8 NOV M u s i c b o x : TÓ TRIPS
9 NOV C o l i s e u d o s R e c r e i o s : PIXIES
9 NOV M u s i c b o x : GALA DROP+ TEREKKE+ JONAS REINHARDT
14 NOV C C B : SCOTT MATTHEW
KING GIZZARD AND THE LIZARD WIZARD
15 NOV
“Epidemia LSD na Austrália” diziam as notícias há uns dias. Mentira, mas podiam ter dito. Wolfmother, Tame Impala, Pond ou Jagwar Ma já tinham aberto o precedente de que, em estúdio, não se entra sem o corpo dormente e ideias flutuantes. King Gizzard and The Lizard Wizard são um abençoado efeito colateral. Stu Mackenzie e Eric Moore são artesãos-mor de valentes tripadeiras em formato canção. Psicadelismo em bruto, depurado, capaz de derreter montanhas, assente em sujidade de garagem propagada pelo deserto. Float Along – Fill Your Lungs é o álbum-motivo mais recente para lhes porem os ouvidos em cima. “Head On Pill” é experiência sónica insana mas de mente bem sã. E feliz. No nervo kraut há Thee Oh Sees e nos The Black Angels descobriram o vácuo instrumental perfeito, esta gente de Melbourne não brinca. Seja lá essa poção mágica qual for, guardem a receita bem guardada.
NOITE DO ORFANATO A noite do Orfanato não é para ler. É para rebentar. Inaugura-se/amos com a comparência bastarda a nossa primeira meia-lua que vai ser profunda com Éme/ banda e depravada punk com os The Glockenwise: a tocar o 1º dos Ramones. Pró fim Orfão Djset. Entrem bêbados!
GAP DREAM Gabriel Fulvimar é um dos novos pontas-de-lança da Burger Records. Ou pelo menos vai ser. Chamem-lhe Gap Dream. Sítio secreto que gosta de chamar ao espaço entre o sonho e o real que cria no seu quarto. O da sua cabeça. Dreamy é mesmo o adjectivo indicado para descrever a música deste tipo. Fantasias entre a cave e os astros, onde os riffs sem pedais não têm qualquer hipótese. Preguicite americana, cerveja e um ou outro ácido (sim, continua a ser ingrediente), a gerar harmonias de vozes abandalhadas e sintetizadores cintilantes com fartura. Pop-glamorosa-deslavada fruto de uma possível fusão química entre Kinks e Animal Collective. Ora oiçam lá “Fantastic Sam” ou “Chill Spot”. Um recreio perfeito onde Fulvimar se sente confortável a cantar sobre o que lhe apetece. Mais um daqueles loucos contagiados pelo síndrome-Barrett que diz que todos nós é que o somos. Não ele. E isso é divertido só por si.
THE RANGE Os novos produtores, os dessa vaga pós-dub-qualquer-coisa-sub-género-qualquer-coisa, têm a mania que manipulam. O nosso azar é que manipulam mesmo. Texturas emaranhadas e samples desorganizadamente arrumados a primar pela beleza do caos. Colector de vários excertos vocais que pesca no YouTube e reproduz em loops. Paisagens imprevisíveis que tanto se dançam como se pensam. Erupções que nunca acontecem, os picos esperados que não aparecem, ou meros solavancos que nos tiram o tapete. Enfim, somos puras marionetes nas suas mãos. Estranho é gostarmos desse desconforto. Doentio ou não, James Hilton chama Nonfiction ao seu disco de estreia. A viagem no lugar da narrativa, onde o UK Garage, hip hop, R’n’B e beat-makings da vida em expressão própria, fazem deste gajo um novo prodígio. Um americano de 25 anos, de Rhode Island, embora seja pela inglesa Donky Pitch (faz sentido, e aproveitem para espreitar o catálogo!) que se estreia. Ah, ele chama-se The Range, percebem agora?
M u s i c b o x : ÉME+ THE GLOCKENWISE+ ÓRFÃO DJ SET
22 NOV M e o A r e n a : THE NATIONAL
27 NOV Z D B : JARBOE
27 NOV T M N a o V i v o : THESE NEW PURITANS
29 NOV V o d a f o n e M e x e f e s t : SAVAGES+ WAVVES+ JOHN GRANT+ JOHN WIZARDS+ JUBA+ etc...
30 NOV V o d a f o n e M e x e f e s t : MOONFACE+ ERLEND ØYE+ TAPE JUNK+ LOS WAVES+ DISCOTEXAS PICNIC+ etc...
PALEHOUND
30 NOV
Quando os 90’s acabaram ela tinha 6 anos. Agora tem 19 mas pelos vistos, Ellen Kempner, foi estudar bem a matéria dada. Entre Pavement, Liz Phair e Breeders está lá de tudo. Anos adiante, 90’s fora, uma inciante Scout Niblett ou a tristeza de uma Sharon Van Etten bem à flor da pele são genes que não deve negar também caso confrontada. Guitarras não-se-faz-nada-hoje e emoções acinzentadas a tocar para dentro (em câmara-lenta) aqueles que são os seus problemas de adolescente são argumentos suficientes para voltar à flanela. Palehound é o seu nome de palco e conta com um novíssimo EP de nome Bent Nail. Como sugestão ficam canções como “Psycho Speak”, balada sentimentalona com sentimento grunge-acústico, ou “Pet Carrot”, o cartão-de-visita para o universo onde Ellen encarna os seus heróis de forma mais assumida mas não menos bem feito. Provavelmente não vamos ouvir falar assim tanto dela, a verdade é que há ali qualquer coisa que soou bem. Numa altura em que ninguém reinventa os 90’s com pinta…pode ter sido só isso.
B a r r e i r o R o c k s : MARK SULTAN (BBQ) + VICTOR TORPEDO SHOW+ NICOTINE’S ORCHESTRA+ etc...
MARVIN GAYE NA VOZ
JOHN MCENTIRE NA BATERIA
Porque tanto sobe ao Divino como desce ao Carnal, conseguindo um versatilidade temática invejável na hora de interpretar as canções deste Sonho Molhado. Ninguém nunca cantou ou cantará como ele.
Tropical, jazz, dançável, rock. E sabe ser pesado sem ter o pé pesado.
SWEET INSPIRATIONS (coro) O coro da Aretha, Dusty ou Elvis. Perfeitos para jogar à apanhada com a voz principal. ROBERT FRIPP NA GUITARRA SOLO Guitarras cerebrais e gélidas para conseguirmos um bom equilíbrio com a fogosidade gigante das vozes. DAN BOECKNER (guitarra ritmo) Suor no palco e poucos pedais de efeitos. LINDSAY BUCKINGHAM (guitarra ritmo)
THELONIUS MONK Tocaria apenas um prólogo e um epílogo, a solo. VICTORIA LEGRAND NA VOZ E TECLADOS Ficaria muito bem do lado direito do palco, headbanging. JIM O’ROURKE (electrónicas) A ideia era ele fazer o papel do Eno nos Roxy Music, mas o mais provável era dizer que estaria muito ocupado a aprender a cortar sashimi em Tóquio e não teria tempo para vir tocar com um Marvin Gaye ressuscitado. NICO NA PANDEIRETA E VOZ
Idem.
Porque a banda tem que ter estilo. E alguém tem que comprar droga para o Marvin.
KRIS NOVOSELIC NO BAIXO
ALICE COLTRANE NA HARPA
Porque é o melhor ser-humano de sempre e é preciso alguém para dizer umas piadas entre as músicas.
Essencial. E quero ver a Joanna Newsom a chorar na zona Vip. AMÁLIA & ANTÓNIO VARIAÇÕES (vozes convidadas no encore) Para uma versão bilingue da "Canção Do Engate"
de PEDRO RAMOS (Radar)
ROXY MUSIC - “COUNTRY LIFE”
PROMISCUIDADE EXPLÍCITA
Todo o glam do disco ficou para as colunas. Na capa, apesar da marotice, acontece que só o eyeliner corresponde. No entanto são estas duas “Valquírias”, nas palavras do estilista Anthony Price que estava com Brian Ferry e o fotógrafo Eric Boman num bar português onde descobriram as alemãs Eveline e Constanze, que fazem valer um o “ai meu deus” da primeira e o “não as vês apesar de serem boas” da segunda. Filtra pouco esta capa...
MENÇÕES HONROSAS
SKY FERREIRA
ROLLING STONES
ORANGE GOBLIN - The Big Black -
- Aquiring The Taste -
Pode ser prematuro chamá-la fruto de uma fusão Madonna-Blondie. Tem a beleza deslavada duma, o desvairo de outra e anda nas bocas do mundo. Falar em promiscuidade explícita sem referir a capa mais nua da indústria dos últimos meses seria imprudente.
Tem o cunho de Warhol. Ok. Mas é o mastodonte que sobressai e só aí podemos encontrar o nome do álbum. Foi feito para ser impossível não reparar naquilo que tapa as virilhas significando, nesta nossa cultura de ocidente, a virilidade máxima do gajo que veste as calças. Achou-se, propositadamente talvez, que era Mick. Não é. Foi censurado? Foi. Muito. Mas cá permanece como uma das capas mais erradas e fixes de sempre.
Podia perfeitamente ser a miss Novembro no calendário dos mecânicos em Saturno. A falta de jeito propositado, supõe-se, para tudo na capa não a afasta nem um neutrão de ser uma eficaz playmate azulona e motoqueira que veio para entreter os pesadões metalões desta galáxia.
Esta língua, bem mais explícita que a dos Stones, está sedenta de algo. Maluca e depravada por uns montes mesmo em baixo. Os montes têm uma tez única e só podem ser duas coisas: um belo rabo a sofrer das pingas que vêm da boca do gigante, ou uma pêra. É um fruto, se abrirmos o booklet. Porém, até tiradas as conclusões, será sempre um ânus lambido.
