Livro seminario de Angra

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SEMINÁRIO DE ANGRA – DO POVOAMENTO A 1862

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SEMINÁRIO DE ANGRA – DO POVOAMENTO A 1862

Boletim Eclesiástico dos Açores Fundado em 1872 por D. João Maria do Amaral Pimentel Director Hélder Fonseca Mendes Propriedade Diocese de Angra

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SEMINÁRIO DE ANGRA – DO POVOAMENTO A 1862

Suplemento Vol. ?? do BEA - ????

Seminário Episcopal de Angra 150 anos de formação

Coordenação:

Hélder Miranda Alexandre Colaboração:

Avelino de Freitas Meneses José Guilherme Reis Leite Susana Goulart Costa João Maria Borges da Costa de Sousa Mendes

Angra do Heroísmo ???? 3


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SEMINÁRIO DE ANGRA – DO POVOAMENTO A 1862

Seminário Episcopal de Angra 150 anos de formação

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SEMINÁRIO DE ANGRA – INTRODUÇÃO

Introdução A 25 de Março de 1958, o Cónego J. A. Pereira publicou O Seminário de Angra, Esboço Histórico, no qual se endereça ao leitor com estas palavras: Embora seja de lamentar, é todavia muito comum o desdenhoso esquecimento do Passado! E é tão salutar e proveitoso recordá-lo e saber colher as lições que ele nos dá!...1

Este foi o primeiro documento publicado e dedicado exclusivamente ao Seminário Episcopal de Angra. Meio século volvido, a comunidade educativa da mesma Instituição sentiu a necessidade de atualizar e completar aquela obra inédita, para que o passado não seja esquecido. O maior desafio esteve em escrever História e não descrever simples vivências, para que não se corra o risco de falta de objectividade. A oportunidade surgiu aquando das comemorações do tricinquentenário da fundação do Seminário, que constituiu uma porta privilegiada para o conhecimento desta Instituição, os seus âmbitos de formação, as suas vivências, e sobretudo para lhe reconhecermos o lugar que merece na História da Diocese e dos Açores. O contributo dos estudiosos que encontramos ao longo desta edição manifesta esta preocupação pela verdade histórica, objectivamente distanciada dos subjetivismos das vivências de cada um, porventura muito interessantes. Na verdade, há que distinguir claramente entre a história passada, objecto da investigação objectiva dos historiadores e a história vivente que se realiza na opção livre do presente2. Convocado o Concílio de Trento, foi preocupação do Papa Paulo III concretizar a reforma do clero e proibir a admissão às ordens sacras de clérigos ignorantes e viciados. Já antes do Concílio, os jesuítas fundaram vários colégios ente 1548 e 1562, que se podem considerar precursores dos seminários. Baseando-se nestas experiências, o Concílio de Trento instituiu os seminários menores e maiores, como lugar em que diretamente os alunos de qualquer idade fossem preparados para o sacerdócio3. No entanto, esse desejo da insti1  Cón. J. A. Pereira, O Seminário de Angra. Esboço Histórico, Angra 1958, 3. 2  Cf. M. Heidegger, El ser y el tiempo, México 19714, 408. 3  Conc. de Trento, Sessão XXIII, Decreto super reformatione, 15 Julho 1563, c. 18.

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tuição de Seminários tornou-se um sonho difícil de concretizar nestas Ilhas. A retirada da Companhia de Jesus de Portugal provocou um vazio educativo difícil de repor. Contudo, após vários desejos e tentativas, finalmente D. Fr. Estevam da Sagrada Família, 27º bispo de Angra, concretizou o sonho no dia 9 de Novembro de 1862, com festa solene em honra de N. Senhora da Guia, Padroeira da Igreja anexa ao Convento de S. Francisco de Angra4. O presente, fundamentado nas sãs tradições do passado que temos obrigação de conhecer, tem de estar aberto ao futuro e aos graves desafios que a formação sacerdotal coloca. O Seminário de hoje continua uma caminhada que se assume verdadeiramente diversa do que foi no passado. A comunidade de centenas de alunos dos anos míticos das décadas de cinquenta e sessenta não se pode comparar às poucas dezenas do presente. Hoje a formação é muito mais personalizada, a disciplina mais suave, a organização muito menos rígida, mas também muito mais permeável ao contemporâneo, com todos os desafios e problemas que daí advêm. Há quem pense que o seu futuro pode até estar em causa, devido ao problema, ainda não resolvido, da equivalência curricular universitária. O Seminário existe em ordem à formação sacerdotal, mas a história demonstra que esta Instituição foi muito mais além. Muito contribuiu para a formação de jovens que se inseriram e enriqueceram a Igreja e a sociedade, mesmo sem terem optado pelo sacerdócio. As orientações da Igreja dos nossos dias manifestam a riqueza e complexidade da formação num Seminário5. Tende-se para um equilíbrio formativo que corresponda aos ideais e à pessoa que se disponibiliza a fazer este percurso, mas corre-se o risco de cair em duas tendências formativas que podem resultar em padres desprovidos de espiritualidade, ou padres sem muito de humano e real, etéreos e distantes dos seus contemporâneos. Por outro lado, os jovens que passam por um Seminário não podem ser formatados, modelados segundo critérios distantes da realidade. Há que descobrir em cada um deles o homem que é, e acompanhá-lo nos seus dinamismos para que correspondam à chamada divina, 4  Cón. J. A. Pereira, O Seminário de Angra. Esboço Histórico, Angra 1958, 12. 5  Tenha-se em conta alguns dos principais documentos orientadores do período pós-conciliar: Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto sobre a formação sacerdotal Optatam totius, 28 Outubro 1965; Paulo VI, Carta Apostólica Summi Dei Verbum, 4 Novembro 1963; Carta Encíclica Sacerdotalis caelibatus, 24 Junho 1967; João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis; Congregação para a Educação Católica, Instrução Il presente sussidio, 11 Abril 1974; Instrução Tra i molteplici segni, 22 Fevereiro 1976; Ratio Fundamentalis Institutionis sacerdotalis, 19 Março 1985; Directório Tra i vari mezzi, 4 Novembro 1993; Instrução in Continuità, 4 Novembro 2005.

