EAST INDIA YOUTH + HOLY NOTHING 1 2 A B R M u s i c b o x
BRUNO PERNADAS
QUELLE DEAD GAZELLE +JUBA + ASIMOV +etc B FACHADA + MINTA + JOÃO CORREIA: 1 9 A B R “OS Sobreviventes” de Sérgio Godinho 1 6 A B R M a r i a M a t o s
A r m a z é m d o C h á
2 5 A B R L u x
KELELA 2
PAUS 3 0 A B R L u x
M A I Z D B
MIKKY BLANCO 2 1 M A I Z D B
2 M A I H a r d c l u b
OWEN PALLETT GUADALUPE PLATA 1 7 M A I M a u s H á b i t o s
2 7 M A I L u x
CHERRY GLAZERR O punk sempre foi de mulheres também. Ari Up daria uma boa tareia a gente que tentasse reprovar a teoria. Nü Sensae, Perfect Pussy ou as Pega Monstro, são algumas das actuais bastonárias dessa virilidade sem nada entre as pernas. Clementine Creevy, sob o nome de Cherry Glazerr e com a tutela da mais desmazelada-cool editora do momento, a Burger Records, acaba de lançar o primeiro disco – Haxel Princess. Slits, Breeders, tudo dentro de 24 minutos de canções de fidelidade punk irreverente que assumem que o grunge pode igualmente ser pop. Cantoria dreamy, trompetes barulhentos-suave, assobios bem humorados, mas, não esquecer, como diz em “Cry Baby”: “don’t tease me, I’ll shove you on the ground”. Ou seja, disco de jovem-mulher que qualquer filha deve consumir recomendado pelos pais. Ensaios preguiçosos de uma tal adolescência que nada tem de perfeito. Claro, e já agora, porque não cantar-se sobre isso.
MODERNOS Estamos a falar de poucos ensaios, um par de músicas finalizadas e uma catrefada de ideias em bruto prontas a lapidar. Três tipos: um na guitarra e voz, outro no baixo e um na bateria. Ou seja, tudo é pouco e ultimamente diz-se muito que o pouco é mais. Tudo certo. A fórmula é mesmo isso, minimal. Voz gritada, guitarras sujas, baixo sensual com genética kraut e uma bateria de nervo punk em tensão. Entre a jam densa e o refrão fácil, cantarolável, há espaço para perceber o que são os Modernos. Thee Oh Sees são pertinentes referir. Malhas punk cantadas em português têm, neste caso, pouco para correr mal. A cave onde ensaiam, em Lisboa, é até agora a única testemunha do que andam a aprontar. Uma das coisas boas para se ouvir em Portugal este ano. Sem músicas editadas ou rasto na internet, mantêm-se na neblina de uma banda que, a começar, é para entrar a pés juntos.
LOCKAH Se ainda não ouviram falar de Slugabed ou The Range é mau sinal. Estão a perder o crescendo de uma estupidamente interessante editora de Brighton. Gente de cérebro apontado às máquinas, dos que fazem música de dança para ser pensada ou vice-versa. Lockah é um dos que se senta orgulhoso no banco dos réus. Sintetizadores calóricos obcecados por hip hop e tudo o que traga boogie produzido nos dias de hoje. Mas, atenção, com saber e inteligência apurados na dedicação à maquinaria analógica. Novo produtor escocês, beat-maker frenético, mestre do detalhe e do rendilhar-camada-a-camada. É de lhe prestar atenção. Manipulador nato dedicado a paranoias electrónicas dançantes, Yahoo Or The Highway séra o primeiro LP lançado em Abril. De paisagens trap caóticas a sons de jogos de computador ou teclados cheesy, Lockah é capaz de quase tudo. Surpreende por fazer soar bem uma boa foleirada.
DUQUESA Normalmente de Barcelos vem peso. Artilharia apontada ao rock de maior músculo. Ainda assim os The Glockenwise acalmaram a vizinhança quando, além de Green Machine e Black Bombaim, se começou a ouvir canções de garagem perfeitas para coparia e levantar a mão contra o vento na janela do carro em dia de calor. Bulding Waves e Leeches confirmaram-nos como uma das bandas rock’n’roll de que o país se deve orgulhar. No entanto, Nuno Rodrigues, o puto castiço ao leme desta gente, vai aparecer agora a solo. De faceta mais romântica pop e sarcástica típica de quem acabou o curso e não tem mais nada para fazer a não ser agarrar-se à guitarra. Duquesa, sim, no feminino, a assumir desde logo o lado cómico, canta sobre a vida de bairro e coisas tão mundanas como o bom que é passear com a namorada. E chega. Há EP de Verão, isso é certo.
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José Gomes, Joni Dores e Luís Masquete são uma das tríades de Barcelos. São malta que se desculpa no riff. Toda a cena que está a acontecer por Portugal relativamente à categoria peso pesado na música foi posta na conversa com José, guitarrista e vocalista. Apresenta-nos Hook, o álbum rockeiro, metaleiro, killimanjeiro e recorre mais a bandas portuguesas no discurso, justificando assim as heranças da sua cidade no que toca a fazer headbanging. Ideias no sítio, uma data de concertos dados e um terreno virgem e português que se deve preparar para estes putos que não são assim tão putos. por GONÇALO PERESTRELO
Este rock de Barcelos, define-o? Olha, o rock de Barcelos... A culpa não é nossa (risos). Antes de mais, a culpa não é nada nossa. Isto é uma cena que já vem há bué. Já nos anos 90 havia, ainda que não fosse rock tão cru. O pessoal puxava mais para o experimental. Depois houve os Rendimento Mínimo, que era rock, sem merdas, em português. E depois ainda os Black Bombaim, que foi o que começou a puxar para todo o lado. E nós depois, bastante por causa deles. A malta que aí vai fala-me de um bar, onde se serve uma taça valente com tudo o que é bebida misturada, a altas horas, com um panado gigante a acompanhar. Um sítio cru e rockeiro. Faz jus à reputação? Sim. Esse sítio é o Xispes. Isso é um bar, um tasco antigo que mudou de gerência. Quando mudou de gerência foi quando começou a haver lá concertos, porque antes aquilo era mesmo agressivo. O pessoal chegava lá e pousava a pistola em cima da mesa. Era mesmo velha guarda fodida. A gente começou lá a fazer concertos, o nosso segundo concerto foi lá e era o sítio onde podíamos sempre ir lá tocar. Sempre que convidávamos bandas amigas era lá que tínhamos facilidade. Passou de Barcelos Sem Lei para Porto Seguro, portanto? Ya. E é a casa, ‘tás a ver? É engraçado que vês as bandas mais antigas, da geração anterior à nossa, tipo Black Bombaim, Glockenwise, mesmo outras bandas antes, não se associam a esse espaço. Mas as da nossa geração para a frente passaram todas lá. Apesar de ser bastante antigo. Quando era mais novo e comecei a sair e quando conheci os Black Bombaim, que foi assim a grande influência, era outro bar. Era o Xano. Depois esse bar mudou e o pessoal separou-se. Mas era fixe. Uma rua onde se encontrava o pessoal das outras bandas.
Vocês fazem o álbum à última da hora ou entre ensaios? Nós não somos muito de ir para o estúdio compor. Durante o tempo em que andámos a tocar até a gravar foi sempre concertos, todos os fins de semana e nós não tínhamos tempo para perder para trabalhar. Íamos fazendo as músicas novas ao longo dos ensaios, arranjávamos um tempinho para as fazer e tocávamos no concerto para experimentar. Era sempre isso. Se calhar para o pessoal que nos vê menos vezes as músicas parecem novidade, mas para quem está habituado a ver-nos mais vezes o nosso álbum não é novo porque já tínhamos tocado aquilo tudo. Baseamo-nos em ver como é que resulta ao vivo. Até porque sempre achei que somos uma banda melhor em concerto do que em estúdio. Onde é que vocês gravam? Gravamos nos Estúdios Sá da Bandeira, no Porto. O último álbum pelo menos. O Ep tínhamos gravado em Santo Tirso. Foi a convite de um produtor de lá que nos tinha visto num concurso de bandas, estávamos no primeiro ano de banda, tínhamos meses, e surgiu o convite. Nós sabíamos lá, man. Não conhecíamos mais ninguém e pronto. Foi assim. Vocês aprendem com os erros das bandas do stoner e do hard rock cá em Portugal? Acho que o pessoal dantes tinha de olhar para horizontes mais largos. Ver mais o que se fazia fora para não caírem em repetições. Os Black Bombaim, ainda que encontres milhões de bandas de stoner, trouxeram uma cena diferente, que não havia aqui. Lá fora, as bandas obscuras em relação aos Sabbath, por exemplo, que havia em excesso e que começa a surgir em Portugal nesta altura.
que não havia, em 2000 talvez, ou pelo menos quando comecei a ouvir música. Pessoal a fazer música mesmo fixe, original, ainda que fosse buscar as cenas que já se fez, mas pegavam nas cenas exactas, nas cenas correctas. Aquela preocupação do vosso género: o riff. Como banda de riff não se contentam com pouco. Quando comecei com a banda, conheces Atomic Bitchwax? Vêm agora ao SonicBlast de Moledo. Era uma banda de milhões e milhões de riffs e juntavam tudo. Tinham uma cena que era: tocavam todos a mesma cena, em sintonia, os riffs sem parar. Guitarra, baixo e bateria. Bué trabalhado. Um gajo na altura olhava e pensava “ya, também havemos de fazer tantos riffs”. Há bandas também que em vez de terem uma música, aquilo soa a uma compilação de riffs. Nós nessa cena tentamos-nos controlar. É das cenas que temos mais cuidado, para manter uma linha de coesão, não pôr cenas a mais. Motorhead, Metallica, Wolfmother, Sabbath. Aceitam a inclusão no género? Ou tentam afastar-se? Eu não sei bem qual é o nosso género. Não sabemos bem porque são influências tão distintas. No entanto acho que as músicas não perdem a identidade da banda. Todas as músicas soam a Killimanjaro, têm cenas que se associam entre si, mas acho difícil tirar um género específico. Não que nos chateie estar incluído, mas... Sei lá. As influências não são só musicais. São influências estéticas, e de ideais e assim. Isso tem tudo peso. Não são só as bandas assim. Acho que a banda que nos influencia mais são os Graveyard e nem sempre são referidos porque não soamos assim tão parecido.