- NIGHT TIME, MY TIME -
- Sticky Fingers -
GENTLE GIANT
5
THE DOORS SEM JIM MORRISON - AS OUTRAS VOZES Vamos direitos ao assunto… O carismático Jim Morrison, vocalista dos Doors, morreu a 3 de Julho de 1971 em Paris. O cantor decidira fazer uma pausa na banda após as gravações de L.A. Woman, em Março de 71. Ruma com a companheira Pamela Courson para a capital francesa, onde ambicionara ser escritor, aproveitando ao mesmo tempo para recuperar de uma vida de excessos. Nada disso aconteceu. O Rei Lagarto continuou a consumir álcool e drogas. No seu apartamento em Paris, encontrou o destino final. Morreu na banheira do seu apartamento, supostamente devido a um ataque cardíaco. Tinha 27 anos. por TIAGO CASTRO
A notícia do desaparecimento do mais polémico e arrojado frontman do rock chocou fãs em todo o mundo, os mesmos que poucos meses antes tinham adquirido L.A. Woman, um álbum que ironicamente revelava os Doors com enorme vitalidade e criatividade. Sem Jim Morrison, tudo indicaria que os Doors terminassem ali. Porém, a história do grupo de Los Angeles tem um twist inesperado e que muitos tendem em esquecer. A verdade é que a banda continuou. Os três músicos sobreviventes, John Densmore, Ray Manzarek e Robby Krieger editaram não um, mas dois álbuns como trio. E não foram álbuns póstumos, recuperando gravações de Jim Morrison. Não! Os restantes Doors assumiram as vozes das novas músicas assim como um novo ciclo da banda. Estranho? Sim, muito estranho! Não é assim tão anormal o que os Doors fizeram. Existem alguns casos semelhantes na história da música popular, uns com mais sucesso que outros. Por exemplo, os Genesis continuaram sem Peter Gabriel. E com Phil Collins ao microfone viriam a alcançar estatuto de banda de estádio. Os AC/DC também seguiram em frente após perderem Bon Scott. Mas recuperaram com Brian Johnson, vocalista que perdura até hoje. Existem outros casos, como os Van Halen, Black Sabbath, Iron Maiden ou Deep Purple. Mais recentemente tivemos o regresso dos Alice In Chains que encontraram em William DuVall força para continuarem após a morte de Layne Staley em 2002. Algo de parecido aconteceu com os Queen, quando Brian May e Roger Taylor se reuniram com Paul Rodgers. O novo fôlego dos Queen deu origem a um álbum de estúdio e três ao vivo. Mas nenhum destes exemplos se compara ao dos Doors, simplesmente porque era Jim Morrison que levava o grupo por caminhos nunca antes explorados. Eram as suas letras oníricas que puxavam os limites dos restantes músicos, que então deixavam de ser simples executantes de blues, para ficarem possuídos por espíritos de outras eras. Era a sua entrega à canção, como se estivesse a recitar o último poema da sua vida, que transformou os Doors em grupo de culto. E claro, foi a sua postura em cima do palco que alterou para sempre o paradigma do que devia ser um frontman, um líder de uma banda rock. Jim Morrison era único e apesar das muitas falhas, com um egocentrismo agudo e que provocava a vida de excessos que levava, ele era de facto a porta para outra dimensão, mas que só abria com a ajuda dos restantes companheiros de banda. E é quando este equilíbrio falha que o novo rumo dos Doors em 1971 chega a ser insultuoso. Mas em defesa do grupo, há que dizer que a editora Elektra também tem culpa pela existência de mais discos de estúdios dos Doors após a morte de Jim Morrison. O cantor podia estar a viver em Paris, mas Densmore, Kireger e Manzarek continuaram a tocar e a compor, esperando em breve gravar novo registo com Morrison. Mas a sua morte só acaba por acelerar o processo. A editora Elektra, sabendo da existência de novas canções e querendo aproveitar o momento em que Morrison persiste no consciente de todos, insiste para que os temas sejam terminados e gravados. Seriam as outras vozes do grupo a substituir Jim Morrison, neste caso Robby Krieger e Ray Manzarek. Em Outubro de 1971, apenas um par de meses depois da morte do Rei Lagarto, a Elektra edita Other Voices, o sétimo álbum dos Doors. E se num primeiro momento até parece que nada mudou, poucos segundos depois de ouvirmos o som habitual do grupo, com bateria, guitarra e órgão no tema In the Eye of The Sun, entra a voz de Ray Manzarek. E aí sim, percebemos que estes são outros Doors. Algumas músicas de Other Voices foram mesmo ensaiadas com Jim Morrison e talvez por isso o feeling ande próximo do blues
xamânico de L.A. Woman, por culpa também da participação do mesmo produtor, Bruce Botnick. Mas na sua grande parte, em Other Voices, o blues é apenas vulgar, com alguns apontamentos de realce, aqui e ali. E se a voz de Manzarek ainda é tolerável, o mesmo não se pode dizer da do guitarrista Robby Krieger. Apesar das críticas óbvias, o álbum não foi de todo um flop comercial, posicionando-se na tabela de vendas em trigésimo primeiro lugar. Talvez por isso mesmo, o trio sobrevivente dos Doors tenha decidido gravar novo disco. Aconteceu pouco depois, em inícios de 1972, com o grupo a expandir o som para territórios mais jazzísticos e com vários músicos de estúdio a ajudarem. Mas quando Full Circle chegou, em Julho de 1972, os Doors já não eram tão populares e há muito que tinha passado o efeito de benefício da dúvida. O segundo álbum sem Jim Morrison ficou-se pela posição 68 do top americano. Mesmo assim, os Doors arriscaram uma digressão pela Europa durante o resto do ano. De regresso a casa, o grupo ainda considerou procurar um vocalista para os próximos álbuns, mas Ray Manzarek, tomado finalmente pela razão, decide sair e dessa forma os Doors terminam oficialmente, dois anos e dois discos depois da morte de Jim Morrison. A banda viria a ter outras vozes no futuro, seja através da reunião com o fantasma do Rei Lagarto, no disco (esse sim) póstumo An American Prayer de 78, seja noutras reuniões ocasionais, como o extraordinário especial da VH1 Storytellers, em 2000. Nesse espectáculo, as histórias dos três sobreviventes cruzam-se com actuações de clássicos dos Doors com as vozes convidadas de Perry Farrel, Travis Meeks, Pat Monahan, Scott Strapp, Scott Weiland e Ian Astbury. Aliás, o líder dos Cult, muito semelhante fisicamente a Jim Morrison, chegou a estar na shortlist de Oliver Stone para o filme The Doors – O Mito de Uma Geração de 1991, perdendo o papel para Val Kilmer. Mas Astbury acabou mesmo por personificar Morrison, quando se tornou numa das vozes do grupo, quando Manzarek e Krieger decidiram fazer-se à estrada, apelidados como The Doors of the 21st Century. Regressando aos álbuns Other Voices e Full Circle, eles foram durante muito tempo esquecidos. Não só pela banda, mas pelos fãs e pela indústria, à medida que Jim Morrison se foi transformando, nas décadas a seguir à sua morte, numa figura quase lendária e mitológica. E quando a era do digital nos deu os álbuns dos Doors em formato CD, aqueles dois registos permaneceram longe do olhar do grande público, existindo apenas no seu formato original em vinil. Surgiram algumas edições é certo, de selos discográficos mais obscuros, mas nenhuma verdadeiramente oficial. Isso só veio a acontecer em 2011 e apenas em formato de download nas lojas de música na internet. Apesar de tudo e até de se notar um claro aproveitamento do nome The Doors, é preciso aplaudir Manzarek, Krieger e Densmore pela coragem com que se atiraram a esses dois álbuns. Soaram a Doors sem imitarem Morrison, mantendo o equilíbrio entre o misticismo e o blues que sempre marcou a sua carreira. E para o bem e para o mal, aqueles dois discos vão para sempre fazer parte da história dos Doors.
“Soaram a Doors sem imitarem Morrison, mantendo o equilíbrio entre o misticismo e o blues que sempre marcou a sua carreira.”
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Ela
tinha uma fixação estranha pelos figurantes dos musicais e mais fora do que isso só mesmo pela sua colecção de primeiros exemplares. Já tinha começado em miúda e quando fui pela primeira vez a sua casa arrefeci a curiosidade por não ter compreendido o porquê de só existir o volume dos índices das enciclopédias, os tutorais das sopas das colecções de culinária, o volume primeiro dos contos do Kafka ou do Tchekhov ou da Sophia ou mesmo das Mil e Uma Noites, ficando a achar que afinal não percebia nada de literatura como mostrava. Quanto aos figurantes havia um regozijo quase demoníaco em vê-los atrás do actor principal, a ser melhor que ele em qualidades de cantor e dançarino e a superá-lo, também, em vontade de ali aparecer. Menos o cheque, mais a oportunidade. Uma justiceira do submundo, esta Françoise. Quando decidíamos cagar para toda a gente, e para os programas colectivos, só vinho e copos altos e adivinhas que interrompiam os filmes e a manta sobre qual a verdadeira rapidez da queda de uma árvore que levou com chuvada e ventania apocalíptica em Outubro. Eu via-a a desfazer-se aos bocados, cuidadosa em não matar uma pessoa pelos cornos. Ela acreditava segura e pertinente que desabaria, para um dos lados, de uma vez, essa árvore em queda hipotética que Françoise, patética, preferia ver morrer assim, em exagero como ela. Ainda sozinhos, comigo a mandar manguitos mentais a todo o gajo que não a tem, a cantora vê que as escadas de incêndio do seu prédio, onde se pode ver que estamos, são one step closer de Brooklyn. Encostávamo-nos com um degrau de diferença um no outro. A música das colunas da sala chegava lá e ninguém se queixava, muito menos nós. À partida. Vinha pelo corredor, chegando a ouvir-se na casa-de-banho, a segunda faixa do segundo álbum, opostamente à sua
colecção de "primeiros", de uns chilenos chamados Aguaturbia. " A primeira vez que ouvi isto foi contigo. " disse a meio de uma respiração lenta de quem tem nas traseiras do prédio aquilo que queria. " Eu sei." sabia sempre. " Tens uns quantos 'primeiros' na minha colecção." " Primeiro orgasmo de jeito?" " Hum..." quis negar. "Heartbreaker" dava, mais lenta do que a lembrava. A vocalista da banda era uma gaja com pinta de fodidona à setenta. Respondia com facilidade, ouve-se logo, e Françoise era um bocado como ela. Acontece que naquela noite estava menos numa de elogios e preces. Ambos estávamos, acho. Sentia-me mais como o chão das escadas de serviço que lembravam a chuva da semana anterior com umas manchas subtis de água destilada nas calças de quem lá se enfiasse. " Não sou a tua primeira? Assim de verdade, como dizias antes?" testava-me. " Quem colecciona inéditos és tu lady..." “ Sim Lucas..." não era de grandes afirmações, apesar de defender os figurantes. Deixei-me estar como quando lá cheguei. Françoise num "bem, já estou com frio" esqueceu rapidamente que tinha a América no parapeito e voltou à toca. Lá fora só eu e o resto da segunda faixa do segundo álbum daquela banda chilena. Acompanhado pelo vinil e pelo cigarro que ia a meio só me vinha "porra Lucas para o teu feitio". Tão protagonista a criar conflito e no entanto tão figurante da cabeça aos pés por ser incapaz de lhe reconhecer seja o que for.
por GONÇALO PERESTRELO www.mendigoretro.tumblr.com
AGUATURBIA “Heartbreaker”, de Volumen 2
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Portland/Lisboa Lá fora chove copiosamente, daquelas noites em que a acolhedora Lisboa se torna insuportável. Nesta cidade, gloriosa ao sol, as tão pitorescas ruas íngremes com passeios de calçada portuguesa são um pesadelo quando cai mais que um bocadinho de água. No palco, a moça que canta, munida de uma guitarra eléctrica, está de sandálias com meias. E t-shirt. Novembro de 2006, Santiago Alquimista. A moça que canta chama-se Laura Veirs, e vem acompanhada de um baterista, Tucker Martine, que também lhe produz os discos e que também a namora. Perderam-lhes malas à vinda de Portland, Oregon, para essa estreia ao vivo em Portugal, pelo que faltam os pedais, as camisolas e os sapatos. O concerto foi poderoso. As canções passaram sem esforço entre os dois e os (demasiado poucos) que tinham enfrentado a intempérie para os ir ouvir. (Vivendo em Lisboa ficamos mariquinhas com a chuva, que se torna pretexto para ficarmos em casa com demasiada facilidade e frequência.) Vinham ainda apresentar Year of Meteors, de 2005, mas já antevendo o disco que sairia no ano seguinte, Saltbreakers, que incluía uma canção baseada no Ensaio sobre a Cegueira de Saramago (inocente, a moça ainda pergunta se alguém conhece o autor, para ela lhe poder pedir autorização para usar palavras dele). Os dois, entre a perícia e a força do repertório, bastaram. Na altura eu andava na faculdade e tinha mais ou menos desistido da ideia de fazer música “a sério”, acabada que estava a minha banda. Depois do concerto telefonei ao José Vilão, amigo baterista, e perguntei-lhe se não queria experimentar tocar umas canções que andava a gravar por casa. Foi o princípio do que viria a ser Minta, e por isso estarei sempre grata à Laura Veirs. Outubro de 2008, sai o meu primeiro EP, You. Envio-o para uma morada americana sem contar que a Dra. Veirs (geóloga de formação, o que explica muitas das imagens que usa nas letras) alguma vez o receba. Conto-lhe a importância do concerto dela para aquele meu disco. Meses mais tarde recebo um postal vindo do “Legendary Sun Studio, Memphis, Tennessee”: “Dear Francisca, thank you for the sweet note + CD. Your music sounds fresh + inspired. Thanks for sharing it and good luck with everything”. Desde essa noite em 2006 passaram sete anos, quatro discos e dois filhos para a Laura Veirs, que entretanto se casou com o baterista e cúmplice que tão orgulhosamente apresentou como namorado. Um dos discos, July Flame, de 2010, é um dos meus favoritos de sempre. Estou ainda a descobrir o último, Warp & Weft, que acaba de sair. Tem lá canções perfeitas – “America”, “White Cherry” – e convidados de luxo – kd Lang, Neko Case, Karl Blau. Por mim passaram também sete, dois discos, dezenas de concertos e uma vida inteira. Desde essa noite em 2006 que não há concertos desta moça em Portugal. Façamos barulho para que ela volte, sim? Eu não me importo nada de tocar na primeira parte.