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que passa pela Igreja. Trata-se de um processo vocacional que tem de ser de felicidade e de entrega. A Igreja entrevê essa formação em quatro dimensões: humana, espiritual, intelectual e pastoral6. Estas dimensões clássicas tentam englobar o mais completamente possível a formação sacerdotal. O Seminário não é uma Universidade, é mais do que isso, é sementeira (na sua etimologia) que abrange todo o homem. Por isso, a formação de um jovem é extremamente exigente para ele e para os seus formadores. A formação humana consiste no dinamismo do sacerdote que estabelece pontes com cada homem, de modo a que o jovem formando cultive uma série de qualidades humanas necessárias à construção de uma personalidade equilibrada, forte e livre, capaz de comportar o peso das responsabilidades pastorais. «É precisa, pois, a educação para o amor à verdade, a lealdade, o respeito por cada pessoa, o sentido da justiça, a fidelidade à palavra dada, a verdadeira compaixão, a coerência, e, particularmente, para o equilíbrio de juízos e comportamentos». Continua o Pontífice: «de particular importância se afigura a capacidade de relacionamento com os outros», de que se destaca a maturidade afectiva e educação da consciência moral, resultante de uma educação para o amor verdadeiro e responsável. Visto que o sacerdócio se associa ao carisma do celibato, é central assumir uma vivência livre da própria vontade, na totalidade do amor e da solicitude a Jesus Cristo e à Igreja, sinal provocante e contraditório, difícil e fascinante na vida do futuro padre, em ordem à dedicação e ao serviço7. A formação espiritual possui a inconfundível originalidade que provém da novidade evangélica. Compromete a pessoa na sua totalidade, introduz na comunhão íntima com Jesus Cristo, através da procura do Mestre, numa ligação profunda à Igreja, que constituem o coração que unifica e vivifica o ser e o agir como padre. Este caminho percorre-se pela fiel meditação da Palavra de Deus, através do sentido autêntico da oração, pela ativa participação nos mistérios sacrossantos da Igreja, particularmente na Eucaristia e na Penitência, e pelo serviço da caridade aos simples, através da educação para a obediência, para o celibato e para a pobreza8. 6  Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis, n. 43-59. 7  Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis, n. 43-44. 8  Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto sobre a formação sacerdotal Optatam totius, 8; João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis, n. 45-51.

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A situação atual exige um nível excelente de formação intelectual, que torne os sacerdotes capazes de anunciar o imutável Evangelho de Cristo e tornálo digno de credibilidade diante das legítimas exigências da razão humana. O fenómeno do pluralismo intra e extra eclesial requer uma particular atitude de discernimento crítico. Por meio do estudo, particularmente da Teologia, o futuro sacerdote adere à Palavra de Deus, cresce na sua vida espiritual e dispõese a desempenhar o seu ministério pastoral. O estudo da Teologia provém da fé e quer conduzir à fé, pois o teólogo é um homem de fé, que se interroga acerca da mesma – fides quaerens intellectum – e fá-lo com o fim de atingir uma compreensão mais profunda da mesma. A teologia realiza-se no contexto cristológico e eclesiológico, pelo que se une a seriedade da investigação à comunhão íntima com Cristo. Move-se ainda em duas direções: o estudo da Palavra de Deus (Sagrada Escritura, Padres da Igreja e Liturgia) e do homem, como interlocutor de Deus (Dogmática, Moral, Teologia Espiritual, Direito Canónico, História da Igreja e Teologia Pastoral). A formação teológica atual presta particular atenção às dificuldades, tensões e confusões na vida da Igreja: relacionamento entre as tomadas de posição do Magistério e as discussões teológicas, relação entre o rigor científico da teologia e o seu objectivo pastoral, evangelização das culturas e inculturação da mensagem da fé9. O estudo da filosofia permite estabelecer os critérios racionais do estudo da teologia, mas também o diálogo criterioso com o mundo hodierno. Convida o candidato a enriquecer a sua formação intelectual como culto da verdade objectiva e universal. Para uma melhor compreensão do homem revestem-se de grande utilidade as ciências humanas, como a sociologia, psicologia, pedagogia, economia, política e comunicação social. Na verdade, o sacerdote tem de viver a contemporaneidade vivida por Cristo. Como afirmou Paulo VI: «Cristo fez-se contemporâneo a alguns homens e falou a sua linguagem»10. A formação pastoral define-se essencialmente como finalidade, segundo o modelo de Cristo Bom Pastor11, na caridade, que acontece pela reflexão madura da Teologia Pastoral e pela aplicação operativa. A experiência pastoral realiza-se com a necessária gradualidade e sempre de harmonia com os outros compromissos formativos. «A proposta educativa do seminário encarrega-se 9  Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis, n. 43-56. 10  Paulo VI, Discurso aos participantes na XXI Semana Bíblica Italiana, 25 Setembro 1970, AAS 62 (1970) 618. 11  Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto sobre a formação sacerdotal Optatam totius, 4.

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de uma verdadeira e autêntica iniciação à sensibilidade de pastor, à assunção consciente e amadurecida das suas responsabilidades, ao hábito interior de avaliar os problemas e de estabelecer as prioridades e meios de solução, sempre na base de claras motivações de fé e segundo as exigências teológicas de própria pastoral»12. Nesta formação, o candidato deverá ter presente que a sua ação se insere na Igreja entendida nas suas dimensões de mistério, comunhão e missão13. Estas dimensões, que sinteticamente evocamos, tornaram-se constantes da vida e da história do Seminário, mais ou menos acentuados consoante as circunstâncias, desde os tempos nómadas e difíceis da implantação da República e da construção do edifício, aos tempos áureos das décadas de cinquenta e sessenta, até ao desafiante período pós conciliar e contemporâneo. A primeira parte desta obra integra as intervenções dos historiadores convidados, divididas em quatro épocas fundamentais. A segunda parte integra os documentos e factos das celebrações dos tricinquentenário da fundação do Seminário. Este trabalho não é exaustivo, mas apresenta uma noção de conjunto equilibrado e imprescindível para novas investigações. Surgiu a ideia de publicar a lista completa de todos os alunos, mas, dada a sua dimensão, a mesma permanece disponível apenas em formato digital informático. Registamos nestas linhas o nosso agradecimento e reconhecimento ao Nosso Bispo, Sua Excelência Reverendíssima D. António de Sousa Braga, ao Professor Avelino de Freitas Meneses, ao Doutor José Guilherme Reis Leite, à Doutora Susana Goulart Costa, ao Cónego Doutor João Borges da Costa de Sousa Mendes, ao Sr. Dr. José Olívio Rocha, ao Sr. Álamo de Oliveira, ao P. Rúben Filipe de Sousa Pacheco, ao Sr. Ildeberto Brasil Brito e à União Gráfica Angrense, assim como a toda a comunidade educativa do Seminário, que contribuíram decididamente para a realização desta obra. Hélder Miranda Alexandre Reitor do Seminário Episcopal de Angra

12  Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis, n. 58. 13  Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis, n. 59.

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SEMINÁRIO DE ANGRA – APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO Não só a Diocese, mas os Açores, no seu conjunto, devem muito ao Seminário Episcopal de Angra, que já completou 150 anos de fundação. Garantiu a formação presbiteral do clero da Diocese, ao longo destes anos, em ambiente de clara inculturação na unidade da diversidade. Etimologicamente, «comemorar» é «fazer memória». E, biblicamente, «fazer memória» não consiste em recordar simplesmente um acontecimento passado, mas em trazer para o presente e tornar actual o passado, com os seus valores. Faz, pois, todo o sentido comemorar os 150 anos do Seminário, como um regresso às suas raízes, para encontrar os melhores caminhos para enfrentar o presente e projectar o futuro. Nós somos como as árvores: vivemos das raízes. Não há dúvida de que o Seminário Episcopal de Angra deu um contributo significativo para a cultura açoriana. Podemos dizer que foi a primeira instituição de Ensino Superior (“ante litteram”), ao longo de uma série de anos. Foi aí que, antes da criação recente da Universidade dos Açores, muitos açorianos se formaram culturalmnte. Inserido numa única Diocese, muito contribuiu para a ideia de unidade açoriana e da açorianidade. Os candidatos ao sacerdócio vinham de diversas ilhas e transmitiam entre si a experiência de vida em cada ilha, cultivando e aprofundando a ideia de unidade, que lhe vinha da vida em comunidade, numa única instituição, inserida numa única Diocese. Completado o curso, os sacerdotes ordenados eram enviados, não necessariamente, para a própria ilha. Muitos realizaram uma vida inteira de ministério sacerdotal noutra ilha que não a de nascimento. Sempre com a consciência e a prática pastoral de estarem inseridos na unidade diocesana com nove ilhas. Por isso mesmo, podemos considerar que, historicamente, a primeira experiência de autonomia, nos Açores, se verificou, em campo eclesiástico. É que a Igreja Católica não é uma espécie de multi-nacional, com filiais espalhadas pelo mundo inteiro, sob o comando do Papa de Roma. Cada Diocese ou Igreja Particular é a Igreja de Cristo toda, num determinado território, em comunhão com o Bispo da Diocese de Roma, que «preside na caridade». 13


