto de praticamente não teres letras e de te centrares mais no som de voz torna muito especial e próprio o teu estilo de música, consideras isso uma nova forma de songwriting? 19
“É verdade que toda a cultura pop é canibal, autofágica e regurgitante (...)”
A
por ISILDA SANCHES
silly season é como as melgas. Podemos fugir mas acaba sempre por nos apanhar, nem que seja enquanto olhamos de soslaio para o jornal de quem está na mesa ao lado, passamos os olhos pelo mural do Facebook ou lemos aquelas legendas que agora passam durante as noticias, a dar outras notícias. Musicalmente, o verão 2013 foi particularmente pateta. Robin Thicke, T.I. e Pharrell, autores da música que mais promos de televisão deve ter gerado pelo mundo inteiro (Portugal incluído) processaram “preventivamente” os herdeiros de Marvin Gaye por correr o boato de que o “Blurred Lines” copiava o “Got To Give It Up”. Até gosto do “Blurred Lines” (ninguém escapa ao poder de um bom hey hey hey) mas negar as semelhanças com o clássico do Marvin Gaye parece-me mais ou menos o mesmo que discutir se o LCD Soundsystem lembrava ou não o som de Nova Iorque na fase pós punk. Pode sempre argumentar-se, mas evidências são evidências e negá-las é quase estalinista. Há que ter respeito, amor pelas origens, reconhecer os que fizeram primeiro. É verdade que toda a cultura pop é canibal, autofágica e regurgitante, vive da sua reescrita constante, mas não podemos simplesmente achar que o mundo começa do zero cada vez que alguém se autoproclama o melhor de sempre (mesmo quando é bom). O que me lembra Madonna, Miley Cyrus e o modelo slut que agora domina na pop feita por mulheres. Há uns 20 anos Madonna fez sexo oral a uma garrafa e videoclips com imaginário kinky (”Justify My Love”, por exemplo) e escreveram-se dissertações sobre o feminismo. Miley Cirus lambe um martelo e balança-se numa bola de demolições nua, enquanto canta uma balada chorosa, e só dá vontade de rir. Como dá vontade de rir ver os Djs chegarem à Forbes, naturalmente em formato de top dos mais bem pagos. Calvin Harris ganhou 43 milhões de dólares? Tiesto 32 milhões? Diplo é o último no top 12 (atrás de Pauly D do Jershey Shore) com 13 milhões de dólares? A sério? E isso é realmente importante para a música e para a cena de dança em particular ou são só mercados a fazer o que fazem sempre: especular, inflacionar, para depois deixar cair? “It’s All About The Money”, como bem diz o Coati Mundi. No meio de tanta parvoíce, business, marketing e estratégia, o verão 2013 ainda teve salvação. O single das Lady, que até se chama “Money” e que continua a tradição recente de fazer a música nova parecer velha (sem medo de ser acusada de lembrar Marvin Gaye ou seja quem for), “With Love” de Zombie levou-nos para longe e para fora como uma cápsula do tempo que nos transporta para um futuro sci-fi retro. Mirror to The Soul, colectânea da Soul Jazz, abriu-nos um portal para o passado, mostrou-nos as Caraíbas entre 1920 e 1970 em musica e imagens extraordinárias. Não há que ter medo do passado. Já passou, mas teve coisas incríveis. Respect!
