SAMARA LUBELSKI + MANUEL MOTA 1 5 J A N Z D B
CASS MCCOMBS 1 6 J A N M a r i a M a t o s
YOU CAN’T WIN CHARLIE BROWN 1 8 J A N C C B
XINOBI PRESENTS: (Xinobi + Shit Robot) 1 8 J A N M u s i c b o x
RED FANG
(+ Lord Dying + The Shrine) 2 H a 2 M u
3 J A N r d c l u b 4 J A N s i c b o x
FILHO DA MÃE 3 0 J A N Z D B
COURTNEY BARNETT Decorem o nome: Courtney Barnett. Miúda australiana, Melbourne mais concretamente, com um dos lançamentos do ano. Psych folk atirado para a frente onde o que conta são cançonetas de verdade. Das que falam da vida real e não dos hipotéticos sentimentos dos outros. Valente escritora de tragicomédias, ora puras ora bem-humoradas, não onde se revê mas onde se vivencia. As editoras não lhe interessaram para lançar aquilo a que recusou chamar de álbum mas a que chamou sim The Double EP: A Sea Of Split Peas. O selo é da própria Milk Records, que decidiu correr a partir do seu quarto. Mestria no conta-histórias incisivo, com ironia vestida a perceito, devedora tanto à articulação lírica de Jonathan Richman como à displicência na cuspidela de frases a (super-herói) Lou Reed. Scout Niblett em versão naíve adolescente com mais sarcasmo ao barulho. “Avant Gardener” é história íntima, preguiçosa, contada à mesa, em família, numa das mais bem escritas letras do ano. E “History Eraser” é epopeia pelas suas referências dos 60’s, isso e riffs arrastados pela country mais divertida que ouvimos nos últimos anos. Courtney Barnett, já se tinham esquecido?
PISTA Quem pensa que o Barreiro é mito, que volte lá à edição passada e que leia a suave entrevista de Nick. Quem, ainda assim, pondera, é ouvir Pista, o EP dos Pista. Cláudio Fernandes (guitarrista) e Bruno Afonso (baterista) formam o duo-poder de garagem mais aguerrido do rock da nação. Guitarras bruscas mas melódicas, e uma bateria onde há instinto selvagem mas sensível o suficiente para se dançar. Montanha a montanha, com as velocidades certas, o caminho é alcançado – o rock não pode rolar sem rodas, e os Pista sabem bem disso. Ninguém se pretende campeão do mundo mas sim eficazes naquilo que é fazer bombas-canção alimentadas de energia suficiente para ganhar uma volta à França. “Primeira” e “Giro d’A Acosta” são argumentos fortes. Aqui o riff é o doping, e todos sabemos que o consumo excessivo de ritmo não é punível nesta competição. Aliás, neste jogo o camisola amarela é mesmo quem se dopa mais.
FAT WHITES O lema não é mais do que poder viajar em gang e ter uns trocos para cigarros. Sobreviventes natos nas ruas de Londres, eis a pandilha mais junkie da mais recente história da música popular do Reino Unido. Foi como Fat White Family que se baptizaram mas é agora como Fat Whites que começam a instituir-se. A sujeira pura do rock dos 70’s em canções mundanamente imundas, onde há espaço para delírios ciganos num híbrido freak-country-folk esquizofrénico onde não importa nada mais que o clímax festivo do convívio. Sujeira doo wop caótica, estranheza nos ambientes e mais nas vozes ainda, tudo coisas que fazem um dos mais peculiares sons do ano de 2013. Oiçam Champagne Holocaust, a bíblia anti-guerra-de-classes, o tal primeiro disco, que agora lhes dá os trocos para o que queriam e a hipótese de largar os seus refúgios de ocupas por umas noites, para irem tocar a qualquer lado Europaa fora. Na hora de regresso, há quem realmente volte, e há também quem pernoite mais uns dias para copos e umas farras com conhecidos feitos entretanto. Um novo conceito de banda-matilha, em que o que importa é ser amigo e seguir com a locomotiva. Gente com energia a mais e que grama da partilha.
SEVEN DAVIS JR. Foi Kutmah que o desflorou nas edições, em 2012, numa compilação. Jovem nativo do Texas, que na Califórnia foi descobrindo com a sua voz vinda do gospel clássico a sua adoração por nomes maiores como Prince (tem uma versão até para “Controversy”), Tricky ou Stevie Wonder. Música negra de bom gosto com música negra de bom gosto ou muito me engano ou nunca deu mau resultado. Foi então repensando com astúcia, de bases bem definidas, aquilo que o house, o jazz, o funk, e todas as suas fontes o podiam fazer criar. ONE foi o seu primeiro EP, lançado em 2013, e este ano prepara-se para lançar o primeiro álbum. Sem grandes pressas, assume uma espécie de nova soul digital como direcção. É para aí que corre suavemente este novo produtor. Que ora produz, ora canta, ora se desdobra em tantas outras qualidades, as de um possível híper-talentoso o.v.n.i. na música negra norte-americana. Muito respeitador da sua própria visão não se deixou, até agora, ceder a nenhum vínculo proposto pelas grandes editoras. A sua zona de conforto, por enquanto, é ainda na sombra, o que o pode prejudicar. Ainda assim, esperemos. Seven Davis Jr. merece a oportunidade.
Isabelle Coelho:Não costumo estar cá em Lisboa, normalmente estou nas Caldas. Foi fixe terem-me contactado porque agora estou a fazer aqui uma peça de teatro então vou estar aqui uns dias. De onde é que apareces afinal? Começaste nisto da música em luta com o tédio? Venho do Algarve, de Messines. Foi um bocado luta contra o tédio e não foi, era o que eu tinha vontade de fazer. Apesar daquilo ser tudo bué merdoso, não havia mesmo nada para fazer, tive sorte que esta minha amiga também sempre teve vontade de tocar e comprou uma bateria. Arranjámos outra amiga que não tocava nada, que se agarrou ao baixo e começámos a fazer as nossas primeiras coisas como TPM. Tínhamos 15 anos.
minha terceira opção. Primeiro queria som e imagem, ligado ao cinema, e esse universo. Mas depois acabei por entrar em teatro. Das artes performativas é aquele espaço em que sinto que cabe tudo aquilo que gosto de fazer. Não muito no lado de actriz, mas tenho trabalhado muito em música ao vivo para peças, a tocar a banda-sonora ao vivo. Tens planos, ou já tem acontecido encenares as tuas próprias peças? Sim, faço. Tem acontecido. Tenho tido algumas criações, daquelas muito amplas em que consigo fazer de tudo um pouco. Como gosto muito de escrever também é fixe, pensar na parte visual também, na componente musical toda. É uma mistura fixe.
E há gravações dessas demos de infância? Sim, claro. Tenho tudo. Ainda tocamos, muito menos mas acontece. Tocámos muito foi na altura, há assim um circuito meio freak do qual nós já fizemos parte. Até que acabámos por ir para as Caldas, eu e a baixista, e a banda ficou em stand-by porque a Catarina, a baterista, ficou em Beja. Deixámos de tocar. Pode ser que ainda volte.
Ou seja, Izzy Bunny não é uma cena só de música, certo? Certo, claro. Eu quero ter essa abertura para fazer tudo mas ao mesmo tempo. Não sei se vou ter figurinos em concertos meus, ou se vou ter sempre música minha em peças de teatro, mas quero, pelo menos, que haja sempre uma fórmula para ir fazendo coisas.
Mas tu não ias parar..quando é que te concentraste mesmo como Izzy Bunny? Foi no meu último ano nas Caldas. Nós, as TPM, separámo-nos e mesmo que eu tenha sentido algum potencial pareceu-me que estava tudo um bocado estagnado devido às distâncias, etc. Então dediquei-me a fazer música por mim. Fui comprando uns gadgets, uma mesa de mistura, um microfone, mais ou menos numa de construir um estúdio ultra-caseiro lá nas Caldas para começar a fazer as minhas coisas com alguma qualidade. Depois publiquei no Sound Cloud aquelas primeiras amostras.
E quanto a edições. O teu objectivo é editar e pores as tuas canções a serem ouvidas? Claramente a minha ideia é essa. Como a de muita gente. Pode ser complicado atingir esse patamar, de andar a tocar em vários sítios e de começar a lançar coisas mais frequentemente. Vou tentar!
O izzy bunny is easy listening é então uma espécie de primeiro EP? Ou primeiro conjunto de canções? Sim, foi isso. Se bem que Izzy Bunny é uma coisa que quero abranger para teatro, ilustração, performance música, juntar mais ou menos as minhas vertentes artísticas todas. Pois reparei que eras tu que fazias as tuas próprias ilustrações e o teu próprio artwork. Eu tenho essa relação desde sempre. Sempre gostei de fazer de tudo. O teatro é talvez a que vem mais tarde. Quando fui para a ESAD, o teatro era a
E agora estás sediada aonde? Estás a trabalhar num disco? A questão é que não estou em lado nenhum. Tenho coisas no Algarve, tenho coisas nas Caldas. Estou em Lisboa com este projecto de teatro, vou ter que ir a Viseu com outras coisas em mente. E depois gostava de me fixar em Lisboa durante uns tempos. Não estou a trabalhar ainda em nada em concreto como Izzy Bunny. Continuo a escrever mas como ando meio nómada não tenho tido hipótese de gravar. Quero mesmo não deixar de lançar coisas e tornar esta coisa da música uma coisa mais séria. Não sei se consigo ainda pensar nisto como um álbum de conceito geral mas sim lançar por lançar. Tocar ao vivo, dar-me a conhecer a quem ainda não me conhece.
Vão aparecendo aqui e ali, em Portugal, novas expressões interessantes. E mais DIY que Isabelle Coelho têm aparecido poucos. Começou as TPM com amigas aos 15 anos, em Messines, onde pouco se passava, e agora como Izzy Bunny, aos 23, construiu um pequeno estúdio de quarto nas Caldas onde gravou as suas primeiras experiências a solo. Canções naíves assentes em fantasiosos desabafos da sua poesia. Canções minimais, raramente acompanhadas de bateria, onde o brilhante som das camadas de guitarra se dilui em efeitos e criam o universo folk-hipnose idealizado pela própria. Letras do além, desenhadas pela sua imperfeição, deixam Izzy num lugar muito especial. Quer o do seu quarto, quer dos seus sonhos infantis. Apanhámo-la de passagem por Lisboa e conversámos com ela. por JOAQUIM QUADROS
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Não sou apologista de super-bandas (porque normalmente dão em merda) mas se pudesse reunir uma malta para beber uns copos, mandar uns cheiros e pôr a conversa em dia seriam, por agora, estes: DAVID BOWIE
TY SEGALL
DENNIS WILSON
Excelente songwriter. O gajo que foi apelidado de “camaleão” por estar sempre em cima do acontecimento. Só fica velho o corpo, a música dele é intemporal.
Outro caga-discos. Em comparação com o mano anterior este senhor tem a carreira construída sobre os muitos discos que já lançou, desde tenra idade, e o ritmo não parece abrandar.
Tipo, ouçam o Pacific Ocean Blue.
JOHN DWYER Este senhor é um monstro caga-discos. Além de ser o timoneiro da melhor banda do mundo é o chefão da Castle Face Records. Agora mudou-se para L.A., onde se perspectiva o aparecimento de uma nova merecida cena, quando San Francisco começa a sucumbir ao peso do hype. GEORGE HARRISON Demorei-me entre este e os restantes Beatles. Quando a banda acabou o George tinha uma tonelada de canções absurdamente boas armazenadas ao longo do tempo. O resultado é o All Things Must Pass. Não consigo passar muito tempo sem ouvir malhas desse disco. MAC DEMARCO A ascensão meteórica deste rapaz deve-se a escrever canções sublimes. Apostou na simplicidade (algo subestimado em Portugal, onde só se curte música pretensiosa) e desenvolveu um estilo de escrita muito próprio. Adorava escrever canções com ele.
BRADFORD COX Este gajo é extremamente idiossincrático, seja no seu look “doente terminal” ou na composição. Gosto muito do Halcyon Digest e músicas como a “Helicopter” fazem o meu dia. PAUL MCCARTNEY Eu sei, já meti um Beatle. Que se foda, já ouviram as malhas deste gajo? A sério, ouçam a “Tomorrow”, se não tiverem vontade de se apaixonar para sempre então há algo de muito errado com vocês.