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Assim a Diocese de Angra é a Igreja de Cristo, por inteiro, aqui nos Açores, sempre em comunhão com as outras Igrejas Particulares, mas em plena autonomia. Não há dúvida de que contribuiu enormemente para criar e consolidar esta ideia e prática de Autonomia nos Açores. Neste sentido, o contributo do Seminário Episcopal de Angra foi decisivo. Por isso, justifica-se plenamente esta publicação, que reúne intervenções, relacionadas com a comemoração dos 150 anos da sua fundação. Parabéns!  António, Bispo de Angra

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SEMINÁRIO DE ANGRA – DO POVOAMENTO A 1862

A Formação do Clero dos Açores da era do povoamento à inauguração do Seminário Episcopal em 1862 por Avelino de Freitas de Meneses*1 A dominância histórica da Igreja Na 1ª metade do século XV, por ação dos portugueses, os Açores entram na história da civilização, sob o signo do Cristianismo. Aliás, a carta henriquina de 1450 de outorga da capitania da ilha Terceira ao flamengo Jácome de Bruges ordena a realização do povoamento, mas obrigatoriamente com católicos. Depois, no decurso do século XVI, a transformação do nosso mar em campo de peleja pelo domínio do Mundo entre os ibéricos, campeões da ortodoxia, e os nórdicos, promotores da heresia, o mesmo é dizer, entre o catolicismo e o protestantismo, acresce a relevância política e social do clero açoriano. No Reino, nas Ilhas e no Além-Mar, na sucessão dos séculos, a missão evangelizadora e assistencial da Igreja dependeu quase exclusivamente do empenho e da capacidade maiores ou menores dos seus ministros. Sobre o assunto, relevam as teses mais contraditórias, embora de todo verdadeiras. Se não vejamos! No século XVIII, o estrangeirado Luís António Verney deplora a ignorância do clero, fruto de uma formação carente de mestres e de materiais. A propósito, nos seminários de então, reconhece apenas a possibilidade de aprendizagem de um pouco de má música. No século XX, o historiador Fortunato de Almeida, reportando-se ao apogeu de Portugal nos séculos XV, XVI e XVII, identifica no clero o expoente máximo da cultura portuguesa. Desenganem-se todos aqueles que atribuem exclusivamente ao antagonismo entre a irreverência de Luís António Verney e o tradicionalismo de Fortunato de Almeida a incompatibilidade das opiniões. Na verdade, no rescaldo do concílio de Trento, era tal a ignorância dos nossos clérigos que *1Centro de História d’Aquém e d’Além- Mar (CHAM) – Universidade Nova de Lisboa e Universidade dos Açores.

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alguns dos nossos bispos lhes interditaram o exercício da pregação, quando muito cingido à observância de rígidos formulários catequéticos. Por isso, católicos esclarecidos como o bispo frei Valério do Sacramento, em meados de setecentos, e o padre Senna Freitas, nas vésperas da implantação da República, requerem o melhoramento da formação eclesiástica, para que os ministros sagrados façam jus ao seu prestigiado estatuto. Porém, é também certa a ilustração das elites clericais, sem par na prestação cultural da sociedade civil no decurso da Modernidade. Aqui nos Açores, mais do que no Reino, são os clérigos que, de finais do século XVI ao começo do século XVIII, fixam as memórias do passado. Reportamo-nos naturalmente às cinco geniais crónicas de Gaspar Frutuoso, Diogo das Chagas, Manuel Luís Maldonado, Agostinho de Montalverne e António Cordeiro. Aqui nos Açores, como no Reino e no Ultramar, em todos os eventos cívicos e em todas as festividades religiosas, pontificam os eclesiásticos, cujo sermonário, através de apelos ao arrependimento e à emenda, intenta a edificação dos homens e das comunidades. Aliás, restam vestígios escritos do fulgor da antiga parenética, por exemplo, da do franciscano Manuel de São Luís, também da do jesuíta Paulo Pereira. Aqui nos Açores, é ainda no estado do clero que identificamos quase todos aqueles que alcançam melhor eco no exterior. Entre outros, relembremos a ação do padre Bartolomeu do Quental, fundador em Lisboa da Ordem dos Oratorianos, também a evangelização de Bento de Góis e de João Baptista Machado nas longínquas paragens do Oriente. Assim, a partir de 1766, após a instituição da Capitania Geral dos Açores, eivada dos propósitos pombalinos de subordinação da religião à política, não admira que o bispo ainda figure por substituto do Capitão General. Da dependência de Tomar e do Funchal à autonomia de Angra Apesar da escassez e da falibilidade das fontes, sabe-se que o povoamento dos Açores implica a constituição de um governo eclesiástico que supera em eficácia a administração civil, considerando a abundância de recursos, sobretudo os humanos, e a maior capacidade de domínio de todos os espaços, mesmo das periferias mais recônditas. Ao princípio, a tutela pertence à Ordem de Cristo, com sede em Tomar, tanto ao mestre, 16


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que no temporal assume os encargos da construção e da conservação dos templos e do provimento e da manutenção dos ministros, como ao vigário geral, que no espiritual procede à sagração dos templos, à administração dos sacramentos e à vigilância dos comportamentos de religiosos e de leigos. Porém, em 1514, a dependência eclesiástica dos Açores transita para a recém-criada diocese do Funchal, cujo bispo logo em 1517 remete um primeiro visitador às ilhas açorianas, a saber, D. Duarte, titular de Dume, que procede à sagração das matrizes da Ribeira Grande, em S. Miguel, e da Praia, na Terceira. O acréscimo da população, o desenvolvimento da economia e o amparo das rotas transatlânticas, que motiva Gaspar Frutuoso à identificação de Angra com a “universal escala do mar do poente”, movem D. João III à criação de uma diocese nos Açores, inserta num plano de reorganização e de controlo do império. O projeto também inclui a elevação do bispado do Funchal à categoria de arquidiocese e a criação das dioceses de Angola, Cabo Verde, S. Tomé e Goa. Os intentos joaninos tendentes à constituição da nova circunscrição religiosa dos Açores sobressaem desde finais da década de 1520, envoltos em dúvidas sobre a respetiva localização, que admitem uma possibilidade de estabelecimento na igreja de S. Miguel, em Vila Franca do Campo, na ilha de S. Miguel. Aliás, o processo arrasta-se por alguns anos, cabendo ao papa Clemente VII, falecido em setembro de 1533, a decisão da instituição do novo bispado açoriano. Todavia, a efetiva criação da diocese decorre da publicação da bula Aequum reputamus, do pontífice Paulo III, de 3 de novembro de 1534. O texto do documento papal inclui diversas imprecisões geográficas, que indiciam desconhecimento da realidade arquipelágica e que sustentam também a polémica sobre a sede da nova diocese. Para além da omissão da ilha de Santa Maria, alude-se por mais de uma vez à fixação da sede episcopal na igreja de S. Salvador da cidade de Angra, da ilha de S. Miguel. É de crer entretanto que na sequência da elevação de Angra à condição de cidade, por decisão régia de 21 de agosto de 1534, se pretendesse a localização da nova diocese na urbe recém-criada. Aliás, em 1535, D. João III desfaz todos os equívocos, quando assegura que solicitara ao papa o estabelecimento do novo bispado na igreja de S. Salvador, das ilhas Terceiras, designação comummente utilizada para designar todo o arquipélago, na parte denominada Angra. 17


