A Educação Básica Brasileira no Século XXI

Page 1


Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antônio Carlos Giuliani Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Eraldo Leme Batista Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa

Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Magali Rosa de Sant’Anna Prof. Dr. Marco Morel Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt

©2016 Wellington Ferreira de Jesus (org.) Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

A11193 de Jesus, Wellington Ferreira A Educação Básica Brasileira no Século XXI: Dilemas, Desafios, Limites e Possibilidades/Wellington Ferreira de Jesus (org.). Jundiaí, Paco Editorial: 2016. 364 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-462-0589-9 1. Educação Básica 2. Política e Gestão 3. Financiamento da Educação Básica 4. Política Educacional. I. de Jesus, Wellington Ferreira. CDD: 370 Índices para catálogo sistemático: Educação básica Educação, pesquisa e tópicos relacionados IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal

Av. Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 contato@editorialpaco.com.br

374.012 370.7


À Maria Francisca de Jesus que ensinou as “primeiras letras” a toda uma geração... E hoje brilha no céu.



SUMÁRIO Prefácio Educação: a que(m) será que se destina?

9

Luiz Fernandes Dourado

Introdução

15

Capítulo 1 A origem do transporte escolar na legislação brasileira (1824-2014): uma conquista para a educação básica? 17 Andreia Couto Ribeiro Wellington Ferreira de Jesus

Capítulo 2 O ensino médio na atualidade: pontos e contrapontos nas políticas e legislação educacional

35

Gabriela Sousa Rêgo Pimentel Simone Leal Souza Coité

Capítulo 3 O programa Bolsa Família: implicações na educação e na cidadania de estudantes do ensino médio do Distrito Federal 51 José Ivaldo A. Lucena Ranilce Guimarães-Iosif

Capítulo 4 Educação profissional, científica e tecnológica: uma análise do cumprimento da proposta original dos cursos do programa Brasil profissionalizado em aderência aos arranjos produtivos locais (APL) Marli Alves Flores Melo Célio da Cunha

77

Capítulo 5 As políticas educacionais e o desafio da qualidade da educação básica 93 Sidelmar Alves da Silva Kunz Jane Machado da Silva


Capítulo 6 Os desafios das políticas de formação docente: representações sociais por estudantes universitários 109 Juliana Lacerda Machado Ranilce Mascarenhas Guimarães-Iosif Divaneide Lira Lima Paixão

Capítulo 7 Os programas de repasse de dinheiro direto à escola e o princípio da gestão democrática 127 Gleice Aline Miranda da Paixão

Capítulo 8 Os programas de descentralização financeira (PDDE e PDAF) na gestão educacional e a visão prospectiva de Anísio Teixeira 139 Rosângela Rodrigues Trindade Wellington Ferreira de Jesus

Capítulo 9 Educação integral no Brasil: do conceito à prática

157

Kátia dos Santos Pereira

Capítulo 10 O Ministério Público e a defesa do direito à educação básica no Distrito Federal: diferentes atores, múltiplos olhares 185 Maria Anastácia Ribeiro Maia Carbonesi Eriane de Araújo Dantas

Capítulo 11 O olhar dos pais sobre a alfabetização: um estudo de caso

201 Núbia Luiz Cardoso Sandra Lara da Silva

Capítulo 12 As matrizes de referência do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o lugar da leitura literária: algumas proposições 215 Helciclever Barros da Silva Vitoriano Sandra dos Santos Vitoriano Barros


Sidelmar Alves da Silva Kunz

Capítulo 13 O lugar do currículo no conselho de classe na percepção de seus sujeitos

241

Aldriana Azevedo Gontijo

Capítulo 14 A educação para as relações étnico-raciais e a prática docente 257 Denise Maria Soares Lima

Capítulo 15 Inovações das práticas pedagógicas por meio das TIC

279

Karana M. Machado Albernaz Luciana Cordeiro Limeira

Capítulo 16 Desafios para a inclusão escolar de jovens com deficiência no ensino médio na perspectiva dos gestores estaduais de educação

295

Sinara Pollom Zardo

Capítulo 17 O transtorno de déficit de atenção/imperatividade (TDAH) – um desafio para o fazer docente

