Pesquisas e Experiências da Profissão Docente

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Kilwangy kya Kapitango-a-Samba – Kelly Katia Damasceno – Soely Aparecida Dias Paes (orgs.)


Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antônio Carlos Giuliani Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Eraldo Leme Batista Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa

Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Magali Rosa de Sant’Anna Prof. Dr. Marco Morel Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt

©2016 Kilwangy kya Kapitango-a-Samba; Kelly Katia Damasceno; Soely Aparecida Dias Paes Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

P438 Pesquisas e experiências da profissão docente. Jundiaí, Paco Editorial: 2016. 320 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-462-0556-1 1. Educação 2. Formação de Professores 3. Ensino-Aprendizagem 4. Teorias da Instrução I. Kapitango-a-Samba, Kilwangy kya. II. Damasceno, Kelly Katia. III. Paes, Soely Aparecida Dias. CDD: 370 Índices para catálogo sistemático: Teoria da Educação Formação de professores

370.1 370.71

IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal

Av. Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 contato@editorialpaco.com.br


Sumário Apresentação Kilwangy kya Kapitango-a-Samba; Soely Aparecida Dias Paes; Kelly Katia Damasceno

Capítulo 1. Formação continuada de professores: uma análise da secretaria estadual de Mato Grosso Patrícia C. Albieri de Almeida; Claudia Leme Ferreira Davis; Ana Paula Ferreira da Silva; Marina Muniz Rossa Nunes; Juliana Cedro de Souza

Capítulo 2. Formação continuada dos professores em exercício: do projeto da escola à política pública Ivone de Oliveira Guimarães Favretto; Simone Albuquerque da Rocha

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Capítulo 3. A política de formação continuada em Mato Grosso em lentes bifocais: um ajuste ao olhar dos professores e outro ao olhar dos gestores

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Capítulo 4. Organização e funcionamento dos centros de formação e atualização dos profissionais da educação básica de Mato Grosso: uma análise a partir da legislação

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Capítulo 5. Formação de professores – uma proposta de formação a partir da reflexão sobre a prática docente

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Eder Carlos Cardoso Diniz; Mendes Solange Lemes da Silva; Simone Albuquerque da Rocha

Kilwangy kya Kapitango-a-Samba; Josimar Miranda Ferreira; Maria Teresinha Fin

Aparecida Maria de Paula Barbosa Silva


Capítulo 6. O tornar-se professor no âmbito da docência: modos de fazer, maneiras de ser

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Capítulo 7. Avaliação da formação continuada: as circunstâncias avaliativas e suas contribuições para a construção de nova cultura de formação

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Capítulo 8. Educação física adaptada: necessidades e possibilidades da formação inicial

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Capítulo 9. A formação continuada das professoras alfabetizadoras nos municípios de Cuiabá e Várzea Grande de 2000 a 2014

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Capítulo 10. O desenvolvimento profissional de educadoras infantis: narrativas sobre a formação inicial – Proinfantil

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Capítulo 11. Um experienciar das narrativas de si: o desenvolvimento formativo de uma aprendiz de professora formadora

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Capítulo 12. Experienciando encontros no Cefapro-MT

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Edson Gomes Evangelista; Filomena Maria Monteiro de Arruda; Soraide Isabel Ferreira

Irene de Souza Costa

Katia Garcia Gelamo; Evando Carlos Moreira

Kelly Katia Damasceno

Soely Aparecida Dias Paes; Kelly Katia Damasceno; Elizete Maria de Jesus

Soely Aparecida Dias Paes

Marcia Regina Gobatto; Daniela Franco Carvalho

Sobre os organizadores

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Apresentação Quando se sonha sozinho é apenas um sonho. Quando se sonha juntos é o começo da realidade. (Miguel de Cervantes, em Dom Quixote)

