ÓRFÃO #3

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SENSIBLE SOCCERS GREEN RAY por PANDA BEAR THEO VERNEY DIVAS BIZARRAS



DESTROYER NOITE FETRA & AMIGOS (ÉME + Putas Bêbadas + Pega Monstro + etc...)

C a s a

6 D E M u s i c 7 D E C C V

6 D E Z I n d e p e n d e n t e

Z b o x Z F

SENSIBLE SOCCERS + ERMO 7 D E Z M u s i c b o x

CAPITÃO FAUSTO 1 1 D E Z M a u s H á b i t o s

CAMERA 1 3 D E Z M u s i c b o x

GREEN RAY por PANDA BEAR

ANNA CALVI

(bEEdEEgEE + Niagara (live) + Marcelus Pittman)

1 6 D E Z C a s a d a M ú s i c a 1 7 D E Z A u l a M a g n a

1 3 D E Z L U X

TRIPS

ORFANATO #2

(Los Waves + DJ-Set Tiago Castro ) 1 9 D E Z L o u n g e

(Camera + Eric Copeland + Cosmic Dead + Al Lover)

CARNAVAL DE NATAL

1 4 D E Z P l a n o B

(Foolkazoid + duas semi colcheias invertidas + Jibóia) C a s a

2 0 D E Z I n d e p e n d e n t e

MARC ALMOND

JOHN TALABOT

2 0 D E Z M a r i a M a t o s

2 1 D E Z L U X

BLACK BALOON

(Walter Benjamin & Friends -The Queen Is Dead by The Smiths-) 2 7 D E Z L U X


KELELA Dias estranhos estes. Em que novas frentes da pop emergem, umas sluts outras não, e que baralham os focos de atenção. Entre a ribalta manufacturada e quem verdadeiramente interesssa, surgem as Mileys e as Kelelas. Repito: as que não interessam e as que realmente interessam. Kelela Mizanekristos é das que valem realmente a pena. Aquilo que faz facilmente se destaca nas tabelas, mas as causas e como lida com isso também a mantêm bem debaixo da sombra. E ainda bem. Atira-se à pop cromática digitalizada, de braços dados com o R’n’B dos 90’s como ponto de partida. Há também no cardápio Tracy Chapman ou Natalie Cole na condição de referências. Imaginem Yukimi Nagano (Little Dragon) ou Nite Jewel, também supracitadas, numa produção de SBTRKT. Kelela anda lá perto. No lugar do SBTRKT, isto é, a produzir as suas canções, há gente como Nguzunguzu, Jam City, Kingdom, entre outros, figuras preponderantes do catálogo da Fade To Mind. Casa que habita e que tratou da edição de Cut 4 Me, o seu primeiro trabalho. Kelela é sensual ao mesmo tempo que é comovente, dança-se ao mesmo tempo que se pensa. É bom e fresco, portanto!

ANTHONY NAPLES Também há miúdos que crescem sem ligar muito ao som das guitarras. Parece difícil mas acontece. Que o diga Anthony Naples. Jovem produtor de Nova Iorque que cresceu a ouvir música de dança por gentileza maternal e aparece aos 23 anos dono da sua própria editora Proibito Records. “I Don’t See Them” ou “Mad Disrespect” são exemplos de que há novos corações a pensar o house e o slow-techno de forma bem-humorada. Há quem possa ainda fazer-nos mexer o pescoço e não bufar de saturação. Ainda há poucos anos falsificou BI’s para entrar em festas de Caribou ou Floating Points, percebam onde sorveu as influências, e entre Todd Terje no tal lado mais funny ou Joy Orbison no lado mais cerebral. Naples começa, com mérito, a fazer reluzir o crédito nas suas produções. Justifica-se então a recente tour europeia com honrosas passagens por mecas como o Fabric e Berghain (sonhos de criança!), e a aparição-bênção no programa de rádio de Four Tet. No fundo: está lançado.

BRAINFREEZE Nashville não é só os estúdios do Auerbach. Não. Há bandas que saem de lá e que se estão a cagar para os Black Keys. Há gente que não quer mesmo saber do blues para nada. Riffs os-Dinossaur-Jr-é-que-eram, nostalgia Pavement-são-das-melhores-bandas-de-sempre. Sonic Youth idem. Isso sim. Brainfreeze fazem parte da nova vaga Yuck, das bandas que gostam do que de melhor se fez no indie dos 90’s e o revivem com boa-fé. O orgulho desmedido nos amores de verão fracassados, cantado na mais melancólica das displicências. Premissa indicada para típicas histórias de adolescentes, mais apaixonadas do que maduras. Voltamos a lembrar-nos dos cacifos de liceu. O longe que isso estava e o rápido que nos volta à memória. Canções tristes mas com brilho suficiente para perceber que nem tudo é merda naquela década. Lançado o primeiro, Bully EP, Alicia, Stewart, Danny e Kyle são agora mais uma banda a estar debaixo de olho. Para o bem ou para o mal eles fazem bem a cena mal feita. Isso é fixe.

LOS WAVES São um caso como poucos em Portugal. Já vadiaram as suas trouxas das Caldas da Rainha para o Canadá, e Londres já foi casa por uns tempos. Nestes sítios foram tocando, ainda antes de tocar em palcos para mais gente em Portugal, e foram pernoitando aqui e ali, com o objectivo tão sensato como adolescente de curtir. Mas a luz pop, os areais caleidoscópicos e a frescura das melodias vêm do habitat natural, os vários retiros pelas praias da costa alentejana. Sim, também há hippies de mochila às costas a saber fazer canções. Got a Feeling, o primeiro EP, representa então a vagabundice sónica de Jean River e José Tornada: os Los Waves. Riffs solares, sintetizadores cromáticos, tudo ingredientes para irmos com a ondulação directos ao seu universo próprio. Afinal o Verão não está assim tão longe.


por JOAQUIM QUADROS

É bom saber que todos os dias há pelo menos um gajo que se levanta e se agarra à guitarra com a nobre intenção de cuspir determinado na tal ideia de que o rock’n’roll está a morrer. Theo Verney, bretão nativo de Brighton, de cabelo comprido oleoso como mandam as regras, é um dos casos. Heavy Sunn, o último EP, é produto raro vindo do Reino Unido. Melodias power-pop das que ficam no ouvido, imundice de fuzz nas guitarras (paraíso aos olhos de Verney!) e bateria seca a embater violentamente no cimento das paredes da garagem, tudo o que uma viagem por LA pode trazer de volta para a cave de casa dos pais – onde grava tudo por conta própria. DIY puro, músico engenhoso nas articulações entre o stoner e o garage, onde sobressai alguma da frescura da sua visão. Led Zeppellin e Black Lips podem conviver numa canção. Sim. Uma espécie de Ty Segall inglês, coisa que não costumamos ouvir. Leiam a entrevista mais à frente.

Vamos lá ver! De onde raio vens tu? Brighton, certo? Que idade tens? Então! Nascido e criado em Brighton, bem a sul de Inglaterra. Tenho 23 anos neste momento. O que é que andaste a fazer antes de começares a fazer música por ti próprio? Muita coisa. Toquei noutra banda garage mas antes ainda andei a produzir hip hop. Que discos é que te puseram a fazer rock de garagem? Black Lips e Turbo Fruits, sem dúvida, foi o que me pôs realmente na cena em 2003, penso eu. Naquela altura ninguém queria tocar música suja de garagem comigo. Como vieram as primeiras tentativas a tocar sozinho e a gravar tudo por conta própria? Eu sempre trabalhei bem sozinho, facilmente percebi que tinha que tocar e fazer as minhas coisas. Foi uma coisa natural. Tal como te disse, não havia ninguém a querer tocar as coisas que eu queria.

O Heavy Sunn é gravado aonde? Que material usaste? Gravei-o em minha casa, no meu quarto. Tenho um pequeno estúdio caseiro com uns microfones baratos, material muito amador e um computador com o Logic para trabalhar. E quem toca contigo ao vivo? A minha banda são dois amigos meus, claro. O Humble Joe no baixo e Alex Bleeding na bateria. Vais tocar no Le Guess Who? no próximo fim-de-semana. Deve ser fixe estar ao lado do Ty Segall, White Fence, King Khan, e outros gajos de quem deves curtir. Yeah! Estou muito contente por isso. Já abri uma vez para um concerto de Ty na minha outra banda e foi um dos melhores concertos onde eu já estive. A sério. O álbum? Estás a trabalhar nisso? Claro! Estou constantemente a gravar novas coisas. Não sou de ficar quieto. Tenho 6 músicas novas já gravadas, e

já as tenho tocado ao vivo algumas vezes para ver como funcionam. Mas sim, álbum no próximo ano. Vais continuar em editoras pequenas ou já foste contactado por outras? Já trabalhei com a Italian Beach Babes e com a Hate Hate Hate que lançou este meu EP Heavy Sun. Gosto muito de trabalhar com editoras indie mais pequenas e vou continuar assim como estou. Bom concerto no Shacklewell Arms. Fixe descobrir-te assim. Eras dos poucos lá (risos) foi fixe. Obrigado pelo contacto.

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ALFREDO MARCENEIRO Canta quando lhe apetecer. LEVON HELM

KEITH RICHARDS Toca guitarra, porque já estava na maior banda do mundo antes de eu a formar. ROBERT JOHNSON

Toca bateria e canta daquele lugar entre o coração e a garganta, quando não apetecer ao Marceneiro.

Toca guitarra, porque estes filhos não matam o pai.

BOB DYLAN

DEE DEE RAMONE

Escreve não só as letras, mas as canções, e só não canta da goela porque há uns quantos a quem o Criador deu mais ar. JOHN CALE Toca piano e viola, para um represent dos Velvet e uns drones a apitar lá atrás. THE BEACH BOYS Fazem as vozes no Inverno, porque o todo é maior que a soma das partes CROSBY, STILLS & NASH Fazem as vozes no Verão, porque o todo é maior que a soma das partes e os Beach Boys estão ocupados a fazer outras coisas.

Toca baixo e, claro, conta até quatro antes das músicas. BONNIE RAITT e CYNDI LAUPER O número da primeira parte fica a cargo do duo Bonnie Raitt e Cyndi Lauper, porque o fado é quase, mas não é só homens. MARIA TERESA DE NORONHA Quem faz o encore, sozinha no palco, é a Maria Teresa de Noronha, a maior voz do mundo e, curiosamente, do país.

de FRANCISCO XAVIER (Os Velhos)


SANGUE FRIO

UNSANE - “UNSANE” Com uma decapitação destas não se esperam lullabies e uma digestão fácil. O trio nova-iorquino apanhou esta imagem, totalmente real, de um carril da morte e, para o noise rock ser ainda mais fácil de assoar, puseram-na na capa do álbum de estreia. Há quem não goste de ser muito simpático à primeira...

MENÇÕES HONROSAS

METALLICA - Kill ‘Em All -

A origem do trash igualada com o nascimento da maior banda de metal do mundo na capa do seu primeiro álbum deixa a pensar: será nosso o sangue que pela mão dos Metallica nos deixou a martelar toda a cavalgada e riffs do álbum que originalmente se chamava Metal Up Your Ass?

ANDREW W.K.

JAY REATARD

BLACK FLAG

Ele está claramente com uns olhos de “escorre-me sangue”. A maradice da capa é: Porquê? A difusão na sua música, tão agressiva como apaixonado-comédiaromântica, dá umas ideias: ou foi a um concerto lixado de moche ou levou uma sova do ex-namorado da menina mais bonita e loirinha do concerto.