TIM PRESLEY O mestre dos White Fence tem uma voz delicada e um jeito natural para orquestrar aquele psicadelismo fofinho que nos embala num instante. ANTÓNIO VARIAÇÕES Caguem no Boy George. De facto, caguem na maior parte dos (muitas vezes) auto intitulados grandes músicos portugueses. Este gajo, se estivesse vivo, era o Bowie português em termos de importância como guru de toda a cena musical e tinha escrito canções sublimes. Restam-nos as poucas que deixou, como a Canção de Engate, essa sublime malha 100% nacional.
BRIAN WILSON Basta ser um Beach Boy para ser um dos melhores do mundo, mas o facto de ser o principal songwriter já diz muito sobre ele, sendo que escreveu algumas das melhores malhas de sempre. Pena não ter deixado o irmão Dennis escrever mais algumas.
de NUNO RODRIGUES (The Glockenwise)
FLAMING LIPS- “AT WAR WITH THE MYSTICS”
SCI-FI
É a capa onde mais detalhes sci-fi se encontra. A fonte das letras em regime pulp, o nome do álbum sensacionalista em tamanhos, o tipo que está prestes a sofrer represálias de uma explosão sabe-se lá onde na galáxia. O psicadelismo sonhador dos Flaming Lips rebenta e com pintinhas daquelas azuis que vão salpicar o herói ou de morte ou de uma droga qualquer do espaço.
MENÇÕES HONROSAS
CAN
TANTRA
- Monster Movie -
- Mistérios e Maravilhas -
No debute dos grandiosos Can o pincel está mais virado para a animação japonesa. A figura sem cara é uma alusão a Galactus, da BD da Marvel, uma espécie de deus mais alto que as montanhas e nuvens. Apodera-se do espaço visual e intimida antes que o krautrock se instale na sala.
Encenando o imaginário prova-se a genialidade. Não há nada como querer ouvir um disco só para se estar, no tempo de um LP, dentro do cenário da sua capa. Um deserto nocturno, uma gruta, uma ponte de arquitectura bizarra e uma estrela demasiado brilhante como os Tantra no cenário do prog-rock tuga.
CUT COPY - Zonoscope -
Os elementos sci-fi são mais subtis neste mas dão que pensar. Não é um desenho com as regras da ficção científica e no entanto o factor espera-se-que-isto-nãoaconteça vem com a pergunta: que é feito do planeta Terra com uma gigantesca cascata a crescer ao lado do Empire State Building?
THE SWORD - Warp Riders -
Se há nave a escapar por um triz a dois pedregulhos pairantes num espaço vermelho e infernal há ficção científica. Dan McPharlin, o autor da capa, homenageia os clássicos do género e faz-nos querer mais narrativa sobre estes Warp Riders.
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...SEASICK STEVE “Things Go Up”, de Dog House Music
Ainda
bem que não aceitou o convite para tocar. A magazine de elogios que o canalha lá do bar lhe fez fazia-o achar que estava prestes a contratar a futura Joni Mitchell residente do Cais do Sodré para depois a comer. Aqui do meu lado acho que Françoise se safa bem melhor no combo instrumento / tom de voz, mas não fica nada bem desprezar os clássicos, não é? O gajo teve a sorte. Ela tocou no seu bar, agradeceu-lhe e pediu mais um ginger ale - não gosta de bebidas pesadas quando está a tocar - e mesmo a simpatia que Françoise devolveu depois do pequeno concerto, coisa normal a qualquer humano que é humilde no pódio do sucesso, foi o suficiente para o convencido do balcão achar que se ia safar daí adiante com a melhor francesinha da cidade. Eu lá, sem saber que era a última vez que lhe punha as bolas de ver em cima. Os dias antes do Natal não foram nada do que se parecesse com neve e luzes quentes e palavras inspiradoras. Que se foda o Natal na minha opinião, mas o que me fazia mesmo ser um menino bem comportado e merecedor de estar na lista do Avô Cantigas de casaco vermelho era a minha vida com a cantora Françoise. Não havendo Françoise não havia comédia nem família, só eu e umas quantas promoções de supermercado com camarões e minis a preço de tremoço. Um mês desde essa noite no bar e há três que tudo parecia estar azedo e estranho e tão digno de uma história de Natal onde o velho cansado não deve nada a ninguém e contenta-se mais consigo mesmo do que com as crianças na rua a fazer uma birra bonita para ser hora de abrir os presentes. A última coisa de que me lembro é do dono do bar a falar com ‘çoise demasiado perto e de mim na mesa a elogiar o meu zippo em segunda mão enquanto simultaneamente adorava o decote dela e odiava o pintarolas de primeira
classe a miar-lhe “devias tocar aqui mais vezes. Passagem de ano, por exemplo! Aqui ao lado vai estar o Palma e o Candidato Vieira e acho que és boa concorrência.” Ela ria e ela bebia à borla, nessa noite de há um mês, e o gajo acendia a cigarrilha e forçava a palavra “boa” sem se referir à “concorrência” e eu ria só por rir. O ano já passou e ela foi inteligente. Não caiu na manha do cabrão e eu só sei disso porque era meia-noite e eu em vez de ter doze amigos e doze shots e doze passas andava por lá. A dar dinheiro ao canalha, a dar chatice ao meu fígado e a fazer figas para que não lá fosse tocar por um lado, e por outro querendo que lá a visse para pelo menos nos cumprimentar-mos e para que as coisas fossem para cima ou para os infernos a partir da primeira hora do dia 1 do ano que vinha. Acabou um blues Seasick Steve acho - que tocava nesse bar amaldiçoado e eu saí para apanhar um táxi. Não estava em condições e pegar no carro era sinónimo de bater a uma porta qualquer para ver uma mulher que não me quer do outro lado.
por GONÇALO PERESTRELO www.mendigoretro.tumblr.com
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Kelley Deal Se estes dois nomes não chegam para vos pôr um sorriso na cara não sei se caíram na página certa. Vamos supor que não sabem de quem falo. Toca guitarra e canta coros irrepreensíveis em Breeders. É a irmã Deal que nunca foi dos Pixies. Mas que também não gravou o primeiro disco de Breeders, o magnífico Pod (1990), quando havia na banda, em teoria, duas vozes principais, Kim Deal (na altura baixista dos Pixies, guitarra acústica) e Tanya Donnelly (antes nos Throwing Muses, com a meia-irmã Kristin Hersh, depois nos Belly e, depois ainda, em nome próprio, guitarra eléctrica). A Deal de que vos falo, Kelley, entrou na formação a tempo um EP chamado Safari (1992), guitarra eléctrica ainda bamba e co-composição do meu single de eleição de Breeders, “Do You Love Me Now?”. Donnelly saiu pouco depois e antes do disco mais bem-sucedido, Last Splash, que em 2013 celebrou duas décadas, e trouxe a banda ao Porto na primavera. É o do “Cannonball”, uma música de Breeders que até as pessoas que não conhecem Breeders conhecem. Pós Last Splash começa uma longa hibernação para Breeders, que só termina já no século XXI, quando voltam aos discos com Title TK, de 2002, que até vieram apresentar a Lisboa nesse ano (concerto memorável, em que tocaram a música do genérico da Buffy). No que restou dos noventa houve tempo para os Amps, banda de Kim sem Kelley. Houve Kim Deal a cantar “Little Trouble Girl” com Kim Gordon no Washing Mashine de Sonic Youth. Houve Josephine Wiggs, também de Breeders, voz maravilhosamente indecisa e compositora de pleno direito (ouçam Bon Bon Lifestlyle, de The Josephine Wiggs Experience, se puderem) a gravar Kims We Love, um 45 rotações cor de rosa, com Kate Shellenbach, de Luscious Jackson, como The Ladies Who Lunch.
“Gigantic” de um lado, “Bull in the Heather” do outro, em instrumental-totó. E houve dois discos de The Kelley Deal 6000, ou TKD6K. Go To The Sugar Altar, de 1996, e Boom! Boom! Boom!, de 1997. Comecei pelo segundo, que encontrei pouco depois de sair na loja da Carbono no Parque Itália, no Porto. Duvido que tivesse pedido para ouvir o disco se não soubesse quem era a Kelley Deal. Hoje em dia até à capa acho graça, mas com losangos às cores sobre fundo preto e, sobretudo, aquelas letras cinzentas ao canto, não é propriamente bonita nem apelativa. Mas sabia, e assim cheguei a um dos discos mais importantes da minha vida. Ensinou-me que gosto daquele sítio onde os arranjos tortos encontram canções tão perfeitas que parece que sempre existiram. “When He Calls Me Kitten” e “Where Did The Home Team Go” continuam a ser das minhas gravações predilectas. Porquê falar desta Deal agora, quando a outra é a pessoa famosa mais cool do mundo e os Pixies se andam a atrever a tocar sem ela? Pesquisem “Shirtcrush” e tentem não se apaixonar pela Kelley Deal.
“Ensinou-me que gosto daquele sítio onde os arranjos tortos encontram canções tão perfeitas que parece que sempre existiram.” 10
A SORTE, O SONHO E AS CANÇÕES DE
por MIGUEL ARSÉNIO
A história que vos trago desta vez começará por funcionar como um apanhado de imprevistos e coincidências de algum modo ligados às canções e figura de Cass McCombs. Assim será, porque também Cass McCombs trata a vida como um fluxo sujeito à influência dos astros, em que o azar é tão importante como a sorte, desde que os dois contribuam com a sua parte para que cada canção mereça o seu lugar no grande puzzle.
Estávamos a poucos dias do Natal de 2007, quando
fui apanhar dois americanos ao aeroporto da Portela. Um deles trazia uma guitarra na mão, o outro tinha a aparência de um Paul Thomas Anderson (o realizador de Magnólia) que sobreviveu a duas semanas de má vida. Essa primeira impressão não andava muito afastada da realidade, visto que apenas alguns dias antes os dois teriam sofrido um violento assalto em Paris. Ali estávamos porque o rapaz da guitarra tinha feito uma curta digressão pelo Reino Unido e aproveitado o dinheiro arrecadado para conhecer um pouco mais da Europa. Ele mesmo tinha partilhado comigo a enorme vontade de um dia visitar a Ericeira, vila costeira sobre a qual certa vez leu um artigo, numa revista de surf. Mesmo sem conhecê-lo ou ao amigo que trazia consigo, aceitei recebê-los em casa fiandome em escassas referências da promotora do guitarrista. Os dias proporcionados por esse Dezembro revelaram-se especialmente agrestes e foi por pouco que o vento não levou a porta esquerda do meu carro. O convívio com os dois americanos decorria por sua vez de um modo muito mais ameno e guiado pelos habituais apontamentos turísticos. Para dentro da conversa foram saltando também os gostos musicais, o que nunca deixa de ser um excelente tópico para aproximar ou afastar as pessoas. Pensem nisso: quantas amizades já aconteceram só por causa do nome de uma banda estampada numa t-shirt? O que se iria passar depois justifica de alguma maneira toda esta introdução mais biográfica. Peguei numa
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cópia promocional de Dropping the Writ, o último disco de Cass McCombs naquela altura, e meti-a a tocar no carro, acompanhando o gesto com um elogio à bocacheia: “Não houve este ano um songwriter que me batesse tanto como este…”. Todo o ânimo desabou assim que terminei a frase e sobrou daí um silêncio algo constrangedor. Coincidência das coincidências, uma das visitas estava ainda a recuperar de um desgosto amoroso que envolvia uma rapariga que supostamente seria a namorada de Cass McCombs naquela data. Era compreensível que Dropping the Writ não fosse a escuta mais animadora para alguém que tinha vindo para a Europa também para se esquecer disso. Posso apenas imaginar como seria a tal rapariga, mas a verdade é que deixou um homem desgraçado ao ponto do mesmo ter cantado Guns n’ Roses perante todos e agarrado a uma enorme vela, quando a noite de sábado já era a madrugada de domingo. As suposições sobre a rapariga incógnita foram-se acumulando a partir daí, com a chegada de cada novo disco: seria ela a “Dreams Come True Girl” que livra Cass McCombs de todos os males, na hipnose de amor-perfeito que é esse dueto com Karen Black? Terá sido também ela a responsável por toda a mágoa credível que abunda em “County Line” (talvez a melhor canção de blue eyed soul em muitos anos)? É difícil dizer ao certo, mas sai daqui fortalecida a ideia de que tudo está ligado nesse universo em crescimento que é o cancioneiro de Cass McCombs. Por outros termos, isso significa que uma figura tão extremamente reluctante na cedência de
“Pese embora a incerteza que tantas vezes nos impede de saber exactamente onde estamos nas suas canções (dentro do sonho ou fora dele), Cass McCombs faz a compensação desse desnorte com toda uma série de pistas espalhadas pelos discos para que ninguém desista de descobri-los.”