O livro Pesquisas e Experiências da Profissão Docente é um sonho que se materializa a partir de um trabalho coletivo de recolha de reflexões e experiências situadas no nosso tempo, que em diferentes lugares professores profissionais se entretecem no fazer e no pensar ou pensar-fazer a docência e seus entornos. Os trabalhos aqui apresentados foram feitos com olhar cuidadoso sobre a formação inicial e continuada de professores, numa perspectiva de desenvolvimento profissional. Este é fator que reafirma a necessidade formativa docente em um contínuo e que nos potencializou a enveredar no diálogo com outros docentes pesquisadores, que se dedicam a elaborar contribuições sobre a complexa tarefa da docência. Assim, ao longo dos anos em diferentes lugares reiterando a necessidade de aprofundamento da nossa profissionalidade construímos e reconstruímos os caminhos, as experiências, as reflexões e vencemos lutas e, às vezes, fomos vencidos, sem, contudo, desistir. Houve paradas temporárias, porém fundamentais e estratégicas que nos fizeram enxergar mais nitidamente, e no silêncio ganhamos forças e persistência. Em uma das paradas eis que foi gestado este livro, do seu fomento até os últimos capítulos foram partilhados intensos diálogos e esperas. Os capítulos partilhados nesta obra visam a contribuir com o campo teórico do desenvolvimento profissional docente e, para tanto, versam sobre os aspectos de ser docente, da formação inicial e continuada, da avaliação, a partir dos desafios da docência na escola pública, no contexto sócio-histórico e cultural entre as últimas décadas do século XX e primeira década do século XXI. 5


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Os trabalhos desta obra marcam o universo plural e ao mesmo tempo singular que permite desvelar olhares que sabem dialogar com os desafios do contexto educacional e manter fortes marcas das experiências educacionais. Acreditamos no papel social do profissional docente, que requer uma perspectiva formativa dinâmica, isto é, em estado continuum, por isso dedicamos esta obra a cada um(a) dos leitores(as), individualmente, mas sem mitigar a implicância que o coletivo tem para o fortalecimento e efetivação de ações racionalmente fundamentadas em prol de uma escola pública eficiente e de qualidade social eficaz. Fazemos votos de que esta obra lançada a tantos outros olhares e mãos novamente se torne semente capaz de gerar tantos outros modos de reflexão e promovam tantos outros saberes capazes de potencializarem o desenvolvimento profissional docente e, por conseguinte, a profissão professor. Neste sentido, cada capítulo que compõe esta obra pode ser lido separadamente dos demais, os seus entrelaçamentos estão estabelecidos pelo objeto geral da obra: docência. Assim, cada autora teve a liberdade de se expressar, cabendo-lhe a responsabilidade autoral das suas ideias, que não refletem necessariamente as dos organizadores.

Cuiabá-MT, dezembro de 2015. Kilwangy kya Kapitango-a-Samba Soely Aparecida Dias Paes Kelly Katia Damasceno

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Capítulo 1

Formação continuada de professores: uma análise da secretaria estadual de Mato Grosso Patrícia C. Albieri de Almeida1; Claudia Leme Ferreira Davis2; Ana Paula Ferreira da Silva3; Marina Muniz Rossa Nunes4; Juliana Cedro de Souza5

Introdução Nas últimas décadas, práticas e políticas de formação continuada têm suscitado, na comunidade acadêmica, intenso debate. Muitas são as produções na área e, ao que parece, há um discurso coerente e em muitos aspectos consensual sobre o que é preciso fazer no âmbito da formação em serviço. Nóvoa, em 2007, já chamava a atenção para esse “consenso discursivo” destacando que, infelizmente, “raramente temos conseguido fazer aquilo que dizemos que é preciso fazer” (p. 4). Entretanto, mesmo considerando que na prática os avanços não foram tão expressivos, é preciso reconhecer que as práticas e políticas de formação têm mudado em algumas Secretarias de Educação, e conhecê-las implica um exercício de análise que considere tanto suas restrições, limitações e equívocos, quanto suas possibilidades de ação e de avanço. 1. Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas E-mail: palmeida@fcc.org.br. 2. Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: cdavis@fcc.org.br. 3. Assistente de Pesquisa Bolsista da Fundação Carlos Chagas e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: anafsil@yahoo.com. 4. Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e diretora do ensino médio do Colégio Santa Cruz. E-mail: mnunues@fcc.org.br. 5. Assistente de Pesquisa Bolsista da Fundação Carlos Chagas e professora da Universidade Nove de Julho. E-mail: julianacedro@yahoo.com.br. 7


