Poderes Instrutórios do Juiz no Processo Penal

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Profa. Dra. Ligia Vercelli Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Prof. Dr. Marco Morel Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Narciso Laranjeira Telles da Silva Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Rosemary Dore Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Vantoir Roberto Brancher Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt

©2017 Flávio Martins Alves Nunes Júnior Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

N9221 Nunes Júnior, Flávio Martins Alves. Poderes Instrutórios do Juiz no Processo Penal / Flávio Martins Alves Nunes Júnior -- 1. ed. -- Jundiaí, SP : Paco, 2017. 268 p. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-462-0836-4 1. Direito Processual Penal 2. Sistemas Processuais 3. Poderes Instrutórios do juiz 4. Publicização do Processo 5. Verdade 6. Verossimilhança. I. Nunes Júnior, Flávio Martins Alves.

CDD: 340

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Para Elisabete. No espelho de Ozejed, ĂŠ sua imagem que vejo.


“E no final, o amor que você recebe é igual o amor que você dá” John Lennon e Paul McCartney “O movimento que você precisa está em seus ombros” Paul McCartney “Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes” Fernando Pessoa


Sumário Prefácio

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Introdução

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Capítulo 1 Natureza pública do Direito Processual

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1. Evolução histórica do Direito Processual 2. Direito Processual Civil e Direito Processual Penal: unitarismo ou dualismo? 3. A “publicização” do processo 4. A “constitucionalização” do processo 5. O Direito Processual nas Constituições brasileiras 5.1 O Processo na Constituição de 1824 5.2 O Processo na primeira Constituição Republicana (1891) 5.3 O Processo na 2ª Constituição Republicana (Constituição de 1934) 5.4 O Processo na “Polaca” (Constituição de 1937) 5.5 O Processo na Constituição de 1946 5.6 O Processo na Constituição de 1967 e na “Constituição” de 1969 (Emenda Constitucional n. 1 de 1969) 5.7 O Processo na Constituição de 1988 6. Consequência da visão “publicista” e “constitucionalista” do Processo Penal 7. O Processo Penal como garantia de proteção dos direitos fundamentais e a legitimidade da intervenção estatal

Capítulo 2 Sistemas processuais penais 1. Conceito e espécies 2. Sistemas acusatório, inquisitivo e misto 3. O sistema acusatório como corolário do Estado Democrático de Direito 4. Inquisitorial System e Adversarial System

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Capítulo 3 O processo e a verdade 1. Verdade e Direito 1.1 Verossimilhança, Probabilidade e Verdade 2. Evolução histórica da busca da verdade 3. Sistemas de apreciação das provas 4. Verdade real e verdade formal 5. A verdade “processual”

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Capítulo 4 107 A atividade instrutória do juiz no processo penal 107 1. Inquisitorial system e adversarial system 109 2. Os poderes instrutórios do juiz e a legislação processual brasileira 111 3. Poderes subsidiários? 115 4. A aparente mácula de institutos processuais pela atribuição de poderes instrutórios ao juiz 118 4.1 O princípio da imparcialidade e o “estado mental paranoico” 118 4.2 O princípio da igualdade e a atividade instrutória do juiz 125 4.3 A atividade instrutória do juiz e o princípio dispositivo 128 4.4 A atividade instrutória do juiz e os bens disponíveis 130 4.5 A atividade instrutória do juiz e o ônus da prova 132 5. A necessária atribuição de poderes instrutórios ao juiz para consecução dos fins do processo 138 6. A atribuição de poderes instrutórios ao juiz e o garantismo penal 141 Capítulo 5 Limitações à atividade instrutória do juiz no processo penal 1. Presunção de inocência (ou estado de não culpabilidade) 2. Contraditório e ampla defesa 3. Motivação das decisões 3.1 Consequência do descumprimento do princípio 4. Provas ilícitas 5. Celeridade do processo 6. Princípio do juiz natural e a prova emprestada 7. Limites objetivos da demanda 8. Revelia? 9. Publicidade

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Capítulo 6 Limitações concretas à atividade instrutória do juiz 1. Interceptação telefônica 2. Atividade do magistrado nas diligências do inquérito policial 3. Atividade do magistrado nos diversos meios de prova 3.1 Poderes instrutórios do juiz no interrogatório 3.2 Poderes instrutórios do juiz e a prova pericial 3.3 Poderes instrutórios do juiz e as declarações do ofendido 3.4 Poderes instrutórios do juiz e a prova testemunhal 3.5 Poderes instrutórios do juiz no reconhecimento e na acareação 3.6 Poderes instrutórios do juiz e as intervenções corporais 3.7 Poderes instrutórios do juiz, documentos e busca e apreensão