Concordas com esta geração dourada dos anos 10 cá em Portugal? Acho que as melhores bandas, neste momento, é pessoal novo. Acho que está a acontecer uma cena 5
DAMO SUZUKI & BRIAN WILSON (Voz)
MEG WHITE (Bateria)
Grande dupla. Nem sei muito bem o que esperar deste dueto. O anjo e o panado num misto de California/Berlim. O Brian Wilson canta mais vezes. O Damo Suzuki não vai aos ensaios mas canta quando lhe apetece, pode até cantar o Hallelujah (dos Can, ou do Cohen até) nas canções todas que vai ficar sempre bem.
Sim, a Meg White vai tomar conta da banda. Segurar a cena. Sem merdas e bem alto. Não se pede destreza na bateria, pede-se alma. A destreza fica por o baixista, que vai criar a base rítmica mais improvável do Rock.
CONNAN MOCKASIN & TY SEGALL (Guitarras)
Jaco Pastorius e Meg White?. Grande dupla, o Jaco vai dar o groove à cena, toca num fretless cheio de chorus e é também o roadmanager da banda. Se os promotores dos clubes não pagarem está lá para a fruta.
É essencial imaginar o Brian Wilson a cantar por cima da guitarra do fundo da garagem do Ty Segall, suavizada por um jizz jazz do Conan Mockasin. São os principais compositores das canções, ambos fazem coros. Tem tudo para dar certo. NOBUO UEMATSU (Teclados) O Nobuo Uematsu nos teclados (para quem não conheça é o responsável pela composição da banda sonora dos jogos Final Fantasy) vai dar aquele toque “asiático a tentar soar a ocidental” nas canções. É essencial.
JACO PASTORIUS (Baixo)
BILL CLINTON (Saxofone) Carisma. Dá as entrevistas. Toca de fato branco e aparece centrado nas fotografias de banda. Quero o Bill Clinton a pedir palmas nos concertos e a fazer pequenas melodias de Saxofone a acompanhar o Nobuo Uematsu. Está lá para a ginga. MOZART (Produtor) Quem me dera ouvir um disco desta banda.
de DOMINGOS COIMBRA (CAPITÃO FAUSTO)
TALKING HEADS “77”
O mais simples possível. Ainda com poucas noções acerca de computadores em ’77, esta capa profetiza a fonte electrónica sob um fundo tão forte que se torna neutro. A lógica de montar uma capa assim é: isto + isto. Apenas isso.
MENÇÕES HONROSAS
DEEERHUNTER
BABYSHAMBLES - Down In Albion -
- A Year In Your Garden -
- Neu! -
O negrume do fundo contrasta com o neón vermelho. A parede lá atrás e os cabos soltos funcionam como um padrão só. Poderá ser um lettering urbano sob uma moldura industrial pendurado numa parede escura.
Sendo quem são não é de admirar. Ou foi à primeira e é para despachar ou Doherty, quando fez a capa, estava mesmo a simplificar a banda. O boneco é ele, a letra é difícil de perceber e este é o minimalismo mais podre de sempre.
Tasty Morsels, a editora online, aposta no dream pop de Column. A capa consegue provar tudo, anteceder o feel, agarrar as dúvidas. É cremosa e de flanela. Não admira que Connan Mockasin tenha promovido na sua página o disco. O canto superior esquerdo mal engomado diz tudo.
É um disco uniforme, a começar pela artwork. Circular, de culto para os fãs de kraut-rock, Neu! não quer mais nada do visual. Entenda-se como um manifesto, um tag ou o que quer que seja. Não é preciso mais que berrar Neu! para nos afundarmos neste loop ou disco.
- Monomania -
COLUMN
NEU!
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...FEROMONA “Che Guevara Eunuco” ,de Aquelas Três
Com as dúvidas ela não mexeu os lábios para me responder.
Tínhamos acabado de o fazer, no carro, ao som de uma estação de rádio sem nome, sem problemas em mostrar cada um a parte nua do corpo. 105.4 era a frequência. Ela via um gajo com os últimos dias passados a esquecer uma mulher. Essa Françoise... Eu via-a como um conjunto de perguntas barricadas em carne de mulher. Intrigada, extraía-lhe uma sensação estranha. Não o conseguia esconder e como fazia um frio do caraças pode-se dizer que o momento estava cada vez mais estranho. Para sair de cima de mim pisou, ou esmigalhou, uma lata que no chão do meu lado já tinha dado sinais de presença. Há uns minutos, quando começámos a dançar, Anna não ouviu a meio litro vazia e agora diz-me um “ai desculpa”, rápido de nervos, quando a reduz a uma placa de metal liso. Quer que lhe mostre que estou longe de Françoise, e estou. Só não sabe, nem eu, quão afastado mentalmente. A francesa é mais uma ideia que um sentimento, quero eu achar, e disso, como dos desejos, não se fala. Tenho a certeza que Anna gostava de aprender com Françoise como é que se deitava a baixo um gajo como eu. Ela tinha esperança em conseguir criticar aquilo que dizia, e depois escrevia, mas acabava por bombardear-me ao lado, a medo, emocionalmente e não racionalmente, como uma rapariga de liceu que não consegue atacar defeitos e que sabe a morada de cor do puto que se senta atrás dela nas aulas de educação sexual e que até sabe a mais para a idade. Esse puto é um merdas, como já me deveriam estar a analisar. Dali fomos beber uma cerveja. Muito mais cara que a que estava entre a embraiagem e o travão. Nada de latas. A consagração do orgasmo pedia-a. Agora a música do bar e a cor vermelha das luzes a bater na sua cara e o facto do sítio ser menos privado que o carro fizeram-na falar. Queria a verdade. Tinha eu dormido com alguém ultimamente ou não? Conheci-a há três semanas, e não. Desde que a conheci não houve outro, ou outra, intercourse. “Não” eu disse, e ela não acreditou. Zero razões para zangas. Estava porreiro na minha inocência e isso não me podia chatear. Ela tinha sido perfeita sexualmente e o caviar dela era mesmo a forma ingénua e
por GONÇALO PERESTRELO
www.mendigoretro.tumblr.com
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morena, ao contrário de Fran, como se chateava. Em quase um mês já lhe topava isso. Insisti que era not guilty nessa matéria. Pronto. “Ou acreditas ou não lady” disse. A dúvida na sua cara era exagerada mas fazia com que parecesse que estava a rir. Se calhar até estava. Dei-lhe um beijinho, deixei a minha mão nas suas costas, cumprimentei o cabrão do dono do bar - o Fez a Françoise À Minha Frente Mas Que Por Acaso É Um Bacano do Caraças e já me oferece cervejas - e disse a Anna que se quisesse inventar que tinha estado até podia. Não havia bem uma relação. Ela não gostou especialmente desta parte. Expliquei-lhe que a minha honestidade começava por não ter problemas em falar se tivesse mesmo dado uma queca nova. Podia escrever 35 contos a detalhar-lhe uma só noite, numa só cama, com uma mulher que nunca tinha feito sexo até àquele suposto dia. Mas não precisava de honestidade criativa. Só de me entreter e de fazer o melhor que podia a Anna. Queria voltar a ver os seus lábios a mexer. Queria que passasse Feromona no bar. De preferência o “Che Guevara Eunuco”. Queria que o Tó do bar estivesse numa de me oferecer merdas para beber. Queria ser um honesto reconhecido, querendo que Anna acreditasse em mim. Queria ver Françoise noutras mulheres. Queria cerveja fresca. Sempre. Queria repetir frases com mais classe e menos poesia de vinte cêntimos. Queria ter menos fome de mim. Queria menos feriados e menos mendigos. Queria estar assim, neutro, como estava nesta noite. Queria não afectar ninguém com isso e isso, Françoise, ensinas-me tu. A contradição um dia vai ser um valor e vai ser ensinado nas escolas: “Vejam bem o Lucas, contente com pouco e tão incapaz de contente fazer muito.”
Uma casa no lago
“Não sei se é do verde, dos lagos ou da comida boa. Seja lá o que for, estou grata a esse cantinho do mundo tantos discos bonitos.”
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Tenho uma nova banda favorita. E descobrir uma nova banda favorita é uma coisa maravilhosa. Sobretudo quando aos primeiros segundos da primeira música que ouço percebo que está feito, estou conquistada. Não procuro música que soe a novo, a nunca antes feito, a totalmente desconhecido para os meus ouvidos. Se procuro música com algum critério, acho que inconscientemente faço muito mais o contrário. Um bocado como os melhores novos amigos são aqueles que parece que conhecemos desde sempre, mesmo que só façam parte da nossa vida há poucos anos, ou meses, ou semanas. Adoro ouvir uma música nova e sentir-me em casa. Tive sorte. Esta nova banda favorita não é assim tão nova, e produz bastante. À minha chegada ao universo deles há já sete álbuns para curtir, todos generosamente disponíveis em streaming. Têm me feito muito boa companhia. Chamam-se LAKE, assim mesmo, com tudo em maiúsculas, e fazem uma espécie de pop. Formaram-se em 2005, em Olympia, no Washington. A biografia no site da banda acrescenta que têm como objectivo ser “pessoas a sério a fazer música a sério”. Já tive a oportunidade de dizer que muita da minha música predilecta vem da Costa Oeste da América do Norte, especificamente do estado do Washington. Não sei se é do verde, dos lagos ou da comida boa. Seja lá o que for, estou grata a esse cantinho do mundo tantos discos bonitos. A formação dos LAKE tem vindo a mudar ao longo dos anos e dos discos, mas o som da banda parte do duo Ashley Eriksson e Eli Moore, um casal que escreve e canta canções de luxo. Os restantes membros, nesta altura, são Andrew Dorsett, Markly Morisson e Lindsay Schief. A “casa” que ouço nos LAKE tem qualquer coisa do som confortável da Motown, das canções solares dos Belle & Sebastian, da intimidade nas vozes dos Yo La Tengo, das harmonias dos Stereolab e da alegria de viver da Rua Sésamo, para além de vários pontos em comum com outras das minhas bandas e artistas do coração que vêm da mesma zona, como Karl Blau (que já os gravou várias vezes) ou Laura Veirs (para quem já fizeram primeiras partes). Qualquer um dos discos da minha nova banda favorita é bom para começar, soam-me todos muitíssimo bem. E têm todos nomes simpáticos como Oh, The Places We'll Go (2008), Let's Build a Roof (2009) ou Giving & Receiving (2011). O último, The World Is Real, saiu no ano passado pela sempre recomendável K Records. Diz deles a K: “Rhodes doces, malhas ternas de bateria, guitarras que não soam a guitarras, linhas de baixo voluptuosas: ouvir LAKE é como despejar açúcar pelos ouvidos dentro. Transforma o cérebro em chocolate, 67% de cacau.” É difícil discordar.