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Exemplos de avanços no âmbito das Secretarias de Educação podem ser observados na pesquisa que procurou identificar como diferentes estados e municípios brasileiros tratavam a formação continuada de seus professores (Davis; Almeida; Nunes, 2011). A coleta de dados envolveu 19 Secretarias de Educação (SE) municipais e estaduais, de modo que os resultados alcançados abordavam uma diversidade de aspectos relacionados às práticas formativas, englobando desde os fatores que geravam sua demanda, até seu processo de implementação e acompanhamento. O estudo oferecia também achados sobre os apoios oferecidos à prática pedagógica, sobre as modalidades de formação mais frequentemente empregadas e, ainda, indicações sobre como se davam os processos de monitoramento e avaliação. Identificar as modalidades e práticas de formação continuada empregadas pelas SEs implicou visita in loco. Em todas as SEs, foram entrevistadas pelo menos três pessoas, dentre elas: o(a) secretário(a) de Educação (ou seu representante); o(a) coordenador(a) de Formação Continuada (ou o responsável por esse trabalho); um(a) responsável por um projeto, indicado pela SE, como sendo de relevância em sua política de Formação Continuada. Quando possível, entrevistou-se, também, um representante de uma das escolas da rede de ensino (diretor ou coordenador pedagógico). No material obtido em cada SE (documentos por ela disponibilizados, registros de campo e transcrição das entrevistas), aspectos semelhantes, contrastantes e, inclusive, contraditórios foram buscados, para que fosse possível selecionar, sistematizar e analisar os principais achados, tentando indicar as abordagens e as modalidades de formação continuada em prática nas SEs estudadas. Com base na análise dos dados obtidos no estudo bibliográfico acerca da produção acumulada no campo da Formação Continuada de professores, bem como na daqueles oriundos do trabalho de campo, as autoras (Davis; Almeida; Nunes, 2011) que desenvolveram a pesquisa concluíram que, no momento atual, as Secretarias de Educação investigadas precisavam, ainda, recorrer, simultaneamente, a 8


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modalidades voltadas para o professor e para a escola, além de elaborar políticas educacionais mais articuladas internamente e mais harmônicas com as demais políticas voltadas para o magistério. As modalidades que tinham como foco o professor foram denominadas de perspectivas individualizadas, pois nelas buscavam valorizar o próprio docente, sanando suas dificuldades de formação relativas ao domínio de situações atuais da escola ou ligadas à prática pedagógica. Essas perspectivas eram adotadas, ainda, quando se fazia necessário divulgar mudanças pedagógicas ou implementar novos programas ou políticas das SEs. Predominavam nelas vários formatos: cursos de curta e longa duração, oficinas e ações mais pontuais (como a oferta de palestras, frequência a congressos, seminários, jornadas e encontros pedagógicos), sem mencionar ações formativas, que consideravam o ciclo de vida do professor e seu desenvolvimento profissional. Já as modalidades voltadas para a escola viam esse espaço como um lócus de formação continuada permanente e, por esse motivo, foram denominadas de perspectivas colaborativas. Abordagens desse tipo centravam-se em atividades realizadas nas escolas, tais como: a) grupos de estudos, com acompanhamento sistemático e rigoroso; b) produção coletiva de materiais para determinadas séries e disciplinas, posteriormente divulgadas nos portais das SE; c) envolvimento dos professores nos processos de planejamento, implementação de ações e sua avaliação; d) elaboração de projetos pedagógicos relativos a questões curriculares ou a problemas identificados em sala de aula; e) formação de redes virtuais de colaboração e apoio profissional entre comunidades escolares e sistemas educacionais, entre outros. Dentre as Secretarias investigadas6, a Secretaria Estadual de Educação (SEE) do Mato Grosso foi a que mostrou, de acordo com a literatura consultada, uma das políticas mais inovadoras de formação profissional para o magistério. Nesse estado, as es6. Os estados e municípios cujas secretarias de educação foram estudadas na pesquisa original não foram nela divulgados, razão pela qual também não o serão nesse estudo. 9