Não tente o headbanging em casa. Reatard com humor dá-nos a prova, na capa onde estreia a sua garageirice a solo, dos efeitos secundários do partir tudo. Os poros da nuca desabam e escorre punk por aí abaixo. O gajo mostra um ar surpreendido e ainda vivo. Hoje só cinzas e coca.

Os janadinhos da Califórnia não estão para merdas desde o começo. A mão a escorrer de uma pancada no espelho é o seu pequeno-almoço, o seu ritual e a atitude in your face não podia estar melhor representada. Há quem faça escalas antes dos concertos e há quem precise só de uma boa e antiga porrada.

- Get Wet -

- Bloody Visions -

- Damaged -

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...SKY FERREIRA “Night Time, My Time”, de Night Time, My Time

Françoise pediu para sair antes de chegarmos onde queria.

Qualquer coisa haver com ir a um café, meio nocturno no abrir das portas, meio diurno para os que fazem vida do meio-dia às quatro da manhã. Daqueles sítios para os que claramente preferem as estrelas às nuvens, os candeeiros de praça aos turistas de praça, os felinos vadios que comem das partes rotas dos sacos do lixo aos cães que felizes se resignam à trela da dona bem sucedida. Instrumentos pousados num palco estranho e as mesas viradas para lá. Luzes assim para o verde. Banda inexistente. Toca quem quiser e Françoise ia querer. Com a mesma vontade com que saiu do carro ela ia tocar o que lhe apetecesse para doze casais a beber o seu tónico, ou qualquer cena sem álcool, e faria com que os sacanas se lembrassem da noite improvisada como dum álbum ao vivo. Tinha jeito para primeiras impressões Françoise. Fazia um café do caraças também. Devia estar a caminho. Custar-lhe andar a pé não era possível. Não gostava da ideia de guiar um carro. Quanto ao “tempo que demoramos a lá chegar”: foi regateado em casa, ainda mais leiloado já com os nosso lindos rabos nos assentos de couro do carro e assim que orgulhosa decidiu competir a potência dos cavalos do motor de um carro com os das suas pernas percebi que me ia dar pontos na aposta. Só não sabia onde era e assim até lhe dava a vitória sem grande custo. Arrepia-me vê-la sabida e cumprida na tarefa que escolheu entre as mulheres, na liderança bem-disposta que vê um v.s. a meio de todos os artefactos diários de testosterona e estrogénio. Para Françoise um carro nas mãos de um gajo valia tanto como um piropo escusado e deixei-me estar mais uns minutos até me avisar por telefone que já lá estava, com uma palavra querida e desafiadora, tipo: “não te disse?”

O carro por aqueles lados e eu numa passada somente masculina, cheia de frio, a perder contra as qualidade daqueles cinquenta quilos (é ofensa? nunca sei...) com olhos que eu gosto de imaginar azuis. Estivesse ela já a tocar ou a preparar-se para se rir da sua rapidez pantera, minha cedência seu knockout, ia querer estar nesse café. Ver toda a gente a sussurrar se é o diabo que a leva para casa enquanto alguns se contentam só com o tempo da noite, minha noite.

por GONÇALO PERESTRELO www.mendigoretro.tumblr.com

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Phil and Mirah and Thao and… Devo a Mirah a um algoritmo benévolo. Acontece-me com alguma frequência ouvir falar de discos, livros, filmes ou séries uma data de vezes até finalmente chegar lá. E se me apaixono pelo que encontro, fico a pensar: que estupidez não ter ido à procura mais cedo. Quero com isto dizer que quando ao comprar um dos meus discos do coração, Lost Wisdom (Mount Eerie com Julie Doiron e Fred Squire), numa plataforma digital, me apareceu o (A)spera na caixinha “se gostas de x és capaz de gostar de y”, não foi a primeira vez que ouvi falar da Mirah. Mas foi o momento em que finalmente a fui ouvir com atenção. (Mirah lê-se “mira”, como “olha” em espanhol mas com sotaque inglês.) A ligação entre Mirah Yom Tov Zeitlyn e Phil Elverum (Mount Eerie, Microphones) é fácil de ver. Começa por ser geográfica. Embora a primeira tenha nascido em Filadélfia, na Pensilvânia, quando começou a fazer música, no final dos anos 90, foi para Olympia, no Washington – cidade para onde o segundo se tinha mudado da sua Anacortes natal com o mesmo intuito. Foi ele quem gravou a maravilhosa estreia dela, You Think It's Like This But Really It's Like This, de 2001, em requintado lo-fi. Terá tocado boa parte dos instrumentos e operado o 4 pistas, mas nas notas só diz “recorded by mirah and phil”. Também há Mirah em discos de Microphones e ambos colaboraram com Calvin Johnson, o “pai” da K Records, de Olympia, que os lançou aos dois. (A)spera, então. Não será o melhor dos discos dela, mas serviu perfeitamente para me apaixonar pela voz, pela escrita de canções, pelas escolhas invulgares de instrumentação, pelo universo das letras. Tem também mão de Elverum, bem audível em “The World is Falling Apart” ou “Bones and Skin”. Saiu em 2009 e é o quinto da discografia a solo de Yom Tov Zeitlyn, que para além disso se tem desdobrado em colaborações (como Share This Place, de 2007, com o subtítulo Stories and Observations by Mirah and Spectratone International, basicamente feito de canções sobre insectos). Em 2011, depois de uma digressão conjunta, Mirah junta-se a outra singer-songwriter da costa oeste norte-americana, Thao Nguyen (aproveitando o facto de estarem ambas a viver em São Francisco) para gravar Thao & Mirah, disco de canções novas das duas, gravado em duas semanas com a ajuda de uma terceira força da natureza, Merril Garbus (Tune-Yards). Ouvi-o dezenas de vezes (poucos me viciaram tanto nos últimos anos) até decidir dar atenção à banda dela, Thao & The Get Down Stay Down. Mas quando We the Common saiu este ano já estava à espera dele. É bem capaz de ser o meu disco favorito de 2013. O novo de Mirah está gravado e à espera de sair. E enquanto isso não acontece, vou continuando o meu passeio por esta meada aparentemente infindável de discos feitos à minha medida na costa esquerda da América do Norte.

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por FRANCISCA CORTESÃO

“(...)Thao & Mirah, disco de canções novas das duas, gravado em duas semanas com a ajuda de uma terceira força da natureza, Merril Garbus (Tune-Yards). Ouvi-o dezenas de vezes (poucos me viciaram tanto nos últimos anos)(...)”



Na esplanada aliciante de nome Baco & Tu houve mais um café pela manhã que uma entrevista com Nick Nicotine. Com a companhia de Tiago Sousa falámos da Orchestra de Nick, do soul que aí vem noutro projecto, na censurada ida a León de Espanha (parte que ficou só entre nós, bastando dizer que o grande colar do tigre de lá vem) e em tantos outros discos e bandas que à moda do Barreiro lhes é essencial para viver. Malta que faz muito para que ninguém se queixe com o típico “ah, o rock agora está..” porque Nicotine ladra: “o rock agora está o quê?! O rock está como sempre esteve.” por GONÇALO PERESTRELO

Começando, tens algum nome para as entrevistas? Hoje pode ser Nick Suave. Como chegas à panóplia toda de nomes? É uma piada constante desde ’98, ‘99. Tive uma banda em ‘98, uma banda mais rock’n roll, ou ‘97. Acho que foi ‘97. Uma banda com um janado, o Viu, Valter Ulisses, que me convidou para tocar bateria nessa banda, com mais duas miúdas e o gajo

Pensas arranjar uma próxima personagem para um projecto diferente, no sentido de alastrar o espectro? O problema aqui é: há um ou dois pseudónimos e o resto são tudo heterónimos. Eles têm um personalidade própria e coisas bastante decididas sobre o que querem na vida e o medo é que esses heterónimos também comecem a arranjar heterónimos e sigam por aí. ‘Tás a ver

“(...) é o futuro. É ter vários Nick Nicotines a actuar.” ainda antes de ter músicas e ter fosse o que fosse, a cena dele era que tínhamos de ter roupas e nomes. E um amigo na altura deu-me o nome, Nicotine. Apesar de eu nem sequer fumar na altura. O gajo andava muito na cena do Boris Vian e daquela escrita canalha. Mais do Vernon Sullivan que era lá o pseudónimo dos livros de detectives do Boris Vian. E isso sente-se bastante nas tuas coisas... Na altura se calhar mais. Se calhar começou a partir daí. Depois fiz uma banda, Os Santeros e comecei a ser o Nicky Santero. Depois cada banda que apareceu levou com um nome diferente.

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aquela cena de pôr as máquinas a pensar? E elas começarem a fazer máquinas? Um gajo não sabe o que é que vai acontecer. Por exemplo os Platters, e aquelas bandas que tiveram sucesso nos anos 60, continuam a tocar hoje em dia e muitas deles tocam por exemplo 30 vezes na mesma noite, porque tiveram 5 membros originais e depois este saiu e entrou outro e agora todos eles têm os Original Platters, os Platters Verdes, os Platters Vermelhos e estão todos a tocar o “Only You” à mesma hora mas em pontos diferentes do globo. E é o futuro. É ter vários Nick Nicotines a actuar.


Tu trabalhas, toda a gente trabalha. Porque é que um músico há de trabalhar de três em três anos? Isso para mim é inconcebível. Sentes que o teu dia-a-dia está preenchido com o que queres? Nos trabalhos do estúdio, gerir o estúdio, ver malta a tocar lá, Barreiro Rocks... Nesse sentido sim, está. Basicamente é música o dia inteiro. Depois tem outra parte que é toda a.. mas um gajo não quer pensar nisso, em toda a insegurança que anda à volta dessa coisa. Já estive do outro lado da barreira anos de mais. O emprego de merda, estares a fazer coisas que não te motivam e há ali um ponto de viragem em que um gajo começa a.. Às vezes nem sequer te apercebes, só te apercebes quando já lá vais tipo numa estrada e de repente olhas e já tens uma série de montanhas e não sabes como lá foste parar. É tipo isto. Quando dás por ti já só estás a fazer música. Mas nunca consegui dar esse passo consciente, do género: “caguei e agora vou-me só dedicar a isto”. Isso tem um grande peso. Como é que tu vês este lado, como gajo que considero bastante importante aqui, todos vocês são porque dão cartadas, fazem um selo “da outra margem” para a malta que não conhece e banaliza aquilo que se passa aqui, o lado fixe? Este Seattle nosso. Zona industrial, herança operária. Um gajo não sabe quais são os bares, os Crooners Vieiras, porque a internet monopoliza. Qual é o mote daqui? O mote tem sido, pelo menos desde que me conheço, o do fazer. Fazer acontecer. São casos isolados, mas com a mania das grandezas. Tanto que dão nestas coisas. No Outfest, no Barreiro Rocks. São coisas que começam de uma forma muito amadora e pequena, mas com aquela mania de querer ser grande. E isso tem resultado, porque o trabalho tem sido feito dentro das limitações. Estar encostado a Lisboa é uma limitação, porque Lisboa aglomera tudo. Sentes que vem malta da casa para Lisboa ver-vos? Vem. Vem malta da casa. Foi muito complicado trazeres malta de Lisboa, durante os primeiros dois/três anos do Barreiro Rocks. Já começava a ter mais malta de Espanha do que de Lisboa a vir ao festival e isso foi uma cena engraçada. Tinhas malta que se metia de fato para cá e por ser aqui ao pé. Não sei man. É um fenómeno difícil de explicar, talvez pela falta de hábito, o não estar à vontade... o rio meu. O rio é uma barreira... E sabes que para mim também mas ao contrário. Tenho crises de pânico (risos) a passar o rio.