“Foi o princípio do que viria a ser Minta, e por isso estarei sempre grata à Laura Veirs.”
por FRANCISCA CORTESÃO
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“Tenho que fazer umas coisas aqui em casa pelo meio da entrevista, não me leves a mal, ok?”. Disse Arish atarefado a arrumar utensílios de cozinha. Como levar alguma coisa a mal de King Khan? Vá lá, um filho-da-mãe dum rockstar a fazer o punk de garagem mais divertido de sempre tem todo o crédito que quiser. Desde Supreme Genious (2008) que não lançava nada. A morte de três dos seus melhores amigos deixou-o de rastos e sem vontade para fazer música. Chegou a ponderar desistir de tudo. Tocar ao vivo parecia-lhe impossível de acontecer outra vez. Felizmente, “Darkness”, a primeira canção que escreveu do novo Idle No More, fê-lo deixar tudo para trás e seguir o caminho certo. Os colares indígenas voltaram ao pescoço, o cajado de marfim subiu ao palco outra vez: King Khan está de volta e com coisas para contar. por JOAQUIM QUADROS
Obrigado Arish, por teres aceitado a entrevista. Finalmente há novo material de King Kahn & The Shrines depois de Supreme Genious. Li que tiveste alguns problemas pessoais, o que é que se passou? Sim, tem sido uma montanha russa autêntica. Alguns momentos têm sido muito duros mas também me consigo lembrar de alguns bons momentos. Infelizmente tive três amigos que morreram em poucos anos. Um por drogas, outro por cancro e outro por suicídio. Não são de todo das razões mais fáceis de lidar com a morte, e aí entrei num período negro, de espiral, precisei mesmo de ajuda profissional para ver se me recompunha. Nesse momento desliguei completamente o cérebro e a minha criatividade. Ainda bem que o fiz porque foi isso que me deu espaço para conseguir combater esta merda destes últimos anos. No entanto em 2011 fui convidado pelo Lou Reed e pela sua mulher, Laurie Anderson, para tocar na Opera House com o meu amigo Mark Sultan (BBQ Show), o que me deixou muito contente. E ainda fui também abordado por Alejandro Jodorowsky para ir a casa dele, que me ensinou muitas coisas de tarot e me ajudou a libertar alguns demónios que tinha na cabeça. Foram os momentos bons pelos quais também passei que me ajudaram a começar a ultrapassar as coisas más. E quando é que te começaste a sentir melhor para voltares a fazer música? De alguma maneira, por estar rodeado de pessoas que admirava e sentir que não era insignificante para muita gente, comecei a perceber que tinha que seguir em frente. Foi nesse momento que escrevi a “Darkness”. Foi aí, quando essa música veio ter comigo, que me senti confiante e com alguma força para fazer o que estava a fazer antes. 12
Porque, sabes, estava numa altura muito vulnerável. Nem sabia se conseguiria fazer música ou voltar a tocar ao vivo. Foi uma espécie de crise existencial, a ver as pessoas do meu coração a desaparecer. Um dos meus amigos que tinha 33 quando lhe apareceu o cancro, de repente, em um ano, parecia que tinha 50 anos ou mais. Foi muito pesado. E quando acontece começas realmente a pensar nas coisas mais importantes que tens. Isso foi o que deu a este álbum um tom mais sério do que os discos passados. Sou eu a documentar o processo de cura de tudo o que me aconteceu, basicamente. Lamento os maus momentos, e fico contente por teres ultrapassado e estares de volta. E sobre o Idle No More, o álbum deste teu regresso, foi escrito ao longo destes anos? Obrigado, obrigado! A maioria foi escrita ao longo deste tempo, sim. O “Darkness” foi uma coisa estranha porque era eu a experimentar-me num território que nunca tinha pisado. Falar sobre morte, sobre coisas mais negras, senti-me em coisas de Nina Simone. O que foi bom, estava tudo a melhorar e comecei a recuperar ideias. Foi um bocado ver as coisas com outra luz. Voltou tudo ao que era, comecei a ir mais para estúdio e a escrever coisas como deve ser. Devagar mas foi acontecendo. Deixa-me feliz sentir que muita gente à minha volta me ajudou a não me sentir um farrapo. Então este disco foi meio terapêutico, não? Uma recuperação pessoal e emocional. Definitivamente, daí chamar-se Idle No More. Durante estes 3/4 anos criou-se um movimento sobre os direitos aborígenes no Canadá e Estados Unidos que se chama “Idle No More”. Um dos meus amigos que morreu era índio mohawk, eu
“O “Darkness” foi uma coisa estranha porque era eu a experimentar-me num território que nunca tinha pisado. Falar sobre morte, sobre coisas mais negras, senti-me em coisas de Nina Simone.”
cresci com ele e passava muito tempo com ele na reserva onde a sua família vivia e ainda vive. Comecei a ler sobre este movimento e percebi que finalmente há alguém a lutar contra a exploração e a tentativa de acabarem com a vida destas pessoas. Estão a destruir estas reservas para construir fábricas e novas cidades. Há miúdos que morrem contaminados por beber água de fontes poluídas…é insano. Então decidi contactar a organização para usar este título e ajudar a espalhar a palavra. De certa forma também porque me identificava com a expressão. Finalmente estava a voltar ao activo e a contrariar a minha inércia. Agora percebe-se que o este álbum não é só um disco, é também uma causa e um momento de ressurreição para ti. Como surgiu o contacto com a Merge Records? Foi uma honra. Estávamos a procurar uma editora e eles gostaram bastante do disco. Para mim parece que é a primeira vez que tenho uma editora a sério, com uma estrutura internacional, com tantos contactos (risos). Adequou-se muito bem a este disco porque eu queria que este disco chegasse ao maior número de pessoas. E eles conseguiram. Eu sempre fui fã de gospel e da ideia espiritual de transformar dor e sofrimento em harmonias bonitas capazes de ajudar pessoas a ultrapassar os mesmos problemas. É esse impacto que eu quero que este álbum tenha. Hoje em dia as coisas estão a andar tão rápido, de forma tão descaracterizada. Reparo que há muito da música pop que torna as pessoas estúpidas, a celebrar a mediocridade. Quero que a música esteja de mãos dadas com mensagem, com revolução, com causas, e não só para ser cantada num refrão piroso. Uma coisa incrível que me aconteceu recentemente foi ter sido convidado para fazer a banda sonora para um documentário sobre um grupo que lutava pelo poder negro em Memphis nos anos 60. Basicamente era um grupo de miúdos entre os 18 e os 20 e poucos anos que organizava um movimento enorme de invasão aos guetos, aos bairros mais desfavorecidos, mas com o objectivo de unir as pessoas. A lutar pelo civismo e pela paz nas zonas problemáticas da cidade com casacos a dizer “The Invaders”. Foi incrível!
Eu quero ver esse filme! Devias mesmo. Na altura Martin Luther King ficou admirado com a iniciativa e reuniu-se com eles para arrastarem o movimento pelos Estados Unidos, foi a primeira vez que ele se envolveu com os militantes e quis trabalhar com eles. Infelizmente acabou por ser assassinado umas semanas depois e tanto as autoridades como o governo associaram parte da sua morte ao facto dele se ter envolvido com estes miúdos. O filme aparece agora, anos depois, quase como uma correcção histórica daquilo que aconteceu na altura. É mesmo preciso ver. Na altura em que o líder deste grupo, John B Smith, ouviu King Khan & The Shrines disse “eu quero este gajo a fazer a música para o documentário”. Senti-me honrado e a pensar “estou mesmo no caminho certo”. Tenho a certeza que estás, só te metes em coisas nobres e continuas a fazer música fixe. Muito fixe. Estás entusiasmado por ter novo disco e poderes voltar à estrada com a banda? Totalmente. Temos tocado já na Europa e andar em estrada a tocar música para as pessoas é como um remédio. É isto mesmo que quero continuar a fazer. Esta entrevista é para Portugal, certo? Nós já tocámos aí e foi muito bom. Conheces o tipo que nos convidou? Aonde é que foi o festival, lembras-te? Não me lembro, sei que quem nos convidou foi um tipo muito simpático…Nico ou qualquer coisa do género? Conheces? Ah, foi no Barreiro Rocks? Era o Nick Nickotine? Exactamente! Era um gajo muito afável e divertimo-nos muito no festival. Põe aí pessoas em contacto com a nossa agente da Elastica, a Rebecca. Queremos voltar (risos). Prometo que vou fazer isso. Arish, muito obrigado mais uma vez pela simpatia. Obrigado (risos), é a única palavra que me lembro. Fica bem!
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TORCIDA O tema aqui é fanatismo. Por bandas. Não há pior para o verdadeiro Fã (com maiúscula, sim) que a evocação de uma estética idolatrada em vão. Porque a estreiteza mental a que um fanático se sujeita implica a obediência cega a um código subjectivo de valores muito pouco espaçoso cuja consequência directa são reacções violentas a situações específicas. Em suma, não há mesmo nada pior. Regra geral, não odeio pessoas com T-shirts de bandas que eu gosto só porque sim. Não julgo pela aparência se o portador gosta ou não. Nunca senti ódio à primeira vista. Se nessa sucessão de eventos (entre ver uma pessoa e sentir alguma coisa) houver material para odiar, são as multinacionais que fazem T-shirts de bandas para a doucharia usar. Isso sim. Agora, não me molesta em absoluto ver pessoas com essas T-shirts, por exemplo, porque, sei lá... Os tempos mudaram, e eu mudei com eles. Vivemos na era da moderação. E da decepção. E da globalização. Felizmente vivo no meu tempo, e não adianta nada conservar a franja portuguesa do queixume crónico ou do saudosismo. Se aceitei bem que os Bloody Beetroots tivessem sido os responsáveis pela reanimação cardiopulmonar dos Refused, é porque gozo de bom poder de encaixe. Não? Para estar de costas voltadas para o zeitgeist, o melhor mesmo é acabar com o indivíduo: dar-me a mim um tiro na minha cabeça para não incomodar o próximo. Seja como for, que fique claro que não tenho nada contra pessoas anónimas que usam T-shirts de bandas. Que não conhecem. O cerne da questão reside na heresia em que consiste usar uma T-shirt de uma banda que não se conhece. Transportar todo o conteúdo e carga simbólica de uma disciplina sem se ter a mais pequena noção do que aquilo já fez por uma fatia da Humanidade. É como queimar livros. Adiante... Tive recentemente um embate menos feliz com uma pessoa da minha esfera de conhecimento muito relativo que me apareceu à frente com uma T-shirt de uma banda que não ouve, nunca ouviu e não está interessada em ouvir, e eu fiquei a morrer por dentro. Caíram por terra as minhas ideias de que sou liberal porque reagi: fiquei com as tripas em papa. Dos meus olhos caíram semicolcheias e quando cheguei a casa os meus discos dessa banda estavam partidos e riscados e ao sol. Senti O apocalipse dessa banda e de tudo o que ela representava para e em mim. Senti o que sente o verdadeiro Fã numa situação destas. Recolhi os cacos e decidi não ser portuguesa e não praticar gatekeeping deliberado, disciplina também muito comum entre Fãs acérrimos de bandas. Sentada no sofá comecei a pensar positivo, como a Rhonda Byrne aconselha n’O Segredo. E comecei a pensar naquilo que faço da vida: espectáculos. Silogismo básico: sem público, não há espectáculos. Se a música é um espectáculo (soei agora ao Fernando Mendes a receber galhardetes n’O Preço Certo, perdão...!), então a música tem de ter público para continuar, para sobreviver, etc... Logo após este pensamento senti-me um ser humano muito melhor. E isso deu-me forças para continuar e passar ao pensamento positivo seguinte: a aproximação do público aos objectos, é o que faz as bandas continuar, por isso, se a aproximação estética permite a continuidade de um objecto...
por JOANA BARRIOS
www.joanabarrios.com
“Para estar de costas voltadas para o zeitgeist, o melhor mesmo é acabar com o indivíduo: dar-me a mim um tiro na minha cabeça para não incomodar o próximo.” 14
Porque não? E se um Artista consagrou a sua vida à Arte que nos alimentou o espírito durante tanto tempo e esgotou recursos paralelos e decidiu aceitar contratos milionários, há crítica possível? Extrapolei imenso. Extrapolei demasiado. E cheguei à conclusão que a Liberdade estética individual passa essencialmente pela apropriação de elementos que ferem uns e fazem rejubilar outros. É o nosso tempo. O da pangeia, o do excesso, o do consumo rápido. Este é o nosso tempo. E como o nosso tempo implica celeridade, o melhor é despachar os processos e não ser tão susceptível a situações como esta. Ah! - Com isto tudo, fiquei com isto pendente: será que ainda faz sentido ser Fã?
Doucharia vem de DOUCHE, diminutivo de DOUCHEBAG. Do inglês. Pessoa que na verdade é um desperdício de oxigénio.
por JOAQUIM QUADROS
Os Boogarins têm quanto tempo? Vocês são novos ainda, certo? Desde 2008, eu e o Fernando, o vocalista, tocávamos umas coisas juntos mas tanto ele como eu tínhamos bandas diferentes aqui em Goiânia. Preocupávamo-nos mais com a música que íamos fazendo separados. No início de 2012, quando terminámos a escola decidimos começar a gravar a sério em minha casa é que foi o início de Boogarins. Com que idade é que vocês estão? Temos 20 anos os dois e deixámos a faculdade no primeiro ano para nos dedicarmos à música. Eu estudava música e o Fernando estudava história mas não ia dar e nós queríamos arrancar com os Boogarins. Como é que vos chegaram as influências a Goiânia? Ouviam muita música brasileira, nuggets ou também havia coisas dos Estados Unidos? Exclusivamente pela internet. Sempre procurámos muita música. Cá no Brasil havia muitas bandas também. Jupiter Maçã é uma grande influência porque ia buscar a sonoridade mais psicadélica que nós procurávamos. Era uma referência para a altura em que começámos a gravar. Ouvimos bastantes Nuggets, claro, os Mutantes são muito importantes para nós. De outros sítios chegaram-nos os Pink Floyd e o Syd Barret que ouvimos muito também. Foi um som que nos marcou. Começámos a fazer coisas no meu quarto e a mostrar a alguns amigos e eles foram dando bom feedback. Até que gravámos o primeiro EP As Plantas Que Curam só por nós, ainda como dupla. Essas canções já têm um ano. E quando é que entram o Hans e o Rafael? No início deste ano, na festa de passagem de ano, resolvemos começar a ensaiar. Então juntou-se o Hans, nosso amigo de há já algum tempo que sempre tocou bateria. Depois surgiu o Rafael que cantava numa banda de Goiânia e nem sabíamos que ele tocava baixo. Só que por exemplo só duas músicas do álbum é que têm baixo, a maioria tem várias camadas de guitarra. Nós os dois, eu e Fernando, é que gravávamos bateria e baixo antes deles aparecerem para tocar connosco ao vivo.