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colas não só eram vistas como o lócus por excelência da formação continuada, como a política de formação do estado tinha estruturado uma organização que favorecia o uso simultâneo de várias modalidades, todas elas voltadas para atender às necessidades não só dos professores como, também, de suas escolas. Como eram poucos os programas e as políticas que tinham conseguido promover, de fato, práticas colaborativas de formação, o presente artigo tem por objetivo problematizar as possibilidades de se contar com uma política de formação continuada que fortaleça a escola e os professores, valendo-se, para tanto, do exemplo da SEE do Mato Grosso. O artigo está organizado em duas partes: a primeira é dedicada a uma revisão de literatura, cuja intenção é a de apresentar uma reflexão mais bem fundada acerca dos modelos formativos sugeridos para os professores da educação básica; a segunda apresenta a política de formação da SEE do Mato Grosso, com base no ponto de vista da própria secretaria e de suas escolas.

Abordagens de formação continuada As escolas atuais requerem, cada vez mais, a formação continuada de seus professores, como condição sine qua non para conseguirem fazer frente aos desafios que a profissão lhes coloca. O panorama é tal que não se concebe mais uma oferta educacional pautada apenas pela formação inicial e/ou pela prática acumulada dos docentes. A mudança no sentido esperado exige e apoia-se na formação contínua e, portanto, na atualização dos recursos humanos disponíveis. Para melhor compreender a situação da formação continuada no Brasil, foi necessário levantar e classificar os principais modelos e concepções de formação continuada disponíveis na literatura especializada. Esse esforço de organização foi, inegavelmente, orientado a fim de oferecer um panorama amplo desse campo, sem desconsiderar que ele será de pouca valia, caso não se considere o fato de que nenhum modelo 10


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se encontra em estado puro, apresentando, usualmente, características de várias propostas ao mesmo tempo. Uma ideia bastante arraigada nas concepções de formação continuada é a de que ela se faz necessária em razão de a formação inicial apresentar muitas limitações e problemas, chegando, em muitos casos, a ser de extrema precariedade. Nesse sentido, a formação continuada decorre da necessidade de suprir as inadequações deixadas pela formação inicial, que repercutem fortemente no trabalho docente. Segundo os defensores desse modelo, aqui denominado de “déficit”, a situação agrava-se diante das demandas educacionais de sociedades complexas, levando à necessidade de estabelecer políticas amplas e bem pensadas de formação docente, tão centrais elas são para a melhoria da qualidade da educação. Por outro lado, há também modelos que veem a importância da formação continuada como uma consequência da constatação de que o campo educacional é muito dinâmico, demandando que os educadores lidem constantemente com novos conhecimentos a respeito do processo de ensino-aprendizagem. Essa situação requer, portanto, que a base conceitual e as habilidades pedagógicas dos professores sejam constantemente expandidas e aprimoradas, de modo que consigam atender às novas demandas que a profissão lhes coloca. Uma leitura mais atenta da bibliografia disponível mostra que os estudos encontrados podem ser reunidos em dois grandes grupos. O primeiro deles centra a atenção no sujeito professor e o segundo, diferentemente, não mira o desenvolvimento do professor individualmente considerado e, sim, aquele das equipes pedagógicas das escolas, devendo ocorrer, prioritariamente, no interior de cada uma delas, à luz dos problemas que enfrentam. Apresentam-se, a seguir, como se configuram esses distintos pontos de vista, reiterando que eles não são, de maneira nenhuma, mutuamente exclusivos.