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É com lentidão que a nova diocese açoriana ganha projeção no universo eclesiástico português. Na verdade, até meados do século XVI, encontra-se na dependência da arquidiocese do Funchal e, até meados do século XVII, serve de campo de tirocínio a diversos prelados em transição para bispados de maior proeminência, casos de D. Rodrigo Pinheiro para o Porto, em 1552, e de D. Pedro de Castilho para Leiria, em 1583. Depois, de meados do século XVIII a meados do século XIX, a administração do pombalismo e a implantação do liberalismo reduzem o poder da Igreja e entravam a ação do clero. Neste processo, influem a afirmação da autoridade régia, contra a concorrência dos demais poderes, que determina a subordinação da Igreja ao Estado, e a difusão do laicismo, que beneficia das leis de secularização, promulgadas precisamente nos Açores, por Mouzinho da Silveira, no começo da década de 1830. A prisão, por ordem do governo vintista, de Frei Manuel Nicolau de Almeida, bispo entre 1820 e 1825, testemunha as adversidades do estado clerical no advento das lutas liberais. É certo que o afrontamento das ideologias regalistas e seculares reativam o fervor religioso, motivando mesmo a irrupção de um catolicismo de combate, que a prazo beneficiará do arrimo da imprensa periódica. No entanto, o fenómeno deixa marcas indeléveis que em 1802 movem o prelado D. José Pegado Azevedo ao reconhecimento do decréscimo de candidatos a ordens sacras. O fulgor eclesiástico da Modernidade Antes das investidas pombalina e liberal, no decurso da Modernidade, registamos constantemente a expansão da administração religiosa e o aumento do estado clerical. A comprová-lo, a multiplicação das paróquias. No século XVI, muito à custa da conquista de novos espaços. A partir do século XVII, quase sempre à custa do desmembramento de freguesias préexistentes. Tudo isto determinado pelo crescimento da população, pelo transtorno das distâncias e pela intransitabilidade dos caminhos, sobretudo no Inverno. Assim, em 1568, enumeramos 64 paróquias, em 1601, 87, em 1675, 98, e em 1700, 106. Do mesmo modo, constituem-se curatos em muitas paróquias e instituem-se ermidas por particulares. A concentração da análise em redor da Sé testemunha bem o alargamento do governo eclesiástico dos Açores. À custa do erário régio, no ano de 1570, principia a 18


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construção da nova igreja, que perdura por cerca de um século, superando em custos todos os orçamentos, a certificar também todas as suspeitas de ineficiência. Todavia, à data da criação da diocese, se o corpo eclesiástico inclui, para além do bispo, um cabido de 12 cónegos, 1 deão, 1 mestreescola, 1 tesoureiro e 1 arcediago, no fim do século XVII, já respeita a um conjunto de 54 ministros, que beneficia de côngruas acrescidas. O crescimento do clero regular, atestado pela multiplicação dos conventos também comprova o alargamento da administração eclesiástica no decurso da Modernidade. Entre as diversas ordens, ressalta a anterioridade e a expansão dos franciscanos, que aportam em Santa Maria logo em 1446. No século XVI, já possuem 7 conventos, 3 em S. Miguel, 2 na Terceira, 1 no Faial e 1 em Santa Maria. No século XVII, chegam às ilhas mais periféricas, com exceção do Corvo. Por isso, após uma dependência dos claustrais do Porto e das províncias de Portugal e do Algarve, é constituída a Província de S. João Evangelista das Ilhas dos Açores, que inspira a redação da crónica de Frei Agostinho de Montalverne, ainda cindida em 1717 em duas custódias: a de S. Miguel e a da Terceira. Mais cingidos ao meio urbano, após uma tentativa de fixação nas Velas de S. Jorge, avultam os gracianos, com conventos em Angra em 1588, depois também na Praia e em Ponta Delgada, já no decurso de seiscentos, e sobretudo os jesuítas, com um Colégio em Angra e um estabelecimento em Ponta Delgada, no século XVI, também com casa na Horta, no século XVII. Mais numerosa é entretanto a comunidade das freiras, de 816 para 176 frades no fim do século XVI. Por isso, são também mais numerosos os mosteiros, todos de clarissas, concretamente 14, 6 em S. Miguel, 5 na Terceira, 2 no Faial e 1 em Santa Maria. Nesta conjuntura de alargamento e de complexificação da rede administrativa eclesiástica, não admira que na História Insulana, publicada em 1717, o Padre António Cordeiro propusesse a elevação de Angra à categoria de arquidiocese, com tutela sobre Cabo Verde, unido aos Açores pelo determinismo do mar, e a criação de duas novas dioceses, uma em Ponta Delgada, outra na Horta. A inconveniência do distanciamento do Reino, a conveniência da resolução de causas próprias no arquipélago e o acréscimo de população nas periferias constituem a justificação do projeto do jesuíta terceirense. 19


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As reformas pombalinas e as práticas liberais contribuem para o desvio dos jovens da vida religiosa porque tornam menos atrativa a carreira eclesiástica, sobretudo a opção conventual. Todavia, até meados do século XVIII, acresce constantemente o número de clérigos, por força de uma vocação sincera, talvez estimulada pelo fervor da Contra-Reforma, também por via de estratégias familiares, atinentes à conservação de decoro social e de património fundiário. Com efeito, o propósito da concentração de bens em poucos descendentes determina o escoamento dos herdeiros excedentários, sobretudo as mulheres. Aliás, são muitos os padroeiros de diversos mosteiros que procedem à sua edificação para reclusão de filhas e de familiares próximos. Além disso, o interesse e a honra pessoais ou coletivos acrescem candidatos ao serviço religioso, ora movidos pela ocupação de cargos e de dignidades, geradores de avultado rendimento, ora movidos pelo intento da distinção, que dignifica os estratos sociais médios. A abundância de clérigos até origina a restrição das admissões. É o que sucede com a aprovação do decreto de 29 de outubro de 1644, embora no contexto da Guerra da Restauração, por suspeita de fuga de mancebos ao recrutamento militar. Mesmo assim, escasseiam as ocupações para tantos pretendentes, ocorrendo também em Portugal, e por consequência nos Açores, o fenómeno dos clérigos vagabundos, que Jean Delumeau considera a maior praga da sociedade eclesiástica europeia de Antigo Regime. Com efeito, os desocupados infringem os regulamentos e as condutas clericais, evidenciando comportamentos indignos da condição eclesiástica. Além disso, nos estratos sociais médios e inferiores do clero, a falta de mobilidade prolonga o convívio com as redes sociais preexistentes, que facilita o desregramento. O primado do Concílio de Trento Na Idade Moderna, na história da Igreja, sobressai a realização do Concílio de Trento entre 1545 e 1563, que abre verdadeiramente um tempo novo, apenas encerrado com a reunião do Concílio Vaticano II, na 2ª metade do século XX. Apesar da lenta concretização do programa tridentino, que defronta a escassez de meios, logo em 1564, o cardeal-regente D. Henrique proclama os decretos conciliares como lei de Portugal, uma determinação 20