E futuro? Já têm alguma coisa agendada? Este mês é a primeira vez que saímos daqui. Vamos passear pelo estado de São Paulo. Uma semana com 4 concertos e ainda vamos fazer set de abertura no concerto dos Tame Impala. Ver se lhes vamos lá entregar um disco (risos), pode ser que gostem. Para o ano que vem, em 2014, já temos agência de booking a trabalhar com datas para os Estados Unidos. E queremos ir logo a seguir para a Europa sem ter sequer que voltar cá fazer uma paragem. Estamos em conversa, em princípio vai acontecer. Como é que é para gente de 20 anos, a fazer músicas no quarto, estar de repente agenciados nos Estados Unidos, a ter destaque na FADER e a serem ouvidos em Portugal? Foi muito bom, nós nunca pensámos. O Fernando tinha uma banda, nem era suposto formarmos outro grupo. Até que nos começámos a encontrar todos os domingos e começámos a levar mais a sério os Boggarins. E de repente estamos recebendo dinheiro por isso e a ser falados lá fora. É inacreditável. A editora também foi importante porque nos sugeriu lançar um álbum, acrescentámos a “Paul” e outras canções que não vinham no EP que acabaram por ser as que despertaram mais a atenção. A “Doce” é o melhor exemplo, foi a última que gravámos.
Vêm de Goiânia, pequena cidade do estado de Góias, a 200km de Brasília. Boogarins vem do ímpeto surf rock destes dois “moleques”, Fernando e Benke, que num par de meses vêem as suas canções de quarto serem editadas pela Fat Possum. O disco de estreia – As Plantas Que Curam – teve ainda direito a destaque na FADER. Coisa não tão comum quanto isso quando estamos a falar de temas cantados em português. Obedientes aos princípios do psicadelismo, onde tudo é ondulado e viajante, entoam lemas solares de adolescência, mais que apropriados aos seus (ainda) 20 anos. Um dos putos, o Benke, falou comigo ao telefone e prometeu vinda da banda a Portugal em breve.
E agora vão continuar a explorar o lado mais caseiro ou pensam evoluir para um estúdio, com mais cuidado na produção? Por enquanto sim. Temos muito ainda por trabalhar na produção caseira. Embora comecemos a ficar mais experientes e as coisas comecem a ter melhor qualidade. Um estúdio ainda não é o nosso objectivo. Não há melhor do que ter a tranquilidade de trabalhar em casa. Então vemo-nos em Portugal em 2014, certo? Claro (risos). Se isso dependesse de nós estávamos aí já na próxima semana. O problema que é que é muito caro para irmos todos até aí, mas vai acontecer. Vão acompanhando o que vai acontecendo com a banda porque é muito importante sermos ouvidos em Portugal. Ficámos muito contentes por ter sido contactado por mais gente daí. Já nos vemos! (risos)
“Ouvimos bastantes Nuggets, claro, os Mutantes são muito importantes para nós. De outros sítios chegaram-nos os Pink Floyd e o Syd Barret que ouvimos muito também. Foi um som que nos marcou.”
Entretanto começou a aparecer atenção e começaram a ser falados. O que é que aconteceu? Quando percebemos que era mesmo para ser a sério, comecei a mandar o EP pela internet para vários sites. Curiosamente não houve nenhum site brasileiro a promover a nossa música, só 5 ou 6 blogs americanos é que publicaram coisas sobre nós. O primeiro foi o Ongakubaka, só de coisas mais lo-fi, mais bandas de garagem. Tem graça porque foi um site que fui acompanhando nos últimos tempos. Mostram bandas muito interessantes. Onde entra aí a Fat Possum? O nosso manager conheceu a banda e antes de falar connosco já tinha falado com a nossa editora. Tivemos sorte porque a Other Music tem esse contracto com a Fat Possum. O que é bom porque conseguimos começar logo a ser distribuídos nas principais lojas dos Estados Unidos e a partir de 14 de Outubro na Europa. Queremos mesmo é fazer uma tour por aí, Portugal tem que ser passagem.
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O universo há muito tempo passa a mensagem de que as lojas de discos estão a morrer. Para nós a ideia não é tanto essa, mas que a existência de lojas dedicadas principalmente a edições de discos novos está em risco. A Flur existe há quase 12 anos, nos últimos sete é frequente algum jornalista confrontar-nos com a situação do “regresso do vinil”. Para nós o vinil, e os discos, estiveram sempre cá. Estar a voltar constantemente durante sete anos é estranho. Mas esta ideia de revivalismo é perigosa. Tal como todas as modas, há sempre quem chegue atrasado e é por isso que o processo se repete nos últimos sete anos. Mas o vinil que está a voltar não é essencialmente o vinil novo, música nova – seja esta nova ou velha -, mas a ideia de que o vinil está associado a um processo qualquer de existência de quando as coisas eram melhores. Por isso não é de estranhar que em Lisboa existam actualmente mais lojas que vendem discos em segunda mão do que discos em primeira. E as que fazem as duas coisas em simultâneo, normalmente dedicam-se mais à segunda mão. Isto não é um problema de Lisboa, de Portugal, da crise, é uma situação recorrente que acontece na maioria das cidades europeias: passeiem pelo centro de uma grande cidade e processem isto tudo. Viver num mercado assim é exigente. Todos os dias tentamos dar o nosso melhor, não somos obcecados com música nova e muito menos com o que anda por aí a circular. Não é uma questão de filosofia, simplesmente as pessoas que aqui trabalham são todas assim. Talvez seja por isso que gostem tanto umas das outras. Mas gostamos de estar atentos, não só porque faz parte do nosso trabalho, mas porque respeitamos o trabalho daqueles que, como nós, passam os dias rodeados de música e com vontade de partilhar o melhor que encontram. E temos os nossos caminhos para encontrar as nossas coisas. No fundo, somos um filtro como qualquer outro, que escolhe e recomenda discos todas as semanas para os seus clientes e eventuais interessados. Gostamos de mostrar aquilo que nos enche a cabeça, gostamos, essencialmente, de saber do que alguns dos nossos clientes gostam e daquilo de que poderão vir a gostar. Não há nada como isso. A sério. No fundo, é como mostrar música a amigos. Pode parecer desonesto revelar isto, porque no fundo somos um negócio, mas é assim que nos sentimos. E não é por acaso que quase todas as semanas o dizemos na nossa Mailing List enquanto divulgamos os discos que nos chegaram ou que entretanto descobrimos perdidos nas nossas prateleiras: nem imaginam as vezes que isso acontece. Há uns anos fizemos um spot para a rádio em que entre muitas coisas dizíamos que tínhamos “luz natural”. Por incrível que pareça, até então eu nunca tinha pensado que tínhamos luz natural. Nunca me tinha ocorrido, naqueles instantes em que, por momentos, ficava parado a olhar para o Rio Tejo, que este se consegue ver da nossa loja. Bem, temos luz natural. E isso, com as pessoas que temos, os discos que temos, tornam este nosso corredor muito especial. 18
“No fundo, é como mostrar música a amigos.”
www.flur.pt Av. Infante D. Henrique Armazém B4 Santa Apolónia
DROGAS. Que seria do rock n roll sem elas? Que seria da humanidade, na verdade… Isto a propósito do video dos Disclosure para “Help Me Lose My Mind” que foi retirado do Youtube poucas horas depois da estreia porque alguém se lembrou que putos com ar ausente a dançar e viajar num autocarro que desaparece, deixando-os suspensos na madrugada, é glamourização das drogas. Como se a cena rave que o vídeo e a musica dos Disclosure evocam não fosse alimentada a sorrisos com fórmula química, o “Cocaine” não passasse na radio há ¼ de século ou “Lucy In The Sky With Diamonds” não tivesse inspirado cânticos de igreja (eu ouvi, juro). Ou é a brigada dos bons costumes, como parece à primeira vista, ou uma manobra para os Disclosure continuarem a ser notícia (há outras canções no disco que davam melhores singles). Se for isso, também resultou. Aposto que os putos, sobretudo os que nunca tomaram drogas, foram ouvir a música só para sentir que são muita malucos e estão perdidos. O que me leva a Lauryn Hill que celebrou a saída da prisão com uma canção chamada “Consumerism”. A ex Fugees foi condenada em Maio a uma pena de 3 meses de prisão por evasão fiscal. Na altura também foi obrigada pelo tribunal a sessões de aconselhamento psicológico por causa das tendências conspiracionistas demonstradas durante o processo, mas ouvindo “Consumerism” (um rol acusatório de ismos - capitalismo, darwinismo, egoísmo, consumismo, colonialismo - sobre eletrónica etnomarcial, hip hop verdadeiramente retorcido em tom altivo) não parece que tenham sido muito eficazes. Em tribunal e em sua defesa, Lauryn Hill afirmou, entre outras coisas, que foi forçada a viver num sistema económico que lhe foi imposto e que os artistas estão a ser vítimas de uma teia urdida pelos militares e pelos media. Provavelmente, Lauryn Hill nunca mais vai fugir aos impostos porque não voltará a vender tantos discos como fez com os Fugees ou o álbum a solo “The Miseducation of …” mas a sua atitude é poética e bastante rock’n’roll. Precisamos de artistas com convicções políticas e filosóficas que remem contra a corrente, nem que seja sozinhos, ou cada um para seu lado. E em relação às drogas, há um grupo de escoceses que está a fazer música verdadeiramente xamânica. Golden Teacher, nome de um cogumelo alucinogénio, é um projeto de estúdio que junta um trio de noise punk (Ultimate Thrush) e um duo de house analógico (Silk cut) . Fazem música que abre as portas da perceção e não é preciso tomar nada.
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“Precisamos de artistas com convicções políticas e filosóficas que remem contra a corrente, nem que seja sozinhos, ou cada um para seu lado.”
por ISILDA SANCHES
por GONÇALO PERESTRELO
Tentar pôr em hipótese a malta nova da indústria a pôr o dedo nos trabalhos mais recentes dos que já viram umas décadas a passar pareceu-me um método que tanto excita como é simples de acontecer. Um puto fanático, a dar a mão ao Ozzy, que por acaso é o Ty Segall com uns truques nas mangas para o novo som dos Sabbath, não deixa de ser aliciante. Um a produzir o outro. Vice-versa. Dá-se aqui a deixa, e alguns exemplos, para que a vitalidade da música passe de uma forma menos hierárquica e mais só “porque faz sentido”.
É a primeira prova de fogo, ao jovem espectador, entrar num concerto onde a banda toca uma malha que ou já conhece ou quer saber o nome para procurar depois. É um tipo de perder a virgindade. Chamar-lhe arrepio é sobrevalorizado e maricas e um quanto de presunçoso. Dá-nos é uma comichão estranha na cabeça e infesta-nos a confiança se tocamos algum instrumento. Impressiona-nos a circulação e como estamos num clube/sala de concertos já não sabemos se é do álcool ou se é do sistema de som ou se é da nossa pequenez como espectador ou se é só porque gostamos de um bom ambiente smooth rock vindo tanto de uns ZZ Top em balada como de uns putos que gostam demasiado dos Stones. Há uma hierarquia que rebaixa, no bom sentido, o espectador que sendo médico, advogado, limpa-ruas, guia táxis, músico ou pintor vai vassalar num headbanging nervoso e num “estes gajos... foda-se..” que faz serem reais e Reais as verdadeiras estrelas do nosso ipod. É normal que assim seja, vivemos disso. Sobrevivemos a olhar de baixo para algo e antes que seja um Tom Waits ou uma St. Vicent a esgalhar distorção na voz e na guitarra, respectivamente, do que uma idolatria qualquer que nos faz explodir aviões e arranha-céus em nome de setecentas e
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setenta e sete virgens cujo sexo se desconhece até ao dia da Salvação. É uma espécie de religião boa. Deuses, Bowies, humanos, Princes ou reincarnações são rótulos. Há também quem os veja como “incontornáveis” e assim pensam serem feitos de diamante. Acontece que não são. A ideia de que o ancião está sempre certo, por ser ancião, vale tanto como dizer que o melhor concerto da nossa vida foi o do Dylan no Optimus Alive ’08. Não se pode tomar como garantido o sucesso anterior e apesar de ser nosso dever respeitar quem “já cá anda há muito tempo”, não é saudável acreditar na sua perfeição. Olhem para os anos 80 e a coca em excesso e as capas dos grandes. Mais directamente olhem o que o American Dream fez aos Crosby, Stills, Nash & Young em ’88 ou um ano antes como nem uma grande capa pode evitar o destronar dum gajo como o Aladdin-Hunky-Dory-Ziggy-Stardust-Heroes em Never Let Me Down. A ideia não é cascar. O objectivo desta conversa não é carregar nas feridas. Não estamos a bater no Lou Reed por ter estado ceguinho em Metal Machine Music, nem nos Grateful Dead por terem sacado Dylan and the Dead com o amigo do folk. Haverá sempre volta a dar. Erros são erros e o rock não seria
“Não se pode tomar como garantido o sucesso anterior e apesar de ser nosso dever respeitar quem “já cá anda há muito tempo”, não é saudável acreditar na sua perfeição.”