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Considerações finais

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Referências

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Prefácio Conheço o professor Flávio Martins desde 2004. Já se vão, portanto, 12 anos de amizade. Doze anos podem ser medidos de várias formas: nesse período tivemos 3 copas do mundo. Tivemos também nesse período 1.098 dias (sim, pois tivemos anos bissextos). Outra contagem de tempo possível seria em horas, 26.532. Poderíamos até mesmo estabelecer uma série de outras contagens possíveis para todo esse período. Nenhuma delas, contudo, faria jus à medida que realmente importa: a maturidade intelectual desenvolvida pelo professor Flávio Martins em todo esse período. Este livro compreende a dissertação de mestrado revista à luz de seu desenvolvimento nesse período. Embora nós dois tenhamos posições divergentes neste tema, isso é o de menos importância. O que importa é verificar como o livro se desenvolveu e como, agora, foi ele (re)pensado à luz do desenvolvimento intelectual por que passou o professor Flávio Martins em todo esse período. Seu ingresso no doutorado na Universidade Presbiteriana Mackenzie fez com que tivesse contato com algumas das mentes mais interessantes do país e pudesse desafiar seus conceitos e, por que não, seus pré-conceitos. Pois é isso que o estudo faz conosco: ele nos força a repensar e a constantemente rever nossas posições, seja para reafirmar nossas convicções, seja para delas nos afastarmos. O tema dos poderes instrutórios do juiz é tema central da ciência processual e, embora não seja exatamente favorável a ele, o fato é que a consistência dogmática aqui apresentada é de extrema importância para a ciência processual penal. Tenho certeza de que os leitores irão aproveitar enormemente das discussões travadas nesta obra que demonstram, insisto, a seriedade do pesquisador e sua evolução como cientista do Direito. Por fim, uma palavra para aqueles que não conhecem o amigo Flávio: mais do que um cultor do Direito, o Flávio é daqueles sujeitos extremamente divertidos, com um conhecimento de história invejável 9


Flávio Martins Alves Nunes Júnior

e outro conhecimento invejável de música, notadamente dos Beatles. Se algum dia você se encontrar com meu amigo, não perca a oportunidade de ouvi-lo falar sobre música e sobre história. Você irá aprender muito, assim como eu.

Primavera de 2016 Guilherme Madeira Dezem

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Poderes Instrutórios do Juiz no Processo Penal

Introdução O Direito Processual pode ser considerado, no mundo jurídico, uma ciência relativamente moderna. Basta dizer que, em vetusta época (a qual a doutrina denomina de “fase do sincretismo jurídico”1), o processo era visto como mera sucessão ordenada de atos. Utilizava-se simplesmente da etimologia da palavra procedere (caminho para frente).2 Todavia, em 1856 foi realizada famosa polêmica entre dois juristas alemães (Bernhard Windscheid – professor na Universidade de Greifswald – e Theodor Muther – professor da Universidade de Könisberg) na qual ficou frisado que a ação distingue-se do direito material lesado. Todavia, foi com o alemão Oskar von Bülow (cuja obra, de 1868, tratava das exceções e pressupostos processuais) que definitivamente percebeu-se que o Direito Processual distingue-se claramente do Direito Material. Com o processo, surge uma nova relação jurídica que se distingue da primeira relação de Direito Material. Assim, passou-se de uma fase sincrética a uma autonomista, quando foram formuladas as grandes teorias a respeito da jurisdição, ação, defesa e processo. E não é só: por meio desta postura autonomista, nas investigações em torno do Direito de ação, verificou-se que este tem caráter abstrato, o que, indubitavelmente, dava ao direito processual o mais alto grau de autonomia. Atualmente, questionar a autonomia científica do processo é o mesmo que “preocupar-se o físico com a demonstração da divisibili-

1. Bedaque, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 23. 2. Afirma o mestre Cândido Rangel Dinamarco que antes da obra de Oskar von Bülow, “dava-se [...] excessivo peso ao sentido etimológico da palavra processo e à observação, meramente formal, daquilo que o processo tem de mais visível – ou seja, seu caráter evolutivo, a marcha, o progresso. E então era ele entendido como mero procedimento, como caminhada avante, ao longo do arco que vai de um ato de iniciativa ao ato final” (Dinamarco, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000, v. 1, p. 41). 11