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A POP MACIA DOS
por JOAQUIM QUADROS
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Antes de começar a rabiscar o artigo reparei no
“não aceito essa categorização de música de fim-de-tarde. A nossa música encaixa em todas as estações mesmo a soar luminosa e agradável, pode ser de Inverno ou de Primavera”
iTunes: “3 álbuns, 30 músicas”. Tudo é redondo nos Real Estate, é o que isto prova. Para Atlas a mesma fórmula 10-canções-disco, nada que enganar; guitarras com tudo para soarem repetitivas mas que não nos fartam nem por nada; canções tanto de praia como de Inverno, sem plástico, prontas a consumir. Não é difícil perceber o que há de tão bom nisto mas a isso já lá vamos que antes ainda queremos saber como correu o ano para os Ducktails de Matthew. Ele que, aliás, começou por dizer “gostei muito de tocar em Paredes de Coura, foi a primeira vez que lá fui e fiquei encantado com o sítio”. Para Matt, os Real Estate é que foram, no fundo, uma banda paralela porque o percurso como Ducktails começa antes. Agora reparte o desafio dos dois lados da medalha: “nos Ducktails consigo ser mais exploratório do que nos Real Estate. A maneira de me exprimir a escrever as minhas próprias canções é mais ecléctica porque tudo parte de mim e com eles só trabalho mesmo a guitarra”. Repara-se nos Ducktails, principalmente em Flower Lane, uma outra forma de adocicar a pop, há mais dança, mais sintetizadores e outra abordagem, lá está, por ser o universo de Matt. Nos Real Estate o leme cançonetista é Martin Courtney, Mondanile limita-se a navegar o riff pela corrente. Se com Days aquilo que tinham mostrado no homónimo reforçou a magia, então agora com Atlas exaltam que não foi engano, podemos contar com as guitarras de cristal perfeitas, os refrães sha-la-la mais doces-menos-pirosos da indústria e o disco como um todo, um livro de histórias para ouvir alguém ditar em câmara lenta. Embora o cenário mais comum seja o de praia, Matt admite: “não aceito essa categorização de música de fim-detarde. A nossa música encaixa em todas as estações mesmo a soar luminosa e agradável, pode ser de Inverno ou de Primavera”. Mesmo sem saber um tocar um acorde do “Hotel California” é impossível entrevistar um destes tipos sem perguntar “mas afinal como é que vocês fazem aquele som de guitarra?”. “Sai tudo muito natural, camada a camada, nem pensamos muito sobre isso. Usamos algum delay, pedais e algum vibrato para tornar o som mais dreamy.“, desvenda Matt. Fica aqui um excerto da fórmula da ondulação das guitarras que orienta os discos do princípio ao fim. Uma espécie de psicadelismo tímido, como se Jimi Hendrix tocasse baixo e lento, para não acordar ninguém. Daquelas linhas
de guitarra que assobiamos sem perceber ou que cantarolamos mais facilmente do que uma frase. Mondanile aí é obreiro-mor por isso atentem nas dicas. Mas atenção que escrita de Martin é uma das barras fortes destas canções também. Um tipo discreto, sabido que dedicado à família e sem grande avidez pelas convicções do rock’n’roll, embora com uma sensibilidade lírica apurada. Pelas palavras e pelas paisagens que cria. Cantam-se passeios por amores e desamores, inseguranças e frustrações mundanas, tudo reflexões bonitas, sejam elas tristes ou alegres. Sobre Atlas Matthew diz que “cada tema tem o seu universo, é como se fosse um mapa de estradas. A escolha do nome foi perfeita porque junta todas as canções como cidades diferentes”. Embora todos vivam, hoje em dia, em Nova Iorque, a cidade natal desta gente é New Jersey. A capa do disco é, precisamente, um mural da cidade de onde são nativos, “somos amigos há muito tempo, é uma imagem da nossa juventude e isso traz-nos boas memórias”. Sobre que mais podia ser um disco de gente amiga de infância que faz canções nostálgicas como antídotos perfeitos para o passar dos anos? No entanto, o disco foi gravado em Chicago nos estúdios de Jeff Tweedy: “o Kris da Domino Records sugeriu-nos trabalhar com o Tom Schick que produz os Wilco. E foi ideia do Tom usarmos o Wilco Loft. Além de ter uma quantidade enorme de instrumentos e mais espaço, é mais barato do que gravar em Nova Iorque. E queríamos estar longe das distracções de casa por isso fez todo o sentido”. Opção sensata, pouca cafeína e menos caos urbano, música assim, “parecendo que não, precisa de concentração”, acrescentou Matt. Mas antes de entrar em estúdio houve trabalho extra com Matt Kallman, o novo teclista que substituiu a saída de Maurer, tal como com Jackson Pollis, baterista que só tinha entrado para a banda na digressão de Days, não tendo nunca estado com eles em estúdio a criar. E por mais intrigante que pareça, quando tudo escorre tão bem e soa amanteigado desta maneira, Atlas é um disco de suor. Um esforço pelo majestoso objectivo de oferecer o mínimo de esforço a quem o ouve. Tarefa mais que bem cumprida. O Verão é já ali, o Inverno já passou, não sabemos bem a que temperatura estamos, mas não interessa assim tanto. Real Estate é assim. Tudo macio, tudo tranquilo. É fácil perceber porque é que o mundo pára quando ouvimos estas guitarras.
É um tipo fora do comum. Nativo de Bournemouth, William Doyle, assina como East India Youth. Homem-orquestra, a fazer lembrar Owen Pallett ou Sufjan Stevens, mas com virtuosismos de outros tempos, os de software de produção. Aos 22 anos estreia-se nos discos com uma primorosa ópera digital de nome Total Strife Forever. Harmonias vocais expansivas, camadas de sintetizadores por vezes violentos por vezes mais serenos, numa conjugação estranha entre música atmosférica mais pacífica com ambientes de pura rave. A propósito da sua primeira actuação em Portugal no próximo sábado no Musicbox (12 de Abril) falou comigo ao telefone a partir do seu apartamento em Shoreditch, Londres, onde mora neste momento. Afinal de contas o que é que andaste a fazer até ao lançamento do teu primeiro EP, Hostel, o ano passado. Para nós quase um ilustre desconhecido, mas já tinhas algum passado na música, certo? Curiosamente o álbum já estava praticamente todo composto quando o EP foi lançado, foi tudo estratégico. Há faixas do EP que estão no álbum e a razão de ter lançado o Hostel antes foi exactamente por que não senti que o álbum tivesse no ponto que queria para ele. Então criei a The Quietus Phonographic Coorperation, com um site, para arranjar dinheiro e recursos para pôr o disco cá fora. Ajudou-nos muito, deixou-nos numa posição mais confortável. Mas tinhas uma banda antes, os Doyle & The Fourfathers… Tinha, claro. Mas era muito mais orientada para pop e indie nas estruturas de canções. Não teve grande impacto até por ser muito diferente daquilo que pensava fazer mais tarde. Aliás, o que faço hoje em dia, como sabes, tem um carácter completamente diferente, bem mais arranjado. Foi uma intenção tua? Fazer uma coisa mais bizarra menos “normal”, digamos assim. Sim, sinto que este disco teve outra intenção. Tem muito mais do que eu oiço hoje em dia e muito menos do que eu ouvia na altura da outra banda. Dediqueime mais a música de orquestra, música electrónica, e coisas desse género. Daí também ter perdido
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quase dois anos com o disco, quis limpar alguns hábitos que tinha e ouvir outro tipo de géneros musicais para poder criar música inovadora para mim. Eu senti isso mesmo, que havia uma conexão entre géneros clássicos com outros mais tecnológicos. Uma espécie de ópera digital. E está totalmente certo pensares assim. Tem essa intenção, a de misturar tudo mas soar uma língua única. Estudaste música? Estudei durante vários anos no colégio. Música de uma forma muito geral porque não andei numa academia ou num conservatório. A minha relação com a aprendizagem de música nunca se especificou em nenhum instrumento até que decidi dedicar-me a aprender tocar um bocado de tudo, o que me deu óptimas noções para fazer este disco. Todo o álbum é orgânico ou há aqui também muita coisa de computador? Muito deste disco tem sons criados e samplados em computador através do Logic e Cubase. Acaba por ter muito som sintetizado e digital, acústico só mesmo a minha voz. Mas quis sempre dar uma densidade especial aos arranjos. Isso deu-me muito trabalho como te disse, demorei dois anos a reunir condições e a preparar o disco para ele estar tal e qual eu o queria. Fiquei surpreendido até com o resultado final.
Tornaste-te um aficionado por música electrónica? House, techno, etc? Desde que comecei com este alter-ego East Indian Youth sim. Eu próprio fiz por reforçar o meu conhecimento nessa cultura, de clubbing, experimental ou mesmo coisas mais pop de dança. Eu trabalho no computador, tenho que ter essa versatilidade de conhecer os vários sons de baixo, sintetizadores, teclados, beats, etc. O que foi melhor ainda por me ter obrigado a começar a colecionar vinil e criar algum gosto por isso. Costumas tocar sozinho em palco. É uma decisão tua por ser uma coisa mais introspectiva ou porque não tens ninguém a tocar contigo? É uma mistura dos dois. Podia ter músicos a aprender as partes e a fazer cada um o que lhes compete, até tinha sido bastante mais fácil para mim. Tinha-me dado muito menos trabalho para preparar as minhas actuações. No entanto, fez-me sentido tomar o controlo de tudo porque no fundo vem da minha imaginação. É uma sensação diferente, prefiro estar sozinho. É mais engraçado e acima de tudo ganhas um buzz diferente por estares a fazer as coisas à tua própria maneira. Agora que me perguntas isso, acho muito mais fácil ir agora tocar sozinho a Portugal. De outra maneira tinha que marcar ensaios com outras pessoas, tinha que depender de muito mais variantes.
E torna-te mais fácil viajar e andar em tour. O que vais andar a fazer, festivais de Verão pelo Reino Unido? Sim, tenho muitos marcados para tocar em Inglaterra, Escócia e Irlanda. A minha ideia até ao fim do ano é tocar ao vivo e não lançar mais música, pelo menos por enquanto. Espanha também vai ser um dos destinos e antes disso Portugal, já ouvi falar de uma cena de música interessante vinda de Lisboa. Fiquei feliz quando recebi a proposta. Vamos a isso, estou pronto.