Apetece-te ficar não é? E é bom porque solidifica as raízes. Não é por acaso que são característicos pelas bandas de garagem, pelo espírito que não podes inventar em Lisboa. Sim, mas tens alguns putos fixes em Lisboa. O que eu vejo é que tu aqui não tens grande espaço para estares com merdas. Não dá meu. E se calhar do outro lado, a cena é tão grande, e tens a imprensa, e tens tudo, e há ali uma série de.. Às vezes há coisas que prevalecem. São precisamente esses círculos que são normais que se criem. E tu vês malta que em dois ou três anos faz muito pouca música, mas anda ali a surfar e a coisa está mais ou menos estável. Deste lado não se pode passar isso, porque isto é tão pequeno que tens é que apresentar trabalho, queres é tocar não é? Eu continuo, por mais estética e roupa diferente que eu invente para vestir as minhas canções, muito fiel e gosto muito da fase inicial do rock n’ roll. Aliás da indústria até. Quando as bandas começam a gravar. As bandas começam a gravar aos três discos por ano e tocavam duas e três vezes por noite. Os Stones faziam essa merda. Tocavam num sítio, saíam, iam para ali.. ‘tás a perceber? Na mesma noite! Trabalhavam meu. Que é o normal. Tu trabalhas, toda a gente trabalha. Porque é que um músico há de trabalhar de três em três anos? Isso para mim é inconcebível. A não ser que ok tenhas uma ideia muito específica, mas não é isso que se passa. Estamos a falar da pop, não estamos a falar de uma coisa trabalhada. Um gajo que esteja a fazer uma obra-prima e que esteja três anos dedicado àquela merda, tudo bem meu... Mas não. Estamos a falar de doze canções, três minutos. Não me cabe na cabeça que se editem discos de três em três anos. Acho que isso só faz parte de uma cena, e de uma cena ridícula. Há bandas que fazem essa cena e não estão metidas nessa indústria, mas a grande indústria tem todo o interesse em fazer isso porque basica-

mente investe dinheiro de três em três anos e consegue fazê-lo render. Lanças um single agora, um daqui a seis meses e outro daqui a seis meses e em três anos está um álbum que já foi pago. A promoção está feita e o caraças e aquilo embala. Mas isso tem a ver com a indústria da música, não tem a ver com música. Isso que fizeste com o 77 ( 13. “Ok. Tenho trabalho feito, não sou um gajo que tenha propriamente dois discos e agora vamos voltar atrás”. Mas aí fez-me sentido porque há também essa necessidade, que é para te permitir fazer o quê? Tocar mais. Isso eu tenho noção. Tem de haver um equilíbrio e eu às vezes disperso-me e é por isso que tenho a ajuda do Tiago hoje em dia, para ver se não me disperso tanto. Ele sabe. O esforço nunca foi feito na cena da promoção. Eu editei o Ghosts and Spirits em Outubro de 2010 e em Janeiro de 2011 lanço o Open Water. É uma parvoeira, mas tinha de ser. Estava feito, bora! Mas na realidade ofuscou os dois discos. Nem promoveste um, nem promoveste o outro e quando dás por ti já estás a trabalhar no outro a seguir. Eu sei que tem de haver uma solução de equilíbrio, mas da minha parte, da parte do músico, que sejam outros a tratar disso. Acho que a minha função é dar música. Os músicos continuam a fazer música e depois há a parte comercial. Pode vender mais, pode vender menos, pode haver uma altura em que “ah, o rock agora está..” o rock agora está o quê?! O rock está como sempre esteve. As bandas que eu conheço sempre fizeram música, meu. Acho que é preciso um gajo afastar-se e perceber: uma coisa é o que é visível numa indústria e na promoção, outra coisa é a música que se faz. E hoje em dia não há desculpa para não ouvires a música “que se faz”. Quem é que são os teus mestres? Seja os antigos, seja os companheiros de agora. Tens aqui um dos portugueses actuais. Mas começando.. Sei lá meu... Sou

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fanático pelo Jonathan Richman. Pelo Cave, pelo Tom Waits. Acho que isso nota-se. Sou fanático por esses gajos. Depois tenho uma grande pancada com a cena rock n’ roll toda. Dos originais. A cena soul. Eu sei lá... Há muita coisa meu. O punk enquanto movimento artístico continua-me a arrepiar. Assim como podes ter o cabelo espetado e fazer pumta-pum-ta-pum e não teres nada haver com punk. Essa é outra coisa que ainda não se... mas pronto. Lá está, várias definições de punk. Eu tenho a minha. Gosto muito daquele gajo, o Filho da mãe. Das coisas que tenho ouvido.. Do caraças. Sei lá... Tens os Dead Combo, tens os putos da Cafetra. Essa malta da Cafetra tem tudo haver com isto que a gente tem estado a falar. É malta que faz, que faz bué, que tem uma onda do caraças. O video do “Pina” meu... Aí sim. Cenas que eu sinto inveja de não ter tido a ideia de ser eu a fazer. (risos) O video do “Pina”, das Putas Bêbadas (risos). Em que estado estás para o próximo trabalho? Pá, o disco da Orchestra.. Eu tenho uma ganda espiga que é: se não os edito na altura, depois começam a ficar na gaveta e quando chega a altura em que sinto “bora fazer mais um” começo a fazer temas novos e acabo por ficar com montes deles na reserva. Mas o disco da Orchestra, neste momento, o que está na gaveta assim com mais pinta se conseguisse gravar agora, está mais rock. Mais folk. Andei a ouvir muito o Neil Young. Tem uma beca disso, mas depois as músicas são as minhas e aquilo dá sempre para um lado. Neil Young fodasse... É dos poucos puros. Não faz overdubs de voz, não faz overdubs de nada, aliás faz uma cena ainda mais janada. Estive a ver. Grava montes de vezes a voz e a guitarra acústica em casa e depois gravam instrumentos por cima e ‘tá feito o disco (risos). Por isso é que tu ouves sempre a voz um bocado fraca e falha ali e acolá , como é ao vivo. Perfeito meu! Perfeito. Estávamos a... ah! Vai sair um disco dos The Jack Shits, os Act-Ups também estão a gravar um disco para o ano que vem. Fiz aí uma banda nova, os O.B.’s. Vão tocar pela primeira vez aqui na festa de Natal. Sabes que aqui no dia 24, à tarde... Eu mostro-te, acho que vais ficar espantado, até porque é a única forma de arranjar público (risos, de olhos no iphone). São milhares de pessoas. Esta rua toda cheia. A malta que estava fora encontra-se toda aqui para beber uma ginja e visitar a família que está no Barreiro. De repente começou a ganhar mais e mais e mais malta e cortam o trânsito na avenida principal. Até às sete da tarde. Depois a malta vai para casa. Consoada e à uma da manhã abrem os bares e a malta continua a... (risos). Há dois anos fizemos aí o primeiro Natal Pachuco e fizemos três ou quatro concertos. Tracy Lee Summer, Orchestra, Fast Eddie Nelson, o puto Mike Styles. Portanto em termos de edições que estão para sair agora: os O.B.’s, os Act-Ups, os Jack Shits e o próximo da Orchestra. Ah e uma cena que foi sendo gravada e ficou

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que se chama: Coração Diamante. É um disco soul. Baladeiro? Mais motownish. Também tem baladas, claro. Está para sair? ‘Tá... Tá num limbo. Esse disco anda num limbo há anos. Como é em português foi meio esquisito de arrancar. Mas depois propus-me: “Não isto tem de acontecer! Tem de acontecer. Qual é o encalho? Falas em português meu.” Então comecei a escrever e a coisa já está escrita, está gravada em modo demo, comigo a tocar tudo. E agora é gravar o disco mesmo. Era mais um desafio. Sabes que é muito complicado e eu percebi uma cena. Não é tanto a escrita. É a voz. Procurares a voz porque inconscientemente tu começas a cantar em inglês com as referências. Na altura com os Act-Ups lembrava-me muito do Mick Collins, dos Dirtbombs e não sei quê. E um gajo quer queira, quer não, começa a fazer linhas vocais e apontar a tua voz para ali. Durante os primeiros tempos até descobrires a tua própria maneira de cantar. A dificuldade que eu tive com a cena do português nesse disco foi essa merda. Eu não tinha uma referência que cantasse da maneira que eu queria ouvir e então é muito complicado. Mas agora já ando... aliás no disco da Xungaria também cantei um tema em português. Tens alguma rotina de trabalho? Acordas cedo? Escreves tarde? A letra sai primeiro que a música? Não. Isso é uma cena que sempre aconteceu. Sai primeiro a música, a harmonia, uma melodia, uma métrica e depois é que começam a aparecer palavras. E com muita atenção tentas preencher aquilo com alguma coisa que seja significativo. O processo de compor as coisas: normalmente tem haver com estar lá pelo estúdio, tenho bandas a ensaiar, estou sozinho numa sala à espera que eles ensaiem literalmente sem fazer nada a olhar em frente e agarro-me à guitarra. Tenho ideias e esta merda (agarra no iphone) é brutal. A questão de ter um estúdio... Ao contrário do que a malta possa pensar: as questões técnicas estão lá para gravar, mas na realidade não tenho tanto tempo para gravar como tinha dantes. Estava em casa e gravava à hora que queria. Mas com isto gravas com pistas para dentro dum iphone, pelo menos para teres as ideias e aí é a única parte em que eu sou mesmo metódico. Já não caio nesse erro. Ainda caio no erro de ser meia noite e dizer “ah vou só beber uma cerveja” e matar-me, mas já não caio no erro de “está aqui uma ideia, naa, não me vou esquecer disto” porque vou. Há cenas que às vezes entram e começam logo a martelar e parece que já está a música feita. Olha, a “Open Water” lembro-me que peguei na guitarra e cantei-a. Parecia que estava cá dentro. Do início ao fim. Mas há outras cenas que andas ali a bater a bater a bater até que de repente resolves aquilo.

Sentes alguma influência forte nos putos, do estúdio e fora do estúdio? Sentes uma competição saudável com a malta que vês a tocar? Para mim vejo sempre a coisa, pelo menos os que eu reconheço como sendo parte disto que eu te vou dizer, como parte de uma Irmandade. Daí eu te estar a falar dos putos da Cafetra. Para mim são manos que olham para a música da mesma forma que eu e quero muito, sempre, estar perto dessas pessoas com quem me identifico, ‘tas a perceber? É uma espécie de tónico que tu tomas e ficas... é um bálsamo com que ficas melhor quando estás ao pé de malta que cria e tem ideias. É isso que eu gosto. É a maneira que eu tenho de ver a cena. Estar perto de malta que tenha ideias. O pessoal que tem uma necessidade de ter um output criativo constante não vai parar de fazer coisas durante toda a vida. E é essa malta com quem me gosto de reunir. Por isso é que falo sempre da Cafetra, por isso é que falo sempre do Guillul que também está sempre a vomitar a coisa. Vomitar no bom sentido. Pronto. É malta com quem eu gosto de me relacionar. Sendo um gajo com os ambientes muito bem definidos sentes necessidade de explorar um mood diferente? Tens símbolos? És simbolista? Man, às vezes trata-se de reunir tudo sob uma máscara ou uma estética. Lá está, o facto de eu deixar muitas das vezes as letras para o fim permite-me fazer essa merda. Quando começas a escrever dás uma certa coerência. Isso aconteceu com o Gypsicália. Tens alguns temas acabados, mas depois há quatro ou cinco onde tu já tens o mood e estás a sentir e estás já a ver a capa e quando os começas a escrever já estás a escrever depois disso. Já estás a entregar-te ao disco. Já estás a tapar os buracos ou a meter as pecinhas do puzzle para aquilo ficar coerente. Mas eu tenho de escrever para cinco ou seis bandas e tento unificar o que normalmente anda à volta de miúdas. Que é o mais fácil. O amor. Assim um tema central. Não é? O amor nas várias vertentes, as amizades, a vida. Pronto. As relações humanas. E depois tanto podes falar de uma onça como podes falar de uma pessoa. Automaticamente consegues mandar as coisas para um lado e para o outro. Não te posso dizer que faça um esforço. Não penso num álbum conceptual. Mensagem Final... O mundo acaba a 2 de Janeiro de 2014. As coisas que têm a fazer é virem ao Barreiro Rocks [já aconteceu e foi festão] e à festa de passagem de ano, que estamos a preparar, chamada: Festa do Fim do Mundo. A Festa do Fim do Mundo depois tem um after que se chama Festa do Início do Mundo, porque há vários targets. Malta do copo meio cheio, copo meio vazio. Preparem-se, preparem-se.