por JOAQUIM QUADROS
O que acontece em São Francisco, fica em São Francisco. Diz-se que é de 20 em 20 anos que se deve
armas do Vietname teimavam em não baixar, emergia um epicentro de contracultura trazendo esperar a mudança dos ciclos. Findados os 90’s consigo a explosão protestante e o não-baixarvestidos de flanela, crescido o monstro indie dos de-braços sob qualquer forma de manifestação. 2000, para quando então o novo arrastão de As drogas dançavam alto, os corpos guitarras à escala dos 60’s e 70’s? A resposta anda consumiam-se em balanço (troquem-lhes as algures por ser descoberta em São Francisco. orações se assim entenderem), o Que se esqueça Brooklyn por uns “As drogas dito “hippie” surgia e o “psicainstantes e que se lembre de que dançavam alto, os délico” era nova palavra de não é a primeira vez que há “cena” dicionário. A música vira então corpos neste condado da Califórnia. Aliás, Ralph J. Gleason, impor- consumiam-se em contra-arma. Country Joe & The tante pensador e colunista do San balanço (...), o dito Fish são portento bélico nesse sentido, Electric Music for the Mind Francisco Chronicle, mais tarde “hippie” surgia e o and Body é um dos seminais fundador da reputada Rolling Stone, disse em tempos – nos “psicadélico” era trabalhos a argumentar tudo isto; certos – que “São Francisco era a nova palavra de Grace Slick acabada de chegar aos Jefferson Airplane imortaliza Liverpool dos EUA e que, os dicionário.” “White Rabbit” como uma das grupos rock que lá nasciam estacanções do século; Santana, ainda como banda, vam a ter uma enorme contribuição para a fazem do Woodstock ’69 um capítulo de história da música”. Os tempos já o levam mas a história; juntem The Charlatans ou os igualsábia e visionária afirmação desenterra-se agora. mente influentes The Flamin Groovies do lendDezenas de anos depois os turbilhões ário guitarrista Cyril Jordan como peças-chave criativos de Nova Iorque ou até mesmo Seattle para fundamento nas palavras de Gleason. começam novamente a sentir ventos de um A máquina do tempo, essa, trabalhou que se certo furacão garageiro vindo do cimo da costa fartou. Hoje já o indie foi levado às massas e se oeste. diluiu no mainstream, já o rock se comportou E é de há muito que este desassossego sopra. bem demais e anseia palcos de estádio e todo o Viviam-se os afamados sessentas e, enquanto as
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poserismo deu cabo de muito boa banda. Há então reciclagem de culpados e o jogo muda mas São Francisco é o mesmo e o que lá acontece volta a lá ficar. Estamos a falar de gente de soberba vontade no combate ao tédio. Há contágio de suor e imundice nas guitarras, as velhas garagens são novamente os estúdios, as canções cantam-se sem merdas em refrães maiores que oceanos e a tarola vai sempre soar crua. Nada menos do que se quer. Os responsáveis são vários e a premissa foi a mesma. Quer o cliché da banda de liceu, quer as primeiras experiências na cave de casa dos pais, tudo isso fez de Dwyer (ex. The Hospitals agora Thee Oh Sees) um dos mais nobres embaixadores e de Ty Segall o atual profeta. Todos os parentes desta família cada vez mais numerosa – ainda há esperança! – são também sustentáculos de uma das mais interessantes cenas musicais do mantra rock’n’roll contemporâneo. A árvore genealógica vai crescendo por esse caldeirão fora e parelhas como Adam Stonehouse e John Dwyer são das maiores bandeiras. Juntos no passado, nos The Hospitals, berravam “I Say Go” em jeito manifesto ruidoso e atiravam-se para a Califórnia que nem banda símbolo de urgência garageira. A epidemia era a única grande salvação das guitarras. Ainda bem que assim foi. I’ve Visited The Island on Jocks and Jazz (2005) vira disco-hinodiscreto suficiente para ser voz de futuro para São Francisco.
O Mestre e o Aprendiz Nisto cresce o monstro dentro de John Dwyer que funda os Thee Oh Sees (ex.OCS) em 2008. Pela sua própria editora, a Castle Face Records, atiram The Master’s Bedroom Is Worth Spending A Night In no mesmo ano, um dos melhores discos de garage de sempre – escrevam aí.
JOHN
DWYER
Momento vital que vira então sério caso de culto arrastando consigo uma geração de magna importância para a corrente franciscana.