É
um dos tipos ligados ao movimento mais summer-mdma de 2010, vulgo chill wave. Toro Y Moi, Neon Indian e Washed Out privatizaram os louros, sim, ninguém lhos tira, mas Seth Haley foi também um dos responsáveis, pelo que começou a fazer com o EP Cianyde Sisters, do mesmo ano. Antes tinha também começado como dj e mesmo como produtor chegou a chamar-se SYSTM ou Airliner, por exemplo. Mas foi mesmo com o nome em jeito de troça ao actor Tom Cruise que se firmou. Obsessivo pelo beat e por sintetizadores perdidos algures nos 80’s, mestre na exploração das mais atípicas ramificações da synth-wave e do funk anestesiado trippy que Dâm-Funk, acredito eu, deve ser fã confesso. Impôs-se respeitado com toda a inteligência de Galactic Melt, o primeiro disco, que traz o aprumado selo da Ghostly International, e a perfeição de In Decay, o segundo. Monumentos de manipulação sedutora de samples de vídeo-jogos e teclados, tudo a fazer pensar e dançar em simultâneo, sintonizados na nostalgia de uma qualquer rádio pirata, fora de órbita. Wave 1 EP é o seu último psicotrópico, disponibilizado gratuito para audição, à vontade do freguês. O Musicbox é então a primeira data europeia, de um punhado de passagens por França, Itália, Alemanha e Inglaterra, em que o produtor nova-iorquino faz paragem para mostrar sangue novo.
MUSICBOX
HEINEKEN SERIES
Dizer “caguei bem nas referências”, neste caso, não é
mesmo preguiça. As coisas fáceis de definir, em que facilmente se encontram cores palpáveis, não têm a mesma graça. Óscar Silva pode serpentear descansado que Jibóia trata-se disso mesmo. Um aparecimento sinuoso que traz uma mescla de oriente com fuzz bem empregue, mantra kraut psicadélico feito no quarto mas com o mundo enfiado lá dentro às fatias. Teclados CASIO em loops claustrofóbicos, doentios de distorção, tudo manias da cabeça efervescente de Óscar. Ele que está prestes a lançar o disco de estreia, com a Lovers & Lollypops, com quem já deu o primeiro passo com o EP. Lá fora tem feito algum do bom eco que pode ter a música nacional. Passagens venenosas por Inglaterra e Holanda conseguiram-lhe contrato com agenciamento internacional e assim uma promissora mordidela em palcos de maior amplitude. Al Lover, dj residente no Austin Psych Fest, chegou a dizer-me em entrevista “that’s one of the best shits I’ve heard this year so far”. Tanto com Sequin a acompanhá-lo como no formato The Experience, com todos os seus cúmplices em palco, Jibóia ao vivo consegue ser ainda mais electrizante. Com Jon Hopkins, descomprime-se a seguir.
A relação segue saudável, a desta parceria que se solidifica em mais uma temporada de Musicbox Heineken Series. A busca pela vanguarda nacional e internacional continua a objectivar-se com pés e cabeça e a trazer à sala de Lisboa frutíferas actuações. MGDRV e Ghettovenn já se mostraram a nível nacional, bem como The Veils ou Panda Bear foram outra das ofertas dos primeiros dois meses. Prossegue-se com igual qualidade nas opções, é já para a semana com East Indian Youth, em Maio há EGBO e o regresso de Com Truise e em Junho desfazse o mito Jon Hopkins com Jibóia a estrear álbum na mesma noite. por JOAQUIM QUADROS
U
m aficcionado pelo som como estes não sabe como parar quieto. Foi parte da formação dos Imogen Heap como teclista, ao lado de Eno produziu coisas pop orientadas para estádio dos Coldplay, e por sua conta chegou também a ser mesmo nomeado para Mercury Prize com o disco que produziu para o cançonetista folk King Creosote, em 2011. Noutra vertente, entrega-se também à sonorização de cinema, Monsters ou How I Live Now foram projectos a que se dedicou. No fundo, um gajo dado a toda a versatilidade de um geek puro, autor da mais engenhosa electrónica que tem dado à costa na passada década. Opalescent ou Insides já o mostravam autoritário de uma expressão única na ambience e na música de dança. No entanto, Immunity foi precisamente o disco-chavão com que desflorou a sua faceta techno mais autista e uma mestria xamânica em mostrar sangue fresco a correr por dentro de um computador. O lado hipnótico e cerebral de gente como Apparat, The Field, entre outros, ou mesmo o lado tântrico industrial de Eno, um dos seus ídolos, servem-lhe de matéria para absorver e carnalizar as suas ideias. Admite que a linha de baixo de “Open Eye Signal” lhe durou três semanas a criar, alquimia perfeccionista resultante numa das melhores produções de 2013. Sinais de que um bicho de estúdio tem o que merece. A sua discrição é tão serena como a música que faz, não aparece muito mas quando o faz deixa rasto. De regresso a Portugal em Junho.
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Há muitos anos que estou convencida
que o melhor título de disco de sempre é The Great Rock’n’Roll Swindle dos Sex Pistols. O rock’n’roll, toda a cultura pop, tem muito de embuste. E nós gostamos. Isto a propósito do disco de Contact Field Orchestra cuja história é tão extraordinária que parece mentira. Damon Aaron é um beatmaker americano que, reza a info oficial, terá encontrado umas fitas numa venda de garagem, alegadamente com gravações de uma orquestra de mineiros, feitas no início do sec XX, quiçá antes. Essas gravações originais teriam sido passadas para fita nos anos 60 pelo pai do dono da garagem e Damon Aaron comprou-as, limpou-as, acrescentou guitarras, ecos e reverbs e fez um disco chamado Contact Field Orchestra Vol 1 que soa a tudo, menos a algo vindo dos confins do séc XIX. Mas se calhar sou eu que sou desconfiada. A culpa nem sequer é de Milli Vanilli. Gente a dar voz por outras é banal, é como pedir/pagar a alguém para fazer um trabalho na escola. Não está certo, mas há quem viva disso. O que incomoda, da melhor maneira possível, são outras mentiras. Conceitos baseados em histórias ficcionadas que normalmente aproveitam a ideia de diggin para criarem verdadeiros sonhos molhados de melómanos e colecionadores. Por exemplo: Visit Venus, dois alemães, lançaram em 1995 um disco chamado Music For Space Tourism Vol 1 alegando terem usado gravações feitas originalmente pelos pais para um projeto de turismo espacial da NASA nos anos 70. Ideia gira e em sintonia com a mitologia histórica e o imaginário retro futurista da época, mas apenas pretexto para uma (ótima) fantasia entre jazz, beat science e a librabry music. Outra. Jan Jelinek, também alemão, apareceu em 2008 a editar a música de uma farmacêutica que entre os anos 60 e 80 teria criado alguma da eletrónica mais ousada de sempre, assumindo-se como verdadeira pioneira, comparável a Daphne Oram ou Delia
Derbyshire. A história era brilhante, Jelinek relatava o encontro acidental com o filho de Ursula Bogner (a senhora farmacêutica em questão) num avião e como isso tinha despoletado a edição das gravações nunca antes reveladas. Pouco depois, percebia-se que Ursula Bogner, de quem até há fotografias deliciosas que dão credibilidade extra ao embuste, era na verdade uma diversão conceptual de Jelinek, mas ninguém vacilou. Por causa desses exemplos, porque a mentira faz parte da arte, a história de Contact Field Orchestra parece demasiado boa para ser verdadeira. Mas se calhar até é. Os livros dizem que as primeiras gravações datam de 1857 (fonoautogramas) mas só em 1878 é que Edison patenteou o cilindro fonográfico, o primeiro instrumento de gravação e reprodução de som. É portanto possível que a orquestra de mineiros existisse mesmo e tivesse de facto sido gravada nos finais do sec XIX e depois tivesse sido passada para fita e finalmente aproveitada para o disco de Contact Field Orchestra. Se assim for, incrível! Se não for, está bem na mesma. O disco é bom, a música é estranha e encantatória e a história tem sumo. Kutmah disse que era “como Tom Waits e Augustus Pablo a fumar ópio no bajou”… eu não diria melhor.
por ISILDA SANCHES
“O rock’n’roll, toda a cultura pop, tem muito de embuste. E nós gostamos.”
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PHILL COLLINS
QUANDO ERA COOL GOSTAR DELE... Basta escrever o nome dele para começar a ter comichão em vários locais no corpo, começando pelo nariz, que torce imediatamente como se tivesse cheirado algo de podre. Mas prometo que isto tem uma razão de ser…
A pop que catapultou Phil Collins para o estrelato é tão
por TIAGO CASTRO
Mas antes desse período de enorme sucesso que tanto ódio desperta entre a comunidade dita “alternativa”, Phil Collins teve um percurso importante, desde logo por pertencer a um grupo que gerou primeiro um enorme culto a nível underground e depois se afirmou como um dos pesos pesados do rock progressivo britânico: os Genesis. É verdade que com Phil Collins como vocalista da banda, após a saída de Peter Gabriel, os Genesis foram aproximando-se cada vez de um rock mais acessível, acabando mesmo por saltar para uma pop mais descartável. No entanto e com Phil Collins como baterista e Peter Gabriel como frontman, os Genesis aliaram vários conceitos. O rock com travo psicadélico e pastoral caminhou em direcção a um som mais cerebral, mais progressivo e complexo, que conjugava vanguarda artística, com uma ideia muito particular do folclore inglês. Phil Collins só entraria nos Genesis ao terceiro disco, Nursery Cryme de 1970 e de certa forma ajudou a arrumar as muitas ideias do grupo. Com a sua bateria segura mas ao mesmo tempo arrojada, os Genesis ganharam confiança e puderam finalmente libertar-se para o rock progressivo que lhes deu notoriedade. Antes de seguir carreira na música, Phil Collins 18
começou como actor, logo aos 14 anos numa peça de teatro. Também trabalhou no cinema, por exemplo, como um dos muitos jovens que perseguem os Beatles no filme A Hard Day’s Night. Mas ao mesmo tempo que estudava para ser actor profissional, também se começou a envolver com a música. Surgem então as primeiras bandas, mas a aventura como baterista só arrancou a sério quando assinou um contrato discográfico com os Flaming Youth, que em 1969 editaram o único álbum: Ark 2. O disco conceito sobre a viagem do Homem à Lua recebeu várias críticas positivas, mas o art rock do grupo não convenceu o público. O disco teve vendas irrisórias, o que conduziu ao fim do projecto. Em 1970 e antes de responder a um anúncio que colocaria Phil Collins em rota com os Genesis, o baterista teve uma pequena participação num dos mais importantes álbuns da História. Foi convidado por George Harrison a tocar percussão no tema “The Art Of Dying” do disco All Things Must Pass. Collins tinha 19 anos. Tudo se alterou na carreira do músico quando respondeu ao apelo dos Genesis que procuravam novo baterista. Com apenas dois álbuns editados, o grupo já tocara com três bateristas. Seguia-se o
hedionda quanto risível, mas não podemos de todo virar-lhe a cara. Olhemos para esta estatística impressionante: só existem três compositores que ultrapassaram a barreira dos 100 milhões de álbuns vendidos em todo o mundo: Phil Collins, Paul Mccartney e Michael Jackson. E o trabalho de Collins como compositor, para além de seduzir o grande público, conquistou também a crítica, arrecadando inúmeros prémios, desde Grammys, Brit Awards ou Globos de Ouro. Quando um artista tem este nível de impacto na cultura popular, temos de ter obviamente uma leitura alargada sobre seu trabalho e tentar perceber o porquê do seu sucesso, antes de nos lançarmos a acusações e discussões sobre o que tem ou não qualidade.