“O pessoal que tem uma necessidade de ter um output criativo constante não vai parar de fazer coisas durante toda a vida. E é essa malta com quem me gosto de reunir.”



R.I.P. ACTRESS

A música exploratória está de boa saúde. E em voga. Mais que nunca, festivais como o Semibreve, por cá, ou como o Distortion, na Dinamarca, personificam em cartaz aquilo que faz a música elevar-se a um outro estado: o da experiência. Drones arrastados até mais não, total desrespeito pelos cânones de produção, conjugação labiríntica de samples propícia à viagem. Culpados como Oneothrix Point Never ou Haxan Cloak são vizinhos próximos de Actress. Ou seja, Darren Cunningham. Responsável então por R.I.P., que é, na especialidade, um dos discos do ano. Vida para além da morte, pode ser isso mesmo. Sedativo potente destinado ao hipnotismo e dormência dos corpos. Profundidade máxima nas camadas e camadas de esquisitos trilhos sonoros e de batimentos claustrofóbicos, onde as pulsações invulgares o afastam totalmente da pista-de-dança. Vale, lá está, a experiência. Pan Sonic, o próprio Aphex Twin, tal como quem o chama à convocatória, Panda Bear, são influências fortes. O universo que cria, esse sim, distingue-se de qualquer outro. Sem sequer percebermos, vamos estar a levitar. Missão cumprida Sr. Actress!

PRATA DA CASA Lá para 2010 os Gala Drop lançaram Overcoat Heat EP (lembram-se de “Drop”?), e na altura já Panda Bear vivia em Lisboa e começava a desvendar Tomboy. A relação com músicos de cá já se construía, mais se cimentou quando Gala Drop foram convidados a tocar em Nova Iorque com ele e Teengirl Fantasy. Desde então Panda Bear é, de certa forma, próximo de vários músicos e de malta da Filho Único que tem também culpa na organização do certame da próxima Green Ray. Gala Drop não são só dos mais originais e inventivos conjuntos que há por cá na hora de experimentar a pop, como são também das bandas que interessam que tem tido maior concorrência lá fora. O mais recente Broda com Ben Chasny é prova viva de que são banda-metamórfica e de que não vão parar de se recriar e de explorar os caminhos que começaram há anos atrás. Daí o convite para o dj-set. Panda Bear não se esquece dos seus e confia aos Gala Drop a função de provocar saudáveis convulsões na pista de dança. Já os Niagara vêm em formato live. Os irmãos Arruda e Sara Eckerson são neste momento os pontasde-lança da editora Príncipe e com o EP Ouro Oeste mostram-se como uma das mais afirmativas produções nacionais. Um novo tratamento à música house, uma fervilhante caldeirada de elementos tropicais da savana em perfeita harmonia com uma cadência urbana mais underground. As escolhas locais de Panda Bear não ficam nem por sombras atrás das restantes. É sinal que podemos ficar descansados.

GREEN RAY O jogo mudou em muitas frentes. É a indústria a mutarse para diferentes formatos e diferentes extensões. A curadoria é, num de vários casos, dos novos conceitos do séc. XXI. A escolha das tendências, o apontar-de-dedo do que é ainda desconhecido para colocá-lo em órbita. E o Lux Frágil tem sido assertivo na imposição desta tal nova maneira de construir coerentemente uma experiência de clube. As já conceituadas noites Green Ray são uma espécie de transição de fantasia para o real. Digamos, os tais sonhos molhados. Falamos aqui de um artista da praça pública, pertinentemente convidado, a arquitectizar uma narrativa sensorial ao longo de uma noite. Não é ao acaso que Nicolas Jaar traz Mulatu Astatke, lenda do jazz etíope, uma das referências musicais de infância do produtor metade dos Darkside. Daphni, ou Caribou, já trouxe diversos cúmplices dos seus desvairos criativos, ou mesmo Dixon, Four Tet (lembrem-se do show de Souleyman de há semanas atrás), Seth Troxler, Hot Chip, entre muitos, lotaram o Lux convocando dos mais sortidos valores daquilo que julgam andar a ser bem feito. É isso, uma polaroid, mais instantânea que nunca, daquilo que é o gosto do músico. Carta-branca para preencher o Bar e a Disco com a melhor companhia. O ano não acabava sem uma, assim como nós já salivamos, expectantes, por quem será afinal o curador da próxima. Em Dezembro foi Panda Bear. O escolhido a escolher.

MARCELUS PITTMAN NÃO É SÓ UM TIPO QUE TRABALHA COM O THEO PARRISH Vamos lá ver, todos sabemos que Detroit não é sítio para haver grandes tédios nocturnos. Aliás, dança é nome do meio, sendo uma das mecas culpadas por grande parte do crescimento da cultura do DJing. Se o grunge está para Seattle como epicentro do género, Detroit não fica atrás quando falamos no house e no techno. Basta pensar em Moodyman ou Jeff Mills, figuras paternais destas andanças – que andaram um passo à frente do tempo – , pais ao lado também de Theo Parrish, Derrick May, entre tantos nomes. Ou mesmo Carl Craig. Gente indissociável não só do género como da cidade. Exemplos multigeracionais que têm dado aos seus próprios currículos invejáveis palmarés na música de dança. Marcellus ‘Malik’ Pittman é outro dos nomes de peso que nem sempre aparece como um dos mais fotogénicos da coisa. Começou como todos os outros, vindo de campos do jazz e do hip hop, e acabou por ser um determinante elemento a definir o som de Detroit. Foi Theo Parrish que o apadrinhou em Essential Selections, Vol. 1, e acabou por se juntar aos 3 Chairs em 1998. Já anda cá, portanto, há muitos anos. Hoje em dia dirige e lança-se pela sua própria editora – Unirythm – e é mais uma das cartadas de Panda Bear na próxima Green Ray.


BD aka bEEdEEgEE aka BRIAN DEGRAW COMO QUEM DIZ MOTOR DOS GANG GANG DANCE Sempre se fez conhecer ao lado de DeWitt, Lizzi Bougatsos e do resto da trupe. Os Gang Gang Dance foram (e serão) durante anos a sua banda-mãe. Estilismos à parte, a realidade nunca é bem definível, fazem música para ser ouvida. Redundante, eu sei. Mas pouco mais se pode dizer dos Gang Gang Dance senão que são uma inesgotável palete de cores e de diferentes direcções. Cerebrais mas sempre apontados ao sentimento. Carnais mas sempre com o matemático à mostra. Nessa expressão, Brian DeGraw é definitivamente um dos sentenciados. Ao fim de tantos anos, não só como músico e produtor mas também como artista visual, dedica-se ao seu primeiro lançamento a solo: SUM/ONE. Saiu há dias atrás pela 4AD e vai merecer digressão nos EUA com os Animal Collective – lá está, a cumplicidade com Panda Bear está explicada. Em formato live apresenta então o disco que contém gente de interesse como Alexis Taylor (Hot Chip), Lovefoxxx (CSS), a própria Lizzy (Gang Gang Dance) e Douglas Armour. Preparem-se para dança, preprarem-se para hipnotismo. Não sabemos nunca bem o que esperar, é bEEdEEgEE.

METADE DOS BLACK DICE QUE TAMBÉM TEM ALGUMA COISA A DIZER Os Black Dice chegaram a ser uma das promessas da DFA. Uma espécie de digitalização e transplante do punk para a pista de dança. Experimental, noise, muita droga e trip à mistura, e as actuações incendiárias fizeram dos irmãos Copeland uma das coisas mais estimulante-freak que apareceram no começo dos anos 2000. Eric, um dos Copeland que realmente interessa nesta conversa, é também parte dos Terrestrial Tones, parelha que compõe com outro Animal Collective: Avey Tare. Estamos em família, a Green Ray passa um bocado por essa experiência parentesca-musical. A solo é hiperativo por natureza. De 2007 para cá não é de si ficar sem editar um 7 polegadas ou uma qualquer colaboração esquizofrénica. Pois é mesmo disso que se tratam as suas produções. Incursões paranóicas e sufocantes no que diz respeito à produção. Ruído e caos que ostentam, aqui e ali, alguma sequência de ideias. Pouco mais do que isso. Demasiado complexo para ser sequer percebido. Consigo traz o seu último lançamento Joke In The Hole. Panda Bear é cauteloso, acreditem. Ele não se esqueceu mesmo de nenhum ingrediente para que esta noite seja memorável.

QUEM É PANDA BEAR? Nascido Noah Lennox, em Baltimore, no ano de 1978. Foi em catraio que se começou a formar musicalmente, do piano ao violino, dos instrumentos às vozes também. O coro fez parte dos seus primeiros passos na música. Disperso dessa sua aprendizagem, chegou a formar-se na área de Religião na Universidade de Boston, por considerar-se interessado na História e conceito de Deus. Chegou inclusive a ser até actor em algumas curtasmetragens de pessoas da mesma faculdade. Mas não foi este percurso, no entanto, o que mais o motivou daí em diante. Foram os anos de absorção dos padrões clássicos da música para mais tarde se tornar numa das mais visionárias e futuristas mentes a experimentar o universo das composições electrónicas. A solo ou acompanhado. Josh Dibb (Deakin) foi um dos seus amigos de sempre, desde os 8 ou 9 anos. E mais velhos começaram a ouvir coisas viradas para o house e techno. Era a veia mais experimentadora e cerebral de Noah a vir ao de cima. A figura do panda surge por ter começado a ilustrar capas de trabalhos seus com o animal como ícone. No liceu já ele e Deakin conheciam Avey Tare e Geologist, mais tarde peças-complemento dos Animal Collective. Desde então, o multi-instrumentista passou por Nova Iorque e mais tarde assentou em Lisboa. Esteve associado a monumentos como Strawberry Jam ou Merriweather Post Pavillion com a banda, e foi dono de outras obras-primas como Person Pitch ou Tomboy por ele próprio. Uma espécie de praticante do xamanismo de maquinaria. Feiticeiro espiritual guru da experimentação electrónica, autor de proezas ambiente-psicadélicas a que ainda assim podemos chamar de canções. Só ele. Tão distante criativamente quanto perto geograficamente. 17


por TIAGO CASTRO

NEIL YOUNG Quando uma das referências maiores do rock e folk se transformou em andróide Olhando por alto para toda a carreira de