“A irreverência perde carácter quando não sabemos carregar cabelos brancos e uma palheta na mão, e para isso precisa-se dos nossos maiores fãs.” nada sem os seus grandes comebacks. Não falo de Chinese Democracy obviamente, até porque a única coisa que sobrevive é a flor de estufa do Axl e esse é o grande exemplo do How NOT to do it. É esse tipo de nariz empinado que está errado na história e um Axl Rose serve perfeitamente para teorizar a ideia de que o sangue fresco ajudaria sempre ao coagulado. São essas provas musicais que fazem pensar: e se este(es) gajo(os) pedisse(em) conselhos naquela altura? Nick cave é prova de que não tem de azedar. O McCartney também. São esses tipos que vingam e nos deixam sem hipótese para apontar o dedo, porque se rebaixam ao seu estatuto de nascença mortal e o usam para canalizar o que há de bom e de mau da fama para fazer mais e melhor. Vamos ao gajo que está do outro lado do Paige e do Bonham. Não canta. John Paul Jones. Aliás, se calhar canta às vezes, mas o que vale é ter aceitado juntar-se a Grohl e Homme para Them Crooked Vultures. Ele é rei sol dos baixistas e no entanto não quer saber se estava lá no dia em que “No Quarter” foi escrito, nem gaba saber exactamente quem fez o quê na primeira vez que o groove do “When The Levee Breaks” foi ouvido. Quer é tocar e curtir e continuar a dividir backstage com os putos novos da cena. Ele já lá esteve. A música já lhe deu demonstrações de protecção e cabe-lhe continuar no mesmo espírito, aceitando que um gajo fixe esteja ao seu lado para mostrar os prós e os contras do ProTools e quais as pedaleiras que lhe ficam bem, porque é quase velhinho, tem de ir mais vezes ao médico e já muito faz para aguentar duas horas de concerto a abrir. A irreverência perde carácter quando não sabemos carregar cabelos brancos e uma palheta na mão, e para isso precisa-se dos nossos maiores fãs. Os putos a ajudar os velhos, é o que se quer. A tocar ao lado deles, a produzir o seu disco, a compor em simultâneo sem os fazer sentir atentados pela divisão dos créditos. Não é uma regra. Deus me livre! É só um estilo de hierarquizar ao contrário. Testar. É tipo Descartes. Os velhos com consciência de que estão gastos vão perceber as vantagens disso. Podem apalpar as Sky Ferreira do nosso mundo, podem ir mais cedo para o quarto do hotel sem parecerem uns merdas, podem levar massagens depois das duas horas no Glastonbury sem a imagem parecer maricas. Não podem é ceder à editora e limpar o seu som e fingir que os putos não sabem tanto como eles. O rumor do Jack White andar brincar com as pistas da mesa de mistura dos Stones já é megalómano e
mais-ou-menos-produto-de-top-mais, e no entanto faz pensar e poupar uns cobres para comprar o disco em vez de o sacar só para ver o “que é que estes gajos fizeram agora”, espera-se. O sonho de ter um Kurt Vile a ponderar o novo do Neil Young, que nem é daqueles a quem falta pinta e restauro, não deixa de soar a um bom mote para o futuro. Os Sabbath foram buscar o bateras Against The Machine para o seu último, mas o tipo limitou-se a ouvi-los nos dois meses antes das gravações, vassalou sem coragem e com medo de não cooperar da melhor forma imitou o passado. Já uns Uncle Acid and The Deadbeats ou um Ty Segall a imaginar, todos tripados, como é que podem ajudar Ozzy, Iommi e companhia na sua história já faz tremeliques um bocado acima das pernas. Ou os Natural Child a ver como é que a bateria dos Deep Purple pode estar suja e dar ponta ao mesmo tempo. A ideia mais ou menos anunciada de Skrillex produzir o novo disco dos Def Leppard pode soar a ridículo, mas o gajo é um género novo e diferente de peso e os Leppard foram espertos se assim o decidiram. Há exemplos à balda e todavia não deixam de ser sugestões. Trata-se de um imaginário simples que todos nós já pensámos deste a fazer coisas com aquele. Não é essencial, nem obrigatório. É só uma ideia.
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São uma espécie de siameses. Não são a bateria dos PAUS, nem nasceram gémeos por dividir, mas são duas pessoas que vivem, pensam e trabalham muita coisa juntos. Em sintonia. Carlos Bb e Sara Feio caminham na mesma direcção, ao mesmo ritmo e Pernas de Alicate é o projecto musical/visual que une a criatividade dos dois. Ele – baterista dos Riding Pânico e já com passado numa catrefada de bandas – recruta músicos de outras andanças e de que gosta para trabalhar canções em estúdio; já ela ilustra, fotografa, realiza (acompanhada de boa gente também) e acrescenta tudo o que não se pode ouvir. São daquelas experiências ele-e-ela mas como nunca ouvimos – nem vimos – e o resultado é tão inesperado como original. Como se não bastasse, são uns bacanos e visitaram-me para conversarmos sobre isto. por JOAQUIM QUADROS
Isto vai ser uma coisa rápida, ok? Sara Feio: A sério? Acabámos de pôr uma entrevista no Facebook de 30 minutos. Está tudo ali, respondemos a tudo. “Mosca”, “Barba”, como é que começou, qualquer jornalista que precise de informação sobre nós está tudo ali…. Eu vou fazer algumas dessas perguntas, não me levem a mal. SF: Não, na boa. Nós a ti não te damos as mesmas respostas porque já temos alguma confiança contigo. Mas àquela malta que não nos conhece não íamos estar a contar a nossa vida. Carlos Bb: Não Sara, desculpa. Eu nunca o vi nu por isso não vou ter essa à vontade. (Risos) Se não estivéssemos em público resolvíamos isso, a sério. Bb: (risos) Isso era do caralho. Arranjam-me uma fotografia fixe para depois ilustrarmos a entrevista? 24
SF: Mando-te. Umas das que ainda não libertámos. Há umas meio bizarras, mando isso. Mas a das maminhas não posso. Bb: Sara, fala com ele, ver se ele nos manda isso. Gosto daquela do meu corpo com a tua cabeça, essa é freak. Ou então a da máscara, eu com quatro braços…essa é boa. Agora que falamos em fotografias e no lado mais de imagem de Pernas de Alicate, apareceu logo a ideia destas duas facetas ou começa só com a música? SF: Não, começou com música só. O Bb estava a fritar com a paragem de Man Eater e quis fazer alguma coisa só por ele. Foi mais ou menos na altura que começámos a andar. Ele só dizia “tenho que fazer uma cena sozinho, não depender de ninguém”. Bb: Eu sempre tive envolvido em muitas coisas. E houve uma altura em que nada estava a funcionar, nem nos Riding Pânico eu estava a tocar. Por razões que não interessam. Às tantas vi-me ali sem fazer nada, tinha um estúdio e conhecia gente para fazer alguma coisa e deu-me essa vontade. Só havia um problema: eu só sei tocar bateria. Então pensei, em vez de aprender a tocar vários instrumentos, o que me
ia fazer perder tempo, decidi começar a convidar pessoas a virem trabalhar e ajudarem-me a criar coisas diferentes. Comigo a ditar as regras do jogo, no papel de produtor. Surgiu da vontade de fazer uma coisa sem uma banda. E isto era a solução mais fácil e interessante. E tu [Sara] pensaste logo em maneiras de ilustrar e de dar a componente visual a isto tudo? SF: Claro, eu disse “Bb não vais lançar isto sem ter uma boa imagem, não faz sentido”. Eu tive logo umas ideias de tirar umas fotografias malucas no meio do mato dele com as pernas para o ar com os meus sapatos. Teve graça que ainda acabámos a ser assediados, ainda ouvimos umas bocas por pensarem que éramos duas mulheres (risos). Depois fui começando a ajudar noutras coisas, ele tinha a “Mosca” quase pronta e achei que fazia todo o sentido haver um vídeo-clip e comecei logo a trabalhar nisso. Foi rápido este processo todo não foi? Bb: Sim, Pernas é uma coisa bastante imediata. Gosto muito deste projecto porque é muito instantâneo. Não
há aquela preocupação para gravar um disco ou um EP, a única preocupação é fazer a próxima música. Passo a passo. Isso é muito mais fixe. SF: Exacto, não há nada feito. Tudo o que aparece está acabado de sair do forno. Bb: Ainda hoje nos perguntaram “porque é que escolheram a “Mosca” como primeiro single?” e nós respondemos “porque não existia “Barba”, não existia nada”, por isso é que saiu essa. Era a única coisa que já tínhamos trabalhado. É tudo muito instintivo então, sai e fica… Bb: Pois, porque faz muito mais sentido passar cá para fora uma coisa que está a ser vivida agora, neste momento. Tanto para mim, como para os músicos que convido para trabalhar ou mesmo para a Sara. Em vez de ser uma coisa que já tem meses, completamente madura..por exemplo, eu se calhar gravava coisas diferentes no álbum de Riding Pânico. SF: Coisas com que depois já nem te identificas se calhar, não é? Há coisas que trazes para Pernas de Alicate que são bases de ideias que já tinham tido antes, mas a verdade é que é tudo muito momentâneo. Feito e adaptado agora. Bb: É a oportunidade perfeita para eu e a Sara podermos experimentar tudo aquilo que tivemos medo de experimentar noutras coisas do passado. Este projecto dá-nos asas para explorar o que bem entendermos. SF: Experimentar tudo, Bb? Bb: Estamos a falar de música, Sara. Vá lá. Não me vou meter nisso, descansem. Acaba de sair o segundo single: “Barba” com gente de Capitão Fausto, PAUS, Black Mamba, You Can’t Win, Charlie Brown e Gala Drop. Deu mais trabalho por
estar mais gente envolvida? Como funciona a parte de casting para cada canção? Bb: Nem por isso, dava-me mais trabalho se os convidados fossem pessoas mais complicadas. Tive mesmo sorte em convidar gente super disponível e, acima de tudo, com muito prazer naquilo que estão a fazer. Gosto de convidar pessoas que não se sintam obrigadas e digo-lhes “isto não é uma banda mas é para levar a sério de maneira descontraída, mesmo que isto seja um projecto”. Tem corrido bem também porque toda a gente aceita o desafio de trabalhar em terrenos mais desconfortáveis. Isso é das coisas mais engraçadas, o facto de atirar quem convido para sítios mais fora. A minha ideia é essa, pessoas de que gosto do que fazem a saírem daquilo que fazem nas próprias bandas e nos seus cantos. Estás contente com as escolhas para as primeiras duas músicas? Bb: Tanto com a “Barba” como a “Mosca” estou mesmo contente. Tem-me dado muito trabalho a mim e a ela mas quando acaba e sai o stress ficamos mesmo satisfeitos. SF: E estamos babados com o feedback que temos tido. As pessoas têm gostado e começa mesmo a valer a pena o esforço. E parecem ter conseguido cumprir os lançamentos se a próxima sair em Janeiro. De dois em dois meses como tinham dito. SF: Nem sempre é fácil lutar contra os deadlines. Mas sim, está a correr bem. Agora em Dezembro vai sair uma edição física limitada com imagens, letras das músicas, alguns extras de making of e possivelmente um bónus musical. Ainda não sabemos como é que vamos vender mas vamos anunciar isso em breve. É que como somos só nós, estamos sempre a ver o que
fazer e como fazer, por isso é tudo muito como acharmos ser a melhor maneira. Vamos ter poucas tiragens e ver como corre, se as pessoas pegam ou não. Também para sentirmos vontade das pessoas em ouvir novas coisas. Depois a partir de Janeiro vamos lançar uma nova música e um novo vídeo. Bb: A Raquel Lains tem sido uma grande ajuda na promoção e que nos vai ajudando a organizar e a decidir prazos. Mas sim temos sido cumpridores e a partir de Janeiro vamos continuar a fazer novas coisas, com mais ou menos espaço entre elas. Podem avançar com uma acha para a terceira canção? O baterista és tu, isso já sabemos. Bb: (risos) Pronto, isso já se sabe. Vai ter duas vozes, uma feminina e uma masculina. Duas bandas de que eu gosto… SF: E as teclas estão gravadas. Ou seja, há teclas. Bb: Há sim senhora. Para a semana vou estar a trabalhar com outro dos convidados na estrutura da canção e a montar mais alguns arranjos. Esta vai ser a mais electrónica de todas. Isso é o maior detalhe que posso avançar, vai ser a mais fora e mais electrónica das três. SF: Eu também tenho o cenário imaginado para o vídeo. E já tenho a crew toda, só gente portuguesa a participar. Desta vez temos mais tempo para preparar por isso estou a juntar gente e pessoas muito boas em áreas específicas. Produção, edição, fotografia, etc. Vai dar trabalho mas o resultado vai sair muito bom de certeza. Em Janeiro. Bb: Queremos mesmo continuar a fazer isto, a bem ou a mal, há mais canções para vir. Quem sabe um dia quando tiver 8 músicas organiza-se um concerto com todos os convidados.