quarto…Phil Collins chegou, superou a audição e desde então tornou-se peça crucial do som dos Genesis. Para além da bateria exímia, capaz de mudanças bruscas de ritmo, Collins providenciava as segundas vozes, acompanhando Peter Gabriel. Mas nesta primeira fase do grupo, Collins chegou mesmo a cantar como voz principal em duas músicas, uma de Nursery Crime e outra da obraprima Selling England By The Pound. É em 1974, durante as gravações do duplo álbum The Lamb Lies Down on Broadway, que Collins conhece Brian Eno. O ex-Roxy Music contribuiu com alguns sons electrónicos para o derradeiro álbum dos Genesis com Peter Gabriel. Na época estava a trabalhar em Taking Tiger Mountain (By Strategy) e precisava de um baterista. Gostou da complexidade da bateria de Collins e convidou-o a participar no disco. O músico dos Genesis viria mesmo a tocar em vários discos de Eno, como Another Green World e Before and After Science, ou seja, em registos alteraram para sempre a relação da música pop/ rock com ideias de vanguarda e experimentalismo. Mas as contribuições de Collins não se ficaram por aqui. Tocou com os Brand X, banda que integrou durante os Genesis e que era dedicada a sons mais jazzísticos. Também emprestou os seus
“É sempre saudável conhecer uma obra em termos gerais de qualquer artista. É preciso conhecer o período em concreto, perceber o contexto e isso ajuda a entender o que leva o artista a tomar certas decisões.”
ritmos a álbuns a solo de Steve Hackett e Peter Gabriel, colegas nos Genesis. Viria a tocar em registos de John Martyn, Robert Plant, Philip Bailey ou Eric Clapton. De facto, Collins tinha uma credibilidade única entre os músicos mais vanguardistas da época. Para além da bateria, Collins tinha talento especial para arranjos instrumentais e harmonias de voz. Era um músico completo. O percurso dos Genesis altera-se por completo quando Peter Gabriel anuncia que ia deixar a banda. Foi em Portugal que fez o anúncio, durante a passagem do grupo por Cascais, num dos mais importantes concertos de rock no nosso país, o primeiro de uma banda internacional após o 25 de Abril. De regresso a casa, os Genesis fizeram inúmeras audições a vocalistas, até que se viraram para o baterista. Collins agarrou o microfone, mantendo-se ao mesmo tempo como baterista. Nos discos que se seguiram, o grupo ainda mantém o som de rock progressivo, mas à medida que Collins vai ganhando confiança, os Genesis evoluem para um rock mais acessível. Com outras mexidas no grupo, com a saída da guitarra de Hackett, acontece a aproximação à pop, à fase mais bem sucedida em termos comerciais para a banda mas que de certa forma, lhe retirou o apelo mais artístico, saltando da posição de banda de culto, para o mainstream, conquistando novos fãs mas deixando pelo caminho os ouvintes mais exigentes, que apoiaram o som mais complexo, cerebral e sinfónico. Passaram dos excessos do rock progressivo para uma pop sem grande tempero. Claro que tudo se desmoronou, quando Phil Collins decidiu testar-se como artista a solo, com canções de cariz romântico, com um pé na soul e R&B. Mas foi aí que atingiu a maior popularidade da carreira! Mas se esquecermos (coisa impossível, eu sei!) que este Phil Collins existiu, resta-nos um conjunto de trabalhos de enorme importância artística. Não só os álbuns com os Genesis, mas algumas das suas colaborações, em especial com Brian Eno, em alguns dos mais aplaudidos álbuns do compositor. É sempre saudável conhecer uma obra em termos gerais de qualquer artista. É preciso conhecer o período em concreto, perceber o contexto e isso ajuda a entender o que leva o artista a tomar certas decisões. Phil Collins e os Genesis mudaram ao mesmo tempo que a música à sua volta mudou. Milhões de pessoas foram seduzidas por esses registos mais pop, mas isso nem sempre é sinónimo de qualidade, se bem que é velho o ditado “Gostos não se Discutem”. Tudo bem. Não
concordo plenamente, desde que a discussão seja construtiva. Mas também não se devem atirar pedras a um artista sem saber que se calhar ele até fez peças interessantes de enorme valor e influentes. Phil Collins é um desses casos. Temos de nos afastar um pouco dos preconceitos e se calhar aplaudir tudo aquilo que Collins produziu a um nível mais alternativo e vanguardista. E caramba, ele era de facto um grande baterista!
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por GONÇALO PERESTRELO
Podemos achar que é datado, que “antigamente” é que era, que não faz falta a ninguém, que antes não havia nomes para as coisas e que a malta ingeria tudo o que lhes aparecia por inexperiência, mas a verdade é que as drogas têm um papel mais do que relevante em obras-primas. Desculpemos as bandas com uma citação de Lavoisier adaptada: nada se desperdiça, tudo se aproveita. Como espectadores o melhor é pôr a moral de lado. Sim houve muita branca, muita castanha - em todas as vertentes e intensidades - muitos quadradinhos coloridos, muita relva embrulhada em prata pelos porões do mundo e muita malta a perder o tino em nome da música. Para falar deste assunto falta só perceber que os anos da droga em salas de ensaio não acabaram com os Stones. O mural da desgraça ainda tem espaço para
Os Soldados Aqueles que têm aptidão para o perigo. São também os primeiros a estar cientes do precipício em que estão mas acabam por ser traídos pela depressão de serem uns agarrados. Na verdade é sempre o elefante branco na sala para qualquer um, mas estes guerreiros são os que sentem a cruz às costas, ou as pernas agrilhoadas, e disso superam-se só na sobrevivência. Miles Davis, na experiência funk com jazz demente e rockalhão de Bitches Brew (1969), destroi a sua reputação be-bop. Principal inspiração: heroína. Existe o mito de que Bitches Brew é a colaboração secreta entre Paul McCartney, Davis e Jimi Hendrix, recente compincha da sua Betty Davis.
Isso justifica o facto de ser um álbum com muito anestesiante. A mensagem é quase como a de um grande livro e, por isso, lá Miles Davis aproveita para lidar com ideias sérias e memórias da vida dos blacks na rua. Também Johnny Thunders tinha uma mensagem. A do caos. Fã devoto de Keith Richards - um puritano - e formador dos New York Dolls teve vida de seringa séria. Integrou em The New York Dolls (1973) e Too Much Too Soon (1974) na banda que formou e acaba por sair para formar Johnny Thunders & The Heartbreakers. Parece que foram eles que mostraram as maravilhas da heroína a Sid Vicious. A solo So Alone (1978) é quase um diário de um agarrado. Os anos de loucura rockabilly em NY já eram do passado e levaram à
sua morte, em 1991, em New Orleans, com o corpo em U debaixo da mesa do hotel “como uma pretzel”. Curiosamente os vestígios de heroína não eram suficientes para a tragédia e diz-se que lhe venderam LSD dizendo que era cocaína. Iggy Pop, quando os Stooges estavam já acabados, admitiu-se pelos próprios pés numa instituição mental. A depressão e a droga e o fim da banda matutavam no seu ego e James Williamson, guitarrista e parceiro dos Stooges, pegou nas rédeas do álbum que estavam a gravar juntos. Kill City sai só em ’77, apesar da demo estar concluída já em ’75. Iggy saía do sanatório aos fins de semana para gravar vozes e a heroína mantinha-se na sua cabeça, tanto que o sucesso de Kill City não foi imediato
pela densidade emocional do protagonista. Só com o sucesso de The Idiot (1977), e o mediatismo da ajuda de David Bowie no mesmo, é que Kill City foi desenterrado pela editora. Até lá era só uma banda nas drogas. Agora, há um guerreiro, entre uma banda de guerreiros, que consegue vencer na auto-destruição. Por culpa, também, da heroína esta banda vai gravar para os Barbados, a mando da editora Factory Records, tentando estar livre das drogas para gravar o álbum. Não sabiam os patrões que Barbados é a grande ponte de importação de crack para a América. Percebe-se a desgraça. Esta banda são os Happy Mondays e ...Yes Please! (1992) é o resultado dessa espiral. Shaun Ryder, vocalista, esquece-se de escrever as letras - que
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são o que melhor faz - vive agarrado a essa droga mirabolante, ameaça a editora com as masters na mão e serve de anedota para a indústria. ...Yes Please! é gravado em casa do amigo Eddy Grant, onde se instalaram e onde chegaram a conhecer Mick Jagger que estava lá ao lado, e Shaun vende-lhe a mobília quando o dinheiro da editora finda. Metadona e crack no corpo para se limparem da heroína parece um plano fixe. Apesar do álbum ser bastante bom, misturando dance com rock étnico com sabe-se lá mais o quê, é um flop e a editora Factory Records declara falência. “Cut’em Loose Bruce” é um bom exemplo do seu estado de espírito. Sid Vicious e os Sex Pistols também estão nesta categoria, mas acho que não é preciso dizer nada. Os Meat Puppets com Meat Puppets II (1984) acabam por teorizar aquilo que neste capítulo se fala. Uma mistura de desejo por drogas com nojo é aquilo que nos fazem sentir na abertura “Split Myself In Two”. Punks, rockeiros e turbilhantes, é esse o resultado. Inúmeras reabilitações, instáveis na desgraça e erudição face aos instrumentos, são os gajos que rebentam tudo e depois tudo acalmam com um country decente, como na segunda faixa de Meat Puppets II “Magic Toy Missing”. Os Alquimistas Esta é a turma dos cientistas. Malta que experimenta e cansa o corpo em nome da procura de um ideal. Uns são casos de sucesso, outros de sucesso disfarçado. Se Happy Mondays são considerados os piores dos piores, Spacemen 3 vêm a seguir. Influencia o título deste artigo o seu álbum Taking Drugs to Make Music to Take Drugs To (1990), um minimalismo psicadélico onde o nome do disco diz tudo sobre a sua filosofia. Experimentar, tocar, experimentar para tocar, e tocar sob efeito da experiência. São quase uns frankensteins da cena britânica. Jason Pierce, que depois forma Spiritualized num formato para níveis mais comerciais - não menos sedados - tem em Spacemen 3 a banda de drogados da altura. O não receio em falar sobre o seu uso recreativo espetou-lhes o rótulo e eles espetaram-no num disco. As vozes em Taking Drugs to Make Music to Take Drugs To têm mescalina e arrastam-se e hipnotizam com um noise que lembra os Loop e os My Bloody Valentine e recentemente os Horrors. Spiritualized é a versão mais limpa de Spacemen 3.