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Abordagens de formação continuada centradas na figura do professor Há muitas hipóteses embasando as abordagens de formação continuada que se centram na figura do professor. Dentre elas destaca-se a formação continuada como desenvolvimento de características éticas e políticas essenciais para o exercício profissional. Considera-se, neste caso, que a formação continuada é essencial para o desenvolvimento subjetivo e profissional dos professores e que isso faz parte de um projeto pessoal, como uma escolha necessária para que se possa dar sentido e valor à atividade docente. Representa bem essa visão a proposta de Hargreaves (1995), para quem a formação individual e a continuada negligenciam o lugar que as metas e os objetivos do trabalho docente ocupam para os educadores. O autor aponta que, se o conhecimento daquilo que se ensina e de como se ensina é essencial para a boa docência, não se pode deixar de lado a importância de se conseguir dar sentido à atividade pedagógica, identificando os propósitos e as razões pelos quais a sociedade precisa de professores e os sentidos que estes últimos atribuem ao ato de ensinar. Hargreaves chama também a atenção para outras dimensões importantes do magistério, além da técnica: a ética, a política e a disposição emocional. Uma segunda hipótese, cuja atenção se centra no sujeito professor é a que diz respeito à necessidade de suprir os déficits da formação inicial. Nesse caso, a formação continuada de professores é entendida como imprescindível para contornar as mazelas deixadas pela formação inicial. Essa abordagem focaliza-se, sobretudo, nas características que estão ausentes nos docentes e constitui, justamente por isso, o que se pode denominar de “abordagem do déficit”. Quando se parte do princípio de que a formação inicial foi insuficiente, é porque se acredita que as competências, as habilidades e os conhecimentos imprescindíveis para o trabalho docente não foram trabalhadas – ou não foram adequadamente 12


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apropriadas –, situação que priva o professor dos recursos necessários para exercer sua profissão. De fato, a proposta do déficit pressupõe que os professores nada têm a dizer em termos do que é necessário para aprimorar sua formação e, consequentemente, tudo o que diz respeito à formação continuada acaba sendo definido em outras instâncias e/ou em níveis hierárquicos superiores, dos próprios sistemas de ensino. Mas, tais propostas, sem considerar as especificidades dos professores e de seus locais de trabalho, tendem a ser uniformes, adquirindo um formato “tamanho único” e “unissex”, uma vez que a meta é atingir o conjunto dos professores, independentemente de suas peculiaridades, características e interesses. Por outro lado, a abordagem centrada no déficit apoia-se em argumentos sólidos, razão pela qual não pode ser simplesmente descartada: enquanto os estudos apontarem que a formação docente inicial não apresenta a qualidade desejada, essa proposta continuará sendo adotada. Uma terceira hipótese compreende a formação continuada como um empreendimento de cunho pessoal, ligado ao percurso profissional do docente, mais precisamente ao ciclo de vida profissional. A busca por formação inicial tem apontado, no entanto, que nem sempre a vida profissional é algo ascendente. Para Mevarech (1993; 1994; 1995), que empreendeu muitos estudos contrastando a atividade de professores novatos com a de experientes, a carreira docente implica, mais frequentemente, o aparecimento de fases de desorientação, marcadas por experiências regressivas e negativas, sentimentos de anomia e de rebaixamento da autoimagem, que precisam ser entendidos em sua fenomenologia e receber auxílio adequado para que possam ser devidamente canalizados, ensejando mudanças subjetivas e objetivas. Caso isso não ocorra, essas vivências acabam por converter-se apenas em experiências duras e sofridas, que podem paralisar – e quase sempre o fazem – o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes. Essa abordagem de formação continuada aposta 13