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A ideia de festival urbano evangeliza-se cada vez mais. Assim ditou o South By Southwest quando espalhou por Austin umas centenas de bandas por diferentes salas da cidade. Lisboa conheceu o formato em 2009, ainda como Super Bock Em Stock. Desde então aumentam-se as salas, o número de bandas e, claro, o número de transeuntes desenfreados que querem apanhar excertos do máximo de actuações. O actual Vodafone Mexefest vai então formando uma maior consciência em relação ao conceito. O recinto é a cidade. Nem todos entram porque nem todos saem, mas há sempre outros sítios onde se estar. As decisões nunca se cumprem, a não ser que se queira tornar isto um festival chato. Que não é. Independentemente de sobreposições e gosto pessoal aqui estão alguns dos nomes, uns mais conhecidos que outros, que julgo ser dos de maior interesse do cartaz. À sua terceira edição, com Coliseu dos Recreios no roteiro, o Vodafone Mexefest volta à Avenida da Liberdade. Nos dias 29 e 30 de Novembro. Prontos para correria? por JOAQUIM QUADROS
COLISEU DOS RECREIOS DISCOTEXAS PICNIC LIVE Já é de há uns tempos para cá que a Discotexas passa poucas semanas por ano sem agenda. Entre Amesterdão e Istambul, as Américas, quer as do Sul quer a dos Estados Unidos, e claro Portugal, a família não se acanha em espalhar gospel de anca. Do de bom gosto. Do bem feito. Mr. Mitsuhirato, por cá, é dos mais concorridos dj’s. Não há clube ou bar que não o tenha no histórico. Uma larga colecção de discos, um variado espectro de influências e tanto a sua imprevisibilidade como a sensibilidade vão preenchendo os seus sets de euforia. Outro dos membros já o devem ter visto ao volante dos X-Wife. Rui Maia, isto é, Mirror People é parte da animação do picnic. House orientada para disco, dança orientada para a experiência. Em formato live é sempre inesperado. À Da Chick chamem-lhe furacão de palco. Balanço funk, ginga de alma, e quando vos chamar bitch não se preocupem: é carinho. Sobram os pontas-de-lança. Irmãos de mães diferentes, Moullinex e Xinobi são o baixo e a guitarra mais unidos da dinastia Discotexas. Preparem-se para as actuações (um live, outro em set) de dois dos mais prolíferos produtores nacionais. Não há um que lance um single sem que o outro remisture, ou vice-versa. House, disco, funk, caldeirão de ritmos contagiantes propícios a um dos picnics mais extasiantes que vão experimentar.
SAVAGES
Patti Smith e Ian Curtis enrolaram-se, ninguém soube e Jenny Beth é o fruto bastardo dessa tal paixoneta de verão. A mulher da frente das Savages é daqueles furacões que aparecem poucos. Silence Yourself, o disco de estreia nomeado para Mercury Prize, é o transplante perfeito para o desafogo do pós-punk. Quarteto de mulheres com a palavra e os instrumentos igualmente bem manuseados, com canções incendiárias que se tornam mais violentas ainda ao vivo. São uma das revelações do ano, disso todos sabemos. Deixem-nas baixar as luzes do Coliseu e transformar aquilo na cave mais imunda da cidade. Duvido que não seja um dos concertos do ano também. Mulheres e homens: a vocalista tem o punk-appeal mais intenso da indústria. Chega?
ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DO ROSSIO GLASSER Cameron Miserow atira-se para cima de palco como Glasser. Filha de músicos experimentais que não degenera. Com os ambientes que cria, encanta tanto pela estranheza de diva como pela faceta pop mais etérea que a caracteriza. Pensem em Ferver Ray e Lykke Li com mais apetência pelas drogas alucinogénicas. O novo paradigma de song-writing feminino agarrado às máquinas. Um dos caos-versus-beleza mais harmoniosos que vamos encontrar. Interiors é o motivo da digressão, um salto acima do primeiro, Ring (2010). Trajes bizarros e movimentos epiléticos (mas sexys, sempre), não há como não correr para este concerto. Seja lá o que for que estejam a ver.
IGREJA DE S. LUÍS DOS FRANCESES MOONFACE O que faz o canadiano Spencer Krug como Moonface não está nem perto de tocar o percurso dos Wolf Parade. A sua outra mui conhecida faceta. O barítono-punk, que partilhava palco com Boeckner, é também conhecido por outras várias aventuras como Sunset Rubdown, Swan Lake, Frog Eyes, entre outros projectos caseiros. A verdade é que nesta sua encarnação, Krug expõe o seu lado mais carnal em composições ao piano com a veia mais baladeira à flor-da-pele. Épicos orquestrados a primar pela beleza da emoção, basicamente o vagabundo dos Wolf Parade a vestir o melhor smoking da loja. With Sinai: Heartbreaking Bravery é um dos mais desvalorizados trabalhos de 2012 e em Julia With The Blue Jeans On, saído agora no final de Outubro, consegue, mesmo assim, ser tão ou mais surpreendente. A Igreja de São Luis dos Franceses não podia ser o cenário mais adequado. Levem um pacote de lenços, disfarcem a choradeira de maneira subtil.
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ATENEU COMERCIAL DE LISBOA WAVVES Já há uns anos tinham passado pela garagem do Marquês. Pouco mudou, mas ainda assim mudou qualquer coisa. Foi interessante ver Nathan Williams, punk-destemido-convicto, a escrever um álbum sobre vertigens. O gajo que nunca pensámos vir a ter a medo de crescer. Ainda assim, Afraid Of Heights é um disco de garagem, de drogas, cerveja e rock’n’roll. Só que o puto tem mais uns anos em cima e não precisa de falar disso tão explicitamente. Wavves continuam a ser daquelas bandas que valem sempre a pena ao vivo. Afinal uma boa festa é sempre uma boa razão para suar a t-shirt e correr o risco de sair dali amassado. A areia da Califórnia de volta a avenida, com a esperança de que a não-esperança das canções anteriores sejam relembradas também. Sim, ainda ninguém se esqueceu de King Of The Beach. Melhor, Stephen Pope, o baixista, é dos gordos mais divertidos do punk actual. Se ele e Nathan se beijarem na boca depois de uma cover do “Santeria” – como no Primavera Sound –, juro que já valeu a pena.
PEIXE : AVIÃO O último disco dos peixe:avião catapultou a banda de Braga para uma outra dimensão. A musicalidade sempre lá andou, o talento para as canções e a firmeza destes seis tipos como banda também. Mas o novo disco, homónimo, significou uma espécie de nova vida para eles. Depois de Madrugada, ditou o ciclo natural do grupo que havia alguma coisa diferente a fazer. Abençoado momento. Aumentem as jams e intensidade, a agressividade na abordagem, os efeitos nas vozes e a esquizofrenia nos sintetizadores. Um dos mais criativos discos do ano. Quer nos momentos kraut como nos de experimentação mais ruidosa, trazem-se com novas roupagens. As luzes e o set de palco só têm a ganhar com isso. A proposta é a experiência!
CINEMA S. JORGE JUBA Miudagem de Lisboa com pouco pelo na cara mas com nome bem guedelhudo. Novos mas a saber muito bem o que fazem (quero eu dizer!). Bastou um único single aos Juba, “Bloodvessels”, para que as datas se multiplicassem. Um Mexefest ainda como vencedores do concurso de bandas, Milhões de Festa, Fusing, Ponte Party People, e outros tantos sítios foram-lhes permitindo mostrar trabalho em palco. O som fresco e viajante das guitarras, a voz ébria arrastada, a bateria cavalgante e sintetizadores jardados, tudo isso, foram indícios que despertaram o interesse geral. Pensem em shoegaze psicadélico levitante, onde os sonhos são o real. Pós-surf-rock-cósmico que pede olhos fechados mas também sabe bem na rádio. Melhor ainda, o disco de estreia está para breve, como quem diz este mês. Vai chamar-se Mynah. Agora esqueçam-se de o ouvir.
TAPE JUNK O Joca é músico ponto final. Não toca só bateria, não toca só guitarra, nem só escreve e canta. O gajo faz muito de tudo, isso já o tinha provado com os Julie & The Carjackers. Sozinho assume-se Tape Junk, por ser fã de gravar demos em cassetes que geralmente originavam lixeira na secretária. Desta vez decidiu então fechar-se na garagem e levar para a frente a ideia de gravar a sério as suas amarguras de coração aberto. Histórias de desamores, drogas e coparia, cantadas e contadas com o cigarro no canto da boca. Como ele curte. Há Pixies, há Pavement, baterias secas e guitarras a fazer troça do bonitinho. No fundo um disco de rock’n’roll directo e com prazer nisso. Com ele em palco, os amigos: Frankie Chavez, Nuno Lucas e António Dias. Afinal só assim é que faz sentido.
DELTA Q AVENIDA SEQUIN Fala-se em pop sedutora mas não se fala em fácil. Atenção. Sequin, aka Ana Miró, é das mais interessantes descobertas do ano. Discretamente, com um primeiro single, “Beijing”, e umas vozes forasteiras nas experiências de Jibóia, foi aparecendo nas rádios e despertando o nosso interesse. Os samples andam entre o catchy e o bizarro, a voz entre o doce e o sombrio. Uma espécie de Blondie e Madonna (em versão futurista-fixe) com as lantejoulas dos anos 80 vestidas a preceito. Ao vivo apresenta-se sozinha. É ela quem toca os sintetizadores e lança os beats, só podia ser mesmo uma mulher autónoma a refrescar a pop digital nacional e a virá-la para a dança. O álbum está a caminho e diz-se que foi Moullinex que se chegou à frente para produzir. O mais recente lançamento resultou numa recriação de sublime gosto para “Physical” – original de Olivia Newton-John. Uma das especiarias deste Mexefest.
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WHALES AND LEECHES (OUT ‘13 - RELAPSE RECORDS)
HEREIN WILD (OUT ‘13 - FAT POSSUM)
RED FANG
CARAMEL (NOV ‘13 - MEXICAN SUMMER)
CONNAN MOCKASIN Marciano do fundo do mar Loiro platinado de corte desigual, roupas extravagantes e uma personalidade excessivamente peculiar, Connan Mockasin não é à partida um ser normal. Afinal que outro músico se fascina por golfinhos? O universo por onde vai deslizando é vasto, são arestas elásticas difíceis de desenhar com rigor. Tudo o que ele faz é viscoso. Exotismo soft-blues escorregadio entre o funk e o balanço jazz. Juntem ainda psicadelismo anestesiado a isso tudo. É do que transbordam todas as canções. Forever Dolphin Love é contrariado no tema de abertura. Afinal “Nothing Lasts Forever”, diz ele. Sedativo puro propício à dormência do corpo, tal como “Caramel”. Damos por nós já estáticos (subjugados à oscilação do pêndulo, direita-esquerda, esquerdadireita) eis que surge “I’m The Man, That Will Find You”. O primeiro drunfo-canção. A partir daqui tudo flui em movimentação aquosa profunda. Passa a interessar a máxima leveza da consciência. E como paradigma da música pop que se digne tem que referir Ariel Pink, lá está “Do I Make You Feel Shy?”. Disco gravado num quarto de hotel em Tóquio, com meia dúzia de tarecos (entenda-se guitarra, microfone, gravador de quatro pistas e uns quantos pedais de efeitos). O caseirismo e o sussurro freak estão explicados. As lárgrimas de “Why Are You Crying?” são o tal conceito de fazer-música-para-dentro-é-que-importa. Não são para ninguém perceber. Nisso encontramos Syd Barrett em fraterno convívio com Prince, no resto. O tal groove psicadélico de batimento lento de “It’s Your Body 5” não deixa dúvidas. Relações alienígenas, líbido extra-terrestre, há magia sexual por todo o lado. “I Wanna Roll With You” levanta-nos do chão e faz-nos acordar lentamente. Onde é que estivemos? Joaquim Quadros
4.5/5
FRANKIE ROSE
Inferno a fervilhar
Tudo é eterno
Hoje em dia lidamos com o facto de heavy metal ser um conceito que não chega. Serve para tudo aquilo que tenha tido origem na "degeneração" do rock em kilos. Grandes em meter respeito, de pêlos faciais à feiticeiro e com couraça nos pulsos para os riffs deslizarem melhor, Red Fang fazem em Whales and Leeches o seu mais sólido e complexo disco. Em terceiro lugar na sua discografia provam que enchem menos a sala de latas de cerveja, como no vídeo de "Prehistoric Dog" do primeiro álbum Red Fang (2009), e mais de Gatorade para o trash e charros para as linhas stoner, regime 50/50. Cerveja também, pronto. Tudo abunda. O tema da capa e das letras em voz grave circulam a mutação animal e a metamorfose mitológica. Não é por acaso que o seu nome de banda lembra presas carnívoras. As músicas são traduções bárbaras do nome que escolheram e da animalidade que os borra. "DOEN" é a abertura que argumenta e resume todo o álbum, "Dawn Rising" são sete minutos de metal sem mais adjectivos e "This Animal" uma rockalhada demente. Pontos altos é o disco todo e no fundo heavy metal é mais existirem destas bandas do que um nome para as estantes das lojas de música.