informações pessoais sobre si, como é McCombs, tem afinal muito para dizer a quem se der ao trabalho de unir as suas canções como quem junta as peças de um puzzle. Contudo essa decifração (ou adaptação) não é um processo fácil, tal como nunca foi nos casos semelhantes de Bill Callahan ou Mark Kozelek (também eles autores complexos e especialmente recompensadores a longo prazo). Talvez com algum capricho, Cass McCombs envolve as suas canções numa série de camadas que podem por vezes provocar alguma desorientação ou frustração em quem deseje chegar rapidamente a uma mensagem simples e transparente. Ao songwriter invocado nesta Órfão interessa especialmente a sublimação de todo o tipo de temas através de canções imbuídas de uma linguagem enigmática, repleta de pequenas charadas e geralmente situada na mais fascinante fronteira da imaginação: aquela que separa a realidade pura do sonho disfarçado com as roupas da realidade. Pese embora a incerteza que tantas vezes nos impede de saber exactamente onde estamos nas suas canções (dentro do sonho ou fora dele), Cass McCombs faz a compensação desse desnorte com toda uma série de pistas espalhadas pelos discos para que ninguém desista de descobri-los. Reparemos, por exemplo, como a guitarra cabisbaixa de “AIDS in Africa” (ponto intrigante do debute A) volta a ser reconhecível no final de “Tourist Woman” (o porradão fuzz do sucessor Prefection). Ou então fixemo-nos no alarme que desata a tocar no final de Prefection e que surge logo no início de Dropping the Writ, como a ponte sonora entre os dois discos. Neste amealhar de pistas, não há também como ignorar que o “Lionkiller”, nascido num “hospital muito grande e branco” no arranque de Dropping the Writ, deve ser o mesmo que se vê envolvido nos rumores de “Lionkiller Got Married” (o bicho casou-se e o seu “Equinox” tornou-se verdade, apontando ainda mais para trás na direcção de outra canção de McCombs). Portanto, e tal como já tinha referido há pouco, está tudo ligado entre si mesmo que não esteja ligado a uma lógica vulgar ou imediatamente inteligível. Por serem especialmente crípticos, quando ainda nada existia para ajudar a assimilá-los, os primeiros discos de Cass McCombs na Monitor Records (o EP Not the Way e os álbuns A e Prefection) deixaram-me, na altura, impaciente e melindrado. Recordo-me de que a revelação gradual do californiano parecia-me demasiado lenta e semelhante à de uma cebola a que se vai retirando as
diferentes cascas, sem nunca chegar ao ácido que faz chorar os olhos. Mas talvez não fosse o jogo de espera da fase Monitor o seu único factor incomodativo, já que esse primeiro período de Cass McCombs (se é que assim o podemos designar) está cheio de ressentimento e de um ressabianço que chega até a ser um pouco “má onda”. Abrindo as portas do EP Not the Way, no seu formato de duplo sete polegadas (hoje uma raridade), encontramos o que parece ser uma fotografia tirada na barafunda da noite e postumamente vandalizada com salpicos de sangue e olhos arrancados (escapando a essa razia a única mulher na imagem). Devido à limitação dos seus meios de produção ou não, a verdade é que os temas de Not the Way soam perfeitos na sua configuração de banda a tocar num salão semi-vazio, na noite de baile de finalistas. Com sangue espalhado na foto do interior do EP e todo um rol de versos destinados a confundir um público tipicamente americano, apetece comparar Cass McCombs à Carrie, do clássico thriller de Brian DePalma, pelo que os dois têm de magnificamente inadaptados (venha quem vier). Em nome dos desalinhados, fica também a pergunta “What will you do now, to get along?”, que serve de refrão a “Your Mother and Father”. Depois de um primeiro período mais intricado e virado para o seu umbigo (isto apesar de haver luz em A e Prefection), Cass McCombs haveria de espairecer definitivamente com a chegada de Dropping the Writ, em 2007, até porque esse disco marcava a transição para a Domino, label endinheirada e muito mais capaz de conceder regalias aos seus artistas. Dropping the Writ deixa para trás o som de velho salão abandonado e renova a canção de Cass McCombs com uma produção muito mais límpida. Produção essa que permite, mais do que em qualquer outro disco do americano, reparar de perto na glória com que este gajo trata das melodias, harmonias e arranjos em cada uma das canções, sem que nenhuma represente excesso entre as dez (e esse é o número mágico para um álbum conciso). Até aqui, Dropping the Writ e o igualmente monumental Catacombs serão provavelmente os discos mais capazes de colocar Cass McCombs entre os mais estupendos criadores de canções deste novo século, mas o primeiro rasgou mais implacavelmente o horizonte musical pela surpresa que representava. Ali estava portanto um songwriter capaz de muitas coisas num só par de discos soberbos: inclusive transformar o mundano em celestial (“That’s That” menciona a limpeza de retretes sem
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deixar nódoas na canção), tratar da fragilidade com a mesma contenção anti-lamechas desse grande senhor que foi Elliott Smith, e enaltecer a canção com alguns recursos mais pomposos (escute-se “Lionkiller Got Married”), mas sem nunca resvalar para a barroquice enfadonha (lembrando nessa capacidade outro grande senhor chamado Colin Blunstone). Catacombs, em particular, revela ainda que as grandes canções de McCombs não são necessariamente as mais populares (“Dreams Come True Girl”, “You Saved My Life”) ou as que surgem na montra das primeiras quatro canções de cada disco. “Jonesy Boy” vive algo esquecida na casa da penúltima faixa de Catacombs, mas é de todas estas canções a que mais me deixa feliz e contagiado por tudo o que nela aponta para uma banda a encerrar a noite perfeita de um bar. A ideia de que a consistência de Cass McCombs vai muito além das suas faixas mais visíveis, tal como o parágrafo anterior visava provar, encontra um reforço natural em todos os inéditos espalhados por singles que não chegaram aos álbuns, mas que, pelo seu valor, merecem um estatuto equivalente. Não existem sobras nos singles de Cass McCombs. Existirão porventura alguns temas demasiado distintos para se enquadrarem no conjunto de canções que formam um álbum, com toda a narrativa e proximidade estética que isso exige. “Bradley Manning” ´é outra das peças de topo do nosso trovador, mas há nela uma mensagem política demasiado escancarada e por isso capaz de atraiçoar as homólogas à sua volta na continuidade de um disco. É, além disso, uma das poucas (a única?) faixas em que Cass McCombs parece estar a defender assumidamente uma causa. A causa de “If You Loved Me Before”, surgida num split partilhado com White Magic, seria provavelmente a necessidade de revisitar a ferida deixada por um amor torto, mas Wit’s End não precisa de mais miséria (e claustrofobia emocional) do que a que tem e há por aqui uma exacerbação qualquer que funciona melhor isolada. A mais recente “Three Men Sitting on a Hollow Log”, lançada num muito simpatico split da Secret Seven com Michael Hurley, é incompatível com quase tudo precisamente por ser demasiado “simpática” na sua demonstração do que pode ser um Cass McCombs alegre e mais fanfarrão. Cass McCombs multiplica-se e muda de cara, mas é inevitável reconhecermos as suas principais características em cada um dos discos que saca cá para fora (e já lá vão sete dos grandes, um dos médios e muitos dos pequenos que juntos podiam ser um grande). O mais recente Big Wheel and Others ainda não amadureceu por aqui o tempo suficiente para me aprofundar sobre ele, embora tudo leve a crer que o álbum duplo inclui todos os pretextos necessários para continuar a alimentar até o gosto mais faminto pelo songwriter aqui abordado. Em Big Wheel and Others há sorte, há sonho, logo há também Cass McCombs em toda a excelência dos que marcam o seu tempo.
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“Cass McCombs multiplica-se e muda de cara, mas é inevitável reconhecermos as suas principais características em cada um dos discos que saca cá para fora (...)”
Na altura em que escrevo, a febre contabilística está num ponto crítico. Toda a gente faz contas a 2013, o melhor, o pior, o nem por isso. Entrar no jogo é como preencher o irs mas com muito mais faturas, campos e anexos. Pessoalmente, gosto quase tanto de fazer listas do ano como de preencher formulários de impostos e, embora consiga sempre reunir uma dezena de discos e/ou referências que deixaram mais marcas ao longo de 12 meses, faço-o sobre pressão e com muitas duvidas (exatamente como o irs). E sofro! Quem é que consegue seguir o rasto a tudo? As cenas estilhaçaram-se em pequenas partículas que seguem caminhos próprios, a internet abriu milhares de universos paralelos que continuam a multiplicar-se como cogumelos. Música antiga sobrepõe-se a musica nova. Nem incorporando o Google seria possível saber, ouvir, ver, ler, absorver tudo. E a grande frustração é que nessa parte do todo que se perde, pode estar o que realmente vale a pena. Ainda assim, chega o Natal e manifesta-se o técnico de contas dentro de nós. Há quem faça listas e até há quem cruze diferentes listas de melhores do ano à procura de consensos (e para copiar alguns discos, naturalmente, as listas são sempre um bocadinho batoteiras porque ninguém quer sentir-se excluído) e faça o tratamento estatístico dos dados para chegar a certezas tipo Guiness Book of Records. As contas nesse aspeto são relativamente simples. Mas há vida para lá de Kanye West (a verborreia umbiguista e profética distrai dos
excelentes instrumentais), dos Disclosure (que são bons, mas não todas as vezes que carregam no botão), dos Daft Punk (que são grandes mas nem sempre são bons), das pseudo polémicas em volta da bitchiness de Miley Cirus ou do sexismo de Robin Thicke. Cada um de nós habita um universo próprio. E no meu o que fez diferença em 2013 foi The Visitor de Matias Aguayo, Shaking the Habitual dos The Knife, Exocosmos de Jimi Tenor and Impostor Orchestra, Space Lady de Space Lady, os maxis de Golden Teacher, A Mix de Marcellus Pittman, Theo Parrish com Tony Allen e Andrew Ashong em “A Day like This”, “Who Loves You” de Greg Fore (G4), os maxis da Principe Discos (dado estatístico curioso: Dj Nigga Fox é o português mais improvável nas listas estrangeiras de melhores do ano, apareceu na Fact, Wire, Boomkat, Fader…), A Blink Of an Eye de Maurice Fulton/ Syclops, Dean Blunt em The Redeemer e DãM Funk, que depois de vários anos a pregar o gospel do boogie funk para uns poucos, chega finalmente a muitos graças à colaboração com Snoop Dog em 7 Days of Funk e, no processo, resgata Steve Arrington, dos Slave, do esquecimento, num disco belíssimo chamado Higher. Já não tenho mais espaço e estão em falta coisas incríveis…who cares? É só mais uma lista.
“Quem é que consegue seguir o rasto a tudo? As cenas estilhaçaram-se em pequenas partículas que seguem caminhos próprios, a internet abriu milhares de universos paralelos que continuam a multiplicar-se como cogumelos.”
por ISILDA SANCHES
por GONÇALO PERESTRELO
COMPETÊNCIA E LOUCURA EM CHICAGO No jogo americano das editoras há sempre
umas quantas que sobrevivem sem cedências, com pinta, mais atentas ao instinto e preocupadas quanto baste com as economias. Sediada em Chicago, com um nome que pode ser confundido com DRessed As a Girl ou somente com a acção de dar um bafo em qualquer coisa com um filtro na ponta, a Drag City aparece para impressionar e acolher os marginais que são pouco “decentes” para as majors. Independentes de gema, com um estilo de vida rodeado de cultura urbana e nervosos por marcar história na indústria. É isto a Drag City e pouco se alterou à medida que os 90 passam aos 10 do século presente. A Drag City é Dan Osborn, designer gráfico e produtor de vídeos caseiros, que se atira para o precipício com Dan Koretzky, o segundo Dan e o fala-barato que dá a pinta às chamadas de telefone e às cartas a convidar bandas para o seu pequeno-grande projecto. Ambos co-fundadores e, desde 1990, dizem serem “os primeiros a admitir que a sorte tem tido um papel enorme na história da Drag City”. Duros, mantiveram os seus trabalhos rotineiros no início da parada enquanto marcavam concertos, conviviam com as bandas e lhes ofereciam casa. O quartel da Drag City foi durante muito tempo a casa de Koretzky. Um quarto pentagular com uma cozinha e um computador, e era lá que se mandavam via fax ou correio as propostas para as bandas que lhes despertavam o monstro interior. Pouco dados a pretensões, o seu mote inicial sempre foi “Our version of music. Guaranteed to
satisfy the most tolerant listener”. Nunca se deram ao trabalho de definir a editora entre conversas, no entanto. Até porque nunca houve um “som Drag City”, culpa da diversidade dos seus músicos. Jennifer Herrema, protagonista extravagante dos Royal Trux, desabafa que “a cena marada e fixe é que a Drag City não diz ‘É isto que somos.’ mas qualquer coisa como ‘Eu não sei que merda somos. Não somos nada.’ ” . Foi com este tipo de reconhecimento e admiração das bandas, na linha da frente artilhadas de pins e patches da sua editora, que os dois Dans começaram a revolução indiecom-bom-gosto, de base em Chicago, chamada Drag City. Em ’93, com três anos de editora, Osborn diz “nós fazemos tudo menos escrever as músicas e gravá-las”, tudo porque “são bandas!” e ri-se “ou porque são incapazes de o fazer sozinhas ou só mesmo porque preferem não o fazer.” Recebiam demos e encaminhavam-nas para o trabalho de masterização, se estivessem já com a decência de um álbum. Koretzky como distribuidor trabalhava com os singles e optava sempre pelo 7 polegadas, ficando o CD para os longa-duração. A sobrevivência do vinil era um dos seus cartões de visita e isso nunca se alterou em 23 anos de história. Royal Trux e Pavement são os filhos mais velhos. Os Smog de Bill Callahan também. Hoje Callahan lança ainda com Drag City os seus contos em forma disco, e orgulhoso continuará. Pavement são claramente o Ás da Drag City, mas são Royal Trux aqueles a levar o selo DC1 no EP Hero Zero, o primeiro single oficial. Apesar da re-edição do primeiro álbum Royal 17
“A lição é aplaudi-los, ouvi-los, conhecê-los e não os chatear muito com rótulos e definições.”