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na ideia de que conhecer os estágios que compõem a carreira docente permite identificar as necessidades e carências que os professores vivem. Ciente delas, a questão é, portanto, delinear formas personalizadas de apoio, capazes de auxiliar os educadores a enfrentarem melhor as etapas da vida profissional. Em síntese, todas essas abordagens entendem a formação continuada como um processo que salienta a tarefa de oferecer aos professores oportunidades de desenvolvimento profissional atuando, em especial, no plano pessoal. Esse processo formativo ocorre independentemente de ter sido definido pelos próprios docentes ou por especialistas contratados pelos sistemas educacionais, podendo ora ter um caráter mais estruturado, ora mais informal.

Abordagens de formação continuada centradas no desenvolvimento das equipes escolares e das escolas Em oposição às tendências de formação continuada individualizadas, que se centram na figura do professor, existem modelos nos quais a formação continuada é concebida sempre em termos coletivos, envolvendo uma série de atividades em grupo. Essa perspectiva é denominada, aqui, de colaborativa. Nela, os professores reúnem-se para estudar, para fazer análise curricular e propor modificações nos conteúdos trabalhados em cada ano e nível, para elaborar e realizar pesquisas e avaliações internas e assim por diante. Essa modalidade de formação continuada assume que há, por parte dos professores, um questionamento constante acerca de sua prática pedagógica, razão pela qual privilegia a interação nos próprios locais de trabalho. É aí que o corpo docente deve, em conjunto, definir o tipo de formação que almeja, especificando sua finalidade e sua forma de implementação. Desse modo, a formação continuada deve ocorrer primariamente nas instituições de ensino – as escolas – ou nas demais dependências do sistema educacional. A expectativa dessa vertente é promover, via colaboração entre pares, uma discussão rica acerca dos vários aspectos da profissão 14


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docente, que, por aumentar a consciência acerca de seus pontos críticos, incentiva, também, a experimentação didática, o uso de novas estratégias de ensino e a adoção de uma organização mais eficiente na prática docente. Além disso, espera-se que a reflexão e a discussão entre pares estabeleçam um clima de confiança, que permita o entrosamento de docentes com diferentes níveis de experiência, lecionando, inclusive, matérias distintas em diferentes níveis de ensino. Pode-se dizer, portanto, que o foco está em fazer da escola uma “comunidade de aprendizagem” (Fullan; Germain, 2006), na qual se observe e se fale acerca do que se faz, de modo que o que foi observado se converta em feedback para aprimorar o processo de ensino-aprendizagem. Mesmo quando a formação profissional está ligada à busca de aprimoramento pessoal, como no primeiro modelo apresentado, essa segunda corrente reporta-se, mais de perto, às mudanças que se fazem necessárias – ou que já se encontram em andamento – no plano institucional. Alguns de seus resultados são utilizados como argumentos centrais para justificar a opção por essa visão: um maior comprometimento dos docentes em inovar e em experimentar mais; uma coordenação mais eficiente do trabalho realizado intra e interséries, uma sólida articulação dos diferentes níveis de ensino em uma mesma organização escolar; maior empenho em suprimir – ou em alterar drasticamente – procedimentos de ensino que não contribuem nem para motivar, nem para provocar, nos alunos, as aprendizagens pretendidas. O desenvolvimento profissional, dizem os que endossam essa visão, não pode ficar circunscrito ao domínio pessoal e utilitário. Só faz sentido propor programas de formação continuada se eles forem capazes de desencadear mudanças pertinentes e necessárias nas escolas, auxiliando-as a atender mais e melhor sua clientela. Essa não é, de maneira alguma, uma tarefa simples. Além de delinear, executar, acompanhar e avaliar as modificações que o coletivo profissional quer imprimir em sua atuação profissional, os professores precisam também aferir seu impacto na escola como um todo, aprendendo, sobretudo, a negociar conflitos e discor15


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