Neil Young, há um álbum que por ser tão estranho neste quadro geral, mais parece ter saído dum conto de ficção científica. E nessa história poderíamos ter os franceses Daft Punk a inventar a máquina do tempo, a viajar para o final da década de 70 e a inspirar Neil Young a fazer um disco, lá está, à Daft Punk. Quase como quando o Marty Mcfly em 1955 inventou o rock n’ roll. Em Dezembro de 1982 Neil Young editou Trans, um álbum que deixou todo o seu público e a própria editora Geffen em estado de choque, exactamente porque este não era o Neil Young a que estavam habituados. De repente o músico adoptava batidas electrónicas, sons de sintetizador e vocoder. Em Trans, Neil Young já não era o trovador de camisa de flanela, com aspecto de lenhador, que ora construía intensas baladas folk à guitarra acústica, como a seguir rockava com uma electricidade desmedida como se tivesse sempre 18 anos. Com a editora chocada com as canções apresentadas por Neil Young, a Geffen, gerida por David Geffen e que conhecia bem Youg, pois tinha sido empresário dos Crosby, Stills, Nash & Young, decidiu processar o músico. O caso chegou a tribunal em 1983 com o selo discográfico a argumentar que Neil Young tinha feito um disco deliberadamente não comercial e fora

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da sua esfera musical, como a folk e o rock. Muitos podem mesmo julgar que Neil Young teve uma atitude de rebeldia para com a editora ou indústria musical. Mas não. A questão é muito mais profunda e séria, tendo obviamente repercussões artísticas e que alteraram para sempre a figura de Neil Young na década de 80. Esta fase de experimentação do músico, que já tem primeiros indícios no registo Re-ac-tor de 1981, tem a sua génese principal no momento em que o filho de Neil, Ben Young, é diagnosticado com paralisia cerebral. Quando o músico encontrou uma barreira de comunicação com o filho, seja ao nível da fala, seja a nível de expressão corporal, a frustração de Neil Young começou a ficar visível na sua obra artística. Neste período, o conceito das canções ia realmente em direcção a essa vontade forte em comunicar sentimentos e pensamentos. E a questão que se colocava era: como fazer chegar tudo aquilo que queria dizer, quando esbarrava contra o mais alto dos muros possíveis e imagináveis? Uma das consequências da doença do filho foi a criação da Bridge School, fundada pela esposa de Neil, Pegi Young. Tem sede em Hillsborough na Califórnia e se numa primeira fase o impacto da escola foi a nível local e regional, hoje o seu nome é reconhecido em todo o mundo, com uma

enorme projecção internacional. Se a escola nasceu como forma de conseguir comunicar com Ben Young e ajudá-lo a conseguir obter um desenvolvimento que lhe permitisse ter uma vida adulta melhor, rapidamente a Bridge School transformou-se num farol para centenas de famílias. Neil e Pegi acreditavam que todos deviam ter direito a uma aprendizagem de qualidade assim como partilhar sentimentos, pensamentos e conhecimentos. Desde 1986 que a Bridge School organiza concertos de beneficência para angariar fundos. O último aconteceu no último mês de Outubro e contou com inúmeras actuações, como Queens of The Stone Age, Elvis Costello, The Killers ou Crosby, Stills, Nash & Young. Mesmo no fim da década de 70 e num misto de procura de pontes comunicacionais com o filho e assimilação das revoluções musicais à sua volta, Neil Young entra na sua fase mais experimental. Depois de um pouco aplaudido Hawks & Doves de 1980, Neil Young responde com Re-ac-tor de 1981, um disco que apesar de prosseguir no território rock dos Crazy Horse, vibra com a influência do punk e da new wave. Tem temas mais directos, ritmos simples e primitivos. E toda a estética do próprio registo aproxima-se dos grupos new wave da época. O disco marca uma primeira abordagem de Neil

Young ao sintetizador, que viria a ser usado com mais proeminência do disco seguinte. E é de facto em Trans de 1982 que o compositor assume a temática da barreira comunicacional, dando vida à sua frustração através de ferramentas que o próprio começava a explorar. Mais uma vez influenciado pela new wave e por todo o experimentalismo na área da electrónica, Neil Young faz um disco futurista e que ainda hoje impressiona por estar tão fora do seu tempo. O nome Kraftwerk é facilmente lembrado quando se escutam temas como “Computer Age” ou “Transformer Man”. Desde inícios dos anos 70 que os alemães puxavam os limites daquilo que se podia fazer com máquinas. E se numa primeira fase a música era assumidamente experimental, aos poucos os Kraftwerk foram incorporando noções da pop, como aliás se pode comprovar pelo sucesso global de “Autobahn”. E muitos se seguiram na sua esteira, influenciados pelos novos territórios sónicos. Olhe-se para o Bowie berlinense ou para todo o movimento neo-romântico inglês em particular para o primeiro número 1 britânico de sempre à base de sintetizadores: “Are Friends Electric?” dos Tubeway Army de Gary Numan em 1979. Mas uma coisa era ter o mundo a viver a revolução da música electrónica, outra era ter uma figura como Neil Young fazer um


álbum do género. Em Trans basta olhar para a capa para perceber que este não é o Neil Young habitual. O passado e o futuro cruzam-se de uma só vez. Em contraste um típico veículo americano dos anos 50 com um automóvel que parece o Deloreano do Regresso ao Futuro; uma floresta frente a frente a edifícios estranhos; e um homem a pedir boleia enquanto do outro lado da estrada surge uma figura constituída por pixels na mesma pose. Na música podemos não estranhar com a primeira música, “Little Thing Called Love”, mais associada ao folk/ rock de Neil Young. Mas tudo muda logo a seguir com as batidas minimais e electrónicas de “Computer Age” e a voz do cantor a surgir processada por um vocoder. A electrónica futurista está presente em mais músicas, como no single “Transformer Man”, em “Computer Cowboy”, “Sample and Hold” e “We R In Control”. As músicas de Trans nasceram imediatamente a seguir às de Re-ac-tor e com Young a contar mais uma vez com os Crazy Horse em estúdio. Mas a vontade em experimentar ditou que Neil Young apagasse muitas das pistas dos Crazy Horse para logo de seguida colocar os vários apontamentos electrónicos. Esse trabalho coincidiu com uma mudança de editora, da Reprise para a Geffen, num

contrato que valia a Neil Young 1 milhão de dólares por cada disco editado. A liberdade proporcionada pelo novo acordo agradou ao compositor, mas o resultado final deixou o amigo David Geffen chocado. Trans, juntamente com o disco seguinte Everybody’s Rockin’, com temas rockabilly e com apenas 25 minutos de duração, originou um processo da Geffen contra o músico. De qualquer forma e apesar das partes terem chegado a um acordo, Young nunca cedeu e saltou de género em género nos anos seguintes. E a pouca popularidade junto do grande público, ao contrário do que acontecera nos anos 70, transformou-o aos poucos em figura de culto, esquecido por muitos. A entrada nos anos 90 veio a alterar essa postura, com a explosão do grunge e com Neil Young a ser apelidado de padrinho do género. Mas esta fase de maior experimentalismo, em particular o bizarro mas melodicamente irrepreensível Trans, dão a Neil Young uma vitalidade que muitos artistas dos anos 60 e 70 viram fugir, deixando a pop mainstream substituir a criatividade e vontade de desafio. E se hoje os Daft Punk recebem aplausos pela fusão de electrónica com um lado mais humano, com as canções mais despidas e straight to the point de Random Access Memories, porque não roubar um pouco

desses aplausos e colocá-los em Trans, quando Neil Young se transformou em andróide? O verdadeiro “transformer man” merece!

“Em Trans basta olhar para a capa para perceber que este não é o Neil Youn habitual. O passado e o futuro cruzam-se de uma só vez.”


foto por: Fernando Rodrigues

por JOAQUIM QUADROS

Emanuel Botelho deixou claro: “os trocadilhos com futebol são um bocado parvos, mas a culpa foi nossa, que sempre alimentámos isso e nos pusemos a jeito”. Posto esta declaração seria indelicado recorrer a qualquer tipo de metáfora ou figura de estilo à la capa de Record para me referir a eles. Até porque o principal motivo – gigante, diga-se! – é o aguardado álbum de estreia que os Sensible Soccers estão prestes a lançar. Isso sim, notícia que recebemos com ânimo, visto que são das mais entusiasmantes bandas desta pátria. Manuel Justo, também conhecido por Né, Hugo Gomes e Filipe Azevedo são os restantes membros que formam o quarteto que tem como Fornelo (concelho de Vila do Conde) o seu Baltymore criativo. Foi a partir de lá que falou comigo sobre isto de gravar o primeiro disco e de como será levá-lo a palco em Lisboa, já no próximo dia 7 de Dezembro no aniversário do Musicbox. 20


foto por: Raquel Gomes

Já lá vão os tempos da Música Pop Desempregada (MPD), editora com que lançaram as suas primeiras

demos. Foi há uns tempos que ouvimos falar deles pela primeira vez quando, em 2011, lançaram um EP homónimo que fazia soprar ventos de qualidade vindos do norte com “Fernanda” em viagem interplanetária, ou pela experiência tântrica de “Missé-Missé”. Tudo momentos de etérea experimentação virada para a dança a que é impossível ficarmos indiferentes. Entretanto, foram-se popularizando aqui e ali, a tocar um pouco por todo o país e lá fora, sem nunca perder de vista o fim mais apetecido: o álbum. Embora uns passem algum tempo em Coimbra, é em Fornelo, a sede da banda, onde se têm juntado para criar, “é uma casa por debaixo de uma padaria que tem um drone muito engraçado à meia-noite, até já pensámos em samplar”, diz Emanuel sobre a sala de ensaios onde se costumam juntar. Quando falámos sobre o tempo de gravação do disco, assumiu uma certa mistura de paciência e disponibilidade da banda em garantir condições para trabalhar com todos os recursos necessários para o que pretenderam fazer. Explica: “Foram vários factores. Acabámos por esperar principalmente pelo empréstimo de material. Desde baixos a sintetizadores, guitarras, instrumentos de gravação com muito carácter, etc. Tudo isso obrigou-nos a fazer as coisas a seu tempo”. O processo de criação entre concertos não é uma das formas recorrentes na metodologia dos Sensible Soccers. A composição é composição, os ensaios específicos para os concertos são outra coisa, é assim que distinguem. No entanto, Emanuel considera que este período possa até ter sido bom para aprender e tentar amadurecer procedimentos de gravação que não tinham tido sido tão cuidados anteriormente. Houve também algum crescimento e mudança na banda mas promete “que foi uma coisa naturalmente ligeira. A identidade é a nossa, claro, mas como houve abertura de possibilidades no ponto de vista técnico, é normal que haja uma certa evolução”. Pelo que tínhamos visto em palco em 2011 no Milhões de Festa, e pelo que vimos recentemente no Paredes de Coura, sente-se realmente um crescimento do quarteto de Fornelo. Guitarras reverberadas trilhadas sobre pulsação downtempo, em direcção a lugar nenhum, clímax sensorial que só é satisfeito com o alvoroço dos corpos. Os sintetizadores exóticos crescentes, camada a camada, e o trauteio no baixo mostram isso mesmo, que o psicadélico também se pode (e deve) dançar de olhos fechados. Os Sensible Soccers tanto podem segurar orgulhosamente o testemunho de uma visionária abordagem à música de dança como assumir um repensar e uma reformulação do pós-rock. Há aqui vários campos tocados, e a o experimentalismo é a maior premissa. Sobre o alcance de uma maior quantidade de público: “há uma série de barreiras que conseguimos transpor nos últimos tempos e isso é muito bom. Queremos é que esse crescimento seja sustentável e que não seja nada de muito fugaz. De qualquer forma a vontade é continuar a chegar progressivamente a mais e mais público, esse é um objectivo nosso”. “Vamos apresentar agora o disco dia 7 de Dezembro no Musicbox, com Ermo na primeira parte. E foi uma grande honra estarmos integrados na programação do aniversário [o 7º da sala de Lisboa]. As próximas datas vão ser anunciadas em breve”, diz Emanuel sobre os momentos de apresentação daquele que será o primeiro LP dos SS. O álbum está pronto, a ser ultimado na parte de artwork e a curtos passos do envio para prensar. Quanto a datas de lançamento e novos singles, prometem não ter nada suficientemente definido que seja passível de avanço, a não ser que a PAD (nova bolsa de valores nacionais vinda de Braga) e a Groovement vão ser as responsáveis pela co-edição em diferentes formatos físicos. A sonoridade dos Sensible Soccers é um fluxo bastante em aberto. Não é, de todo, apurável aquilo que podemos esperar de um conjunto de temas-quase-canções mais extenso do que as curtas amostras que já nos deram. Uma coisa é certa, muitos dos que acompanham o que eles têm vindo a fazer estão a combater a ânsia. O que é sinal de que andam a fazer as coisas bem feitas. Às vezes demorar a lançar um disco pode ser benéfico. No caso deles, será difícil o contrário. Agora lancem lá isso quem sofre somos nós.