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ainda confirmada em 1569, fruto do exaltado espírito religioso do novo rei D. Sebastião. Em reação à Reforma protestante, o Concílio de Trento inicia a Contra-Reforma católica, em defesa da ortodoxia contra todas as heresias, elegendo por instrumentos a persuasão e a vigilância. Para o efeito, inventa dois expedientes capitais: a Companhia de Jesus, que pontifica na palavra, nos púlpitos das igrejas e nas salas de aula, e a Inquisição, que pontifica na ação, ao transformar o temor e o castigo em métodos de purificação do erro. A Companhia de Jesus exerce grande influência nos Açores, por força do funcionamento dos colégios de Angra, de Ponta Delgada e da Horta, que primam pela instrução avançada de clérigos e de leigos até à expulsão pombalina de 1759-60. A Inquisição não exerce grande influência nos Açores, dada a fraca presença e a pouca eficiência, cingindo-se primeiro à realização de três visitações, em 1575, 1592-93 e 1619-20, e depois disso ao zelo dos reitores do Colégio jesuítico de Angra, que desempenham a função de comissários do Santo Ofício. Em recuperação de preocupações do antigo Concílio de Latrão, para contrariar a indiferença religiosa, que suscita a difusão das seitas, a reforma tridentina combate a impreparação dos padres e a ignorância dos leigos. Acima de tudo, insiste no esboço de um renovado perfil do clero, assente em dois pilares primordiais: a sabedoria e a virtude. No propósito da concretização do novo modelo, o bispo de Milão Carlos Borromeu e o arcebispo de Braga Bartolomeu dos Mártires avultam como exemplos de cultivo dos saberes e de morigeração dos costumes. Todavia, a aplicação dos princípios tridentinos enfrenta obstáculos de monta, que determinam a dilação dos prazos e a relativização dos fins. Talvez por isso, já em 1675 António Moreira Camelo, em Lisboa, publica o Pároco Perfeito, que identifica as qualidades do bom pastor. Entre elas, o dever da residência contra a prática do absentismo, vigiado pelos visitadores, que aplicavam penas aos faltosos, e pelos ouvidores, que passavam certidões aos cumpridores. Além disso, a observância do celibato contra a tentação do concubinato. Por fim, a elevação do comportamento, ao exigir sobriedade e compostura nos atos públicos, também nas vivências privadas. Nos Açores, a aplicação da reforma tridentina depende da iniciativa dos bispos, cujo mando experimenta um razoável fortalecimento, por emanar diretamente do próprio reforço da autoridade do Papa. Aliás, na adminis21


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tração eclesiástica das ilhas, o principal benefício de Trento decorre da maior permanência do prelado na diocese, uma prática quebrada pelas incidências da Restauração que, entre 1637 e 1641, ditam a inexistência de bispo, dada a falta de reconhecimento de D. João IV pela Santa Sé. Além disso, o bispado de Angra beneficia do múnus de Frei Jorge de Santiago (1553-61), um dos teólogos portugueses que por ordem de D. João III participa na 1ª sessão do Concílio de Trento. Com efeito, logo em 1559, reúne o único sínodo diocesano dos Açores, que resulta na publicação em 1560 das Constituições Sinodais do Bispado de Angra. A magna reunião do clero conferiu naturalmente maior união a uma diocese demasiado descontínua. Por acréscimo, as novas constituições assumem o carácter de um código de conduta, que defronta décadas de dificuldades e de empenhos, mas também de ausências e de descuidos. De resto, sobejam os exemplos de bispos apostados no cumprimento do programa tridentino. Por exemplo, Frei Lourenço de Castro (1671-81), que classifica os decretos conciliares de Constituição da Diocese, D. António Vieira Leitão (1694-1714), que prima pela frequência das visitações, pela emissão de pastorais e pelo incentivo da catequese, e Frei Valério do Sacramento (1738-57), que pugna pela exemplaridade dos clérigos nos domínios da apresentação e do comportamento. A individualização apenas em 1819 do uso do Catecismo do Concílio Tridentino na formação do clero dos Açores demonstra bem as dificuldades da difusão do ideário da Contra-Reforma. Aliás, no decurso dos anos, das décadas, quiçá dos séculos, em cartas pastorais e em relatórios de visitas, bispos e visitadores relembram constantemente a necessidade do cumprimento dos princípios tridentinos. A dificultar a execução dos decretos conciliares, avulta o incumprimento pela própria diocese da cadência das visitas às paróquias, bem longe do respeito pela periodicidade anual, quando muito bienal, estabelecida em Trento. Neste particular, o carácter da geografia, acrescido da elementaridade dos transportes, constituem uma desculpa de vulto, porque ancorada em impedimentos da natureza e da técnica. Contudo, jamais justificam o abandono das periferias, que ampara a persistência, mesmo o acréscimo, de manifestações religiosas populares, eventualmente ricas, mas opostas ao culto tridentino da ortodoxia. No começo do século XVI, ainda antes da criação da diocese em 1534, 22


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em exercício sacerdotal no Corvo, D. Agostinho Ribeiro, futuro 1º bispo de Angra, enfrenta ameaças populares, quando intenta a substituição de hábitos pagãos pela aprendizagem da doutrina e pela prática dos sacramentos. Nestas circunstâncias, a aplicação dos decretos tridentinos demanda o aprendizado da catequese. A tarefa incumbe dominicalmente ao clero paroquial, que até possui o pagamento da côngrua indexado ao cumprimento de tal dever, por decisão régia de 1568. Contudo, nem a ameaça da Coroa, com implicações reais na sobrevivência dos ministros eclesiásticos, garante a sistemática catequização das populações. De facto, por muito tempo, os registos das principais igrejas comprovam o ensino da doutrina cristã apenas em momentos mais significativos do calendário litúrgico, a saber, no Advento e na Quaresma. De resto, os autos de visitação e as cartas pastorais insistem sempre na prática da catequese nas igrejas e nas ermidas, aos domingos antes da missa. Excecionalmente, até se ordena o encerramento das ermidas mais carentes de clérigos, para que os crentes acorressem às igrejas paroquiais, com mais condições para o ensino da doutrina. Ademais, no tempo de Frei Valério do Sacramento, por meados do século XVIII, para além da obrigatória frequência de crianças dos 7 aos 14 anos, ainda se determina a participação de um adulto de cada família, sob pena de multa. É também deste tempo a imposição de uma prova doutrinal aos candidatos ao casamento, inclusivamente a todos os fregueses, antes da administração dos sacramentos pascais. A formação do clero açoriano antes da abertura do Seminário A catequização do povo exige a ilustração do clero, que depende de um processo eficaz de preparação. Por isso, após o Concílio de Trento, há mais exigências de formação eclesiástica nos domínios da preparação religiosa e cultural, da conduta moral e cívica, da limpeza de sangue e da fixação de idades mínimas de acesso à tonsura e ao presbiterado. Aliás, as constituições sinodais de Évora, de Coimbra e de Miranda da 2ª metade do século XVI fazem eco destes novos requisitos da Igreja, já distantes das obrigações tradicionais de ler, cantar e de memorização dos sacramentos. Além disso, o presbiterado já não faculta o acesso ao ministério da penitência, pois obriga à realização de uma prova para confessor, quando também a 23