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“Punks, rockeiros e turbilhantes, é esse o resultado.”
Limpa nos sons, igualmente séria no tom e nada menos clean em drogas. É isto Ladies and Gentlemen We Are Floating In Space (1997). A estratégia de Jason Pierce acaba por ser a mesma. Impõe-nos o título de um álbum para que o aceitemos quando o estamos a ouvir. Mocado ou não, ele consegue fazer-se entender. David Bowie escreveu Station To Station (1976) na ressaca de semanas sem dormir, numa dieta de pimenta (?!?) para o filme The Man Who Fell to Earth e a cocaína abundava por estas alturas. Lembra-se pouco das gravações para este disco e é das fases onde mais linhas de branca viu na vida. Na verdade qualquer disco de Bowie envolve experiências, tubos de ensaio e tubos com outras coisas. A coca, esse grande revitalizante para o músico. Madman Across The Water (1971) de Elton John não só celebra a vida de um britânico fascinado pela América e pela Sunset Blvd. como acusa os ups and downs de um gajo em quartos de hotel nos 70 a snifar mais do que se permite hoje e a recorrer só ao piano e às letras para resolver tanto as paranóias da branca como a debater-se com a natureza homem-mulher, ou mesmo a pedir para a recepção baixar o nível do vento fora da janela. Os que deambulam por Los Angeles e vivem desde o Inn ao cinco estrelas sabem do que Elton John fala. Serge Gainsbourg no disco Rock Around The Bunker (1975) anda à volta das mesmas linhas, num drama rock quase teatral que serve de balada para tipos deprimidos e apaixonados, ora pelo que têm no bolso, ora pela mulher dos seus sonhos. Alexander Spence, ou Skip Spence como é mais conhecido, é outro luminoso. Guitarrista e fundador dos Moby Grape, chegou a integrar uma formação inicial dos Quicksilver Messenger Service e foi o baterista do primeiro álbum dos Jefferson Airplane, Jefferson Airplane Takes Off (1966). Visto como das personalidades mais importantes no psicadelismo era quase um lunático. Oar (1969) é o seu único álbum a solo e o marco da sua saída da indústria. Oar são umas baladas estranhas, uma voz densa e um conjunto de sons e experiências que quase parece a gozar. Eram panos e panos de LSD se quisermos ver de outra forma. Diz-se que toda a música ganhou com Skip Spence menos ele que andou a saltitar entre instituições mentais.
cima para baixo: Spacemen 3, Happy Mondays
“Os poetas que se drogam para fazer música para se drogarem não são necessariamente os de caneta e caderno na mão, à chuva, numa doca de Viena.”
Os Xamãs Há sempre pontos altos e baixos e qualquer pacifista sabe disso. Mas aqui integra o gang do zen, os que abusaram e cá estão para ter um diálogo coerente. O Ozzy não tanto, apesar de fazer parte desta espécie de lista porque é um super-herói das drogas. Os xamãs são os “na boa” “ok, como quiseres”. É a malta que recusa quando sabe que é melhor recusar e não estão nem aí para posturas ou tradições do rock. Outros nem tanto. Shuggie Ottis faz um dos álbuns mais confortáveis na sua dormência. Voz suave como a seda, funk doce, psicadelismo quanto baste. Deve-se ouvir relaxado, com uma bebida com vitamina C para não haver merdas. Freedom Flight (1971) é a razão pela qual se deve aproveitar com o melhor que se pode uma boa sesta mental. A textura deste álbum insere-o na categoria xamã. É ouvir e perceber porquê a erva e o resto. Esquecemos-nos do álcool, e no fundo não conta. Tonight’s the Night é gravado em ‘73 e nele Neil Young, regado em tequilla, conta como a heroína arrumou com a vida de um companheiro dos Crazy Horse, Danny Whitten, e com o roadie Bruce Berry. Tonight’s the Night só sai em ’75 e é inspirado nesses
acontecimentos. A música “The Needle and the Damage Done” do álbum Harvest (1972) também. Young, sempre confiante nos ideais dos sessenta volta à boa disposição com On the Beach (1974) onde uma mistura entre marijuana e mel aclara a sua visão e, como se percebe na capa do álbum, o vira para horizontes mais vastos e paradisíacos. Limpo há já uns tempos das drogas pesadas ainda prova os resquícios das substâncias em Trans (1982) com uma onda kraut e espacial. Young continua a ser um entusiasta de uma ervinha de vez em quando. Todos os bons o são. Nesta classe dos feiticeiros não pode faltar a tropa de Ozzy. Os Black Sabbath hão de ser sempre A banda de heavy metal. O começo de Master of Reality (1971) é um clássico. Ouve-se uma tossidela e “Sweet Leaf ” dispara com o seu grande riff, um dos 10 mandamentos de Tony Iommi. Esse “cof-cof-cof ” é também de Iommi, num dia em que estava a gravar guitarras e Ozzy passou-lhe uma ganza forte o suficiente para ficar registado o engasgo. O produtor decidiu incluí-lo no início da faixa que é uma ode à marijuana. “Sweet Leaf ” foi gravado com uma grande pedra, por todos os elementos, assegura-nos Tony Iommi. Qualquer álbum dos Sabbath tem drogas no sub-texto, mas a variante stoner de Master of Reality é a que deixa o registo de uma das maiores bandas e mais controversas nas práticas, chegando a ser ponderados como devotos a Satanás. Estar drunfado às vezes assusta, mas a verdade é que nunca antes foi tão cool ouvir uma voz aguda e uma guitarra a fazer o papel de 300 espartanos de tão pesada que era. Trout Mask Replica (1969) de Captain Beefheart & His Magic Band é marado, obscuro, tentador, puzzlesco, impossível de entender. Aquilo que lhe devemos é ouvir o máximo de vezes possível para entender composição com genialidade com todas as áreas da arte no geral em músicas curtas. Drogas para isto... Tudo.
do disco. Os comprimidos levam à sua overdose com uns tenros 26 anos e pode-se especular quanto à maturidade das ideias, não fossem os seus únicos três discos peças primordiais de uma busca interior rara. A depressão, essa feminina e poderosa arma apontada à cabeça, é a causa de muito desastre e Lou Reed sempre a agarrou pela crina. Se os Velvet Underground era uma elite de desgraçados lúdicos, Lou era claramente o seu narrador. Sterling Morrison, guitarrista e ocasionalmente baixista, dizia: “arrastarmo-nos para um precipício... ao menos estamos todos na mesma direcção.” White Light/ White Heat (1968) seria a escolha mais heroinómana, há tipos que têm seringas como recordação oferecida pela banda ao vivo, mas essa poesia dentro do pesadelo da adição vinha muito de Reed e Metal Machine Music (1975), um dos seus álbuns a solo, é não só uma clara afirmação quanto à indústria da música como uma epopeia definidora dos sons explorados no rock futuro. Todo o shoegaze, noise, ftxchtxhhhwahhhtxxx deve-se ao dia em que guitarras encostadas aos amplificadores, a fazer feedback, conversaram umas com as outras sem dedo humano. Poesia, poesia: a morte no Wolf River de um tipo com roupas e botas, incerta se suicídio ou apenas morte pastoral, chamado Jeff Buckley. Grace (1994) tem melancolia e união aos espíritos da natureza. É a chave para este fim que é mais um poema longo até ao último suspiro. J.J. Cale, segundo Neil Young o melhor guitarrista, juntamente com Hendrix, torna Naturally (1971) uma excelente balada longa metragem. Um alpendre, pés esticados, um charro e uma bebida leve e a banda-sonora das noites solitárias a começar às tantas da madrugada.
Os Poetas O problema não são as drogas. A verdadeira essência está na busca e naquilo que resume tudo. Os poetas que se drogam para fazer música para se drogarem não são necessariamente os de caneta e caderno na mão, à chuva, numa doca de Viena. Aqui glorifica-se a pequenez do Homem e elevam-se aqueles que a testam em si mesmos. Nick Drake no seu último álbum Pink Moon (1972) escusa a banda e fecha-se. O seu estado mental correspondia com a beleza de ramelas nas letras e ambientes
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BELAS SEM SENテグ
por JOAQUIM QUADROS
Falar de uma banda rock’n’roll de mulheres é só por si elegante. Prazeroso para qualquer homem detentor desse fetiche estilístico. Não há tantas quanto isso e tem sido uma das nuances mais instintivamente definidoras destas quatro (agora) irmãs de banda: Emily, Theresa, Jenny e Stella. Se virmos bem até os nomes têm a sua fotogenia, tal como no cenário de palco em que reparamos soarem todas perfeitas embebidas na tal espiral sonora enublada que propagam ao vivo. A Aula Magna, o mês passado, está tão próxima como a mágica estreia de fim-de-tarde em Paredes de Coura, suficiente para The Fool se ter tornado um álbum-instituição que lhes valeu um multiplicar-de-sucesso improvável para os três anos seguintes.