313

Eudenice Alves do Carmo

Capítulo 18 A gestão escolar na escola Aleixo Pereira Braga: conflitos que ainda permanecem na educação quilombola

329

Manoel Barbosa Neres Wellington Ferreira de Jesus

Sobre os autores

353



Prefácio

Educação: a que(m) será que se destina? Luiz Fernandes Dourado1

A sociedade que se constituiu no Brasil ao longo de mais de cinco séculos, desde a conquista europeia em fins dos 1500, possui como um de seus traços fundantes a desigualdade. Desigualdade que se desenvolveu inicialmente no mecanismo exclusivismo mercantil que garantia a acumulação de capital para a metrópole lusitana e, por extensão, para a industrialização capitalista que possuiu a Inglaterra como pioneira. No interior da Colônia esse mecanismo de acumulação primitiva possibilitava o controle das riquezas por parte dos grandes proprietários, os senhores de engenho. E, na estrutura de tal engrenagem, a relação escravista de produção possibilitando uma dupla lucratividade, em nível do tráfico de escravos, responsável pela diáspora africana, e em nível da superexploração do trabalho sem remuneração. A sociedade colonial que se desenvolveu na Colônia, cuja organização era estruturada na dualidade senhor x escravo, permitia a existência de homens livres e pequenos proprietários, contudo, submetidos ao poder dos senhores. Essa lógica colonial que, com alterações aqui e ali, se manteve até os primórdios da República, marcou decisivamente a educação no país. Além da exclusão, inicialmente de mulheres, pobres e escravos, como característica principal, a educação brasileira foi acentuadamente marcada em suas origens, pela ausência do Estado (metropolitano e, posteriormente, brasileiro até as primeiras décadas do século XX) que delegou a algumas ordens religiosas privilégios na organização e estruturação do sistema educacional. Por outro lado, educação e cidadania ao longo da história do Brasil percorreram, por muito tempo, percursos distantes e sem tocarem. Exemplos concretos desta realidade histórica são observados tanto na Constituição de 1824, a primeira do Brasil, quanto na primeira Lei de Instrução Pública do Brasil de 1827. A Carta de 1824 permitia educação pública e 1. Doutor em Educação pela UFRJ. Professor Titular e Emérito da UFG. Conselheiro do Conselho Nacional de Educação.

9


Wellington Ferreira de Jesus (org.)

gratuita aos cidadãos. No entanto, o conceito de cidadão era limitado aos homens livres e com renda anual definida. A Lei de Instrução Pública estabelecia a penalização aos pais que não colocassem seus filhos na escola. Contudo, não havia escolas públicas em suficiência, visto que se tratava de um país agrário-exportador, escravocrata, predominantemente rural, com uma cultura machista e sob a perspectiva da Igreja Católica, entre outros aspectos. De maneira geral, poucos traços deste contexto serão modificados após a abolição da escravidão em 1889 ou nos primórdios da República, dominado pelas oligarquias terra-tenentes. Tanto a educação como a cidadania não se destinavam a todos. Significativamente, por volta do final dos anos 1920 e durante a década de 1930, com as mudanças no capitalismo posteriores a Primeira Guerra (1914-1918), a crise mundial de 1929, a organização do movimento operário e sindical no Brasil, as políticas de urbanização e desenvolvimento industrial do país, bem como a difusão das ideias dos Pioneiros da Escola Nova tem início um movimento que passou a priorizar a educação na agenda governamental. Embora este movimento tenha sido marcado pela ideia da educação como mecanismo primordial para a ruptura do atraso secular do Brasil, a realidade nacional estava imbricada ainda na lógica da substituição das importações e de um papel coadjuvante de consumidor na lógica do capitalismo mundial, sendo esta a referência do setor fundamental dominante do país. Ora, neste sentido, a educação pública serviria para qualificar a mão de obra necessária e não como um processo de interesse dos grupos subalternos da sociedade brasileira. Em outras palavras, a educação brasileira, bem como os recursos públicos e a organização da mesma da estariam atrelados aos interesses, em primeiro lugar do capital e, secundariamente, aos dos setores dominantes do país. É deste contexto a visão de Anísio Teixeira (1900-1972), ele mesmo um dos Renovadores dos anos 1920/1930, de que se construiu uma escola para a elite econômica e outra para o conjunto da sociedade brasileira. À exclusão somava-se a seletividade de classe. O discurso nacional desenvolvimentista dos anos 1950 e 1960 que esteve presente em corações e mentes dos brasileiros, após a ditadura do Estado Novo (1937-1945), trouxe em seu bojo um embate entre uma educação para o Capital e uma educação para a libertação e humanização. A primeira concepção, predominante nas formas de organização escolar, 10