dade do átomo”.3 Ou seja, o processo adquiriu maturidade científica mais do que satisfatória, revelando tratar-se de ramo autônomo do Direito, não obstante mantendo “com o direito substancial íntima relação, de instrumento para objeto”.4 É sabido e consabido por todos que a finalidade imediata do Direito Processual é a atuação, realização, concretização do Direito Substancial. E essa é a premissa principal da nova fase da ciência processual: a fase instrumentalista. Atualmente, no dizer do mestre José Roberto dos Santos Bedaque, “depois de longo período caracterizado por preocupações endoprocessuais, volta-se a ciência para os resultados pretendidos pelo direito processual”.5 Assim, o processo deixou de ser visto como uma mera sucessão ordenada de atos lastreada por uma relação jurídica autônoma e independente do Direito Material, para ser um instrumento a serviço da ordem constitucional, refletindo as bases do regime democrático. É por esse motivo que o professor Cândido Rangel Dinamarco chega a dizer que o processo é “o microcosmos democrático do Estado-de-direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade”.6 Dessa maneira, muitos dos institutos processuais criados e desenvolvidos na chamada fase autonomista necessitam ser reavaliados à luz da postura instrumentalista do processualista. O assunto sobre o qual versará nossa obra é a atividade instrutória do magistrado e seus respectivos limites. Pretendemos responder a algumas indagações relevantes e atuais, tais como: a) o juiz tem o poder de ordenar a produção de provas de ofício?; b) há diferença entre a atividade instrutória do juiz no processo civil e no processo penal?; c) o juiz poderia ordenar a produção de provas, ainda que o processo verse sobre direitos disponíveis (como o patrimônio, verbi gratia)?; d) podendo o juiz ordenar, de ofício, a produção de provas, qual seria a razão do ônus da prova, disciplinado pela legislação pátria, tanto no Código de Processo Penal, como no Código de Processo Civil?; e) quais são os limites da atividade instrutória do magistrado?; f) há diferença entre os conceitos clássicos de verdade real e verdade formal? etc. 3. Idem. A Instrumentalidade do Processo. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 21. 4. Bedaque, op. cit., p. 23. 5. Bedaque, op. cit., p. 14. 6. Dinamarco, 1998, p. 25. 12


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Tal assunto, que nem sempre recebeu da doutrina pátria tradicional uma percuciente análise, merece um detido estudo, tendo em vista que a instrução é uma das partes mais relevantes do processo, já que, geralmente, é com base nos seus frutos que o Estado oferecerá a tutela jurisdicional. A doutrina brasileira sempre diferenciou a atividade instrutória do juiz no processo civil e no processo penal. Afirmam alguns autores que a “verdade” do processo penal é diferente da “verdade” obtida no processo civil. Não obstante, tal afirmação, como pretendemos demonstrar do decorrer de nossa obra, com a devida vênia, decorre de uma vetusta visão da natureza do processo, demasiadamente influenciada pela natureza do direito substancial. Explica-se: afirma a doutrina que o grau de poderes instrutórios do magistrado dependerá da disponibilidade ou indisponibilidade do direito material. Ou seja, se indisponível for o direito substancial (como é o objeto do direito processual penal), deverá o juiz orientar-se no sentido de encontrar a “verdade real”, determinando a produção de provas que entender necessárias; se disponível o direito substancial, pouquíssimos seriam os poderes instrutórios que possui o magistrado. Ocorre que tal afirmação, certamente influenciada por tendências estrangeiras filiadas a uma tradição processual diferente da nossa, retira do processo civil a importância que realmente ele possui. Da mesma forma, atribuindo ao processo penal possibilidade de busca da verdade real, possibilita a aplicação de meios escusos e ilegítimos para obtenção das provas: se o objetivo final é a busca da verdade, quaisquer meios poderiam ser utilizados para sua obtenção. Verificar, portanto, a natureza e a delimitação da atividade instrutória do magistrado (tanto no processo civil quanto no processo penal) é uma necessidade imperiosa da ciência processual contemporânea. Isso porque é necessário que o processo seja visto como um instrumento efetivo de atuação do direito material, pacificando com justiça. Outro ponto igualmente relevante deve ser enfocado: tem-se afirmado que um dos instrumentos que se mostram mais capazes de conferir ao processo a efetividade desejada é a atribuição de poderes instrutórios ao juiz. Não obstante, estudar tal instituto é absolutamente necessário, máxime porque o processo (e a postura do magistrado, por consequência) deve ser estudado à luz das normas constitucionais que norteiam a prestação da tutela jurisdicional. Por exemplo, ao vedar a admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, a Constitui13