O mote da incursão a solo de Frankie Rose (ex-obreira do rock lo-fi das Dum Dum Girls, dos Crystal Stilts e das Vivian Girls ) parece ser o sentimento de que tudo é eterno, numa espécie de Verão para sempre. Liberta das suas companhias, Rose encontrou, finalmente, o seu próprio espaço e o enfoque que a sua voz de menina do coro merece. De facto, apoiado nessa abertura e numa frugacidade soalheira, Interstellar — o seu trabalho anterior — foi uma das melhores revelações do ano passado: uma comunhão assertiva entre os sintetizadores dos 80s e as camadas vocais new-wave em loop. Este Herein Wild decide repetir a fórmulas e tem, mais uma vez, aditivas melodias pop. Uma preguiçosa “Sorrow”, pintada ao mesmo estilo de Le déjeuner sur l’herbe, é o melhor cartão-de-visita de um disco colorido, um autêntico contraste dos dias invernosos que correm. O problema? Herein Wild, apesar de ser um bom trabalho, soa a um capítulo II das aventuras iniciadas em 2012. Até aqui, não haveria problema, mas a inspiração catchy e a frescura que Interstellar nos trouxe perderam-se — sim, fazem falta as grandes canções, como o era “Know Me”. De qualquer modo, passar os ouvidos por um trabalho desta songwriter de Brooklyn nunca será desperdício.
Gonçalo Perestrelo
Ana Beatriz Rodrigues
4/5
2.5/5
Não é Parquet Courts, é Parkay Quarts Entranha-se, quando ouvimos as guitarras de Light Up Gold pela primeira vez. Quando os vemos ao vivo pela primeira vez, entranha-se mais ainda. Sim, não há cá aso a estranhezas. O primeiro disco esbarra directo nos fãs de riff cru e duro. É Nova Iorque o que ouvimos nos Parquet Courts. Entre Television, oiçam bem o final de “Descend (The Way)”, e Strokes, “The More It Works” é Valensi e Hammond Jr em brincadeira de estúdio, esta malta de Austin TX decidiu bem o sítio para onde se mudar. Feedback e frenetismo de distorção com amplificadores à beira do colapso fazem de Tally All The Things That You Broke um hino à música rock. Como, aliás, já tinha feito o álbum de estreia. E ainda nem se falou aqui das vozes. Andrew Savage e Austin Brown, os dois guitarristas, dividem-se em plenos devaneios depressivos naive bem-humorados. Pavement andam por perto. Reina a não-sobriedade e o story-telling arrastado (ouvimos Jonathan Richman algures), onde a rebelião punk é testemunho respeitosamente empregue. No final “He’s Seeing Paths” recuem ao hip hop de rua dos anos 80, Nova Iorque como pano de fundo, e lembrem-se de Beastie Boys mas em mau. Apitos patetas em loop, e um rap tosco a contar a historieta nonsense dum dealer de erva às voltas pela cidade que acaba por ser apanhado. Os Parquet Courts dão-se a esse luxo. De acabar um EP a avacalhar numa música feita provavelmente de ressaca. Não há mais rock’n’roll que isso. Tanto sabem que vão fazer história que dizem “não é Parquet Courts é Parkay Quarts” JQ
3.5/5 28
TALLY ALL THE THINGS THAT YOU BROKE (OUT ‘13 - WHATS YOUR RAPTURE)
PARQUET COURTS
THE SPACE LADY’S GREATEST HITS (NOV ‘13 - NIGHT SCHOOL)
THE SPACE LADY A freak original Se nunca ouviram falar de Space Lady, não se preocupem. A maioria de nós não sabia quem era até personagens como Irwin Chusid, Erol Alkan ou John Maus começarem a fazer campanha por ela. Space Lady é uma freak original. Viveu em comunas, casas ocupadas, cavernas e barracas, tomou ácidos, falou com extraterrestres. Diz ela que as duas últimas actividades explicam porque escolheu o nome Space Lady (chama-se Susan Dietrich). Tocou na rua entre os anos 70 e 90, sobretudo na área de S. Francisco e Boston. Começou por ser ela com um acordeão e um capacete com asas a fazer versões de êxitos pop, depois roubaram-lhe o acordeão e passou a tocar com um sintetizador Casio a pilhas. A música que faz é de outro mundo. Genialmente minimal e cândida, mas com uma capacidade de redenção incrível, no sentido em que consegue transformar tudo e seja o que for numa pérola etérea envolta em eco cósmico. Incentivada pelo culto em seu redor nos anos recentes, e depois de ter deixado de tocar na rua nos anos 90 para tomar conta dos pais, Space Lady retomou as actuações e edita discos. Em Setembro saiu um single com “Radar Love” (de Golden Earring) e “Major Tom” (de Peter Schilling), agora sai Greatest Hits, reedição de uma cassete originalmente gravada nos anos 90 com versões de Electric Prunes, Steve Miller Band, Sweet ou Steppenwolf. Mesmo que soem parecidas, as canções são magníficas. Pó das estrelas. Isilda Sanches
4.5/5
NEW
(OUT ‘13 - HEAR MUSIC)
PAUL MCCARTNEY
“Sim. Também sou um dos Beatles” Já não é uma questão de qualidade. Não lhe falta o álbum-confirmação, nem uma segunda leva de seja o que for para que se batam palmas. A cara é indiscutível, a sua banda de origem tão conhecida como a bíblia ou a coca-cola ou o Obama. Falta-nos é perceber que não há grande volta a dar e McCartney é McCartney. Que se lixe o sir. Desde 2007, com Memory Almost Full, que se esperava pelo próximo petardo. E ele acabou por chegar, vindo do nada, com neóns demasiado joviais para um Sgt. Pepper a envelhecer e com uma listagem de músicas que sem o suporte audio podiam parecer mais uns quantos episódios do seu dia-a-dia a que nos habituou. A verdade é que não tem nada de banal, nem habitual, nem mesmo de um tipo com 71 anos assombrado pela artilharia pesada do passado. New é claramente a sua tentativa de reformar a grande instituição que é o seu nome e um adaptar aos tempos sem ser pelo caminho fácil. Tão sábio na construção pop/rock que até as falhas naturais da idade na voz usa para exprimir aquilo que inevitavelmente o envolve: a vida de um velhote, passando a repetição, do rock. A música que dá nome ao álbum é tão bonita e tão simples e tão “when we were new” que finalmente se pode apalpar as bochechas com legitimidade e carinho por uma das pessoas que mais deu à música. “Queenie Eye”, “Save Us” e “Alligator” têm genica, vigor e poder glam. “Hosanna” a dedicatória charmosa à Paul, que tanto pode ser para uma mulher como para um lugar como para o que se quiser pensar. Como se não bastasse, usa a moda recente dos beats electrónicos para swingar e jingar, como muitos ainda tentam, em “Looking At Her”. Nem vale a pena. Não dá para ser avaliado no fundo, com um avô destes não. GP
3.5/5
FROM TOMORROW
(OUT ‘13 - ALL TIME LOW/HANDS IN THE DARK)
THE OSCILLATION
Devastadores. Os Oscillation, senhores que pisam aquela linha entre a ousadia e a criatividade, levam tudo à frente, quando o que se quer são viagens por uma estratosfera nunca antes conhecida. Esqueçam-se os psicotrópicos e injecte-se uma voz embargadora, umas guitarras reverberantes que nos tiram os pés do chão e um baixo dopante. Efectivamente, as paisagens que os Oscillation pintam negligenciam o nome que carregam. E ainda bem, porque não há aqui repetição, nem, tampouco, monotonia. Há, sim, uma vontade de fazer sair do corpo quem passa os ouvidos por From Tomorrow. Por outro lado, a evasão a que nos conduzem estes londrinos consegue ser solitária, frágil até — que o digam os solos hipnóticos de “Descent” e/ou a voz morna de DC na apropriada “Dreams Burn Down”. Não sendo um trabalho fácil de ouvir pela sua intensidade, From Tomorrow é um caos de ambiências drone, kraut e — porque não? — garageiras (os Metz babar-se-iam com “No Place do Go”). Importante a reter: a bem-conseguida falta de coerência na estrutura de canções e a extravagância muito própria de um planeta psicadélico por excelência. Não se esqueçam de se descalçarem perante o ruído de From Tomorrow e de comprarem um bilhete sem-volta até um sítio que, por agora, se chama o Amanhã. ABR
4.5/5
Tão novo e tão clássico
FUZZ
(OUT ‘13 - IN THE RED)
FUZZ
Um sete polegadas de amostra para o início do Verão e assim os Fuzz informam que existem e com feições de quem vai bater à bruta com o pé. Do Ty já estamos mal habituados. Do seu guitarrista Charles Moothart, culpa da Ty Segall Band, também. Estes dois amigos de Laguna Beach, parceiros de garagem desde o tempo das borbulhas, trapaceiros por fazerem demasiada música em tão pouco tempo, saem-se agora com, provavelmente, O disco de garagem dos últimos tempos. A devoção a Sabbath, que tanto se tem desenterrado ultimamente, e a todo o British Heavy Metal dos seus contemporâneos Blue Cheer permanece ao longo deste primeiro disco que sem merdas escusa nome e que cheio delas carrega nas experiências de brutalidade de guitarra. Para ouvir do princípio ao fim, aí influência assumida de In-A-Gadda-Da-Vida dos Iron Butterfly, não deixa espaço para se reparar numa só faixa em específico porque pinga demasiado cianeto que durante 36 minutos é comissário dos longos mas satisfatórios jams. Bateria e voz vindos de Ty, que a batalhar para ver quem dá mais pica acaba por empatar com Moothart. Os Fuzz são um belo servicinho para os nossos ouvidos. Experimentem e vão sofrer aquilo a que os antigos chamam um verdadeiro Álbum. GP
4.5/5
29
Cérebro e coração servidos no mesmo prato.