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colação de benefícios curados perpétuos e amovíveis demanda avaliação. Do mesmo modo, a obrigatoriedade de formação dos bispos em Cânones e Teologia contribui para o desaparecimento dos prelados tradicionais, ignorantes, guerreiros, ilegítimos, mesmo devassos. À mercê da disponibilidade de meios humanos e materiais, a formação do clero deriva muito da iniciativa dos bispos, que na sucessão do tempo faz uso dos mais distintos estratagemas. Assim, se as Constituições Sinodais, publicadas em 1560 por Frei Jorge de Santiago, incentivam ao aperfeiçoamento da preparação eclesiástica, já D. Nuno Álvares Pereira, bispo de 1568 a 1570, insiste na melhoria das condições de subsistência dos clérigos, que garante o decoro da carreira, enquanto Frei Clemente Vieira, bispo de 1688 a 1692, opta por uma ação pedagógica, que persuade os faltosos à emenda voluntária sem recurso à penalização. A partir de meados do século XVIII, o episcopado de Frei Valério do Sacramento assinala a fase do incremento da ilustração clerical, que avulta por indispensável nos embates do pombalismo e do liberalismo. Nos Açores, no decurso da Modernidade, a formação de novos padres ocorre necessariamente no convívio com o preexistente clero paroquial, umas vezes mais instruído, outras vezes mais impreparado. Só assim admitimos a possibilidade da ordenação logo em 1487 dos primeiros sacerdotes, aquando da visita ao arquipélago de um primeiro bispo às ordens do vigário geral de Tomar. Após a criação da diocese em 1534, a obrigação dos vigários promoverem o ensino da Gramática também se insere no propósito da preparação de candidatos ao sacerdócio. Aliás, a prática da aprendizagem eclesiástica no contacto com o clero local ainda acontece nas vésperas do liberalismo, apesar da reforma tridentina de quinhentos ditar a abertura de seminários em todos os bispados. Na verdade, em tempo de sede vacante, uma pastoral de 24 de outubro de 1818 do Dr. Cunha Ferraz, então vigário geral, valoriza a experiência do quotidiano paroquial, responsabilizando os vigários pela instrução e pela probidade dos aspirantes a clérigos. Nesta conjuntura, acreditamos até na transposição desta prática religiosa para a administração civil, quando em pleno século XIX se institui o ensino mútuo, que consiste na colaboração dos estudantes mais avançados na preparação dos ainda principiantes. À semelhança da generalidade das catedrais, a criação da diocese em 1534 determina a instituição na igreja de S. Salvador de Angra de um lugar 24


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de mestre-escola encarregue do ensino da Gramática e da Teologia. Ainda no reinado de D. João III, concretamente em 1553, o benefício é alargado aos principais povoados das principais ilhas, a saber, Praia, Horta, Ponta Delgada, Ribeira Grande e Vila Franca, mas também às Velas, em S. Jorge, e a Vila do Porto, em Santa Maria. Além disso, acresce também um leque de ensinamentos, que inclui o Latim, a Música e o Canto. É de crer que este sistema evolua e se consolide na sucessão do tempo. Aliás, é o que se depreende do funcionamento na Sé, em meados do século XIX, de uma aula de Teologia e de Gramática, frequentada por 21 candidatos ao sacerdócio. Significativo é o facto deste ensino instituído na Sé e nos principais templos privilegiar os pobres sem meios de acesso à instrução dos particulares. De maior consideração é ainda o facto dos seus destinatários serem tanto os jovens candidatos à carreira eclesiástica como os clérigos no ativo, uma clara demonstração de que a formação inicial decorre a par da formação contínua, dada a profundidade das carências de melhor educação. Após Trento, em Portugal e necessariamente nos Açores, como na Europa, por exemplo em França, a formação do clero é também uma missão das ordens religiosas. Entre nós, dos franciscanos, que ministram um ensino básico praticamente em todo o arquipélago, dos jesuítas, que ministram um ensino avançado nas cidades de Angra, de Ponta Delgada e da Horta, muito menos dos gracianos. Chegados aos Açores no século XV, os franciscanos instalam-se em Santa Maria, S. Miguel e Terceira. A partir do século XVI, irradiam para as parcelas mais periféricas. Assim, na 1ª metade do século XVIII, possuem 18 conventos dispersos por todas as ilhas, à exceção do Corvo. Nessa altura, por exemplo, na vila da Lagoa, no convento de Santo António, ensinam Português, Latim, Filosofia, Retórica, Teologia, Música e Canto Chão. A par da missão educativa, praticam igualmente a caridade, em conformidade com os princípios do franciscanismo, providenciando diariamente almoço para estudantes e pobres das redondezas. Quanto aos gracianos, lesados pela proibição tridentina de existência de religiosos fora dos conventos, não logram fixação em S. Jorge, na vila das Velas, ficando cingidos aos estabelecimentos de Angra, do século XVI, e da Praia e de Ponta Delgada, já do século XVII, com escolas de Artes e de Teologia Especulativa. 25


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No ensino, são entretanto os jesuítas o principal instrumento da reforma tridentina. Por isso, à sua chegada em 1570, não admira que o bispo D. Nuno Álvares Pereira tenha dito “agora me vem o meu descanso”. De facto, o Colégio de Angra constitui a mais prestigiada escola secundária de todo o arquipélago, ao ponto de com muita propriedade o Padre António Cordeiro até o haver cognominado de “muito útil universidade”, uma função retomada, dizemos nós, pelo Seminário Episcopal no século XX, quando assume o carácter de uma Universidade dos Açores “avant-la-lettre”, responsável pela criação do Instituto Açoriano de Cultura na década de 1950 e pela realização de três Semanas de Estudos sobre os Açores no começo dos anos sessenta. Um pouco por toda a parte, os jesuítas suprem a falta de seminários ou algumas das carências dos seminários existentes. Na verdade, ministram ensino autónomo aos aspirantes à vida religiosa, mas também apoiam seminaristas na frequência de cursos selecionados, por exemplo, no Funchal, de Teologia e Humanidades, e ao próprio clero, por exemplo, em Évora, por ordem do arcebispo D. João de Melo, relativa a lições de Casos. Nos Açores, ensombrada pela preferência política filipina, a ação jesuítica ressurge após a conquista espanhola de 1583, primeiro na Terceira, depois em Ponta Delgada e na Horta, com efetiva expressão apenas no século XVII. Aliás, contra franciscanos e gracianos, que contestam em tribunal a perda de direitos, os jesuítas logram monopólio no ensino citadino, que inclui Gramática, Latim, Moral, Casos de Consciência, Retórica, Humanidades e Ginásio, e mais raramente as disciplinas de grau superior como a Filosofia e a Teologia Escolástica. Nestas circunstâncias, a expulsão dos inacianos em 1760, por força de uma ordem pombalina de 1759, comporta um assinalável retrocesso na formação do clero açoriano, ainda reconhecido em 1802 por D. José Pegado Azevedo, que alega o recrudescimento da ignorância dos pretendentes, e posteriormente pelo próprio Francisco Ferreira Drumond, cuja moderação e responsabilidade superam o apego à causa liberal. Nos Açores, na formação eclesiástica anterior à criação do Seminário Episcopal em 1862, as ordens religiosas não asseguram todas as necessidades, até porque o ensino dos jesuítas se cinge aos colégios de Angra, de Ponta Delgada e da Horta. Por isso, os bispos mais clarividentes reforçam a participação do clero secular na aprendizagem inicial dos jovens, igual26