Exacto, foi em 2010, e prosseguiram-se
dois anos de digressão com a preparação do segundo disco pelo meio, entre estrada e curtas paragens em casa. “Set Your Arms Down”, “Undertow” ou “Shadows”, até mesmo “Elephants” do EP Exquisite Corpse, foram alguns momentosargumento da entusiasmante neblina psicadélica que firmaram na estreia. Aguardámos-lhes expectantes, este tempo todo, por um irmão mais novo, até que chegou Warpaint e nos fez perceber “ok, estas miúdas não tiveram sorte nem são só banda de tocar ao vivo”. Ao telefone com Emily Kokal perguntei isso mesmo, o que significou para elas toda esta caminhada com um só disco: “É impressionante! Nós não olhamos necessariamente para as estatísticas mas agora que dizes, o que nos aconteceu é enorme. Foi um disco, no espaço de tempo em que bandas lançam 3 ou 4, é muito bom aquilo que conseguimos alcançar com ele”. Só com The Fool (o que nunca é bem “só”) as Warpaint conseguiram elevar-se a uma autoridade que escapa a muitas bandas aplicadas numa dose de esforço extra, muito por causa, acredito eu, da força das canções e por toda a aura especial de serem 4 mulheres a fazê-lo. Assim como as Savages se podem apoderar dessa capacidade nos próximos tempos. Um caso semelhante se virmos bem, mulheres, rock’n’roll (nas suas diferentes fórmulas) e uma forte tendência para deixarem um rasto forte por onde passam. Adiante, “The Fool continua-nos a parecer uma ilha paradisíaca distante, na qual não acreditamos bem se estivemos ou não. É cliché o que eu vou dizer mas: é quase um milagre, ainda bem que nos aconteceu”, diz Kokal em tom de realização à medida que se vai apercebendo do longe que se encontra esse momento. “Ok, 4 anos, agora sim realizei!”. Anos e anos ao lado umas das outras em digressão podem fazer crescer uma banda, aliás, corrigindo, fizeram, definitivamente, crescer a cumplicidade emocional e criativa destas pessoas. Os concertos tornaram-se momentos perfeitos para ensaiar e para melhor conhecerem as potenciais armas de cada uma na altura de compor. “Tornámo-nos uma máquina muito bem oleada auten-
ticamente pronta a escrever e compor canções juntas em quaisquer condições, quer na estrada, quer em estúdio, os nossos instintos alinharam-se naturalmente” assume Emily com algum orgulho e certeza de que esse foi um dos benefícios de não terem parado para trabalhar em Warpaint. A espontaneidade entre elas significou então, neste capítulo, um dos mais românticos virtuosismos da banda. Como extensões umas das outras funcionam em uníssono, tal como acrescenta Emily, “é isso mesmo, funcionamos em jam mas as coisas que saem gravamos, sabes? Como se um improviso em que ninguém sugere isto ou aquilo resulta numa canção, acho que foram quase todas assim”. Agora, em Warpaint, tal como nas próprias Warpaint, há uma representação enquanto banda de 4 elementos com a entrada definitiva de Stella, a baterista que só entrou para a digressão do primeiro álbum. As canções do novo têm a história das 4, tudo o que passaram juntas foi ingrediente na composição e em todo o processo criativo da banda até porque foi gravado durante essa jornada. “Antes éramos só uma banda a começar, percebe isso. Fizemos canções a partir de um ideal de música ou de um ideal de som que quisemos perseguir. Agora não, agora já temos coisas para contar e já somos mais próximas”, tanto como músicas como amigas, o que carnalizou o sentimento ouvido da narrativa de Warpaint. Neste álbum há outra sensibilidade. No momento de hipnose espiritual levitam-se de mãos dadas, as vozes assombradas em melodias atípicas, de Emily e Theresa, dissolvem-se nos instrumentos, e vice-versa, o líquido flui homogéneo em “Love Is To Die”; os sintetizadores de “Hi” cristalizam-se juntamente com o baixo, tudo se conjuga numa só massa. Kokal orgulha-se da produção de Flood, “estivemos sempre a discutir sobre produzirmos nós próprias o disco mas a Theresa é amiga dele e sugeriu-nos. Disse “se fizermos é com ele” e assim foi!” Flood, como quem diz Mark Ellis, um tubarão daí da praça que tem Depeche Mode, Nick Cave, New Order, Pj Harvey entre outros gloriosos brasões no palmarés, o que ofereceu outro cuidado
no primor dos arranjos e na harmonização de todos os elementos. Nada que uma banda de jam, que é o que elas são, no fundo, não ajude bastante com a sua consistência física. “Keep It Healthy” é atrevimento pós-punk embrenhado em pop; “Disco/Very” troca as voltas em versão new-wave preguiçosa groovy mas estranhamente catchy; “Go In” é uma espécie de cântico tribal semi-acústico, mais um apontamento freak; tudo coisas que não pareceram premeditadas e que parecem fazer todo o sentido. “Não conceptualizámos nada, não quisemos fazer nada dentro de um género ou necessariamente estranho. Ainda assim saíram-nos experiências muito peculiares que não esperávamos, isso foi o que nos deu a maior alegria ao fazer este disco”, justifica Emily sobre as estruturas pouco comuns da maioria das canções. Conseguem ser muito genuínas na maradice, não há grande esforço nisso. Aliás, é o que realmente maravilha na experiência deste álbum. Pop sombria dada a poucos sorrisos ou a especial conforto, mas a soar bem que se farta. Se bem que elas não se preocupam com isso, muito menos Warpaint. Miúdas a fazer rock’n’roll é um diminutivo – ou insulto, diga-se – para aquilo que elas conquistaram com os dois melhores discos que podiam ter lançado até à data. Um foi mágico e deu-lhes o mundo, o outro oásis uma bizarramente bonita escalada de qualidade. O Primavera Sound está já aí à porta e, tal como eu disse, é elegante vê-las em palco. Já agora, vai ser bom ter mais uma razão para voltar a falar delas.
25
SALAD DAYS (ABR ‘14 - CAPTURED TRACKS)
MAC DEMARCO
HOW CAN WE BE JOYFUL IN A WORLD FULL OF KNOWLEDGE (MAR ‘14 - PATACA DISCOS)
As duas máscaras
BRUNO PERNADAS O alegre mundo de Bruno Pernadas
Os cocktails, tanto em bares como em restaurantes, são sempre caros. E no fim de um jantar há sempre alguém que exclama “só em cocktails sai x a cada”, referindo-se à parte choruda da conta. Tal como alguém relativiza dizendo “mas soube bem, é o que interessa”. Assim é porque, primeiro levam várias bebidas e ingredientes de toda a ordem, depois porque quem os faz tem que ser alguém especializado que perceba realmente daquilo que está a preparar. Bruno Pernadas é (quase como um) barman do mês. Já lhe conhecíamos a habilidade do que tinha feito ao lado de João Correia com os Julie & The Carjackers, não lhe imaginávamos era tamanho maremoto criativo como How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge – trabalho de estreia a solo. Combo irrepreensível na explosiva provocação dos mais esquizofrénicos convívios. Afirmação de que hip hop e tropicália podem dar as mãos (“Huzoor”) no esplendor de todo o seu exotismo. O que só se pode fazer de mestria e não de ímpeto aleatório. Ou que, sem vergonha alguma, há empatia pacífica possível entre o afro-beat de “Ahhhhh” com a soberba miscelânea psicadélica de camadas de riffs em “Guitarras”. Já a jam jazz-pop de “Pink Ponies Don’t Fly on Jupiter” reflecte a escola que tanto lhe deu. Aqui compõe-se com a premissa de mas-afinal-que-saborcom-sabor-é-que-ainda-ninguém-experimentou. Mas oiçam: nada disto sem a versatilidade do pequeno génio faria sentido. É curioso perceber que Bruno Pernadas arriscou mas parece ao mesmo tempo que não lhe custou assim tanto. Moral da história, se ouvir isto não conduza, mesmo sabendo que entra que nem sumo, que vai com certeza. Como qualquer cocktail bem feito. Joaquim Quadros
4.5/5
MORNING PHASE (FEV ‘14 - CAPITOL/VIRGIN EMI)
BECK Lágrima escusada
Em 2012, com Song Reader, Beck regressa e incorpora um dos projectos mais arrojados na música: um álbum em forma de partitura para ficar na imaginação dos seus amantes e nas salas de ensaios dos performers curiosos. Passados dois anos Morning Phase chega, menos complicado de se entender, e no formato tradicional. É revestido de melancolia. A uniformidade do sentimento, tanto nas letras como nos sons que usa, penso que venha no pós perda. A manhã não é o fim e sim o renascer, e Beck é um conformado em vez de um pessimista desgostoso em Morning Phase. Este disco é mais a recordação de um apaixonado e por isso talvez seja muito difícil de penetrar a sua intenção de o deixar assim tão a nu. Sem especulações ou tentativas de explicação, não é o melhor de Beck. Quase que se pode dizer que é daquelas coisas a que um destroçado recorre nos piores dias, e onde deprime, mas que se esquece quando volta ao optimismo. Ou como um horóscopo. Só lá vai quem está a precisar de respostas. A incoerência do disco está no facto de “Say Goodbye”, “Blackbird Chain” e “Waking Light” estar misturado com o resto das músicas. São três muito boas canções, músicas, malhas, o que lhes queiram chamar. Dá vontade de pensar no disco como se só de três faixas se tratasse. São filhas de Harvest de Neil Young com pingos de Beck, obviamente, com o “Rocket Man” de Elton John. Três tipos habituados ao confessionário. Agora, o resto são lamechices. Percebe-se que existam, mas são só lamechices.. GP
3/5