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Trux (1988), aquele que despertou interesse aos colegas Dan e dois anos mais velho que a editora, os marados Royal Trux voltam com Twin Infinitives (1990) onde assumem que chegam para fazer um álbum clássico de rock setentista que tanto soa a Stones como os põe de joelhos com a quantidade de atitude e noise dos noventa. Era esta a banda que volta e meia precisava de guarida de Koretzky no seu pequeno apartamento. Um casal, Neil Hagerty e Jannifer Herrema, que convenceu os respectivos pais a mudaremse para N.Y. e que por culpa da heroína encontraram na estrada o lar mais acolhedor e produtivo para o seu afundanço criativo. Royal Trux levou-os à Drag City e o single “Hero Zero” encaminhou-os para o segundo LP, Twin Infinitives, que acaba por os levar pelos ombros como a banda mega-janada que toca gigs igualmente bons e destrutivos. Herrema teve duas overdoses por chutar tudo o que começasse com h- e acabasse em -eroína. Depois de algumas tentativas, ficaram limpos. Untitled (1992) e Cats and Dogs (1993) são produtos dessa lucidez que teve de andar de mão dada com uma vida nómada pelos E.U.A. e é aí que o apartamento de Koretzky serve de portoseguro. Inspirados pela prateleira de casa de Koretzky, onde a música se misturava com as lombas dos livros que denunciavam o Burroughs, o Phillip K. Dick, as BDs, o art-rock da poesia americana, criava-se assim o imaginário de Drag
City que se foi moldando no jeito família de fãs de qualquer-cena-que-seja-cool. Pavement são grandes e da casa, mas antes de se alistarem à Matador Records. Lançaram três EPs no espaço do primeiro ano da década de noventa, no nascer dos dias Drag City, e em ’93 sai a colectânea Westing ( By Musket and Sextant), já com os meninos com o inimigo. O conjunto dos três EPs é a prova clara de sucesso de vendas tanto da Drag City como da banda em si. Hoje o leque é mais vasto. Vendem Ty Segall desde Spiders (2011) até ao presente Sleeper (2013), assim como Time (2012) de Ty Segall com os White Fence. Bill Callhan e o cantautor grunge Bonnie “Prince” Billy também sobrevivem desde os tempos em que davam festas da desgraça no Lounge Ax, em Chicago, e vestem a camisola de punho no ar. A Drag City é um importante patrono de discos antigos que viram pouca luz na sua data de nascimento como a folkalhada psicadélica Red Hash de Gary Higgins ou o Aquariana de Aquariana, uma jovem membro da família espiritual de Father Yod, o primeiro a gerir um restaurante de comida saudável em L.A., o fundador da comunidade espiritual Source Family e o vocalista da banda experimental e psych Ya Ho Wa 13. Aquariana afiliou-se a Father Yod para um disco em ’74 e em 2013 a Drag City tira-o da terra para uma re-edição à séria. Até mesmo Carlos Paredes é desenterrado por estes malucos. Em 2011 re-editam Guitarra Portuguesa e Movimento Perpétuo. Se já era de ficar atento nos noventas, hoje não podemos tomar Drag City como garantida. A lição é aplaudi-los, ouvi-los, conhecê-los e não os chatear muito com rótulos e definições. Saem de lá merdas boas, novas e velhas como o pó, muito fáceis de ouvir ou daquelas que precisam de uma boa digestão para entrar. É isso a música: pouco de indústria e mais de produto, enquanto a Drag City se limita a ajudar e se necessário dar casa, uma bebida forte e uma coisa quente para passar a noite.
por TIAGO CASTRO
Desde que a Televisão existe que a música tem um papel deter-
minante na disseminação do meio de comunicação. Desde a sua génese que existem programas de variedades em que a música é um dos elementos mais importantes, a par por exemplo com o teatro. E para percebermos este facto, basta recordar por exemplo as primeiras transmissões da RTP, a partir da Feira Popular de Lisboa em 1956.
Sullivan revelaram para toda a América o seu talento, sex appeal e os cabelos compridos que viriam a ser a marca de toda uma geração. E com a Beatlemania espalhada por todo o mundo, as bandas de guitarras começaram a ganhar enorme notoriedade e as rádios e televisões foram, naturalmente, atrás do sucesso mas com vários sustos pelo caminho. Jim Morrison chocou o público e o apresentador Ed Sullivan
KEITH MOON A explosão do rock em directo na TV Com a chegada do rock n’ roll e da sua popularidade junto de um público cada vez maior, mas também mais jovem, as regras de uma sociedade muito conservadora foram abaladas para todo o sempre. E desde que Elvis Presley surgiu pela primeira vez na televisão a abanar as ancas, que se têm multiplicado os momentos musicais polémicos, desafiadores das convenções e que têm ajudado a fortalecer o rock e a mostrá-lo como realmente é: sempre jovem. São muitos os momentos musicais que definem a história da Televisão assim como o percurso de muitas bandas e artistas. Uns mais polémicos que outros, mas todos de enorme influência. Elvis Presley colocou a fasquia logo muito alto, quando surgiu com o seu blues frenético e com uma dança demoníaca em 1956. Quase dez anos depois, em 1964, os Beatles em directo no programa de Ed
quando cantou o verso original de Light My Fire “girl you couldn’t get much higher”, quando tinha sido pedido pela produção para mudar a palavra “higher” por outra, devido à sua conotação com drogas. Os Doors recusaram e depois da actuação acabaram por ser banidos do Ed Sullivan Show. Numa rara aparição na televisão americana dos Pink Floyd em finais dos anos 60, um Syd Barrett alienado ficou completamente estático enquanto Roger Waters foi obrigado a assumir o playback. Na década seguinte, Marc Bolan lançou a moda do glam ao surgir na televisão com a cara carregada de purpurinas e com uma pose andrógina. No final dos anos 70, Bill Grundy decide entrevistar os Sex Pistols para perceber melhor o fenómeno punk. O entrevistador não contou com uma banda tão arruaceira e perdeu as estribei-
“Bebia muito, destruía quartos de hotel, tocava ao vivo de forma descontrolada, inventando partes novas na hora, para irritação dos colegas de banda.” ras. Terminou a entrevista a lançar palavrões em directo, o que lhe custou a carreira. Na década de 90, durante uma actuação dos Nirvana na MTV, Krist Novoselic atira o baixo ao ar e o instrumento aterra na cabeça do músico. Este cai combalido no palco e ainda leva um pontapé do companheiro Kurt Cobain. Em 2000 o baixista de Rage Against The Machine Tim Commerford acabou por ser preso pela polícia depois de subir para um dos elementos decorativos do palco da MTV, durante uma cerimónia dos Video Musica Awards. O baixista enlouqueceu depois dos Rage perderem para os Limp Bizkit na categoria de Melhor Vídeo de Rock. Commerford fez-se notar, ao gritar e ao abanar o palco, interrompendo a cerimónia. Muitos outros momentos existem, como o peito à mostra de Janet Jackson numa actuação do Super Bowl, ou quando Sinéad O’ Connor rasgou uma fotografia do Papa no Saturday Night Live no final da interpretação de War. Mas deixemo-nos de enumerar momentos históricos e polémicos na televisão para saltar para a explosão, em directo, da bateria de Keith Moon. Os The Who já tinham editado dois álbuns quando rumaram à sua primeira digressão americana. Numa altura em que o movimento Mod começava a perder impacto no Reino Unido e com a paisagem sónica a mudar com o surgimento de Cream ou Jimi Hendrix, os The Who perceberam que para continuarem a ter sucesso tinham também de conquistar o público dos Estados Unidos da América. Conseguiram alguns concertos por Nova Iorque e chamaram a atenção de tal forma, que foram logo convidados para o Monterey Pop Festival. Durante esta passagem pela América, o grupo decidiu também actuar num programa de televisão, no The Smother Brothers Comedy Hour. Como o nome indica, era um programa de comédia, com vários sketches protagonizados por Dick Smothers e Tom Smothers. A sátira dos manos era intercalada com actuações de vários artistas. Na breve história de apenas 2 anos em que o programa foi para o ar, os irmãos Smothers tiveram no estúdio algumas bandas importantes, como Bufallo Springfield, Jefferson Airplane, Cream, Donovan, The Doors, Ray Charles, Steppenwolf e entre outros, os The Who. Na época e ainda em início de carreira, o grupo de Roger Daltrey, Pete Townsend, John Entwistle e Keith Moon era famoso por destruir instrumentos em palco. E tudo começou de forma muito tímida e sem querer. Num dos primeiros concertos, Pete Townsend atinge o tecto baixo da sala onde os The Who tocavam com a guitarra, acabando por a danificar. Quando reparou na reacção quase explosiva
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do público no momento em que partiu o instrumento decidiu simplesmente continuar a destruir a guitarra. Desde então tornou-se norma nos concertos do grupo, o que fez também que os lucros dos espectáculos dos The Who neste período fossem mínimo, já que tinham de comprar muitos instrumentos, em particular guitarras e baterias. E ao vivo na televisão, os The Who reproduziam esse momento de euforia rock, adicionando para dar um efeito mais espectacular, uma pequena quantidade de explosivos que eram colocados no bombo da bateria de Keith Moon. Mas naquela actuação em 1967 no programa dos irmãos Smothers, ninguém contara com a loucura muito particular do baterista. Keith Moon sempre foi conhecido pelos excessos. Bebia muito, destruía quartos de hotel, tocava ao vivo de forma descontrolada, inventando partes novas na hora, para irritação dos colegas de banda. A sua forma tresloucada com que abordava a bateria acabou mesmo por ser inspiração maior para a personagem Animal dos Marretas. No dia da actuação dos The Who na televisão norte-americana, Keith Moon subornou um dos assistentes do palco. Trocou uma garrafa de whisky por mais explosivos na bateria, 10 vezes mais do que era habitual. Mais ninguém sabia o que o músico tinha feito. Em directo para a América, no canal CBS, os The Who apresentaram “My Generation”, um dos maiores hinos do rock, em que é glorificada a rebeldia juvenil na letra e postura de Roger Daltrey. O tema proto-punk é um blues acelerado, muito electrificado e com um solo de baixo pelo meio a cargo John Entwistle, que é aliás um dos primeiros da história do rock. O fim de “My Generation” é um ataque sónico, com a guitarra de Townshend a aumentar de volume, a distorcer e a atingir o feedback. Ao mesmo tempo, Keith Moon percorre toda a bateria, atacando-a furiosamente. Mas nos últimos segundos da interpretação da música, em directo no The Smothers Brothers Comedy Hour e quando todos aguardavam uma pequena explosão, Keith Moon prova que o rock é sempre feito de excessos. Quando o baterista activa os explosivos escondidos no bombo, acontece o inesperado. O resultado é uma explosão muito intensa, que abana as câmaras que filmavam e que empurra os elementos dos The Who para fora do cenário. Um dos pratos da bateria voa em direcção a um dos braços de Moon, ferindo-o. À sua frente, Pete Townshend fica com o cabelo chamuscado e passado uns segundos, apercebe-se que ouve mal de um dos ouvidos. Desde então o guitarrista ficou parcialmente surdo. Entretanto entra em cena um dos manos Smothers e no meio do aparato pirotécnico
tenta fazer uma piada, enquanto Keith Moon grita de dor, agarrado ao braço. A banda é mais uma vez apresentada e desta vez, ninguém iria esquecer mais o nome The Who e os seus músicos carismáticos, em particular o doido Keith Moon, literalmente um baterista explosivo. A televisão sempre foi um palco de excelência para o rock. E todos os momentos, mesmo os mais polémicos e que na altura colocam os produtores e directores dos canais de tv de cabelos em franja, movem a música para o futuro. Não quero terminar sem referir a falta que nos faz em Portugal um programa em prime-time com música, em que as bandas possam tocar ao vivo e naqueles poucos minutos, arriscar toda uma carreira. Já vários formatos foram tentados, nenhum com o apoio incondicional das direcções de programas. Recordo apenas um breve momento em Março de 99…Aplaudo a ousadia do cantor e na altura apresentador de televisão Miguel Ângelo quando deu o peito às balas no programa “Miguel Ângelo Ao Vivo” na recta final dos anos 90. Das várias bandas que recebeu, em géneros diferentes, ficou para a história a actuação dos belgas dEUS, na altura em promoção ao disco Instant Street. E nessa breve aparição na RTP, os dEUS terminam com o emblemático “Suds & Soda” e de repente há invasão de palco, em pleno estúdio do canal público de televisão. Foram poucos minutos, mas gratificantes. E ali esteve de certeza o espírito de Keith Moon aos empurrões, a pedir por mais feedback e quem sabe uma explosão em directo. Foi quase…De certeza que aquele momento ditou o rumo do programa a um fim cedo demais. Outras apostas televisivas se seguiram, é certo. E com a produção nacional a aumentar fazia todo o sentido existir algo nos slots mais concorridos da nossa televisão. Mas não, é tudo remetido para horários inconsequentes e os programas acabam por definhar. O marasmo da nossa pequenez precisa de tempos a tempos de uma bateria a explodir… O Keith sabia do significado disto em 1967!