A Educação Básica Brasileira no Século XXI

ainda se pautava na ideia de educação como um processo de higienização, de ruptura com a figura do atraso tão bem caracterizada por Monteiro Lobato em décadas anteriores com o personagem Jeca Tatu. Neste sentido, a educação permanecia como a promotora do desenvolvimento nacional... Desde que sob os limites do capitalismo. A segunda concepção, humanista e libertadora, teve em Paulo Freire sua figura central. Contudo, faz-se necessário destacar as ideias de Álvaro Vieira Pinto e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), por ele fundado. A educação sob a perspectiva freiriana buscava libertar e romper com atraso humano e a dimensão de servidão que o povo brasileiro experimentava até então. Daí a constituição de um processo pedagógico que discutisse a opressão, o oprimido e o opressor sem abdicar dos conhecimentos histórica e socialmente construídos. Não permitir o acesso, independente de status social, cor da pele, gênero ou sexo era na visão da Pedagogia do Oprimido manter o controle dos grupos dominantes. Impedir o acesso à leitura e à difusão das práticas populares consistia na repressão tanto da cidadania quanto da dimensão humana que constitui os seres humanos. A pedagogia proposta pelas ideias de Vieira Pinto e Paulo Freire teriam como ponto de partida a autonomia, superando a opressão. Entretanto, no contexto da radicalidade do debate que se pôs no centro da sociedade brasileira nos anos 1960 entre o desenvolvimento do capitalismo e o desenvolvimento pelo capitalismo, uma espécie de pacto tácito entre os setores da alta oficialidade militar e grupo fundamental dominante, rompeu o frágil e instável equilíbrio da sociedade brasileira e, por quase duas décadas e meia, o país foi lançado no autoritarismo nacional. A educação brasileira durante este período passou a configurar-se como razão de Estado... Autoritário. Portanto, pensar e discutir educação no Brasil dos anos 1964 a 1985 foi considerado uma ameaça à segurança nacional. Propor renovação, discussão, alternativas, pedagogias e metodologias de ensino uma ameaça à ordem. De certa forma, aprender e ensinar, desde que fora dos padrões autoritários, era considerada uma subversão. Em que pese todo o caráter autoritário e violento do regime militar instituído no Brasil com golpe de 1964 e, particularmente, após a outorga do Ato Institucional n. 5 (AI-5) a resistência da sociedade organizada foi, paulatinamente, se reorganizando. Sobretudo, a partir da segunda metade dos anos 1970, quando o modelo econômico crescer primeiro para dividir depois se mostrou inviável. Tanto externamente quanto internamente a luta pelos direitos humanos e pelo fim do autoritarismo foram se consubstanciando e, 11


Wellington Ferreira de Jesus (org.)