Mac DeMarco tem uma faceta satírica e outra melosa. Mac DeMarco já tem um som característico e não foge dele. Mac DeMarco tem um espaço entre os dentes do meio e ao mesmo tempo consegue ter a voz de um tipo que tem muita coisa para dizer. Mac DeMarco consegue levar-se pouco a sério e fazer odes a tudo do mais banal que exista no nosso dia-a-dia. Tudo isto num diálogo entre o intérprete e a guitarra. Se 2 (2012) é o disco onde a variação de tons nos envolve numa onda de fumo dos seus cigarros Viceroy, misterioso e galante, Salad Days dá-nos a mais romântica parte do seu ser. A expressão remete aos dias tenros, à ingenuidade. Costuma-se usar salad days para falar da altura em que o Homem anda mais deslumbrado e virgem de percepções e é neste terceiro disco que DeMarco relembra as ideias do passado. Mais sensual e menos tentador, Salad Days cumpre e satisfaz os aficcionados pelo auto-intitulado jizz jazz de Mac que é sim um som mergulhado tanto nos 80’s como no uso de tons e trémulos que nos distorcem as cores dos olhos. “Brother” é dementemente apaixonado e “Let My Baby Stay” também o é mas numa vertente mais Lagoa Azul, de calções, ao lado da sua namorada, com a caipirinha, que ele nunca bebeu, nas mãos. Por um lado o disco pode parecer do mesmo registo que 2. Por outro é uma proeza ser tão bom quanto o anterior e no fundo não há grande mal em seguir linhas de raciocínio visto que DeMarco tem uma tão própria. Cansado de um ano inteiro em digressão defende que simplesmente quis manter o mesmo vibe. “Chamber of Reflection” é uma versão de “The Word II” do japonês Shigeo Sekito e DeMarco escolheu-a bem porque é totalmente tarada e melódica como gosta. Um disco de olheiras bem-dispostas, Salad Days é mais um incrível livro de poemas de um gajo que tanto sabe fazer rir como cortejar, como embriagar numa sonhadora “Johnny’s Odyssey”. Gonçalo Perestrelo
4/5 26
HOOK
DANCIN’ WITH WOLVES
(MAR ‘14 - LOVERS & LOLLYPOPS)
(FEV ‘14 - BURGER RECORDS/REDEYE MUSIC DISTRIBUTION)
KILLIMANJARO
NATURAL CHILD
PANASONIC EP
Há lugar para a adoração metaleira cá
Qualquer gajo que queira fazer música pesada tem de se agarrar ao riff. Palavra tão boa e clarividente que quase cai no uso excessivo, e mesmo assim aqui pode-se dizer que há riff. Os Killimanjaro estão habituados a tocar ao vivo. Lá consideram-se mais satisfeitos. Só que neste primeiro trabalho de estúdio usaram o caldeirão certo, rechearam-no com o número indicado de linhas de guitarra, sem escusar suas variações e harmonias clássicas do heavy, e são automaticamente colados na parede dos tugas a fazer esta merda como ela deve ser. Têm os tempos trocados. Versos a abrir que vira lento e dá boa ponta no refrão aberto e duro. Uma atitude vocal difícil de ficar pirosa e no fundo uma estreia filha da mãe. Façam-se mais festivais com bom pesadão em Portugal e os putos são cabeça de cartaz tarda nada. Para primeiro álbum têm maturidade para não cansar em certos virtuosismos, e o arrojo profético de arrastar mais os riffs que - lá no fundo - queremos ouvir durante um minuto ou dois. “se puder ser.” A primeira música “New Tricks / Old Dog” é devota dos bons Sabbath quando quebra aquilo que até lá era uma trashalhada. “Howling” a música mais quebra-cabeças por tocar tanto em surf-de-polpa como num pesado e 90’s hard rock como depois numa sonoridade - pode-se já dizer Killimanjaro. A sua adoração por Graveyard é evidente. Pouco comparados, os Graveyard é sim a banda chave para perceber a boa comunhão-com-sinal-metalcornudo que Killimanjaro abraça tão bem. Hard rock sem merdas. Lá de cima. A berrar com uma mão levantada Hook e com a direita a pegar a palheta para esgalhar a 4 mãos “Shortie”, por exemplo. GP
(MAR ‘14 - DONKY PITCH)
THE RANGE Ser geek também requer talento The Range é daqueles típicos produtores que vão lançar álbuns e passar despercebidos. Aliás, o próprio Stuart Howard é dos que passa despercebido por si. The Range, nome sob o qual se edita, é provavelmente do tipo geek que se escondeu de head phones atrás de um portátil durante todos os intervalos do secundário. Abençoada a hora em que canalizou o tempo em aprimorar-se no beat-making em vez de o desperdiçar a preocupar-se com possíveis bullies que lhe molestariam uma faixa inacabada. A obsessão por hip hop define bem o seu gosto e os pontos de partida das suas produções. Com Nonfiction, primeiro LP, já o tinha deixado bem esclarecido, Panasonic então reforça o óbvio. Ainda assim cabe ali o r’n’b que já tínhamos persentido, “Sony” é o melhor exemplo, não fosse a sua editora bem à moda inglesa, como ainda há espaço para o dub step que tanto estimulou a criatividade desta nova vaga de gente-abrincar-ao-Ableton-Live-no-quarto. The Range é manipulador nato na hora de fazer mexer corpos mas consegue também hipnotizar-nos quando os synths paranoicos entram em loop e nos reviram as noções de tempo ao contrário. Artesão primoroso na construção do detalhe, coleccionando dezenas de excertos vocais que insere, aqui e ali, em corte e costura perfeitos. “Two” trá-lo com Fly Lo bem estudado, a comunicar mais cá para fora numa experiência bem trilhada, em câmara lenta, “Tricky Pose” é jam serena, mais espiritual, pelos lados de maior hipnose de um Oneothrix Point Never. É por ser dual nas abordagens, por vezes em simultâneo, que suscita tanto interesse. Uma espécie de bipolaridade exemplar, portanto. JQ
4/5
Lobitos que tocam em bares
Os Natural Child exploram em Dancin’ With Wolves a natureza do country de uma forma que os podia pôr no lugar de uma banda de rodeo. Habituaram-nos a malhas bluezadas e rockeiras que se assemelhavam mais a Stones e agora lançam um disco que mais parece de uns bigodes brancos a tocar no canto de um café pelo meio de Nashville. A verdade é que eles têm bigode, longe do branco, e sim quiseram um som que os levasse para os longos jams dos 70, quando as bandas se estavam quase a cagar para os nomes que davam às músicas e o que valia era mesmo o tipo que bebesse mais shots de whiskey e malhasse o seu doodle com maior eficácia. Arriscaram o couro e alguns dizem que se estão a encostar à adoração da música popular. Por aqui vê-se um grupo de trangalhadanças que quis curtir à brava o ambiente relaxado da música, com poucas pretensões, numa de ambientar só o pessoal. “Don’t The Time Pass Quickly” é uma cowboyada a falar de quecas e “Bailando Con Lobos” uma cowboyada com virilidade de quem não tem grandes medos de ser circulado por feras ou ameaças. “Firewater Liquor” contraria, com os teclados ácidos, a imagem do início do disco e o que tem de rockabilly tem de quase psicotrópico. Os momentos variam em Dancin’ With Wolves. Tem paixão foleira, atitude masculina e alturas em que serve só estar sentado com um copo na mão e deixar rodar malhas como “Rounder” que nos faz sentir o campo americano, quente e de sol na cabeça, mas profundo e inspirador. “I’m Gonna Try” é uma declaração e uma proeza no flow. Diferente, mas igualmente obrigatório para os dias em que se precisa de alguma coisa para aguentar as temperaturas altas. GP
4/5
4/5
O que é feito dos The Men?
TOMORROW’S HITS (MAR ‘14 - SACRED BONES)
THE MEN
Por norma protejo a ideia de que haverá sempre motins de palco, a soar assim ou assado, tudo bem, mas com guitarras ensurdecedoras ad aeternum e que ninguém vai ter que se preocupar com a sobrevivência disso. Nessa pasta, sem margem para enganos (achava eu), os The Men eram malta que me confortavam desse lado da barricada. Os catraios de Immaculada (2010) e Leave Home (2011) que se entregavam à mais sangrenta faceta do punk, em portentos noise, caóticos, de fibra maior que o cosmos. No entanto tem sido uma evolução estranha, visto que em Open Your Heart (2012) canções como “Country” ou “Candy” nos faziam inclinar o pescoço em gesto de desaprovação. Induções a desaguar no country ou em baladas blues de salão sugeriam alguma perplexidade para quem lhes conhecia os discos anteriores e, mais ainda, para quem os tinha visto em palco. Enfim, safavam-se rasgos como “Cube” ou “Animal” que remetiam ao passado. No entanto, New Moon (2013) corroborou o passo ao lado e tornou oficial, os The Men estão-se a cagar para aquilo que realmente lhes valia: o tesão rock’n’roll. Meio álbum dizia que sim, mas a primeira metade dizia que não. Tomorrow’s Hits, o último lançamento, é redenção total à nova identidade da banda. O cliché das linhas de guitarra americanadas de “Get What You Give” enjoam – ripados do “Satisfaction” ainda para mais –, não são estes The Men que nós conhecemos. O solo então prevê-se à distância. Os teclados perfumados não batem ali certo, os saxofones muito menos, tudo o que faz de “Another Night” uma das maiores atrocidades vindas dos putos raivosos de Immaculada. Aproveita-se “Pearly Gates”, cançãozorra, com o aguerrimento nos calcanhares do que nos habituaram. Mesmo assim, no pescoço de Mark, o vocalista, não se vê uma veia saliente, ouve-se antes, em voz gentil, “settle me down my love/settle me down my love”. Alguém me explique… JQ
2.5/5
UNDERNEATH THE RAINBOW (MAR ‘14 - VICE RECORDS)
BLACK LIPS Putos como sempre
Já passaram mais de uma década a lançar discos, já foram enxotados de muitos bons palcos pelo excesso de sexo-drogas-e-rock’n-roll explícito, já foi tempo e estrada suficientes para se cansarem da má vida. Seria um dia negro para todos nós, isso acontecer. De luto tão negro como esse batom que apregoa esta trupe de Atlanta. Mas podemos descansar que, Seja Mark Ronson, seja Patrick Carney (The Black Keys) a produzilos, eles vão sempre soar ao que interessa: a Black Lips. Pegue neles quem pegar não vai conseguir orientar a fúria de garagem para estádio. Longe desse sacrilégio. As malhas saem naquele estado bruto de guitarra à 60’s – os Stones andam por perto, oiça-se “Drive By Buddy” ou “I Don’t Wanna Go Home” –, o Southern empoeirado e o punk fresco corre nas veias com o mesmo sorriso parvo de adolescente com que se preocupam, esse sim, em manter. Aliás, o que mantêm só por si, por serem quem são. Black Lips ou mesmo Good Bad Not Evil continuam perto e presentes, é o que pretendem dizer com Underneath The Rainbow. “Make You Mine” é o hino flirt de verão (haja bailes de garagem para o efeito!), “Boys In The Wood” é bebedeira-bluesy tocada no jardim de casa e “Justice After All” seriam os The Monkees com Micky Dolenz jardado em Valium. Não há canção passível de deitar fora, mesmo a mais preguiçosa “Funny” e a enfurecida “Do The Vibrate” rebelião contra a dependência-febril dos telemóveis de última geração. Há bandas no rock’n’roll que foram feitas para não falhar. Podem crer que os Black Lips são uma delas. A nossa sorte é essa, não há maneira de crescerem. JQ
4/5 27
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