“A televisão sempre foi um palco de excelência para o rock. E todos os momentos, mesmo os mais polémicos e que na altura colocam os produtores e directores dos canais de tv de cabelos em franja, movem a música para o futuro.”
por JOAQUIM QUADROS
Filho da Mãe é uma das maiores cabeças da música portuguesa a pensar as diferentes direcções da guitarra acústica. O ímpeto punk do passado nos If Lucy Fell não se desvirtuou assim tanto. Agora há só menos electricidade e métodos diferentes de composição. O dedilhar de cordas, o lirismo e a forte expressão de Palácio (2011) foram suficientes para perceber que Rui Carvalho tinha longos passos a percorrer com este seu alter-ego. Dois anos depois chega então Cabeça em edição Fnac com vinil editado pela Lovers & Lollypops. Sentámo-nos numa esplanada do jardim da Estrela para falar sobre um trabalho-monumento de 2013 que ainda tem tanto para se ouvir como para se conversar. 22
O concerto de If Lucy Fell no Jameson foi incrível. Isso é para continuar ou nem por isso? Curtiste? Claro que sim, a ideia é essa. Tem que sair alguma coisa para dar mais força ao momento. Continuas a gostar de fazer coisas com banda? Tu até com Filho da Mãe tiveste o Fazer Pra Desistir, no Maria Matos, não foi? É uma espécie de extensão das tuas ideias quase como banda, certo? A primeira vez foi no Maria Matos, sim. Há quase 2 anos. Depois fizemos uma coisa na Zdb e no Lux. Voltámos ainda à Zdb para uma residência de uma semana e gravámos um disco. Agora temos que fazer alguma coisa com isso. A minha origem é essa mesma, do hábito de tocar com pessoas. Agora estou bem mais habituado a isto de solidão a criar. Aquilo começou comigo como ponto-de-partida mas acabou por evoluir por outra coisa sem ter nada a
ver com nenhuma das nossas coisas. E o nome diz logo tudo. Quisemo-nos logo proteger disso para não ser uma coisa com a ideia de poder ficar a meio. Agora com o Cabeça cá fora, o que pensas dessa tua adaptação toda de Rui antes de Filho da Mãe até chegar aqui? É que neste álbum, tendo os seus momentos tensos e durões, senti-o mais relaxado que o próprio Palácio. Sentes que aquele nervo mais à flor-da-pele no teu primeiro disco era a tua aterragem vindo dum background completamente diferente, mais eléctrico? Sabes, quando olhamos para as coisas em retrospectiva surgem sempre várias interpretações. Eu próprio também, atenção. Muito. Quando comecei a ouvir o Cabeça com atenção e a conhecê-lo melhor, depois de o ter gravado, comecei inevitavelmente a fazer comparações. A história de estar mais calmo acho que é evidente.
Mesmo que não esteja muito mais, a ideia é parecer, pelo menos. Aquilo que eu sinto no Palácio, provavelmente, é que queria dizer muita coisa ao mesmo tempo. Saiu tudo muito enérgico, com a guelra toda, aquela raiva, aquela primeira vontade. No fundo era a primeira vez que ali estava. Mas por mim foi muito bom para introduzir a coisa, chamou talvez mais a atenção. Depois comecei naturalmente a perceber coisas que não iriam acontecer no segundo disco. Lembro-me de pensar que queria muita dinâmica mas ao mesmo tempo que viesse mesmo cá abaixo. Ter aquela pinga a cair na gruta. Gostava de ter explorado mais o silêncio, embora não haja muito, porque isso não é muito comigo, mas queria explorar esse lado calmo e aparentemente relaxado dos ambientes. Uma espécie de raiva a borbulhar. Tens essas diferentes formas de olhar para a guitarra acústica? Uma abordagem mais nervosa, uma abordagem mais serena... Sim, têm-me dito isso e sinto que é válido. O nervoso para mim é-me natural. Não no sentido de estar nervoso mas uma electricidade evidente e gosto muito disso na música. Aliás, muito da música que oiço tem essa característica nervosa. O que eu sinto no Cabeça é uma guitarra bem mais à vontade enquanto guitarra e no seu sentido mais acústico. E há outra coisa muito importante aqui que tem que ser observada, é as pessoas que trabalharam ali comigo. Tanto com o Makoto como com o Gui, eu não estou propriamente no meio de música acústica clássica. Chegamos todos de outros sítios, não somos aqueles gajos profissionais a captar guitarras acústicas há 30 anos. Vimos todos do rock e estamos todos a trabalhar numa coisa esteticamente muito diferente. Quando comecei o Palácio, não tinha dimensão nenhuma nem preocupação sobre o que eu queria em termos de resultado do som do disco. Queria que transparecesse mais esse pulso rock. E neste não, tive muito mais esse cuidado, talvez se sinta isso no disco. Concentrei-me mais no acústico. Sendo a guitarra acústica por si só um instrumento dramático, há lugar para coisas mais leves e mais sorridentes nas tuas composições? Há ali um toque de melodramático e de melancolia, mas é mais enganadoramente pesado do que outra coisa. A verdade é que eu adoro esse peso. Não estou a dizer coisas pesadas em termos de black metal, mas gosto de peso. Conheci um tipo incrível numa galeria em Milão quando lá passei com If Lucy Fell há algum tempo, e já nem me lembro da citação toda mas o gajo disse alguma coisa como “a culpa não existe, a melancolia não interessa, só existe reflexão”. Aquilo ficou-me na cabeça para sempre. E eu concordo com isso de que a melancolia não interessa de facto. Posso ter um lado melancólico, até porque é muito português, mas considero-a um bocado inútil. Por isso não vejo o meu som enquanto melancólico. Tem esse aspecto sombrio mas eu considero que há alguma coisa de positivo, de intrin-
secamente bom. Não te estou a dizer naquele aspecto americano do “temos que acreditar em nós próprios” mas de ter alguma coisa realmente de útil. Tens alguma relação com o fado? Já que falamos na melancolia. Eu não gostava muito de fado quando era mais novo e nunca tive uma grande relação. A minha aproximação com o fado foi pela parte do instrumento, pela guitarra portuguesa. Não sei se é por estar mais velho, o que pode não ser muito bom de dizer (risos), tenho cada vez mais como um bom vinho apreciado um bom fado. Fui recuperar as coisas da Amália, por exemplo, que nunca tinha ouvido propriamente. Durante muito tempo Amália foi dado quase como mandatório mas sempre me escapei um bocado, por isso não ser maneira para gostar de música. E ultimamente tenho-me apercebido mais das subtilezas do género. Tenho ouvido o disco da Gisela João, várias vezes. Gostava que houvesse muito mais registos roots do fado tascudo, tipo aquelas gravações do blues americano antigo de 1930/40, com tudo desafinado mas muito puro. Pena, não termos essa compulsão de registar, tinha imensa curiosidade. Com o
era quando me passava à frente em lojas de discos ou através de alguém. Sinceramente acho que tenho essas referências na guitarra há já algum tempo, desde o rock. Aquele riff nervoso cheio de groove sempre foi uma coisa que me foi marcando. Desde muito novo lembro-me de ouvir Cesária Évora, a nossa Édith Piaf, aquelas mornas, e de me ter batido de outra maneira. E desde sempre tenho ouvido muito. Acho sempre interessante por sentir sempre uma boa disposição e um lado negro, não de cor mas de presença. Há uma linguagem muito forte na música africana que me atrai. Apetecia-me agarrar em quatro bacanos e fazer uma banda só dessa onda. A sério, eu oiço aquela guitarra e penso “adorava estar a fazer este riff”. Gosto muito de ouvir e há muito tempo. Não me passaria pela cabeça há alguns anos mas hoje em dia fazia-me todo o sentido e parecia-me poder até vir a funcionar bastante bem. Rui Carvalho com banda de mornas, é isso? Não sei se é mornas se é do Mali, mas sei que é possível. Porque não? Falando também em África e todas essas paisagens, normalmente associas ou
ao vivo na ZDB 30 JAN e no PASSOS MANUEL 1 FEV
instrumento, Carlos Paredes, claramente, já falámos sobre isso, mas com o fado em si não há grande relacionamento. E com África? Epá, uma relação pessoal não tenho mas digo-te já que tem sido 90% da música que oiço agora. Quer da Nigéria, quer do Mali. Eu hoje em dia com o Spotify tenho muito mais facilidade em descobrir coisas. Às vezes
visualizas cenários para a tua música? Ajuda-te em algum momento a compor? Ajuda-me tirar-me do meu cenário quotidiano e ir para outro sítio. Ajuda-me nesse sentido. Se eu visualizo, se há alguma coisa que eu imagino enquanto estou a tocar, claro, não é um processo consciente esse de controlar as imagens que te vêm à cabeça quando estás a trabalhar. Mas não é um acrescento à criação em si. Faz-me bem olhar
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“Posso ter um lado melancólico, até porque é muito português, mas considero-a [a melancolia ] um bocado inútil. Por isso não vejo o meu som enquanto melancólico. Tem esse aspecto sombrio mas eu considero que há alguma coisa de positivo, de intrinsecamente bom.” à volta e não ter nada de familiar do meu dia-a-dia. E os sítios onde gravas? Tanto a casa do Makoto como o Convento de Montemor onde gravaste agora o Cabeça, acabam por marcar de alguma maneira o resultado dos discos? Escolhes sempre lugares especiais. Primeiro com o Makoto fomos para o Gerês e neste segundo foi no Convento da Saudação do Rui Horta. E tanto num caso como noutro sempre me fez bem sair do habitat. Quando levo uma guitarra para uma festa e há lá 30 pessoas a falar, gosto de ir lá para um canto e tocar sozinho sem ninguém me estar a ouvir. Sinto que me saem coisas melhores. Ser irrelevante ao cenário e ser um sítio novo, só por si alicia-me logo. No Palácio a maior parte das músicas estavam feitas de alguma maneira, levei-as de cá e acabei por dar-lhes uma personalidade diferente por causa do sítio. Acrescentei umas coisas. No entanto, no Cabeça, foi muito mais extremo, 80% ou 70% do álbum é criado no próprio do convento. Foi tudo à frente dos microfones. Deixaste mais espaço para improviso neste disco? Deixei muito mais do que costumo deixar, trouxe coisas muito menos planeados do que costumo trazer. Eu estava a gravar e a pensar “não faço ideia do que está a sair daqui”, e não sabia de facto. Há quem o faça, frequentemente se calhar, eu não costumava mesmo adoptar esse método. Curiosamente, o mais engraçado, aquilo que deu o melhor resultado do disco foi mesmo essa naturalidade. Não foi bem uma folha em branco porque já estava a pensar no disco há algum tempo. Os dedos sabiam mais ou menos onde iam mas não estava tudo totalmente programado. Tu pautas as tuas músicas? Infelizmente sou completamente analfabeto nesse sentido. Não escrevo nada de notas nem sequer me sinto muito capaz disso. Mas isso pode ser bom, certo? Dá-te outra liberdade. Sim, percebo o que estás a dizer. Nunca tinha