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mente na atualização contínua dos ativos. A comprová-lo, o caso de Frei Valério do Sacramento de meados do século XVIII, que recupera e institucionaliza as palestras eclesiásticas, ainda restabelecidas nas vésperas do liberalismo para combater a impreparação do clero. Na Idade Moderna, a formação do clero, sobretudo dos seus estratos superiores, também passa pela frequência universitária. Em Portugal, mais em Coimbra, menos em Évora, no estrangeiro, em Espanha, sobretudo em Salamanca, e em Itália, necessariamente em Roma, muitos açorianos realizam e prosseguem estudos eclesiásticos. Aliás, D. António Caetano da Rocha, licenciado em Cânones e bispo de Angra entre 1758 e 1772, fora ele próprio docente da Universidade de Coimbra. Além disso, por alvará de 1805, D. João VI incumbe às dioceses o dever do envio anual à Universidade de Coimbra, para cursar Teologia, de um ou mais pretendentes ao sacerdócio. Ainda antes da abertura do Seminário Episcopal em 1862, a introdução da imprensa na década de 1830 corresponde à disponibilização de um novo instrumento de difusão de cultura e de informação, utilizado pela Igreja no processo de formação do clero. Deveras sintomática, é a publicação do Boletim Eclesiástico dos Açores, embora já a partir de 1872. A ação dos Seminários Diocesanos Pelo decreto Cum Adolescentium Actas de 15 de janeiro de 1563, o Concílio de Trento determinou a criação de seminários em todas as dioceses, dada a indispensabilidade da competente formação do clero. Porém, a persistência do modelo tradicional da formação eclesiástica, a escassez de professores e a falta de financiamento obrigam ao adiamento do propósito tridentino. De facto, no rescaldo conciliar, surgem apenas os seminários de Lisboa, em 1566, por iniciativa do cardeal D. Henrique, de Braga, em 1572, por ação de Frei Bartolomeu dos Mártires, seguidos ainda na era de quinhentos por Viseu, em 1587, Portalegre, em 1590, Évora, em 1597, talvez o Funchal, durante o episcopado de D. Luis Figueiredo de Lemos, entre 1586 e 1608. De resto, até à revolução liberal, abrem seminários na Guarda e em Miranda, em 1601, em Leiria, em 1674, em Elvas, em 1759, em Coimbra, em 1765, em Lamego, em 1789, no Algarve, em 1797, e no Porto, em 1811. 27


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Por muito tempo, a aprendizagem dos padres prossegue à margem dos seminários, o mesmo é dizer, dos bispos. Ademais, nos seminários entretanto criados, a frequência é reduzida, como sucede em Miranda em 1626. Aliás, também no Funchal, o seminário só admite jovens dos 12 aos 18 anos, de preferência nobres e com conhecimentos de leitura, escrita e Gramática Latina. Assim, resta a dúvida sobre se tais instituições ministram todos os graus de ensino, isto é, desde as primeiras letras até à formatura. Em 1759, a ordem de expulsão dos jesuítas acresce a necessidade de criação de mais seminários, considerada a relevante ação dos inacianos na formação eclesiástica. No entanto, em consequência das invasões francesas e do triunfo do liberalismo, a extinção dos dízimos e dos forais origina a destruição da base económica de sustentação da generalidade dos seminários, provocando a suspensão da atividade letiva. Todavia, volvido o tempo do extremismo, em 26 de fevereiro de 1843, invocando a importância da religião na conservação do trono, o jornal lisboeta O Católico solicita à rainha a concessão dos rendimentos necessários à reabertura dos seminários. Pouco depois, uma lei de 28 de abril de 1845 reitera o princípio de um seminário por diocese, propósito reafirmado pela concordata de Portugal com a Santa Sé de 21 de outubro de 1848, que determina o funcionamento, logo em 1849, dos seminários de Lisboa, Braga, Évora, Funchal e Angra, a que se seguiria a reativação de todos os demais, no prazo máximo de quatro anos. Ainda no termo da década de 1850, o decreto de 26 de agosto de 1859 procede à reorganização dos estudos seminarísticos, que incluem cursos trienais de disciplinas eclesiásticas e a obrigatoriedade do curso completo do seminário ou de um bacharelato em Teologia ou Direito para a admissão ao presbiterado. No entanto, na época liberal, somente a decidida iniciativa eclesial, relativamente alheia à intervenção pública, suscita a reabertura e a criação dos seminários, como acontece em Angra do Heroísmo em 1862. A criação do Seminário Episcopal de Angra Em Portugal, em 1564, a publicação dos decretos do Concílio de Trento já recomenda a construção do Seminário de Angra, a expensas do rei, enquanto governador da Ordem de Cristo, detentora do poder temporal no espaço da diocese. Em consequência, o fervor religioso de D. Sebastião 28


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procede mesmo à criação de jure do Seminário, que entretanto só logra concretização volvidos quase três séculos. De facto, só a partir de finais de setecentos, talvez fruto da expulsão dos jesuítas, que causa retrocesso na formação eclesiástica, se insiste mais na necessidade de abertura do Seminário, no próprio Colégio da Companhia, aproveitando paradoxalmente as rendas do subsídio literário, instituído pelo governo de Pombal para financiamento de um ensino público independente da tutela da Igreja. No quadro das reformas pombalinas do ensino de 1772, em 1787, o capitão general Dinis Gregório de Melo e Castro e o bispo Frei José da Avé Maria requerem a aprovação monárquica de um projeto de Seminário aberto a todos, mas fortemente apostado na formação de um clero hábil. No plano de estudos, imperava o Latim, a Retórica, a Ética, a Metafísica e a Teologia Moral. Gorada a tentativa, o processo reabre-se em 1805 na prelatura de D. José Pegado Azevedo, quando um alvará régio de 10 de maio regula inclusivamente os estatutos do projetado Seminário angrense, cuja criação se justifica com o estado de decadência do ensino nos Açores. De novo, no propósito de uma difícil conciliação da reforma pombalina com a preparação eclesiástica, pretende-se a formação conjunta de clérigos e leigos, na base de um plano de estudos que integra Teologia Especulativa, Teologia Moral, Lógica, Metafísica, Ética, Retórica, Latim, Francês e Canto Chão. Em matéria de financiamento, a proposta alude às rendas do subsídio literário, aos bens dos conventos e à reposição do 1% dos rendimentos do contrato da fazenda real nos Açores, outrora aplicados no cumprimento de esmolas. Ademais, o Reitor e o Vice- Reitor deveriam ser investidos em prebendas na Sé. Já quanto aos estudantes, admitia-se a gratuitidade para os mais pobres, que ficariam obrigados após a formatura ao dever de lecionação por um período de 6 anos, contra a cedência de alojamento e de parca retribuição. Apesar do adiantamento dos preparativos, o plano soçobra uma vez mais. Posto isto, ainda anotamos, antes da revolução liberal, de concreto em 1818, uma nova proposta para o ensino religioso, agora da autoria do vigário geral Dr. Cunha Ferraz. Comparativamente aos projetos anteriores, o programa sobressai pela inovação, já que pela primeira vez coloca a formação do clero no âmbito pastoral, isto é, fora da alçada do poder político, ignorando até o velho padroado régio. Por isso, em vez de submetida ao 29