Tim Presley (White Fence)
Discos como Castlemania (2011) ou mesmo o recente Floatin Coffin (2013) são monumentos daquilo para que Dwyer trabalhou e aprimorou tornando-se numa das melhores bandas da atualidade. Mas em São Francisco ninguém ocupa o trono, a hierarquia desvanece-se e Ty Segall é claramente um outro emblema. Ditava uma passagem há anos atrás pelo Barreiro Rocks que se tornaria enorme, era Melted que o argumentava na altura, e assim se concretizou. Mais uma vez pela Castle Face, note-se também parte importante para São Francisco andar mais vistoso no mapa, lançou o primeiro em
CANÇÃO “Minotaur” SOLO “The Dream” INFLUÊNCIAS CAN, The Fall EDIÇÕES (Thee Oh Sees) The Master’s Bedroom Is Worth Spending a Night In (2008), Floating Coffin (2013) BANDAS Landed; The Hospitals; Zeigenbock Kopf; The Drums; Thee Oh Sees; Swords and Sandals; Coachwips
2008. Só do ano passado há seminais como Slaughterhouse e Twins, discos de uma vida, ou mesmo Sleeper, digna homenagem à canção americana em que se traz acústico mas longe de adormecido. Além de ser homem de outras bandas como FUZZ ou Sic Alps, ainda apadrinhou novos nomes como Mikal Cronin, um dos seus amigos de liceu dono de um dos mais frescos rebentos a solo ao seu segundo álbum MC II, ou White Fence no disco Hair que marca também um maior aparecimento do próprio Ty. White Fence, isto é, Tim Presley (The Strange Boys) que decidiu largar Austin, Texas para ir viver para o único sítio que interessa: São Francisco. Espaço de terra com fertilidade suficiente para mais habitantes ainda como Sonny Smith, um tal de Sonny & The Sunsets que aqui há uns tempos recuou o Lounge até bem mais perto dos 70’s; os Fresh & Onlys, tidos já em conta como uma das bandas- chave para o movimento franciscano; ou nova e boa gente como Grass Widow (vão ouvir falar deles). As palavras foram ditas nos 60’s, J. Gleason não mentia mesmo quando avisou 50 anos antes que São Francisco não era região para brincadeiras. Máquina centrifugadora esta vaga que absorveu do nervo punk dos Stooges à classe de uns Sabbath. Redenção igualmente assumida, acrescente-se, ao do que melhor faziam por estes lados do Reino Unido T.Rex, num campo mais folk dado a psicotrópicos, ou os espaciais Hawkwind. Longe de pretensiosismos, com as memórias bem empregues e novo sangue em velocidade fluente, subordinada aos princípios base do rock’n’nroll (isto é elogio), esta gente dá razão às suas palavras e fá-lo da maneira mais pura: a tocar.
CANÇÃO “Thank God For Sinners” SOLO “I Bought My Eyes” INFLUÊNCIAS Black Sabbath, T-Rex EDIÇÕES Melted (2010), SLEEPER (2013) BANDAS Party Fowl; Traditional Fools; Epsilons; Sic Alps
TY
SEGALL 23
(SET ‘13 - PAD)
MOODOïD EP
PEIXE : AVIÃO
MOODOïD
PEIXE : AVIÃO
(SET ‘13 - ENTREPRISE)
(SET ‘13 - PAD)
Ópio Parisiense
Aberto até à madrugada
As eras avançam e há sempre que se discutir qual a melhor. Revivalismo é uma palavra muito básica e bandas como os Moodoïd representam porque é que se deve ouvir em repeat os discos dos mestres e os poemas dos malditos para trazer mais e mais hipnotismo à vida, enquanto os teimosos opinam mais e mais sobre os seus, seja pelo que for, “gamanços”. Kevin Parker dando provas à linda Melody Prochet diz “como é óbvio que te misturo o disco” ao seu guitarrista, Pablo Padovani, cabeça destes Moodoïd vindos de um poster sueco dos anos 60. Sente-se a legião psych em “Je suis la montagne”, o absinto em ondas sonoras simbolistas e francesas na “La chanson du ciel de diamants” e uma folia pura na terceira faixa, a mais pura, outra vez, prova de que os meninos com o trema no i estão cá para nos fazer levitar. Que avancem os tempos, os Moodoïd num EP já fazem soar os rudimentos da lua cheia. G.P.
Já se murmura que o Rio Cávado, Braga, Barcelos e arredores andam a cumprir os mandamentos da gente do rock. Em itálico. Fala-se de taças em bares com misturas de cerveja com whisky e mais-o-que-venha e uma afirmação regional com pinta e influência crescida nas andanças da música de jeito. Os peixe:avião estando ainda bronzeados do segundo álbum, Madrugada, nas brincadeiras electrónicas que não surpreendem neste e só fazem vontade de voltar às guitarras. Funde-se o deserto da América com Braga de Portugal nos andamentos em “Ponto de Fuga” e em “Amarras” que se transformam e finalizam o disco mais que decentemente. O monstro com voz calma e nortenha que se criou nos peixe:avião aparece. O single “Avesso” corre igualmente sensualão, agora por culpa do kraut-rock bem ponderado. “Kraut num single em Portugal...” Os bares lá para cima andam com bom som. Pronto. G.P.