ONE BREATH (OUT ‘13 - DOMINO)
ANNA CALVI A epopeia da loira O universo à volta de algumas mulheres experimentais que param nos nossos ipods é mais fantástico e real que o de Oz. "Experimental" é mais uma bengala que uma definição. Anna Calvi aterra no País das Maravilhas do rock com o álbum de estreia em 2011, apesar de mostrar logo que não era uma bruxa do Bem pelos palcos e backstages mundiais. Neste ano supersticioso de '13 a personagem noir, fazedora de solos de guitarra, loira e gira como a merda, saca num suspiro a nova vaga de feitiços auditivos que recorrem às técnicas de gravação mais actuais - tem um som do caraças - e que no entanto se mantêm com o ambiente sala agradável e intimidante que já vinha desde "First We Kiss" e de "The Devil". Anna sempre que dá um nome querido à música sabe-se que vai sujá-la, despirosála, consporcá-la com shreds de guitarra, ou coros das trevas, ou mesmo timbres angelicais que num universo como o dela, do Mal, sabe ao estranho/bom de "One Breath" ou "Love Of My Life". "Carry Me Over" é épica na união da guitarra com a orquestra e as percussões aventureiras dum xilofone, "Cry" soa a perigo no coração, "Suddenly" mais "Bleed Into Me" e ainda "Sing To Me" são daquelas músicas onde os jograis mitificavam heróis, aqui num molde dantesco e mais de vilão. Esse tal universo feminino "experimental" já tinha Fiona Apple como bruxa boa, a tão adorada Florence como a bruxa das florestas (vá...) e ganha com Anna Calvi mais uma para o clã das pausadas que fazem baladas para o seu submundo. Quem é que se interessa pela Yellow Brick Road? GP
4/5
NIGHT TIME, MY TIME
A atenção virada para eles e eles marimbando-se para isso. Gente do Texas é assim, humilde e normalmente a fazer boa música. Carimbam a teoria Spoon, Explosions In The Sky, The Black Angels, ou por exemplo, Parquet Courts. O álbum D de White Denim é o que é, superação a tudo o que tinham feito anteriormente. Surpreendentemente Corsicana Lemonade estabelece o não-mais-do-mesmo e faz exclamar com pasmo “estes sacanas conseguiram fazer melhor”. Tal linguagem e estatuto (justamente) conquistado em tão pouco tempo de existência, só faz crer que são músicos raros. Demasiada habilidade no ADN para tantas ideias pensadas escorrerem com tamanha naturalidade. O carnal de mãos dadas com o matemático, ou no fundo, em palavras de miúdos, musicalidade que dói. Impressiona a destreza da articulação de diferentes discursos dentro da mesma canção. Nas guinadas rítmicas da canção-título sobressai o groove impossível-mas-com-eles-até-parecefácil. Uma coisa muito White Denim. O psicadelismo baladeiro nas entranhas de “Limited By Stature” torna-se quase orgásmico. Chamem rock académico moldado sob trâmites do jazz à experiência de “Distant Relative Salute”. Não deixar de respirar ainda o charme southern de “Come Back” (que canção!) ou o swing do corpulento single “Preety Green”. Complexidade que vai ao filtro e nos chega manteiga. Verdade, verdade, é que Jeff Tweedy (Wilco) lhes deu o estúdio em Chicago para a gravação. Mais orientado para ser tocado ao vivo, tudo bem, mas a produção demasiado colada à perfeição. Houve algum descuido garageiro que ficou por Austin. Ainda assim? O melhor disco deles. Podemos arriscar dizer: tal como será o próximo. JQ
CORSICANA LEMONADE
(NOV ‘13 - DOWNTOWN)
WHITE DENIM
4/5
(OUT ‘13 - CAPITOL RECORDS)
SKY FERREIRA Nem toda a pop platinada é Miley Cirus Não sabemos se é a heroína que a afasta das andanças mainstream da MTV ou se é o indie que a absorve pela relação com Cole (DIIV). Na altura em que a prostituição da imagem é a cena, ficamos na incerteza: é Sky Ferreira produto? Enfim. Em “I Blame My Self ”, numa audaz jogada ou não, já ela própria se condena “pela sua reputação”. Portanto, jamais seria eu a crucificá-la. “Kiss” de Prince, no início da tal assumpção-canção, estatela desde logo amor pelos 80’s. Pop analógica bem tratada, estupidamente catchy e com as fragilidades bem no sítio. Se em “Boys” entrou a matar – há lá assunto mais girlish do que esse na música popular do reino feminino –, a vitimização em “Nobody Asked Me (If I Was Okay)” resume a ideia. Trata-se de um diário-disco que desvenda os problemas de uma famosa a viver o frenetismo dos 20 em NYC. “Omanko” é incursão freak açucarada da boa. Noite bizarra de copos entre Madonna e Debbie Harry sem direito a refrão ou momento assumidamente doce. Bom pormenor. Toque de subtileza de Ariel Rechshaid, também produtor das elogiadas estreias de Solange Knowles e Haim. Tudo mulheres a fazerem o que tem que ser feito para que isto ande para a frente. E “You’re Not The One”, já que falamos em miúdas-só-quererem, homenageia Cindy Lauper mais que à altura. Sky Ferreira é, de facto, o novo protótipo de diva pop hipster que faltava. O que só seria necessariamente mau se houvesse más canções. “I Will” é riot carinhoso e o tema-título o fim previsível. Depois de tanto brilho era preciso o bas-fond sombrio, onde a decadência urbana volta a ser focada. De uma coisa não a podem acusar, de ter lançado um disco mau. Ou seja, Night Time, My Time surpreende. JQ
JOHN WIZARDS
(SET ‘13 - PLANET MU)
JOHN WIZARDS
África com o mundo lá dentro Don’t believe the hype! A menos que se justifique. E no caso de John Wizards, justifica-se. O The Guardian chamou-lhes “mágicos”, o resto da imprensa tem dificuldade em adjectivar mas não há como resistir a esta música que vem da África do Sul com o mundo inteiro dentro dela. John Wizards assumem influências étnicas e modernas da Africa do sul e não só (algum kwaito e shangaan electro, kizomba também), juntam elementos de indie pop, r’n’b e electrónica e fazem um disco surpreendente. Isto é música do mundo, tal como o mundo é no seculo XXI: global, sem fronteiras. John Withers, o estratega da coisa, viveu em Maputo, Cidade do Cabo e Dar Es Salaam e fazia jngles publicitários antes de se cruzar com Emanuel Nzambara, o vocalista ruandês que também circulou pelo continente africano antes se fixar na Africa do Sul. Os dois são o coração de John Wizards, mas a banda tem 6 elementos e todos estão a par do que se faz no resto do mundo, seja rock, electronica ou hip hop, devolvendo tudo com assinatura própria e sempre em regime lo-fi. Na verdade este é um disco bastante improvável. Soa a muita coisa e nada em particular, é fresco e diferente, tem todas as cores, as vibrantes e as escuras, pode ser suave e doce, mas também estranho, festivo e até feroz, tem canções pop e experiências ao lado. Não admira que haja quem lhe atribua propriedades mágicas IS
4/5
3.5/5 Par de reis
4/5
Nicolas Jaar aqui é só metade, calma. Estamos a falar de fatias igualmente divididas, onde Dave Harrington também tem muito a dizer. O Nico de Space Is Only Noise já era. Mutante à solta na música electrónica que se aos 23 anos consegue desbravar estas direcções, o que fará aos 30? Enfim. Por enquanto interessa Psychic, majestosa obra que une a experimentação psicadélica de Dave com a sábia sensibilidade tecnológica de Jaar quando se fala em dançar. Duas mentes destas só podem mesmo mudar o jogo. Estamos mais propriamente na presença de experiência do que de música. Os jogos de silêncio ou os momentos de vácuo exploratório, “Sitra”, tal como a introdução tribalesca de “Heart” são exemplos disso. Não se sabe ainda bem se é o lado mais humano e analógico de Harrington que segura Nicolas em órbita, se o contrário. Está na cara que Darkside, o nome, vem da aura sideral-Pink-Floyd que vai inundando, nas entrelinhas, a atmosfera criada por estes dois. Jaar falou até em Can e Richie Hawtin como premissas. A partir daí as barreiras dissipam-se, se é que chegaram alguma vez a servir de obstáculo. Trata-se de rachar o padrão ao meio. Uma espécie de miscelânea de géneros diluídos em ensaio-trippy. Os primeiros 11 minutos são desde logo a mudança de ares de Nico a aproximar-se de Dave. “Paper Trails” então, são já eles como um só, em perfeita complementação. Mas falar sobre música a música é ingrato. Eu sei que fechar os olhos é cliché mas não os deixem abertos, porra! JQ PSYCHIC (OUT ‘13 - OTHER PEOPLE/MATADOR)
DARKSIDE
4/5
QUE SE FODAM OS TOPS DE GUITARRISTAS
FÁBIO JEVELIM (Riding Pânico, PAUS)
SUNI MCGRATH
MIGUEL NICOLAU (Memória de Peixe)
TIM PRESLEY (White Fence)
PEDRO GERALDES (Linda Martini)
Não estamos a falar de masters do tapping, muito menos da elegância de movimentos de palco. Isso é com a Rolling Stone. Estamos a falar do talento ombro-aombro com a personalidade. E isso Jevelim tem aos baldes. Nos Riding Pânico os riffs cortantes em efeitos de guitarra que só ele espreme, nos PAUS a chanfradeira sónica que veio acrescentar. São argumentos suficientes que o ditam um poço de criatividade. Original é, não fosse ele parte importante de duas das mais poderosas bandas do rock (seja ele de que ramificação for) nacional.
Agradece-se a uns quantos a exploração da guitarra americana, mas esquece-se da poligamia que lá existe. McGrath é dos maiores desbravadores de terreno musical por ter explorado o doce e o amargo da coisa. Confessado por ele, são os exercícios da música balcã nos ritmos e nas “modulações dos modos melódicos”, a gentileza e suavidade das variações Hindustani e a “harmonia ocidental convencionada” de Béla Bartók, que lhe dão as temáticas para fazer obras, não músicas, de genialidade instrumental.
Um autêntico cérebro na altura de dedilhar a guitarra. Em Portugal não há quem se aproxime do que ele faz. Ao ouvir os loops matematicamente tricotados, a entrar com rigor, cada um na sua vez, sabemos de que se trata de Miguel Nicolau. Motor melódico dos Memória de Peixe, igualmente influente nos Cavaliers of Fun, é engenheiro de uma das mais especiais personalidades à guitarra. Riffs cirúrgicos cintilantes, incisivos, por vezes ondulados, há versatilidade para encaminhar o som para onde bem entender. Miguel Nicolau é uma espécie de robot com coração mole. Técnica e emoção não são fáceis de misturar tão bem.
A guitarra bem cá em cima, nivelada com os mamilos, a sair suja-toda-suja e solos com o mesmo volume do resto dos instrumentos. As malhas, até quando são calmas, têm um passo a abrir e entre power-chords, bendings, e todas essas merdas técnicas que se dá à execução de uma guitarra, Tim Presley faz solos com tudo. Bem tocados, certinhos, mas muito superiores aos dos virtuosos. Excelência técnica e alma na composição são aquilo que faz de Presley um digno transportador do apelido rock.
Os Linda Martini são uma banda de guitarras. Rock’n’roll portanto. Há o culto, sim, já se sabe: o passado histórico, os concertos, o “Cem Metros Sereia”, Paredes de Coura, etc. Mas há músicos por trás disto. E Geraldes, já que falamos em guitarristas, é dos mais audazes na hora de criar. É dele, em grande parte, que vem a sujidade e a aspereza dos Linda Martini. As barragens de distorção, o músculo bruto, e ainda a sensibilidade na altura da experimentação. Não se repete num concerto. Tem essa capacidade, de interpretar cada momento à sua maneira. Sempre com um talento filha-da-puta.
SEASICK STEVE
RICARDO MIRANDA (Black Bombaim)
MAC DEMARCO
NORBERTO LOBO
ZACHARY COLE SMITH (DIIV)
Sozinho basta. O mendigão fixe arranca as raízes mais puras do boogie e do blues com as unhas e entra em cena com o estigma americano clandestino. O seu trono está longe de ser dourado e celestial, porque não foi assim que a vida o educou, preferindo batucar na guitarra e slidar com o que estiver à mão em cima de uma poltrona toda ferrugenta. A sua cama é a mesma que a dos subterrâneos. Lá habituou-se a curtir e é lá onde se inspira melhor para nos transportar para a décima carruagem dum comboio, com carvão a entrar-nos pelos ouvidos.
Aqui há fibra. Massa stoner pura é a linguagem que fala este monstro. Ricardo Miranda é o guitarrista dos Black Bombaim. Nervo rock que ultrapassa o domínio da experiência e faz da guitarra o transporte mais eficaz para o espaço. Chamem-lhe revolução sónica demolidora, com referências, atenção, dos melhores dos grandes. A instrumentação hipnótica dos Black Bombaim nunca (mas nunca!) pode ser dissociada do baixo (Tójó) e bateria (Senra), mas é o guitarrista o responsável por levá-los para lá do terrestre. E levar-nos a nós. Titânico é, de facto, o adjectivo que faz mais sentido.
Porreiraço nato, Demarco auto-intitula jazz esporrado (jizz jazz) ao seu som que sim complica o sistema hormonal e dá uma nova forma à trip de ouvir uma guitarra com efeitos. Diz que o seu truque é usar instrumentos e material rasco que nenhum músico a sério usaria. Todavia faz-se respeitar, dentro da palhaçada, por apanhar todo o ambiente da rádio nocturna e por romantizar as normalidades urbanas, como os seus cigarros a quem dedica “Ode to Viceroy”. O gajo toca que se farta e embeleza a grande baliza que tem entre dentes com a facilidade com que convive com a guitarra que tem ao colo e que provavelmente lhe custou trinta dólares.
“Virtuoso” e “talentoso” são as tais adjectivações preguiçosas que normalmente se acrescentam a Norberto Lobo numa frase. Um alien (como elogio) da música nacional que vê na guitarra uma ferramenta de transformação. Pensa para lá das cordas, para lá do som. A tradição de cá criada em ambientes nunca antes ouvidos e numa abertura ímpar, pensada só por si. Norberto é lobo voraz a explorar os mais vastos terrenos acústicos numa expressão que não precisa de voz para lhe ouvirmos o lirismo. Fala Mansa, Mel Azul ou Pata Lenta são monumentos de excelência da sua doutrina. Não deixem de os ouvir. Seriam só vocês a viverem pior a vida.
Zachary é daqueles gajos que mostram que a decadência do rock não é necessariamente má. Traz bons frutos, em detrimento dos seus agentes que são nada mais que mártires da vida louca que vai do quarto onde se dorme com a namorada até ao estúdio, passando pelos palcos dos festivais onde tocam até ao backstage. Aí só os fortes sobrevivem. Zachary é delicado e engenhoso no seu instrumento e tanto o usa para punkalhar os movimentos da plateia como para os fazer deslizar a sonhar. Pelo meio passa-se umas horas na prisão ao mesmo tempo que a sua miúda.
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