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ido aos sítios aonde vou sem ser ignorante também. Mas nunca devemos celebrar a ignorância não é (risos)? É uma coisa que um dia vou acabar por colmatar para poder registar e dominar esse campo do instrumento. Para este disco optaste mais uma vez por ter alguém contigo a gravar. Porquê o Guilherme Gonçalves (Gala Drop)? É importante para ti teres uma espécie de produtor a ajudar-te? Gosto, claro que gosto. Essa relação de produtor era mais a relação como o Makoto, um take constante: “não faças isso”, “experimenta lá assim”, etc. Agora foi mais mecânico. Mas de vez em quando soube-me bem, embora tivesse um bocado de medo por não saber bem o que pensar do possível trabalho com o Gui. Embora já tivesse trabalhado com ele algumas vezes, não havia propriamente uma relação pessoal com ele como há agora. Foi bom porque tive que sacar muito mais de mim, porque ele, como lhe é natural, limitou-se a observar e deixarme arrancar. Fez todo o sentido. Acabou por funcionar muito bem. A minha opção normal seria gravar com o Makoto porque todos os discos que gravei até hoje foram com ele. Como ele não podia fui por outro caminho. O Gui tem maneiras diferentes de fazer as mesmas coisas e foi isso que me interessou muito. Até lhe disse por piada que seria bom encontrar “um contraste entre a profunda má onda da minha parte com a profunda boa onda dele”. Ia ser uma espécie de embate de dois mundos, parecia quase que íamos abrir um paradoxo no universo. Ele sempre muito calmo, descontraído, eu a querer arrancar os microfones à dentada, “estou farto disto, não está a correr bem, vou-me embora”. Essa energia correu muito melhor do que eu estava à espera. Queria que algures no disco essa boa disposição de Gala Drop influenciasse. Não há ali nenhuma influência muito chapada mas a verdade é que absorvi muita coisa dele e que em termos de produção acabou por se passar de alguma maneira. Como guitarrista também há um autodesafio muito forte, por isso pode ser
importante ter alguém contigo a espicaçar a tua criatividade. Houve alguma vez que te tenhas sentido totalmente num labirinto em que pensaste “hoje não consigo sacar mais nada deste instrumento”? Profundamente. Senti isso a 300%. Acredito que haja gente a lidar melhor com isso, é uma sensação lixada. Quando isso acontece fico mesmo fodido. Desisto completamente, levanto-me da cadeira, volto-me a sentar e pumba, sai ali em segundos uma óptima cena. Já me aconteceu duas ou três vezes. É engraçado. Mas há dias em que não vale a pena sequer tentar. Podes ter um riff que é um malhão e nem sequer o encarar como tal. Ou há a entrega e boa disposição naquilo ou deixa de funcionar. É uma parte complicada que depois se torna na parte boa. Gosto dessa relação conturbada com a criatividade e de querer dar uns pontapés na guitarra. No fundo, depois de contas feitas, é positivo. Já aconteceu literalmente dar um pontapé a uma guitarra? Com esta guitarra não, já basta o que lhe faço ao vivo. Coitadinha. Agora quando era mais pequenino já fiz coisas horríveis, parti uma guitarra ao meu pai. O braço. Nem sei se foi por bloqueio criativo ou se foi só por ser parvo. Acho que é mais a segunda opção, não me lembro. Apeteceu-te recentemente dar-te foi uns biqueiros em boa gente de aeroportos. O que é que se passou com os concertos internacionais que tinhas agendado? Só conseguiste o do Le Guess Who não foi? O da Holanda correu bem. Toquei no Tivoli de Helling, uma sala grande demais talvez, onde me senti um bocado perdido. Principalmente a abrir um palco, que é aquilo que se passa neste tipo de festivais. Curiosamente havia gente que já me conhecia, gente que me veio comprar discos e malta que gostou muito do concerto. É o que interessa. Fiquei também encantado com o festival, todas as salas bem curadas, com bom gosto, tudo numa funcionamento muito bom. Adorei tocar por lá. O resto dos concertos correram mal porque perdi as datas de Paris por causa da tendinite, teve que ser. E os de Barcelona porque achei que podia ser arriscado. Não queria estar a não aparecer. Hoje em dia andar a viajar com uma guitarra parece ser muito complicado. Ia também a Londres com PAUS e acabámos todos por ter atribulações de aeroporto, de ter que lidar com gente estúpida e acabou por não acontecer. Estou descansado porque vai ser tudo reagendado.
por JOAQUIM QUADROS
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Early days
“Hey punk, where you goin’ with that flower in your hand? / well I’m going to Frisco to join a Psychedelic band”, cantava Frank Zappa em “Flower Punk” de 1967. Uma sátira trocista a “Hey Joe”, onde Zappa encontrou na comercialização do fenónemno hippie alvo de chacota e lhe escreveu uma canção. E não é por acaso que os Black Lips, desde o momento em que começaram a lançar coisas, sempre se rotularam a si próprios como uma “banda flower punk de Atlanta, Georgia”. Basicamente Cole e Jared eram parelha endiabrada de liceu, aos 15 e 16 anos de idade, quando o massacre do Columbine congelou os Estados Unidos. Estudantes a alvejar estudantes porque sim poderia parecer uma boa história de canção para os Black Lips, no entanto o pânico de uma nova subcultura de violência fazia crer as instituições de educação que havia que separar o trigo do joio e tomar medidas radicais para que estes casos não se tornassem recorrentes. Cole Alexander e Jared Swilley, os enfant terribles lá do sítio, feitos bode-expiatórios da coisa, foram os primeiros a serem convidados a sair da escola. Em Dunwoody, a pequena vila onde viviam, já se cruzavam como músicos nos Renegades, banda que largaram e deu origem à primeira formação dos Black Lips em 1999, com Joe Bradley na bateria. Atenção que não estávamos aqui perante um caso de miudagem do surf de LA ou do turbilhão de Brooklyn, eram uma pandilha de putos a cuspir 26
rebelião por todos os poros que tinham e viram numa garagem o melhor recreio. Quanto a discos ouviam os certos, e os concertos a que iam era tudo de gente que interessava. Formavam-se não só três amigos que começavam a gravar as primeiras malhas mas sim um conjunto de jovens profetas que viriam a fazer grande fatia da história do garage rock do novo milénio. Em 2003, há precisamente 10 anos atrás, estreiam-se com Black Lips! e encaminham-se para uma fornada de entusiasmantes álbuns-bomba, de estúpida eficácia, atirados a canções com a sujidade dos Stooges, com o frenetismo dos Germs, a abordar temas tão displicentes como o consumo de álcool e drogas e outras desventuras da vida adolescente. “Freak Out” e “Everybody Loves A Cocksucker” eram dinamite-blues-apunkalhadoébrio que transportava os Black Lips para lugar de nova cena a ouvir no na música de guitarras dos Estados Unidos. O californiano Greg Shaw, outro dos visionários da altura que se dedicava a fanzines entre outras publicações amadoras de música, foi o responsável pela Bomp Records! a primeira editora da história dos Black Lips. No ano seguinte lançavam We Didn’t Know The Forest Spirit Made The Flowers Grow e davam continuidade ao espírito revoltoso de coparia e bons riffs. As canções não excediam os dois minutos mas interessava uma boa linha de guitarra, espaço para cuspir uns versos para o ar e matéria suficiente para que ao vivo se vivessem bons motins ao som de
“(...)os Black Lips começam a ser uma máquina compulsiva de bons fazedores do punk mais fresco e do trash garage mais cool a ouvir-se nas rádios mais marginais dos Estados Unidos.” “Nothing At All” ou “Jumpin Around”. Nesta altura vem-se a definir a duradoura formação da banda depois da morte precoce de Eric Gagnon, o produtor do primeiro álbum, e de Ben Eberbaugh ter saído da banda, Ian Saint Pé é chamado por Cole a largar a faculdade e a juntar-se ao grupo. Let It Bloom (2005) é então o terceiro disco em três anos e os Black Lips começam a ser uma máquina compulsiva de bons fazedores do punk mais fresco e do trash garage mais cool a ouvir-se nas rádios mais marginais dos Estados Unidos. Os sucessos “Boomerang”, “Hippie, Hippie, Hooraah“ e “Gentle Violence“ começam a fazer deles banda de culto e é com o seguinte álbum que há o ponto de viragem na carreira dos Black Lips. Com espaço ainda no meio para Los Valientes del Mundo Nuevo, álbum ao vivo marcado pela destruidora viagem a Tijuana em 2006. Não se alterava muito a fórmula dos discos com todos a contribuir para a composição, embora Jared e Cole fossem sempre os principais ao leme da banda. Tanto nas entrevistas como nos concertos eram sempre os que assumiam maior carisma no quarteto. Continuando, canções curtas orientadas por guitarras sujas, como se observássemos a hipoteca dos Kinks e 13th Floor Elevators a pura mamadeira de garagem. Lá está, bons ingredientes.
A explosão
É então em 2007 que viram totalmente indomáveis e a banda do momento. Lançam um dos discos do ano e o melhor deles até à data, Good Bad Not Evil, com o novo carimbo que viria a proporcionar-lhes a grande escritura das suas vidas: o contracto com a Vice Records depois de Adam Shore, o director da revista, os ter visto num concerto motim em Brooklyn e se ter deslumbrado. Tornam-se os absolutos incendiários da edição do mesmo ano do SXSW com 12 concertos em 3 dias, a valer inclusive artigo de reluzente destaque para o New York Times como a banda que mais vezes tocou num South By South West. Vómitos, urina, consumo de álcool e drogas, cenas explícitas com teenagers menos pudicas, destruição maciça de instrumentos, tudo isto, em palco, fá-los explodir como a banda que todos querem ver ao vivo num bar perto de si. Eram os Black Lips a abandonar o underground. “O Katrina” (que valeu estreia televisiva nacional no Conan O’Brien e acredita-se que foi visto por milhões de pessoas), o
catastrófico ciclone que assolou Nova Orleães, vira então single, tal como “Bad Kids”, e arrasta consigo os Black Lips como banda-bandeira do novo garage americano e como grande revelação do ano. Com o na altura mais confortável suporte da Vice, não se coibiram de lançar disco imediatamente no ano a seguir, isto é, 6 anos no activo e 6 discos cá fora. Só em 2006 é que não tinham lançado um trabalho de originais mas sim um gravado ao vivo. Pela primeira vez na carreira, intercalaram os discos por mais de um ano. Como justificação esteve a extensa tour que fizeram não só pela Europa (a sala Heaven em Londres recebeu até o histórico tumulto grotesco a acabar com problemas policiais), como também pelo Médio Oriente com Israel, Palestina e Índia no roteiro, onde deixaram mossa bem presente.
“Tel Aviv loves hummus, not Hamas. Just a couple letters sours the goats girth of succulent milk” disse Cole em entrevista depois do regresso aos EUA.
O primeiro passo em falso
Em 2009 regressam então com mais vários episódios. Mais agigantados que nunca e com o reconhecimento de embaixadores do nobre estatuto punk party people, quer nos EUA quer na Europa, não se mostraram com qualquer intenção de desacelerar o ritmo. Almighty Defenders faz juntá-los a King Khan e a BBQ Show e formam o super grupo dos carrasqueiros do punk da altura. Quem os viu ao vivo, conta que nunca se divertiu tanto noutro concerto do género. Eram os Black Lips também a rodearem-se de boa gente pronta para a farra que ia alimentando e alimentando a fama da banda. Embora a ebulição de Good Bad Not Evil se tenha tornado no ponto alto da carreira dos Black Lips, e de terem tido os anos mais agitados até então, é certo que tiveram um maior cuidado na preparação de 200 Million Thousand. Não só a nível de promoção como na comunicação da banda, que aparecia agora bastante mais bem alicerçada como estivéssemos perante uma maior máquina, mas também a nível de composição e produção. O disco aparece com 51 minutos, impensável para a banda dos tais álbuns-bomba dos primeiros passos, e talvez um disco mais aborrecido do que seria de esperar. 27
“Mais polidos no som, tudo bem, mas a cena vai continuar a mesma e as canções vão continuar na senda rasgativa dos primeiros dias de escola.”