“Os sintetizadores exóticos crescentes, camada a camada, e o trauteio no baixo mostram isso mesmo, que o psicadélico também se pode (e deve) dançar de olhos fechados.”


por JOAQUIM QUADROS

Aproxima-se a tal altura nostálgica do ano. Na secção de música da Fnac há Shut Up and Play The Hits estrategicamente exposto como se servisse de presente ideal, e ligeiramente mais refundido, já noutro canto da loja, vê-se Factory Floor, a estreia dos britânicos Factory Floor, com o auto-colante do trovão DFA na capa. O DVD é de memórias de um fim, o disco é argumento forte de um novo ciclo. Navidades à parte, não trouxe nem um nem outro para casa. Mas dei por mim a pensar no caminho para trás: “afinal onde é que anda a DFA?”. E deitei-me tarde, muito tarde.

É uma história que cumpre com prazer alguns dos comuns

requisitos para ser apontada de cliché. Uma festa de amigos em Nova Iorque e boom!, uma editora cegamente aclamada. Também há destas, mas a isso já lá vamos que NYC merece aqui primeiro uma retrospeção. A meca das tendências, também denominada por big apple, não teve mesmo tempo para grandes marasmos na cronologia. Desde os anos 50 que teve o privilégio de ser asilo criativo para uma das mais astronómicas estrelas do jazz, Miles Davis, que desde essa era fez questão de tornar o mundo um melhor sítio. Andy Warhol é o ser-revolução na arte década de 60, levando consigo, no maremoto artístico, Lou Reed, e os seus Velvet Underground atrás. Afinal de contas Warhol disse que só financiava o disco se a sua namorada pudesse cantar no disco (perceba-se então o “& Nico”). Anos de ouro em que Dylan se move do Minnesota para Nova Iorque para conhecer Woody Guthrie, o maior ídolo e culpado da sua música, e por lá fica a construir a carreira. Na década seguinte, Jimi ‘um dos deuses da guitarra’ Hendrix constrói os Electri Lady Studios e não chega a lá gravar mais de três semanas antes da sua morte. Ou por exemplo, o mítico par de concertos em que Jim Morrison profere a célebre frase “we gonna have a re-al good time” numa das mais memoráveis performances dos The Doors no Felt Forum a 17 e 18 de Janeiro de 1970. Metrópole fervilhante onde Blondie, Talking Heads, Iggy Pop, Television, Ramones e (a mãe) Patti Smith começam a conviver frequentemente no CBGB’s, ora no palco ora à mesa, a fazer a história do rock’n’roll que há-de ter ainda eco no tempo dos nossos netos – abençoado Hilly Kristal. E enquanto de um lado da medalha Mancuso proclamava as suas orgias-cosmopolitas privadas no The Loft, assistia-se na rua a uma outra face, a da erupção do rap, do b-boying e do scratch, a que vulgarmente se chamou de hip hop. Teoriza-se sobre o famoso apagão de 1977 que, apregoam os sobreviventes, tenha talvez sido até devido à sobrecarga eléctrica da cultura do clubbing, que ateava a música de dança, entre o house, a disco e o techno, e fazia dos djs uma nova profissão também. Frankie Knowles que o diga. Mas calma que até 2001, o ano da fundação da DFA, que é aqui o verdadeiro destino, ainda houve capítulos merecedores de devida

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elevação no altar. O Hotel Chelsea virar edifício de culto é claramente um deles. Nem que seja por Bukowsky e Janis Joplin terem sido alguns dos residentes, ou mesmo por ter sido palco de vida e morte de Sid e Nancy, o casal mais degenerado da história do punk. Tal como os Sonic Youth eram pregãos máximos da geração hardcore-Daydream-Nation e deixavam descansados os que iam desaparecendo para dar lugar aos mais novos – não se enganaram, pelos vistos. O hip hop crescia também e com ele brotavam dos mais lendários colectivos da história, entre eles Q-Tip e os Jurassic 5 e também a mais temível e perigosa crew de hip hop de sempre: os Wu-Tang Clan. A obra mais seminal deles, curiosamente a estreia, é Enter The Wu-Tang (36 Chambers) de 1993. Rumava-se a um novo milénio e editoras como a Elektra Records, Enigma, Def Jam, Matador, entre outras tantas, já estavam a fazer o seu punhado de história. Avizinhava-se novo fenómeno, o da DFA que arrastou consigo (ou talvez o contrário) os LCD Soundsystem.

A editora-revolução “Uma festa de amigos em Nova Iorque e boom!, uma editora cegamente aclamada”, dizia eu. Verdade. Em 2001, com os seus 32 anos, James Murphy (agora 43) talvez já tivesse sonhado com isso mas os LCD não eram ainda uma realidade. Ainda assim as suas andanças como dj e engenheiro de som já eram conhecidas. O alter-ego com que começou foi precisamente Death From Above, que mais tarde resultou em processos metidos ao barulho a propósito dos canadianos que acabaram por acrescentar “1979” ao nome. “Could be Disco For Assholes” ou “Don’t Fuck Around” dizem Galkin e Yatch no documentário dos 12 anos da editora, nomes da actual família da DFA. Galkin, isto é, Jonathan Galkin um dos fundadores presentes na tal festa no Plant Bar em Manhattan, onde James Murphy e Tim Goldsworthy (com passado nos UNKLE) estavam a passar música. Aliás, estes dois últimos conheceram-se por estarem a trabalhar em “House Of Jealous Lovers” dos The Rapture, aquela que acabou por ser a primeira edição da label num 12


polegadas. E se estes dois tiveram mão naquele que é um dos maiores emblemas de coração na pista de dança e guitarra ao peito, então havia mesmo urgência de se criar qualquer coisa. Assim foi, cria-se então uma editora-movimento que sorveu de todas as raízes estilísticas da música e arte de Nova Iorque para se definir. Desde a sua estética, sonora ou visual, à sua filosofia e funcionamento, todos os acontecimentos narrados ali atrás são de brutal preponderância na génese da companhia. O género dance-punk ganha força e emerge de mãos dadas com Echoes, dos The Rapture, e com o aparecimento dos LCD Soundsystem. Aquela que viria a ser a mais icónica e orgânica banda de música de dança existente no seu legado. Subitamente temos riffs e a música disco a conviver harmoniosamente e a epifania “Loosing My Edge”, o cartão-de-visita (logo este!), estabelece um novo padrão de canção. Referências distintas de Can a Daft Punk, da techno de Detroit a Captain Beefheart, ou mesmo de Eric B. and Rakim aos Modern Lovers, Murphy declama o seu colecionismo de memórias e entoa repetidamente “ I was there”. Não é só uma das mais astutas letras alguma vez feitas pela sua inteligência mas sim também pelo poder de síntese passado-presente-futuro que o sacana do Murphhy ali conseguiu. Prossegue-se na extensão do catálogo, surgem The Juan Maclean, os discos-catarse dos LCD Soundsystem que os torna banda de massas, os Black Dice que encabeçam o movimento noise dançável daqueles tempos, e outros nomes como Hercules and Love Affair de A. Butler, Holy Ghost, Yacht, Shit Robot, Hot Chip, ou os promissores Factory Floor, surgem mais tarde no cardápio desta mui aclamada residência de artistas. Um prédio de três andares com um estúdio na cave e escritórios nos andares cimeiros, uma pequena família de artistas sem hierarquias, e duas pessoas, Jonathan Galkin, a espécie de gerente e AR multi-funções lá do sítio, e Kris Peterson um outro tipo que comanda operações mais técnicas. Isto por detrás do lançamento, em 10 anos, de 141 singles, 34 álbuns e 6 compilações. Tudo manufacturado e feito sob a ética do DIY que é respeitado e religiosamente seguido. Se falarmos da génese do som onde o disco, o funk e o rock são os mais influentes tubarões-género, temos que ressalvar as guitarras punk daquela era e o clubbing do Paradise Garage como algumas das causas. Responsáveis pela propagação da música de dança para o indie (há lá set que se abstenha do “All My Friends”), muito pelos LCD, mas igualmente pela também valiosa contribuição de outros artistas-pilar da editora. A nível de estética, Michael Valdino, o director de arte, diz mesmo que o trovão do logotipo surgiu a lápis e borracha, para parecer o mais punk e amador possível. Ainda assim Murphy disse, em relação ao primeiro, “ tem bom aspecto mas não consegues fazê-lo parecer mais merdoso?”. A Punk Mag e as fanzines das últimas décadas do séc. XX foram também inspiração para esta editora-instituição, tal como toda a restante corrente cultural que se viveu na cidade que nunca dorme. No fundo, reflexo de uma geração de que se instrumentalizou para ser criada e adequadamente projectada na mudança do milénio. Nem só da cultura hipster ou de Is This It’s se construiu a primeira dezena de anos desta nova era. E a DFA surgiu como muito mais do que uma mera editora de música fazedora de recentes-cultos-e-clássicos, e apareceu como uma icónica marca que, passados os anos, se tem mantido acolhedora, fiel às raízes e aos não-maneirismos. Com Goldsworthy fora de cena, Murphy edita agora remisturas para The Next Day de Bowie, produziu o álbum dos monstros pontas-de-lança da crescente suscitação da dúvida “afinal o que é que é o indie, o que é que é o mainstream?” e faz-se manter vivo com edições a distância q.b. dos holofotes. Por um lado os Holy Ghost desiludem com o segundo álbum e retrocedem na ascensão a próximo grande grupo da editora, por outro, os Factory Floor agigantam-se e continuam num caminho de ruptura e de enorme reinvenção do som da editora. Mesmo que se ressinta e sofra ainda da ressaca do fim dos LCD Soundsystem, a DFA continua tão pura quanto como começou. O mais bonito do romantismo de criar uma editora que deve tanto à sua origem como o futuro lhe deve a ela.

“No fundo, reflexo de uma geração de que se instrumentalizou para ser criada e adequadamente projectada na mudança do milénio.”