4/5
3/5
AM
(SET ‘13 - DOMINO)
ARCTIC MONKEYS
2/5 Quanto mais me bates menos eu gosto de ti Parece que os Arctic Monkeys atravessam neste momento uma fase Benjamin Button. Entenda-se inversão do ciclo disco-a-disco-maismaturidade. É à chegada ao 5º álbum, AM, que chega a idade dos porquês. “Do I Wanna Know?“, “R U Mine?”ou “Why’d You Call Me When You’re High?”, tudo isso dúvidas colegiais a aparecerem num disco que se augurava mais maduro. Pelos vistos o conceito de não-crescidos de Whatever People Say I Am… funcionava melhor, tal como Sheffield funcionava melhor que LA. Alex Turner bem avisou com os “la la las” de Suck It and See, em palco bem nos parecia que passava a agarrar-se mais ao pente do que à guitarra e a brilhantina do cabelo é tanta que parece ter escorrido para as canções. Riffs açucarados a pretender soar a rock’n’roll mas a parecer festa de aldeia – já ouviram a linha de guitarra do início de “Knee Socks”? – e baladas que se pretendem galãs mas que não soam a mais do que aquele convite falhado para o baile de finalistas. Ripar o “What’s the Difference” do 2001 de Dr. Dre não faz disso, só por si, um momento cool do álbum. Transformaram-se, é verdade, mas desde quando é que estas metamorfoses são sempre boas? O Dr. Dre é o Dr. Dre, Sheffield pelos vistos era mais fixe que Los Angeles e tu não és o Casablancas, Alex. Se ainda não ouviram, passem de imediato ao último minuto de “I Wanna Be Yours”, o somatório daquilo que é o disco. Acreditem, não vão querer perder tanto tempo. J.Q.
24
SLEEPER (AGO ‘13 - DRAG CITY)
TY SEGALL
Escrita de garagem Começamos a perceber que podemos sempre esperar alguma coisa de Ty Segall, pelo menos um disco. Não qual ou com quem mas um. Em Dezembro, ditou-lhe a vida perder o pai e degradar-se a relação com a sua mãe. O novo álbum, Sleeper, primeiro deste ano, trá-lo em jeito de purga. Fora da zona de conforto, onde troca alguma da eletricidade por coração, Ty Segall mostra-se mais sôfrego do que em qualquer um dos seus outros álbuns. Com a avalanche de edições de 2012 – Slaugherhouse, Hair e Twins – facilmente percebemos que sonolento e acústico é coisa que Segall não é. Ou melhor, não era. Não esperávamos nós (além de um disco, lá está) que os amplificadores e outras tantas ferramentas de distorção fossem dar lugar a uma humilde guitarra acústica. Fiel ao analógico, em luta contra a máquina, mostra-se cancioneiro americano puro a cuspir sentimentos mais ásperos que os riffs, com as emoções mais a descoberto do que alguma vez expôs com o seu ímpeto punk. “The Keepers” tem o mote “let the sleepers play for fun” a acabar em assobio de garagem. Em “Crazy” entoa “he’s here / he’s still here / though she is crazy”, murmúrio de dor escrito e composto num só take usado tal e qual para a versão final do disco. Mais genuíno não era fácil. Na introspeção “The Man Man” o solo final foi mais forte do que ele; na balada “Come Outside” volta a abraçar a tradição country-folk americana com mestria, o mesmo faz com “The West”; já o exorcismo-canção “Queen Lullabye” é o mais caótico e conturbado momento de Sleeper. É Ty a respirar fundo, já deitou tudo cá para fora. E nós muito mais descansados. J.Q.