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Inerte, mastigativo e sem dúvida o trabalho menos consistente da trupe de Atlanta. Ainda assim com excelentes canções a fazer jus ao blues-punk-drogadão que nos haviam já habituado, como “Drugs”, “Let It Grow”, “Short Fuse” ou mesmo “Body Combat”. Não se tratava de um momento baixo mas sim de um desvio da fórmula dos lançamentos anteriores, o que levou a pensar que Black Lips pudessem estar prestes a resvalar para uma série de lançamentos mais tristonhos sem a vitalidade de “Freak Out” ou “Bad Kids”. No entanto, para a banda e para a crítica, nada se fez beliscar. A popularidade crescia, o estatuto gente-mais-divertida-e-janada-agarradaàs-guitarras só se fez mais forte, estavam oficialmente edificados na cena indie.
Nova era
E mais uma vez voltamos a encontrar hiato de dois anos entre-lançamentos. Depois de 200 Thousand Million, aquela que tinha sido a única escorregadela da banda, voltam a sacar da cartola um dos melhores disco à data: Arabia Mountain (2011). Como valente trunfo na produção – para surpresa de todos! – rei dos tops de vendas Mark Ronson (Amy Winehouse, Pharrell, The Hives, etc.), e ainda a ajuda de Lockett Pundt dos Deerhunter em alguns dos temas. Foram os Black Lips a querer dar um passo inteligente. Mais polidos no som, tudo bem, mas a cena vai continuar a mesma e as canções vão continuar na senda rasgativa dos primeiros dias de escola. A sujidade punk mais retro de Iggy Pop e Ramones, bem como o desvairo blues psicadélico de Captain Beefheart ganham outros parâmetros e os Black Lips saltam agora para outro lanço de escada. Afinal 200 Thousand Million não tinha convencido e como servem sempre as palavras de Dylan “os tempos estão a mudar”. Com um som mais preenchido puderam aprimorar a escrita de canções e tirar ainda maior proveito do humor e da irreverência social da banda. Um disco maior tanto nos detalhes como na instrumentação do que qualquer coisa que tinham gravado anteriormente. Os riffs festivos de “Family Tree”,
a má trip de ácidos no Louvre em conversa no single “Modern Art”, a urgência calórica punk solar de “Raw Meat” e “Bone Marrow”, só fazem acreditar que foi a jogada certa para esta gente. Continuam a tresandar a 60’s em “Mad Dog” ou “Dumpster Dive”, e “You Keep On Running” é jam assombrada de Cole capaz de dizer “nós ainda fazemos músicas mamadas”. No fundo, um passo arriscado mas bastante perspicaz da turma de Atlanta. Os Black Lips perfizeram agora em 2013 duas mãos cheias da anos a lançar discos, com a década de Black Lips! (2003), e preparam-se para trazer Underneath The Rainbow em 2014, o sétimo da banda. Depois de Ronson a produção fica por conta de Patrick Carney, baterista dos The Black Keys ao lado de Dan Auerbach, e já foi até lançado o primeiro single “Boys In The Wood”, o mais bluesy de toda a sua história. É de esperar, mais uma vez, alguma mudança de direcção visto que o jogo é outro, manterem-se os tipos simples, rockers de garagem puros, mas ainda assim fazerem-se crescer tecnicamente. Uma banda de culto, isso já são, e já deixaram rasto bem demarcado na última década com a fornada de bandas que apareceu com eles no seu ADN. Resta saber se vão continuar castiços e a conseguir refrescar o som a cada álbum. Até agora fizeram-no facilmente, sem grande esforço, a continuar a ostentar os sorrisos de eternos adolescentes. Tudo indica que serão mais 10 a lançar álbuns igualmente frenéticos Uma coisa é certa, eu sou o primeiro a atirar-me do palco.
SUN STRUCTURES
(FEV ‘14 - HEAVENLY RECORDINGS)
TEMPLES
BORN WITH THE CAUL (NOV ‘13 - NO QUARTER)
CIAN NUGENT & THE COSMOS Embrião Folk
O sonho lúcido De um lado, o dos mais saudosistas, defende-se a tese de que o psicadelismo padece agora de grande (e positivo) revivalismo, do outro, abraça-se a ideia de que o psicadelismo sempre cá esteve sem grandes percalços de saúde. Os Temples demoraram – aliás, demoram ainda até dia 10 de Fevereiro, dia oficial para o disco estar cá fora – a aplicar o verdadeiro plano. Coisa que os podia ter prejudicado não fosse a estreia de garimpa bem levantada que é. A Heavenly Records (Toy, Lanegan, Saint Ettiene, etc.) lá os segurou, não blindou foi bem os cofres e o disco chegou aos mais famintos. Aqueles que, a pouco-e-pouco, canção a canção, iam vendo os miúdos ingleses a levantar o véu a Sun Structures. Um dos monumentos do ano (digo-o de boca cheia), no que diz respeito à mais bela nuance do novo psicadélico do séc. XXI. Canções como “Shelter Song” e “Colours To Life” – que os fizeram grandes de imediato – já teciam na perfeição aquilo que é hoje em dia repensar os Byrds, Zombies, Beach Boys e (tanto) os Beatles, e já deixavam claro na forma que os 60’s e os 70’s podiam afinal voltar a soar arejados e com novo sangue em circulação. Das harmonias vocais perfeitas ao soar cavernoso da tarola, ou do cristalino sónico das guitarras à faceta mais infantil-obsessiva dos teclados que esbarram Barrett nas influências, os Temples fazem-se um dos fetiches analógicos do rock’n’roll mais bem conseguidos desta era. “Sun Structures” é o primeiro desvairo kraut-cintilante a acabar em jam poderosa, como quem diz, “não somos feitos só do bonitinho”. “Move With The Season” podem fazê-la já um clássico pela sua dimensão espacial, “A Question Isn’t Answered” é o épico trippy orelhudo que qualquer banda sonha fazer um dia. E “Sand Dance” é o turbilhão ciclónico que sintetiza a mestria dos músicos que criam este álbum e que se ajeitam, com mérito, a estatuto da tal aguardada enorme banda a aparecer para os lados de Inglaterra. Não vão ser grandes, vão ser mais que isso. Preparem-se. Joaquim Quadros
4/5
A estreia de Cian Nugent com os seus buddies de vida e de ensaio The Cosmos vem em jeito de magia celta. Os prévios trabalhos a solo e a primeira formação de The Cosmos no sete polegadas Hire Purchase (2013) andam à volta da guitarra acústica, se bem que com a mesma facilidade em gerir o tempo instrumental do que no uns-meses-depois Born With The Caul. Este disco vem com uns The Cosmos mais recheados em número e mais espalhados entre baixos, trompetes, teclados, violinos e, da parte de Nugent, guitarra eléctrica. Os espaços primitivos do folk constroem-se de uma maneira mais estranha do que pode parecer à primeira. Influenciadas pela onda crescendo de Fairport Convention as três (longas) músicas começam tímidas e acabam duronas em blues e guitarra irlandesa e com estaleca suficiente para ser tocada num concerto onde cada malha paira durante o tempo que for preciso. Bert Jansch está lá, os Crazy Horse do Neil Young também, os Television são quem os faz mais arriscar e a relação do violino de Warren Ellis (dos Bad Seeds do Cave e também nos só-instrumentais Dirty Three) com o resto da banda é aquilo que mais provou a Nugent e à sua malta as possibilidades que uma mini-orquestra pode trazer a um bom e antigo disco de folk-blues. Born With The Caul é primitivo e nas raízes da música celta pelos bocado de terra molhada, mais água da chuva e é blues e quase pós-punk pelos cheiros urbanos que se sente como nos últimos minutos de “House of Parliament”. Gonçalo Perestrelo
4/5
YOU WERE RIGHT (DEZ ‘13 - READYMADE)
BRENDAN BENSON Disco para (não havendo Sunset Blvd.) atravessar a Duarte Pacheco a olhar para o Aqueduto Não há nada como a boa faixa de três/quatro minutos, radio-style, para ser ouvida no carro e para nos encorajar a seja o que for. Lançadas mês a mês por Benson, a maior parte destas músicas foram escolhidas e preparadas para serem ouvidas no formato single até chegar, para as compilar, You Were Right, o sexto a solo do guitarrista, e vocalista a meias com Jack White, dos Raconteurs. É power e pop e roça o Eagles/Cheap Trick, como “As Of Tonight” por exemplo. Segue a estrutura verso-refrão-verso-segundo refrão e no entanto não se torna aborrecido. A escola pop de McCartney e a forma como esta pode ser desafiada de Harrison preenchem as directrizes de um disco onde cada malha tem o seu próprio apartamento para deprimir ou deitar foguetes. “Purely Automatic” é Beatles, Kinks, Harry Nilsson e “Swallow You Whole” também. “She’s Trying To Poison Me” e “I’ll Never Tell” já toca mais no beatle amante das citaras e são exemplos do para-adultos das letras. Brendan Benson consegue passar em diversos terrenos da música americana sem repetir exactamente o que já foi feito. Sabe construir as malhas e às vezes um desacelerar de tempo ou um orgão inesperado e psych são os meteoros que confundem a cabeça de quem acha que está só a ouvir um disco pop. Todas as 15 faixas surpreendem e são cantaroláveis, não por paneleirice, mas porque You Were Right é um álbum feel good. A pausa mazona em “The Fritz”, que traz em minuto e meio guitarrada, está também na última faixa “Red, White And Blues” e em “Rejuvenate Me” assim como as linhas vocais que conhecemos melhor em Jack White. Benson sabe o que está a fazer e agrada a quem puder, enquanto outros o vão passar ao lado por ser o outro dos Raconteurs. Não faz mal. É underrated e é fixe por isso. GP
4/5
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BACK TO LAND
BEACAUSE THE INTERNET
(NOV ‘13 - THRILL JOCKEY)
WOODEN SHJIPS
(DEZ ‘13 - GLASSNOTE)
GIVE THE PEOPLE WHAT THEY WANT
CHILDISH GAMBINO
Rock conservador em pano moderno Não há banda que não tenha cidade e a de Wooden Shjips será sempre São Francisco. Os seus primeiros três álbuns traziam de lá o panorama fresco, a influência musical inquestionável, o rock costeiro que se fecha em West (2011) com a famosa Ponte 25 de Abril na capa e tudo. Agora, quanto a Back to Land não se pode dizer a mesma coisa em termos geográficos. Mudam-se para Portland, não tão perto do Pacífico mas ainda assim húmido, e a sonoridade fica mais contemplativa, e um quê de séria, por fruto da mudança mais específica. O fuzz circular mantém-se e torna de facto as músicas minimalistas, qualidade que é bastante apontada ao quarteto rockeiro, sem, ao mesmo tempo, perderem a originalidade nas malhas que compõem este quarto longa-duração. Encaixam bem o que fazem e tornam as canções em canções, respeitando a estrutura base sem manias e preocupando-se com a pica que todos queremos sentir a ouvir uma boa rockalhada. “Back to Land” e “Everybody Knows”, primeira e última do disco, são dentro do simples as mais insonsas e só destoam por lhes faltar o efeito de saudação e despedida de um álbum. Já “These Shadows” fá-los provar que nunca é tarde para ser feito um bom ambiente laid-back e “Ruins” homenageia os Doors, se quisermos seguir influências. Se não, dá uns bons cinco minutos a quem quiser esquisitice de teclados e groove nos outros instrumentos. São bastante à setenta estes Wooden Shjips e deixam em Back To Land bons sinais para o futuro, já com terra à vista. GP
3.5/5
Demasiado multi-facetado
(JAN ‘14 - DAPTONE)
Nem sempre os actores podem fazer música. Assim como nem sempre quem vendeu uns álbuns tem legitimidade suficiente para chegar aos ecrãs. Há excepções mas nem sempre acontecem de feição. O primeiro disco Camp pôde deixar em aberto essa dívida com Donald Glover. O actor de sitcoms, cinema, comediante, guionista, entre outras coisas – popular pelo Derrick Comedy –, Childish Gambino como rapper, evidenciouse como um bom produtor e profícuo versejador nas andanças do hip hop. Momentos por vezes demasiado referenciais a Kanye West mas ainda assim interessante um tipo de vários ofícios, sem ser por aí além em nenhum, a mostrar a coisa bem feita e com vontade. Confesso que me vim tornando um curioso-ligeiro do que poderia vi dali. Mas Because The Internet foi definitivamente um dos espalhanços do ano. Essencialmente porque há talento e skill em abundância mas falhou a pertinência do álbum. Todos sabemos que como ele, há muitos que estão aqui por causa da Internet mas há uma diferença grande entre a extensão do universo virtual ao que realmente importa. E foi nesse cruzamento que Childish vacilou. Péssimas punch lines como “yeah, motherfucker, take your phone out / to record this/ ain’t nobody can ignore this” em “II Worldstar”, rimas plastificadas como “hold up, wait a minute, all good just a week ago / crew at my house and we party every weekend so” no single “3005” e um punhado de ideias foleiras de diferentes estéticas por tema que acabam por disformar todo o álbum. Bem como tantos outros casos mal conseguidos. É daqueles poucos casos em que nem sequer podemos dizer que valeu a intenção. JQ