Factory Floor

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CABEÇA

FANFARE

(NOV ‘13 -EDIÇÃO DE AUTOR/CULTURA FNAC)

(OUT ‘13 - DOWNTOWN RECORDS/BELLA UNION)

FILHO DA MÃE

JONATHAN WILSON

Esta Cabeça não é palpável

Guia espiritual para o bom do passado Apontadas para os quatro pontos cardeais as ideias de Jonathan Wilson, talvez por ter vivido numa comunidade hippie após a banda Muscadine, tocam em toda a música que tão puramente vem da década em que curiosamente nasceu. Os setenta. Não é por acaso que se sente neste seu novo e terceiro trabalho a influência de tantos heróis do rock e do folk psicadélico. A pop americana, na construção das músicas, digna de um Elton John, a desconstrução Floyd nos desesperos de alongar uma canção em jam, o folk oeste relaxado dos Crosby, Still, Nash & Young. Wilson mune-se com a participação, também curiosa, de David Crosby e de Graham Nash nas harmonias de voz, literalmente, para dar corpo a um álbum que passa por tantos lados que o que isso tem de bom, acaba por ter também de mal. Apetece-nos que faça um álbum para cada música. É bom? Ainda não sei, mas Fanfare deixa-se cumprimentar tão bem que “Dear Friend”, “Her Hair is Growing Long” e “Illumination” passam perfeitamente como clássicos do passado. Muito bom? muito diferente? demasiado curtido? altamente hippie no caldo de boas referências? Tudo isso. É um álbum do mundo, não se pode retirar uma só cultura a Jonathan Wilson. Gonçalo Perestrelo

4/5

HOT JESUS (NOV ‘13 - LOVERS & LOLLYPOPS)

LOOSERS Disco novo, vida nova O último mês do ano tem sempre destas boas surpresas. Para aqueles fazedores de tops que se anteciparam, pára tudo, e toca a rever as listas que há aqui reencarnação dos Loosers em Hot Jesus. A banda que vive em constante metamorfose, reformula agora o elenco com Jerry The Cat (Gala Drop) nas vozes e percussão, João Maio Pinto no baixo, na guitarra Rui Dâmaso e José Rodrigues na bateria e synths . Com isto a electrónica passou a fazer maior parte da equação e o som dos Loosers volta a dar uma guinada. No ADN mantêm-se os genes da exploração rock, juntem-lhe agora ritmos cavalgantes de dança tribal, muito ácido a contagiar o psicadélico e o funk, com jams espaciais humanizadas pelas declarações purgatórias spoken reverberadas de Jerry. Deparamo-nos aqui com uns Loosers sem grande contexto, definitivamente uma das qualidades deste disco, atenção. “Curious Restricted” impõe o mood e o eco do nervo kraut que marca o resto do disco. “Bomb The Bass” é exame minucioso às personalidades históricas, da música e não só, que marcaram os seus tempos e os que vieram depois. Sublime momento de Hot Jesus, uma das canções, ou seja lá o que for, do ano. Isso é com certeza. “Black Acid” é a total perdição dos sentidos e levitação máxima pelo sideral. Ecos de espiral sonora de Screamadelica podem ser ouvidos. Tal como The Doors em “My Bad” com valente caos de sintetizadores em stereo a deixar desconfortável só quem não ouviu o disco desde o início. Os Loosers renovaram-se por isso mesmo, por não terem nada a perder. E que bela revira-volta! Joaquim Quadros

4.5/5 24

Os trocadilhos com o nome Filho da Mãe já foram gastos e, perante um disco como Cabeça, até fica mal recriá-los. É certo, todos nós descendemos de alguém, mas o que importa aqui é perceber de onde chega a música de Rui Carvalho — porque, claramente, esta vem das entranhas e atinge-nos até ao hipotálamo. Palácio, o longa-duração que fez uma pausa com o passado punk hardcore de Rui Carvalho, revelou uma nova identidade do também membro de bandas como If Lucy Fell, Asneira ou I Had Plans. Assombrou o ouvinte, acima de tudo, com uma entrega ao fingerpicking pleno de nuances de guitarra portuguesa. Contudo, se Palácio mostrava alguma organização cerebral, mais técnica, Cabeça, por seu lado, traz ao de cima o cariz mais livre, ainda mais pessoal e imprevisível de Filho da Mãe. Conseguiu-se o impensável: superar a originalidade de Palácio, porque essa fluidez da guitarra de Rui Carvalho acentua-se em Cabeça, talvez por encontrar no lado mais obscuro da melancolia um grande apoio — ao qual não deverá ser alheio o bucolismo de este registo ter sido gravado no Alentejo profundo. Há qualquer coisa de inquietante em Cabeça que nos faz entrar, ficar e não sair. A negra, negra “Hidden Track (Sem Demónios)” contrasta com a urgência voraz “05 + 06 Bipolar”: as maravilhas de uma bolha escura criada por dedos. Esta Cabeça não é palpável, não é respirável é, tão somente, inexplicável. E que bom que assim é. Ana Beatriz Rodrigues

5/5


O agora dos últimos 10 anos de Talabot Pode parecer fácil ou preguiçoso chamarmos-lhe o produtor do momento. Mas é. Assim o afirmou fin, assim o confirma John Talabot DJ-Kicks. Ao longo dos anos a !K7 tem convidado dos mais aclamados nomes como James Holden, Apparat, Scuba, e outros tantos a recriar produções de outrem. Desta vez, com toda a pertinência, foi Talabot. Sabemos que há-de haver sempre daqueles tipos que aparecem e conseguem ser inovadores nas andanças do house. Independentemente do passar dos anos. Este prova-o então, por a mais b, que a música de dança só ganha em ser construída para ser pensada também. Trata-se de um álbum-viagem às influências dos últimos 10 anos que ajudaram Oriol Riverola (nome original) a definir o seu som. Disco, funk, techno, tudo matéria bem diluída a resultar em 75 minutos de ambience downtempo hábil e certeira. Expansão sensorial transplantada a partir de temas de Moodyman, Pional, Genious Of Time, Max Mohr, etc., tudo gente importante para o melhor funcionamento cerebral de Talabot. Assume-se monstro mestre na criação de atmosferas. A neblina caleidoscópica de fin, com a fragrância dançável proveniente dos Baleares que sempre foi tingindo as suas produções, tem aqui forte presença na estética essencialmente house que tem construído. Engenhosa também a abordagem aos originais, totalmente distante da interpretação óbvia. Há que absorver os jogos mentais de “I Heard Them Say”, original de Andy Stott; o mood celestial que cobre “Anagrama”, deTempel Rytmik, outro projecto seu; ou por exemplo o universo etéreo do seu inédito “Without You”. Enfim, são 75 minutos de mix para inspirar fundo e perceber que as boas escolas da Catalunha não são só futebol. JQ

RAPOR EP

3.5/5

(OUT ‘13 - VAGRANT)

JOHN TALABOT-DJ KICKS (NOV ‘13 - K7!)

JOHN TALABOT

ACTIVE CHILD Busca por uma felicidade disfarçada Com You Are All I See, Pat Grossi ficou conhecido como o menino do coro pela sua voz de elevar qualquer corpo sólido aos céus. E se uma estreia tão perfeita quanto foi o disco de 2011 traz expectativas, acaba por ser difícil corresponder-lhes — o eterno desafio de um segundo trabalho. Não se pode dizer que Rapor EP seja um mau seguidor (porque não o é). Só que as diferenças entre este EP e o LP anterior — como a redução do uso de harpas e a proliferação de sintetizadores/beats — saltam à vista e deixam-nos indecisos com aquela sensação do “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Parece que, em Rapor, há uma busca por uma felicidade disfarçada que, por ser algo forçada, acaba por soar como tal. Ninguém espera que alguém que se devota à cristalina arte de cantar a dor passe a adorar a synth-pop: mas, afinal, foi isso que aqui aconteceu. Talvez tenha sido uma tentativa de sair da sua zona de conforto, a questão é que a negritude de Active Child, mesmo encapotada, manteve-se. Não obstante, a personalização que Grossi dedica às suas composições, bem como a sensualidade que confere aos seus temas (basta ouvir as colaborações com Mikky Ekko ou Ellie Goulding) são dois motores para que tudo o que faça tenha um selo de qualidade. E é por isso que Rapor vale bem a pena ser ouvido. ABR

3/5

Mel, sal e algum nervo Esqueçam todas as coisas ridículas que Snoop Dog fez nos últimos anos. Ele tem um disco com Dâm Funk e isso redime-o de todo o mal (ou quase). 7 Days Of Funk são Dâm Funk e Snoop Dog, agora rebaptizado Snoopzilla, juntos numa missão de resgate do funk que só pode ser vista como um dos acontecimentos do ano. O disco renova a nossa fé no género e em Dâm Funk como seu grande profeta actual - por muito que as palavras de Snoop latejem, a musica de Dâm brilha mais e se o mundo ainda não se rendeu ao seu toque de Midas é porque anda distraído. Tudo bate certo neste projecto: as linhas de sintetizador com os beats, os coros com o rap, a fonética e as melodias, Steve Arrington, Kurupt e The Dogg Pound como convidados especiais, um certo retro futurismo como bússola.7 Days Of Funk evoca a memória P Funk, Snoop assume-se mesmo como descendente de Bootsy Collins e devoto da causa George Glintoniana (o que de resto está muito bem documentado na sua fase G Funk nos anos 90 e volta a ser sublinhado agora ao lado do “ambassador of boogie funk”). Este é um melhores discos que podemos ouvir actualmente, pelo conceito, pelas pessoas, pela boa onda e bom humor. Mel, sal e algum nervo juntos em canções que, em mais de metade dos casos, nos colocam um sorriso parvo na cara enquanto somos agarrados pelo refrão. Não é bom. È melhor ainda

XUNGARIA NO CÉU (OUT ‘13 - OPTIMUS DISCOS)

XUNGARIA NO CÉU Abrem-se as portas para a residência tresloucada

7 DAYS OF FUNK (DEZ‘13 - STONES THROW)

7 DAYS OF FUNK

A banda desenhada já está a ser feita para este gang punk-soul-de-microfone-na-mão? A gente que plantou as suas próprias raízes na cena portuguesa manifesta-se num álbum onde “Sai Cá Para Fora” todo o desdobramento que os nossos pequenos grandes conseguem provar. Úria, Nicotine e vários camaradas com Guillul ao volante e a Flor Caveira a pintar os cenários tornam Xungaria no Céu um trabalho singular e invulgar. É uma espécie de dj-set, mas criativo. Todos provam o que conseguem fazer num espírito musical unido, como se quer, em Irmandade. Fora uma ou outra que surpreendem menos, “Tou Pronto” parte tudo, “Por Te Amar Não Me Contive” é garageira-sexy e “Qual É O Segredo Por Que As Meninas Gritam De Medo?” também deixa curtir nessa pausa. A soul destes canalhas sai cá para fora na música com o nome que gamei agora mesmo e ainda há bocado e em “Na Cabeça Levo A Festa”. Estas duas são dos últimos temas em português mais bem dispostos dos últimos tempos. Venham de lá esses concertos esquizofrénicos de participação! GP

3.5/5

Isilda Sanches

5/5

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Sóbrio? Nem pensar.