4/5
TURBO LENTO
DREAM RIVER
(SET ‘13 - UNIVERSAL)
LINDA MARTINI
(AGO ‘13 - MODULAR)
BILL CALLAHAN
“Está bonita a festa pá”
Folhas de erva
Turbo Lento ser o terceiro disco de uma banda em 10 anos de carreira só explica que quando fazem é para ser especial. Olhos de Mongol (2006) foi a surpresa, Casa Ocupada (2010) bomba-confirmação e Turbo Lento é feliz continuidade. Um disco que o que tem de pensado tem de impulsivo, à flor-dapele vem também o coração e onde a calma rapidamente vira bagunça (no melhor sentido) ou vice-versa. “Juárez” é a primeira canção bipolar que nos move da sujidade da cave para o espaço, expressão punk gritante como mote para o resto do álbum. “Que se foda o Panteão” é verso de uma revolta que se estende com turbulência nas palavras. O título do disco não é por acaso. Antíteses emocionais constantes em que a serenidade das explosões faz os momentos mais bonitos. A primeira parte de “Sapatos Bravos” traz a veia mais respeitadora de Linda Martini ao formato canção – soube bem – e “Febril (Tanto Mar)” é hino-insurgência pura em celebração “da festa” pela qual todos esperamos. Chico Buarque que o diga (e diz!). No single “Ratos” e em “Tamborina Fera“ Linda Martini voltam a pôr dedo forte na ferida, a trazer-se directos e sem merdas. Álbum eficaz na constante agitação entre o punk e a instrumentação mais musculada do pós-rock. Entre o sideral e a garagem, Linda Martini fizeram o seu disco mais agridoce. Só não acompanhou o primor na produção que pedia uma atitude igualmente esquizofrénica. De qualquer maneira é intervencionista na mensagem e com personalidade no corpo, a fazer jus à década que celebram. Relembram-nos que a revolução não se faz só nas ruas. Linda Martini fizeram-na em estúdio e vão sempre fazê-la em palco como já nos habituaram. J.Q.
Na indecisão do costume, desde que era Smog nos 90, Bill Callahan arranca do canto lo-fi, mexido e distorcido e senta-se, com guitarra apoiada em perna cruzada, na outra parte preferida da casa para o seu quarto disco, Dream River. O lado pastoral americana, as terras dos verdes e das terras húmidas, a herança de Walt Whitman e de qualquer outro ermita cowboy arrepia-se desde o primeiro slide em “The Sing” que forma a montanha que protege o resto do disco de ser “muito igual”. É claro que Callahan desenhou uma mensagem com folhas secas, mensagens de desapego com a cidade, e depois com elas tapou a uniformidade folk das 8 faixas sem medo, mas com intenção de as igualar à floresta. “Javelin Unlanding” avisa para os perigos de bomba, e ouve-se; as fadas fumadoras de cigarro filtro dançam em “Spring”, e ouve-se; “Ride My Arrow” confessa, e ouve-se. Os troncos da fogueira podiam estar mais alinhados, mas na montanha passa-se frio, portanto...G.P.
3.5/5
HOBO ROCKET (AGO ‘13 - MODULAR)
POND Alguns Vagabundos no Espaço
3.5/5
NEPENTHE
HEAR EYE GO
(AGO ‘13 - DEAD OCEANS)
(SET ‘13 - THE REVERBERATION APPRECIATION SOCIETY)
JULIANNA BARWICK
GOLDEN ANIMALS
Universo só há um: o de Julianna
Abrigo acima dos 40 graus
A vida de Julianna Barwick foi sendo construída à volta de sítios mágicos. E misteriosos. Os do seu imaginário com que nos transporta através da voz, ou os próprios sítios-fontes-de-inspiração onde já viveu e por onde viaja. Isto para nós porque para ela são um só. Como se a realidade e a fantasia se dissolvem e se transformassem num local único. Nepenthe é um desses sítios que se encontram numa espécie de ângulo morto perdido entre o terrestre e o céu. Altar onde ouvimos um coro de 5 ou 6 Juliannas em uníssono cristalino. Banda sonora alternativa de Barak em que a natureza de desencadeia vagarosamente sobre si mesma. As camadas vocais em “The Harbinger” podiam ter sido gravadas na Capela Sistina e em “One Half ” ouve-se “I was asleep that night / just waiting for”, das raras letras perceptíveis de toda a sua obra. “Forever” é mais um retrato do épico de mãos dadas com o minimal, no fundo é só Barwick a ser ela própria. Ambiências cobertas de geada, extensos desertos sonoros cobertos de neve onde a altitude se perde tal como o tempo e onde o importante é mesmo o espaço (neste caso o som). Um Fevereiro petrificado em gelo com a Islândia como pano de fundo foi o cenário de composição deste seu último disco. A voz de Barwick é o fio condutor, o resto gira à sua volta. Uma meditação sonora perfeita que não pretende nunca chegar ao fim. J.Q.