especialmente, na (e pela) educação foram renascendo organizações, congressos, entidades sindicais de professores, alunos e intelectuais brasileiros. A partir da segunda metade dos anos 1980 a retomada do Estado de direito passou a ser objetivo da sociedade. Uma Constituição e, no bojo desta, uma legislação educacional que assumisse seu caráter democrático e participativo. Uma educação sem exclusão era um dos pressupostos essenciais. Mas a retomada do Estado de direito no Brasil se fez sob o vendaval das políticas que propunham a redução do estatal para os gastos públicos e sociais, flexibilização e precarização das condições de trabalho, ajustes econômicos e privatizações, maximização para o capital e, neste contexto, reformas educacionais que além de focalizarem as políticas educacionais, impuseram práticas produtivistas e avaliatórias no limite da gestão empresarial. Era o neoliberalismo que prenunciava a solução para (mais uma) crise do capital. Chegamos ao século XXI e ainda temos que refletir e pensar, parafraseando o poeta, Educação: a que(m) será que se destina? Estamos na vigência de um novo Plano Nacional de Educação (PNE), fruto de um processo que une o aprendizado à experiência de participação política da sociedade brasileira nestes pouco mais de trinta anos pós-retorno ao Estado de direito no Brasil. O atual PNE partiu de Conferências educacionais, conferências municipais, estaduais e Nacional para concluir algo que desigualdade estrutural e estruturante da sociedade brasileira negou aos brasileiros: a universalização da educação básica. Se considerarmos as experiências de países que se consolidaram como democracias liberais, ou de países vizinhos ou que superaram os regimes autoritários existentes no século XX e mesmo sociedades pós-capitalistas como China e Cuba, a universalização da educação, guardadas as singularidades, deixou de ser discurso e tornou-se realidade. O Brasil ainda discute questões básicas, essenciais ao desenvolvimento do processo educacional. Precisamos ainda passar das políticas de governo às políticas Estado na agenda educacional brasileira. Neste processo em que se opõem interesses ainda ligados a práticas cartorialistas e patrimonialistas de Estado e a consolidação de uma sociedade democrática, a educação assume centralidade. Desta forma, compreende-se o desenvolvimento de estudos e pesquisas, sobretudo a partir do final dos 1980 e durante a década de 1990. São trabalhos que objetivam pensar, repensar, discutir e contribuir no sentido da resposta a questão: educação: a quem e quê se destina?

12


A Educação Básica Brasileira no Século XXI

Entendemos que o desenvolvimento da educação brasileira, organizada em níveis/etapas/modalidades não pode se colocar como tarefa de um setor ou de um governo. Porém, realizar-se enquanto desenvolvimento da cidadania, dos direitos, da inclusão, do respeito às questões de gênero e sexo, da discussão sobre o financiamento, sobre as políticas, sobre as prioridades, os processos e os produtos. A educação que se pensa em construir deve romper a lógica do mercado como fim em si mesmo ou como instrumento da reprodução do capital em sua dimensão de financeirização. Sobretudo, a educação deve incluir e buscar na qualidade socialmente referenciada seu alicerce. Sabemos que se a educação e, por conseguinte a escola, podem ser vistas como ponto de chegada, porém, devem ser compreendidas e efetivadas como pontos de partida no sentido da transformação democrática e participantes do processo de criação de uma nova sociedade no século XXI. Nesse sentido, a proposta de pesquisar, pensar e produzir estudos que busquem a reflexão sobre a educação básica no momento atual torna-se de imensa relevância. Esta é proposta da obra A educação básica brasileira no século XXI: dilemas, desafios, limites e possibilidades. O livro em tela tem como característica fundamental, além da centralidade nas temáticas referentes à educação básica brasileira, abrir um espaço para os estudos e pesquisas que resultaram em dissertações, teses e artigos de professores, mestres e doutores de programas em Educação, Geografia, Literatura e Linguística de Instituições como a Universidade Católica de Brasília (UCB), a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Estadual da Bahia (UNEB), do Centro Universitário do Distrito Federal (AUDEF), da Universidade de Lisboa, de pesquisadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e de professoras e professores da educação básica pública do Distrito Federal. Trata-se, portanto de uma obra em que o foco é a educação básica, contudo, a dinâmica está em destacar a importância da pesquisa e dos pesquisadores, especialmente aquelas e aqueles que estão na realidade da sala de aula, no chão da escola e, como tal, partiram de suas inquietações, suas contradições, frustrações, conquistas e superações, mas, sobretudo, com o interesse de pensar propostas e contribuir com seus esforços e estudos para a construção de uma educação básica pública, inclusiva e includente, laica, obrigatória e qualidade socialmente referenciada neste século que não mais desperta, mas se concretiza no horizonte. 13



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.