JOVEM EXCELSO HAPPY

(NOV ‘13 - CAFETRA RECORDS)

PUTAS BÊBADAS

O objectivo não é perceber as letras. Percebam isso, pelo menos. A grande razão é entrar por ali a dentro – ou seja, ouvir o disco – e perceber que o punk é para isso mesmo: “pra curtir”. Jovem Excelso Happy é um dos hinos que andava a faltar ao punk-rock da nação. Monumento noise-fodido-de-cerveja-barata, que traz “São Enrabo” (caso raro onde podemos distinguir ligeiramente a voz dos instrumentos), “Gonorreia”, “Pina” ou “Fatty Fag” como meras celebrações da eterna adolescência. A que encerra é “Long Live The Mullet”, que tem praticamente o tempo de todo o resto do disco e o barulho de todo o resto do universo (além das Olaias). As guitarras encavalitadas de João Dória e Hugo Cortez abusam no consumo de distorção e feedback, substância rica ao longo do disco. Há possibilidade de orelhas em sangue por uma das mais agressivas causas e descargas eléctricas da Cafetra dos últimos tempos. Estamos a falar da colectânea dos lamentos naïves de Miguel Abreu (Abras) em que o barulho e a sujidade são os motivos maiores do embelezamento da paisagem. Fado de garagem com orquestra de fidelidade abaixo de zero, estatelado na cara que nem tartes. Directo ao assunto, sem ai nem ui, Jovem Excelso Happy continua a explicar porque raio é que a Cafetra vale a pena. Aliás, porque raio é que as putas deveriam alguma vez andar sóbrias? Não tinha graça nenhuma. JQ

3.5/5

Estreia gadelhuda

MYNAH

(NOV ‘13 - PONTIAQ)

JUBA

É parvo duvidar (ou discutir sequer!) da boa saúde da música portuguesa. Mynah então, a primeira colecção de canções editada pelos Juba, arruma a conversa em três tempos. Desta boa gente de Lisboa, com os seus vintes a brilhar na criatividade, só lhes tínhamos conhecido “Bloodvessels” ou “Lion King” na internet. Sorrateiramente esbarramos agora numa gloriosa estreia. Psicadelismo shoegaze sonhador com forte orientação de guitarras, onde tanto há amplitude suficiente para gravitar no cosmos nas alturas de maior introspecção instrumental, como também há canções bem assentes na terra. Riffs cristalinos a fluir pela melancolia dos dias mais cinzentos, diz “Please Oh Please”, e em “Maria”, o single, há baile exótico pós-punk a sugerir abano-de-anca. Seguindo com a corrente, sobra espaço para meditação budista em “Ante-VC”, convívio com DIIV em “Victorian Creeps”, e não há como não culpar os Real Estate da celebração de um verão idílico em “Lambaro”. A faixa-título “Mynah/Lull” termina em ritual épico trippy no regresso ao templo oriental de onde tínhamos partido em “Injun Bayou”. Conjunto de 10 temas agrupados em narrativa flutuante. De forma (bem) pensada, determinante para a experiência. Mynah não se pretende subversivo, pretende-se com carácter e bem feito. Check. Argumentos mais que muitos a assumir Juba como a revelação do ano. JQ

FIVE SPANISH SONGS (NOV ‘13 - MERGE/DEAD OCEANS)

DESTROYER

O fascínio latino-latente

Fez lembrar coisas como Valencia ou El Turista de Josh Rouse. Dan Bejar, tal como Rouse, priva tanto com a canção como com o sentimento, qualidade que facilmente atira o idioma para mero pormenor. Lembram-se de Devendra em “Carmensita”? Estamos a falar de cancioneiros puros, donos das mais genuínas e artesanais composições à guitarra. Génios no manejamento da palavra, com emoção suficiente para moverem montanhas. Francês ou espanhol, seja o que for, o sotaque anglo-saxónico esquece-se a partir do momento em que escorrem (e bem!) os primeiros versos “si la fiesta terminó / o ni siquiera comenzó” de “Maria de Las Nieves”. Five Spanish Songs não vem depois de qualquer álbum de Destroyer – e já lá vão mais de uma dúzia a contar com EP’s –, vem atrás de Kaputt que elevou ao estatuto dos deuses uma das estrelas do seu tempo. A alma dos The New Pornographers, e toda a conquistada idiossincrasia, atira-se aqui às canções do sevilhano Antonio Luque, popularizado bastonário do indie espanhol como Sr. Chinarro. A Dan Bejar faltava fazer pouca coisa, honrar as suas origens latinas era uma delas. O mood jazzy sambado em “Del Monton” oferece a este lançamento um dos melhores momentos. Percebe-se aqui, quão especial é Luque para Dan. Curioso vê-lo a interpretar canções de outro artista, noutra língua, e a tresandarem, ainda assim, a charme Destroyer. “El Rito” trá-lo em versão The New Pornographers (castelhana) glamorosa e “Babieca”, a canção do EP, é passeio tropical que acena a Buena Vista Social Club. Dan Bejar faz-nos acreditar que pode conseguir soar até melhor em espanhol. Afinal qual é a sua língua materna? JQ 3.5/5

4/5

GODHEAD

(NOV ‘13 - GOOD TO DIE RECORDS)

SANDRIDER Gente para poucas brincadeiras

JOIN THE DOTS

(DEZ ‘13 - HEAVENLY RECORDINGS)

Godhead começa. 0:00, 0:01, 0:02 e os rudimentos de guerra arruinam qualquer esperança de vir aí pancadaria leve. As primeiras quatro malhas são todas a abrir e chegam abruptas com linhas stoner e com um andamento puramente rock n’metal. Não se prolongam em grandes virtuosismos que alargam e estragam muitas vezes as músicas. Concentram tudo, sem merdas, com riffs generosamente pesados e até quando nos acalmam os neurónios nos primeiros minutos da música “Godhead”, com groove no baixo e linhas vilãs na guitarra, voltam à agressividade desejada para abanar os miolos. A voz, apesar de não ocupar muito espaço e de não ser propriamente má, acaba por estar um bocado desconexa com a onda do resto da banda por ser demasiado esganiçada, tipo Mastodon em mau, podendo perfeitamente acrescentar obesidade a estes Sandrider de Seattle. O instrumental é primordial para qualquer fã de peso: bateria sem grandes velocidades, em downtempo, a suportar ritmicamente a pinta dos pesadões, guitarras com a escola toda e baixo umas vezes só a curtir e outras a falar por cima de tudo. É injusto destacar um música. São todas umas filhas-da-mãe... O segundo disco de Sandrider enche as medidas e vai certamente destruir tudo em apocalipse metálico quando o terceiro o chegar. GP

TOY Mais do mesmo maduro Não obstante o seu merecido lugar no grupo das bandas revivalistas destes últimos anos, Toy acaba por não surpreender no que toca ao todo que é um álbum. São perfeitos na performance durante todo o disco e maduros nas escolhas dos ambientes, que em Join The Dots ultrapassam o leque do primeiro disco, e talvez seja este o disco mais próximo das suas capacidades. Resumem-se por enquanto a uma enciclopédia incrível de rock espacial, mas desconjuntam as diferenças entre cada música através do devaneio. Calo a boca em “You Won’t Be The Same” e em “As We Turn” que fazem afastar no início do disco aquilo que já se podia julgar em Toy (2012): um set de boas ideias mal concretizadas. Com mal concretizado não digo mau, mas com o sentimento de que falta ou excede qualquer coisa. Esse sentimento melhorou, só que não saiu no seu segundo trabalho. Poucas bandas se podem orgulhar de ter dois discos tão ricos em efeitos e harmonias e melodias vindas do outro lado do espelho, e que no entanto acabam por se tornar repetitivas à medida que Join The Dots avança em minutos. Há kraut-rock e psych, agora nem tudo pode ser jam, ou tentativa de recriação de momentos que ficam bem num concerto. Muito do kraut é imposto em músicas como “Join The Dots” e, na verdade, com sucesso só mesmo em “Fall Out Of Love” que juntamente com a faixa 2 e 3 faz o trio maravilha do disco, verdadeiramente capaz de mandar qualquer tipo que não grame Toy às couves. GP

3/5 26

3.5/5


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DIVAS BIZARRAS

JENNY HVAL

GRIMES

VASTHI BUNYAN

Antes era conhecida como Rockettothesky. Já como Jenny Hval, lançou o freak-show experimental Innocense Is Kinky. Autêntica ode à bizarrice da cultura popular. Falar sobre morte, sexo, pornografia ou tortura é um acto recorrente nas suas letras. O seu timbre de voz e as melodias que cria não são só ultra-desconcertantes como lembram a mãe de todas estas: a senhora Bjork. Já fisicamente, de cabelo curto e pintado de branco, ostenta figura que corresponde a tudo o que podíamos imaginar dela. Estranha.

Claire Boucher foi um dos aparecimentos da pop de 2012. Visions veio confirmar o que os primeiros lançamentos tinham anunciado, há mesmo uma nova criatura divina a fazer música estranha. Extravagância nas cores das tranças que lhe dão pelos joelhos e nos trajes retalhados marados com que se apresenta em palco, fazem dela uma das figuras mais esquisitas da indústria. Os sintetizadores labirínticos que comandam as suas canções não ficam também atrás de toda peculiar aura à volta da sua personalidade. No entanto, dança-se e soa bastante doce até. E isso é que realmente importa.

Just Another Diamond Day não é um disco especialmente conhecido. É de 1970 e foi o único lançamento em 30 anos de uma das mais incompreendidas lendas da folk. Vashti Bunyan é referida por muitos como enorme culpada nas suas influências musicais. O disco não vendeu mas perdurou e é visto obra-de-arte quase meio século depois. Canções envidraçadas, de voz frágil, praticamente despidas de instrumentação. Sobra a voz angelical de Bunyan, que desistiu da música por não achar que valesse alguma coisa. Trinta anos depois voltou a lançar-se, Lookaftering (2005), e voltou igualmente a isolar-se ao fim de alguns concertos. Não há que percebê-la mas sobra o disco. Podemos sempre tentar.

SHANNON FUNCHESS

FEVER RAY

PJ HARVEY

São comuns as comparações físicas com Grace Jones, a icónica modelo e actriz jamaicana. De modelo Shannon tem pouco. Falamos de mais um ovni a aterrar desamparado no solo terrestre. Funchess, a mulher da frente dos Light Asylum, tem feições corporais mais inclinadas para o másculo do que propriamente de delicadeza feminina. O tom de voz é claramente mais grave do que muitos homens que para aí andam. Como se não bastasse, a condizer com a sua origem negra, move-se nas trevas mais sombrias do pós-punk. O cabedal é um acessório habitual e os movimentos bruscos de palco intimidam qualquer plateia. Ainda assim, musicalmente, isto tudo ganha. E quem os viu ao vivo sabe do que é que se fala aqui.

Karen Anderson é uma espécie de estereótipo daquilo que se fala nesta Lista Negra. Os caprichos de uma fantasiosa diva que imagina sempre o país das maravilhas no lugar do real. Cenografia máxima e estranheza maior ainda, dedicada às gélidas paisagens que cria como Fever Ray ou com o seu irmão nos The Knife. Intensa como o raio, sempre contemplativa épica, mas com uma enorme sensibilidade para fazer boas cantigas. Em palco, tanto pode aparecer como mandar lá para cima uma quantidade de dançarinos e ligar a máquina de fumo. Provavelmente até se mistura com eles disfarçada com uma qualquer máscara tribal. A verdade é que é uma das mais particulares mulheres do universo da música popular. Pode haver o que soe a Fever Ray ou o que soa a Knife. O que não acontece é ela soar ao que quer que seja. O som que criou é dela e de mais ninguém.

Polly Jean Harvey precisaria de uns cortes no nome numa de fazer jus ao cru e de se afastar da menina que nunca foi. A PJ é de conceitos fixos, dementes, altamente exploradores e estranhamente homogéneos para quem vive das suas personagens teatrais. Post-rock e poesia adulta, grunge e blues a criar bichos-canções emocionais, roupas estranhas sem vaidade exagerada e humor negro digno de uma compositora inglesa desesperada pelos fumos da urbanização americana, sua poluição sensual. Diva porque é fixe, bizarra por ser Pj Harvey.

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ÓRFÃO: Francisco Ferreira (Design) | Gonçalo Perestrelo (Conteúdos/Textos) | Joaquim Quadros (Editor) COLABORADORES: Ana Beatriz Rodrigues | Francisca Cortesão | Isilda Sanches | Tiago Castro PROMOTORES: Lovers & Lollypops | Lounge | Cafetra | Feira Morta CONTACTO: orfao.pt | facebook.com/orfaojornal | orfaojornal@gmail.com


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