SHARON JONES & THE DAP-KINGS A super-mulher Foi no ano seguinte ao lançamento do belíssimo I Learned That Way que embasbacaram Portugal na passagem pelo parque Marechal Carmona, em Cascais. Uma presença feminina arrebatadora, daquelas que não se ficam só pelos seus tempos, a da actual embaixatriz da soul americana, Sharon Jones. Meses depois, por mérito do cabresto infortúnio, foi-lhe diagnosticado cancro e assim interrompem todas as actividades da banda. Com isso o medo de que se perdesse uma das sobreviventes. Não havendo música, que houvesse, ao menos, a saúde de Jones. Até que 2014 não podia arrancar mais reluzente. Give The People What They Want é precisamente a melhor notícia do ano até agora. Não só há Sharon saudável como há disco com Dap-Kings. A emoção funk mantém-se vital a reviver grandes como Sly & The Family Stone, o aguerrimento soul revivalista não tem como escapar a Aretha Franklin, uma das suas heroínas, ou o carnal íntimo mais doloroso de Etta James são o que nos faz acreditar que Jones é uma imortal. “Retreat” é portentosa abertura, como não ouvimos em muitos outros casos em Sharon Jones com Dap-Kings, e “You’ll Be Lonely” é groove charmoso a escorrer do coração desta gente. Pessoas de confortável presença quer no jazz, quer no gospel, a fazer deste disco uma das sedas mais puras da indústria. Depois do frenetismo de “People Don’t Get What They Deserve” e de uma das linhas de baixo mais divertidados do disco, ainda há “Slow Down, Love” para chamar à dança os melhores pares do salão. Long live the queen! JQ
2.5/5
3.5/5
Rádio pirata Burial, William Bevan, outro alter-ego de Four Tet, seja o que for, é daqueles segredos que a internet tem conseguido manter bem blindado. Nos cofres mais bem protegidos do sigilo digital, não há quem perceba bem de onde vem ou quem é realmente esta criatura que tem assinado umas valentes pegadas nos últimos anos com as suas produções. Depois de Kindred escapou informação de que pudesse tratar-se de um heterónimo secreto de Four Tet, e mais mistério ainda no invólucro de Burial. À medida que se vai revelando (sempre pouco mas com muito!) parece que nos vai deixando aceder a frequências piratas transmissoras de toda a sua borbulhante actividade cerebral. Todos os ruídos, a poeira, diferentes vozes, bem como as engenhosas guinadas rítmicas que vai dando ao longo das suas faixas, fazem deste tipo uma espécie de marciano a criar música electrónica. Da sofisticação dubstep a hip hop bem estiloso, do manuseamento do house à transformação em r’n’b sem qualquer tipo de contexto mas, lá está, a soar a Burial, há de tudo neste Rival Dealer. Espaços diferentes, expressões diferentes, um sem-número de universos, mas sempre com uma captação de sinal turvo, bem lá ao fundo, a tornar tudo homogéneo, a tresandar à sua própria personalidade. Saído ou não do armário, queremos que continue assim. Estranho. Que é isso que nos deixa a pensar. JQ
RIVAL DEALER (DEZ ‘13 - HYPERDUB)
BURIAL
4/5
THREACE
(OUT ‘13 - DRAG CITY)
CAVE O admirável instrumental novo
O à vontade com o só-instrumental cresceu nos Cave. É neste quarto LP onde melhor doseiam o apetite por honrar os clássicos Can, Funkadelic, Faust e Neu! com aquilo que querem e conseguem provar num álbum de originais. A onda krautrock gingona e a diversificação dos géneros musicais leva-os a cinco músicas, a um espelho abismal de influências e a uns grandes testículos por saberem manter a média dos 8 minutos por faixa sem um segundo de aborrecimento. Cave não exclui a voz totalmente. Acaba por enquadrá-la como mais um elemento rítmico. “Sweaty Fingers” começa o álbum como se fosse o genérico de um Shaft dos anos 70 e em onze minutos deambula e hipnotiza e quase que seduz numa das maiores/mais completas músicas a abrir um álbum. “Silver Headband” tem um tom constante, estilo música drone, suspenso na mais clara faixa kraut. Baldes de Can e Neu! nesta segunda faixa e nada de errado com isso. “Arrow’s Myth” acelera o processo e não nos faz olhar menos para o pêndulo nem perder a hipnose com os fuzzs e as brincadeiras da percussão. Em “Shikaakwa” os teclados tomam os comandos e comportam-se como se estivessem encarregues do ritmo até o delegarem ao baixo na última e tão narcótica “Slow Bern”. Ritmo, ritmo. Batida, batida. A repetição é inevitável. Cinco malhas sob cinco ingredientes que fazem esta poção mágica que é Threace. GP
5/5
A AFIRMAÇÃO DO ÉME O POÍSSVEL REGRESSO DE B FACHADA Foi há um ano que lançou o seu trabalho mais apocalíptico: “O Fim”. E o fim de B Fachada não é nunca um final feliz. Estamos a falar do mais ímpar e aclamado trovador da música portuguesa dos últimos anos. O calor sem um disco de canções de verão dele fez menos sentido, bem como a lareira crepitou menos sem a sua poesia. Sempre afirmámos que tinha aparecido para ficar. Nunca nos passou pela cabeça foi que B Fachada se tivesse retirado ad aeternum. Continuamos a acreditar que não. Qualquer ano que passe desde então, é ano de esperança para um disco surpresa. Seja de que canções for, será o regresso do ano certamente.
O nosso amor por João Marcelo não é novidade nenhuma. Depois de Passa-se Alguma Coisa Estranha Aqui e de Gancia não se desconfia mais que será um dos grandes do seu tempo. Depois de o termos entrevistado e de ter estado a tocar as suas novas malhas com os restantes cúmplices da Cafetra na nossa noite do Orfanato, só podemos ter a certeza de que vem aí o seu melhor catálogo de canções à data. Mais confiança, mais groove e o skill de escrita em constante progressão. Não há como não estar ansioso por mais lançamentos da Cafetra também. Mas Éme será sem dúvida o mais aguardado por nós.
ÓRFÃO EM PAPEL
BRUNO PERNADAS ESTREIA-SE A SOLO Foi, até agora, companheiro de projectos colectivos ao lado de boas pessoas. Real Combo Lisbonense, Julie & The Carjackers ou When We Left Paris, tudo entre amigos, e com ideias para dar e vender. Agora a solo e sob o seu nome próprio, Bruno Pernadas, solta-se do colete de forças e explora todos os recantos das suas mais variadas escolas. Da tropicália ao jazz, do psicadelismo exótico a pop e rock’n’roll, tudo é argumento e matéria-prima. O primeiro disco deste universo mesclado vai chamar-se How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge, e promete um dos aparecimentos do ano. Até Março há o single “Aaaah” para escuta, que promete!
Não tem sido tarefa fácil essa de pormos o nosso rebento em papel. A vontade só cresce a cada edição que lançamos, e a fé mantém-se religiosamente preservada. Continuamos bastante crentes que haverá versão física o quanto antes, e que seremos a magazine de música de eleição dos bastardos que verdadeiramente interessam. Nem que seja por ser a única. Pretendemos continuar com as ilustres colaborações, entrevistas e a espalhar o gospel do que se vai passando de relevo no nosso universo musical. Mal haja notícias, acreditem que vos chegará à mão rapidamente.
REGRESSO DE JACCO GARDNER Não tem o melhor álbum de 2013 mas fez um dos mais bonitos dos últimos anos. O músico holandês Jacco Garnder recriou os ambientes barrocos pop de Syd Barrett como quem estende a roupa. Multiinstrumentista de excelência, autor de todas as gravações do disco com excepção para uma ou outra bateria porque achou que o amigo podia tocar melhor que ele, gravou uma obra perfeita. Um planeta em rotação sobre o próprio eixo-solfantasia de Garnder. O primeiro concerto dele por cá deixou água na boca para o vermos em sala. É já em Fevereiro no Porto e em Lisboa.
NEUTRAL MILK REUNIRAM-SE E VÃO ANDAR EM DIGRESSÃO
AS BOAS PREVISÕES DE COMEÇO DE ANO
Jeff Mangum é uma espécie rara dos últimos deuses da folk. Perto disso pelo menos está. E desde o fim dos Neutral Milk Hotel em 1999 ficaram as paisagens, os discos e o culto. On Avery Island e o magnânime In The Airplane Over The Sea são as obras remanescentes. Ao longo dos anos tem feito umas digressões a solo bem bonitas, a tocar originais a solo e claro algumas das canções dos NMH, normalmente, as que conseguem agitar os auditórios por onde vai passando. No final de 2013 foi então anunciado que se vão reunir para tocar os discos da vida de muita gente com a formação original. Uma notícia que só pode tornar 2014 um ano mais risonho.
PAUS NO SXSW Já há várias bandas de cá que têm ido a Austin naquela altura do ano. Buraka Som Sistema, You Can’t Win, Charlie Brown, Legendary Tigerman, e mais alguns, foram dos nomes nacionais que se atiraram às feras da indústria no maior festival do mundo: o South By Southwest. O sucesso destas incursões nem sempre é de louvar, ficam a experiência e as memórias de viagem. Os PAUS, neste caso, foram convidados pela organização e vão como parte integrante da programação do Mohawk, um dos mais conceituados venues de todo o cartaz. Ventos a favor da banda que agora é editada e agenciada internacionalmente pela El Segell del Primavera. Pouca coisa pode parar a pandilha de Lisboa. Esperemos que nada.
JÁ HÁ MILHÕES OUTRA VEZ Entrámos na metade boa do ano. A que tem Milhões de Festa na agenda. O enfadonho pós-Milhões-2013 começa a desvanecer e o pré-Milhões-2014 começa a falar por si e a causar as borboletas do costume. À medida que o cartaz vá sendo desvendado, maior a vontade de aterrarmos naquele oásis de três dias em que Barcelos vira recinto da maior putaria do ano. As bandas são sempre certeiras, a piscina não tem como falhar e o Xispes, reza a lenda, alimenta quem lá for, a que horas for. É um impaciente “está quase” desde a ressaca do último dia do ano anterior para o mais bonito caos do ano.
BEYONCÉ É das poucas que interessa de toda a neblina da lixeira pop que para aí anda. Enquanto as outras honram os tristes princípios de diva slut a que obedece a cultura popular nos dias de hoje, Beyoncé faz. Enquanto o comum dos mortais luta sem legitimidade por um lugar ao sol a miss Knowles limita-se a mantê-lo e a fazer de si a mais honesta e cincitlante estrela da actualidade. O marido é um swagger, tudo bem, mas ela é (e será por muitos anos) respeitável artista de proa de uma geração com tanto de mastiga-deita-fora. Tem disco novo, Beyonce, e regressa a Lisboa em Março para mostrá-lo. Temos quarto para ela.
JIBÓIA AGENCIADO LÁ FORA De longe, uma das revelações de 2013. As ideias mamadas de Óscar Silva passam por um caos sintetizado para os lados do Médio Oriente. Uma espécie de kraut serpenteante alucinogénico que tanto nos faz viajar como chocalhar o corpo até à exaustão. Aliás, de preferência os dois efeitos em simultâneo são quase inevitáveis. e o que faz mais sentido. O agenciamento e a editora já eram de gabarito com a L & L, mas agora tudo muda quando, depois de fechar o festival Le Guess Who? na Holanda, foi contratado para agenciamento internacional pela Nomanis que toma também conta de malta como Cass McCombs, Naomi Punk, Sic Alps, ou mesmo os Wooden Shjips e os portugueses Gala Drop. Mesmo rastejante, a Jibóia vai voar bem alto.
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