Numa transição entre Brooklyn e Califórnia os Golden Animals mostram que se não é novidade nenhuma o dueto macho na guitarra/fêmea na bateria será sim o macho de Baltimore/fêmea nascida na Suécia a tocar a dois instrumentos num segundo disco, Hear Eye Go, que tanto tem Doors, como um blues sujo com algumas tempestades de areia, mais calor e cigarros de enrolar à mistura. Tommy Eisner, com uma guitarra à cintura e a sua voz arrastada, mais Linda Beecroft nos rudimentos, que suam e não se nota por ela ser demasiado gira, ganham só com um disco em 2008, Free Your Mind And Win A Pony, o tempo necessário para em 2013 lançar uma espécie de guia auditivo do estilo loner de cartola em “Save Your Love”, na paisagem desértica “You Don’t Hear Me Now” , de copo bem servido a ler “The Letter” e com leões de montanha a ameaçar “All Your Life” logo no início. Assombrados e bem conscientes disso os Golden Animals fazem de um só disco uma lição, ou cura, para aqueles que vêem no spaghetti psicadélico a banda-sonora do Clint Eastwood que nunca foram. G.P.
Dizer só “quinto disco” é demasiado terrestre. Os Pond flutuam agora no terceiro plano astral, o etéreo. Fica no estúdio dos seus três primeiros discos o primeiro plano, o das cores, das frutas, das nuvens e da Betty Davis a vir dos céus; no quarto disco Beard, Wives, Denim(2012), o do plano físico e humano, as questões da carne e do cérebro e agora, com Hobo Rocket, aquilo que no pós-morte, ou drogas-durante-vida, iremos descobrir de acordo com a crença indiana. Faltam quatro até ao conhecimento absoluto, mas para já só se evoca “O Dharma”. Os trinta e quatro minutos de Hobo Rocket chegam como livro de viagens daquilo que Nick Allbrook viu quando andou pela estratosfera, seu habitat natural, e daquilo que lá ouviu em forma de, suponhamos, frequências de rádio. Sabbath no headbanging, Bowie quando decidimos deitar a cabeça na relva (nunca tão high como ele), Gentle Giant quando acabamos de ouvir o “Xanman” e no fim, com os ouvidos a estalar da pressão, o peso de “Midnight Mass (At the Market Street Payphone)”. No fundo Allbrook mostra que já passou o plano dos animais e venham as impalas que vierem, onde se está bem é mesmo lá em cima. G.P.
4/5
DORIS (AGO ‘13 - COLUMBIA)
EARL SWEATSHIRT
O herói recém-nascico Foi aos 16 anos como Sly Tendencies que deu à costa no Myspace. Rapidamente conquistou a fé de Tyler, The Creator – em 2009 – e tornou-se o mais pirralho-rapper a fazer parte dos Odd Future. Earl (2010) foi onde Tyler começou a formar Earl Sweatshirt como o discípulo perfeito. Mas a irreverência como um diamante em bruto foi exactamente o que forçou a mãe a afastá-los “das ruas” por dois anos. Tempo suficiente para uma base de fãs o aguardar como um soldado capturado pela força inimiga. Quando é que ele viria? Quando lançaria o esperado disco a solo? Doris é a resposta que traz Earl ainda na puberdade mas com expressão ascendente a adulto. Se em “Burgundy” emerge o medo de falhar, “Chum” revela-lhe inseguranças de adolescente quando diz “I’m indecisive, I’m scatterbrained and I’m frightened, it’s evident”. Lemas e dilemas de um talentoso (mestre mas ainda) jovem no cuspir-de-versos mais honesto da geração. Um álbum escuro, com habilidade, flow e palavras no ponto certo de arrojo como quem diz “não me fodam, eu só quero fazer música”. Na montra: RZA, Vince Staples, Frank Ocean, Domo Genesis, Pharrel, Chad Hugo, Neptunes e o próprio Tyler, são os convidados, ora a rimar ora a produzir, que o libertam de não querer ser estrela solitária. Mesmo com Frank Ocean e o próprio Earl a eclipsar os Odd Future enquanto gang, eles estão cá. Colaborações? Quantas mais melhor. J.Q.