Flávio Martins Alves Nunes Júnior

ção Federal impôs um obstáculo praticamente intransponível à atividade instrutória do magistrado. Ocorre que é necessário verificar qual a amplitude de tal inadmissibilidade. Poderia o juiz, utilizando-se de seu poder instrutório, introduzir no processo uma prova obtida por meio ilícito, contrariando o texto constitucional? Resumidamente, portanto, temos o escopo de analisar a atribuição de poderes instrutórios ao juiz no processo penal, comparando-a com o processo civil, verificando as suas consequências endoprocessuais e extraprocessuais. Outrossim, pretendemos verificar quais são e como se verificam os limites que encontram tal atividade instrutória. Pretendemos, num primeiro momento, conhecer a nova postura metodológica por meio da qual o direito processual é analisado: a postura publicista e instrumentalista. Isso porque é indispensável que o estudioso conheça preliminarmente o objeto de sua análise. Para fazê-lo, pretendemos verificar as origens históricas do Direito Processual, identificando o momento no qual adquiriu autonomia científica. De igual maneira, discutiremos, logo no início do trabalho, a questão acerca do dualismo ou do unitarismo: será o Direito Processual Penal uma ciência absolutamente distinta do Direito Processual Civil ou serão ambos fenômenos de uma mesma ciência? Tal discussão mostra-se relevante e servirá de premissa para todo o desenvolvimento do nosso estudo que, em muitas passagens, utilizar-se-á do raciocínio jurídico de muitos processualistas civis, tais como Cândido Rangel Dinamarco, José Roberto dos Santos Bedaque etc. Isso porque, no nosso entender, como pretendemos provar no início de nossa obra, o Direito Processual Penal e o Direito Processual Civil, por serem fenômenos de uma mesma ciência (sendo ambos ramos do Direito Público, inclusive), possuem institutos que podem ser tratados analogicamente. Assim, os fundamentos principiológicos da atribuição de poderes instrutórios ao juiz são os menos no processo penal e no processo civil, no nosso entender. Ao depois, pretendemos delinear um fenômeno que marca o Direito Processual contemporâneo: a sua “publicização” e a sua “constitucionalização”. É inescusável estudar o Direito Processual (civil ou penal) sem ter a exata noção da sua posição diante das outras ciências. Cada vez mais se percebe que o Direito Processual é um ramo do Direito Público e seus institutos são influenciados por esta visão publicista. Da mesma maneira, tal “publicização” chega ao extremo quando muitos institutos processuais e princípios do processo recebem a graça de estarem contidos na Lei Maior do País: a Constituição Federal. A 14


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esse último fenômeno, damos o nome de “constitucionalização do processo” e suas consequências serão examinadas no início de nosso estudo. Outrossim, para verificação da evolução do tratamento constitucional dado ao processo brasileiro, pretendemos tecer um detido estudo sobre os textos constitucionais pátrios, desde a Constituição Imperial de 1824 até a Constituição “cidadã” de 1988. Num segundo momento, igualmente servindo de supedâneo para a discussão de nosso tema, pretendemos discorrer sobre os sistemas processuais acusatório, inquisitivo e misto. Analisando sua evolução histórica e suas características principais, poderemos verificar se eles são ou não incompatíveis com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz. Veremos que não é raro encontrar autores (como mencionaremos no curso de nosso livro) afirmando que os poderes instrutórios do juiz transformam-no num inquisidor e são incompatíveis com o sistema acusatório. Outrossim, analisaremos o inquisitorial system e o adversarial system que, no nosso entender, como discorreremos no curso do livro, mostram-se mais idôneos para servir de esteio para a atribuição de poderes instrutórios ao magistrado. Igualmente, para servir como supedâneo para o desenvolvimento de nosso raciocínio, enfrentaremos um dos problemas que sempre estiveram presentes na mente do processualista: a busca da verdade. Tal tema é extremamente importante para nosso estudo, tendo em vista que, se afirmássemos que o magistrado busca, a todo custo, a verdade (outrora denominada de verdade real ou absoluta), teria ele ilimitados poderes instrutórios. Por sua vez, se afirmássemos que o processo não tem a menor preocupação com a busca da verdade, poderia o magistrado quedar-se inerte diante de qualquer dúvida e julgar de acordo com a evidente “mentira formal”. Assim, verificaremos conceitos como “verossimilhança”, “probabilidade”, os já ultrapassados conceitos de “verdade real” e “verdade formal”, teceremos um breve histórico da busca da verdade no processo e, por fim, elaboraremos um conceito de “verdade processual”, almejada pelo processo e diversa da verdade ontológica (esta que, como veremos, é inalcançável). Assim, tecidas essas considerações essenciais ao desenvolvimento de nosso estudo, analisaremos diretamente a atribuição de poderes instrutórios ao juiz. Primeiramente, verificaremos a evolução histórica da legislação brasileira sobre o tema (tanto na seara penal quanto na seara civil – porque, como vimos, no nosso entender, os processos pe15


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