4/5
3/5
3.5/5
25
5 DOCS FIXES DE PUNK
THE ART OF PUNK - BLACK FLAG O MOCA (Museum of Contemporary Art) em Los Angeles celebrou a união do punk com a arte visual numa série de documentários e o primeiro tem os Black Flag que no seu humor e atitude de ex-jovens trapaçeiros apontam o dedo à importância que Raymond Pettibon teve na banda através do seu símbolo, capas de álbum e flyers que ainda hoje são copiados no circuito musical.
A BAND CALLED DEATH
PUNK: ATTITUDE
SHE’S REAL (WORSE THAN QUEER)
PUNK’S NOT DEAD
Uma demo de ’74 sai do caixote trinta anos depois e mostra aquilo que muitos fizeram só nos oitenta. Os Death são um trio punk afro-americano que pela altura ficou. Hoje discute-se, no documentário, se serão umas das primeiras bandas do género enquanto se percebe, também, que chamar Morte a uma banda de pretos tem tomates dos pés à cabeça e assim o mandamento máximo da atitude forasteira.
Está para os documentários como o género para o comércio musical. Uma revolução. Toda a fita é um manguito bem esticado e abundantemente recheado da malta da costa este, oeste, britânica e venham mais. Sabemos como os Velvet Underground vão influenciar os princípios que são depois distorcidos por cabelos esticados, e outros rapados dos Stooges, Clash, Ramones, Dead Kennedys, Siouxsie.. Aliás, a capa dá-nos tudo.
Lucy Thane é conhecida por documentar os Bikini Kill numa tour em terras inglesas, mas é aqui que arruma o mulherismo do punk. Não se diz feminismo porque tem demasiado batôn e eye-liner. Estas mulheres, como Tribe 8, Team Dresch, ou Cunts With Attitude (CWA) não alargam as t-shirst das bandas preferidas para parecer mais bonito e nem secam o cabelo depois de um concerto. Em She’s Real (Worse than Queer) temos testemunhos de elevado grau de estrogénio ao ponto de cheirar a testosterona. Enquanto o Iggy Pop mantém o seu físico à mostra, estas deixam só as mamas de fora ao vivo e não se importam de dar uma joelhada a quem a pedir.
Em forma de história da anarquia musical, é aqui que se afirma o não-funeral do punk que tem os seus mestres e símbolos bem vivos. Cenas de backstage, piadas privadas da geração, uma banda-sonora incrível (talvez o que mais o distingue de outros) e uma perspectiva bem mais séria, e no entanto lixada pelos hábitos, do género que para muitos ainda pertence só a arruaceiros burros.
Nasceu aqui qualquer coisa, lá isso nasceu. Um objeto estranho
tomado em consideração como um boletim de rua manifestamente assumido como magazine bastarda por natureza. E é dado à luz
numa era em que o papel já era e em que o digital vai esmagando aspirações à sobrevivência de qualquer edição física. Hercúleo ou
não, lançar um dito jornal, é daqueles romantismos a que se predispõe com naturalidade quem se tatua nas páginas deste primeiro
número. Diga esta primeira edição da revista Órfão o que disser,
di-lo do alto dos seus 37cm de altura. Em quantas polegadas de ecrã é que isso cabe? Não sei nem me interessa. O folhear-de-conteúdos pretende-se prioritário em detrimento de qualquer hiperligação.
Já o formato virtual será sempre um complemento. Útil, atenção. A inspiração atropela aqui o formato cânone e cinge-se a não se
guiar por nada que tenha muitas linhas retas. Há rabiscos de tinta
fresca virados para o futuro, estampagens do passado não serão claro esquecidas e o presente é traço igualmente preponderante. Entre o
humor e o interesse a intenção é só mesmo o fazer. Nem a estrutura é estanque muito menos o espectro. Órfão não é órfão por ter
renegado os seus progenitores, aliás a sua existência deve-se precisamente ao feliz abandono e a não haver ninguém disponível para
adoção. Se vieram diretos à última página isto fala sobre música, seja de que prisma for. Se começaram pelo princípio, tal como nós o fazemos aqui, já viram uma boa parte daquilo que será um fio
condutor para o crescimento da criança. Leiam se assim quiserem ou deitem fora se a vontade for essa.
Será mais um “orgulhosamente” abandonado a caminhar pelas ruas.
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