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governo, a proposta é apresentada aos diocesanos, na modalidade de provisão pastoral. Contudo, em vez da instituição do pretendido Seminário, estabelecem-se escolas de Moral nos conventos franciscanos das três ilhas principais, ocorrendo entretanto em S. Miguel a sua substituição pela reposição das palestras, dado o impedimento dos frades, resultante da lecionação das cadeiras régias de Filosofia e Retórica. Após as lutas liberais, mesmo decorridos 30 anos sobre a extinção das ordens religiosas, que sempre se dedicaram à formação do clero, o Seminário é finalmente inaugurado a 9 de novembro de 1862, no convento de S. Francisco, durante o longo múnus do bispo D. Estevão de Jesus Maria, entre 1827 e 1870, e já depois da abertura do Liceu de Angra em 1846 e dos de Ponta Delgada e da Horta em 1852. A inauguração inclui festa em honra da Senhora da Guia, titular do antigo convento, e regista a assistência do bispo e de muito clero, sendo pregador o cónego Joaquim Alves Mateus e responsável pela Oração de Sapiência, na sessão de abertura das aulas, o cónego José Maria Pacheco de Aguiar. O Reitor é naturalmente o bispo, função que preserva até meados do século XX. Porém, nos três primeiros anos de atividade, a direção da novel instituição de ensino religioso compete ao arcediago Luís Francisco Rocha. Depois, o padre Francisco Carvalho Arruda assume o cargo de Vice-Reitor, assessorado por dois prefeitos, os padres Francisco José Amaral e João Félix Oliveira Pinho, por um secretário, João Maria Sodré, então escrivão da câmara eclesiástica, e por pessoal menor, a saber, um sacristão, um comprador, um despenseiro, também refeitoeiro e enfermeiro, um porteiro, um cozinheiro e três criados. O corpo docente é constituído pelos cónegos Joaquim Alves Mateus, José de Fonseca Castelo Branco, João Albertino Silva Pereira e José Maria Pacheco Aguiar, todos eles dispensados de serviço coral no cabido, por portaria de 1860 do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça. Os estudantes transitam da escola de Teologia, sendo todos diáconos, que logram o presbiterado no termo de três anos de curso teológico, incluindo no 1º ano Filosofia e Direito, História Sagrada e Eclesiástica e Dogma Moral, no 2º ano Dogma Especial, Direito Canónico e Moral – 1ª parte, e no 3º ano Moral – 2ª parte, Teologia Pastoral e Hermenêutica e Eloquência. A partir de 1864, o Seminário admite os primeiros internos, na ocasião 17 contra 18 externos. 30


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Contra um encargo mensal de 77$788, com salários de prefeitos, secretário e pessoal menor, o Seminário cobra mensalidades de 7$500 aos internos e arrecada do subsídio da bula 600$000 em 1862, 2300$229 em 1863 e 3099$314 em 1864. Posteriormente, D. João Maria Pereira Amaral e Pimentel, bispo entre 1872 e 1889, cria por subscrição pública o “Fundo do Seminário”, no intuito do seu desenvolvimento. A criação do Seminário em 1862 não equivale à resolução de todos os problemas da cada vez mais exigente formação eclesiástica. Ciente disso, D. Francisco Maria Prado Lacerda, bispo entre 1886 e 1899, cria uma bolsa anual para um presbítero cursar em Roma na Gregoriana. Sensivelmente na mesma altura, e também ciente das acrescidas responsabilidades dos clérigos, o padre Senna Freitas já defende a criação de uma Universidade católica, um projeto que só logra concretização em 1968. Além disso, mandado construir no século XVI para formar sacerdotes à moda de Trento, a abertura do seminário de Angra em 1862 sucede num tempo em que de novo se impunha a alteração do perfil dos padres. Com efeito, a reforma tridentina apostava na subtração do clero ao convívio social, na convicção de que ganharia decoro e responsabilidade. Porém, perante a difusão dos ideários democráticos, socialistas e republicanos do advento do século XX, justificava-se, como ainda hoje se justifica, que o clero ganhasse evidência no diálogo com multidões, bem à imagem do Cristo verdadeiro. Alguma bibliografia - Clemente, Manuel, “Seminários (diocesanos, do continente e ilhas adjacentes)”, in Dicionário de História Religiosa de Portugal, direcção de Carlos Moreira Azevedo, PV-Apêndices, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, 220-225. - Costa, Susana Goulart, “A Igreja: implantação, práticas e resultados”, in História dos Açores. Do descobrimento ao século XX, I, Instituto Açoriano de Cultura, 2008, 173-198. - Costa, Susana Goulart, “Igreja, religiosidades e comportamentos”, in História dos Açores. Do descobrimento ao século XX, I, Instituto Açoriano de Cultura, 2008, 405-431. - Costa, Susana Goulart, Viver e Morrer Religiosamente. Ilha de São Miguel. Século XVIII, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2007. 31


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O Seminário de Angra 1862-1910 Algumas notas sobre a sua história Por José Guilherme Reis Leite Antes de entrar propriamente no tema desta conferência convém dizer algumas palavras acerca da Igreja Católica no período da monarquia constitucional no nosso país.1 Liberalismo e Igreja apresentaram-se como incompatíveis no seu início, mas acabaram por se convencer que ambos necessitavam um do outro e estavam condenados a encontrarem um meio de convivência pacífica, limando as arestas mais agressivas quer dos liberais extremistas quer dos católicos intransigentes. Assim, com a conivência de ambas as partes, a hierarquia católica e os políticos liberais acabaram por encontrar um modus vivendi, que não tendo eliminado as divergências e muito menos os conflitos, nem convencido a totalidade dos cidadãos, permitiu um pacto que durou por todo o regime (1834 a 1910). Assentava este pacto na inclusão do catolicismo como religião oficial do Estado e a subordinação da Igreja a esse mesmo Estado, através do regalismo e da dependência financeira. São sobejamente conhecidas as etapas da sua construção com avanços e recuos e com períodos de maior ou menor conflitualidade. Entre 1834 e os anos quarenta do século XIX viveu-se uma época de desmantelar da velha ordem eclesiástica em Portugal com o fim do que, para simplificar, se pode chamar a “aliança entre o trono e o altar”. A extinção das ordens religiosas masculinas, a venda dos bens dessas mesmas ordens, que haviam sido integrados nos bens do Estado e o fim da independência financeira da Igreja. Por último, a substituição da hierarquia comprometida com o absolutismo e a montagem de uma nova hierarquia, nomeadamente os bispos, dispostos à colaboração com a monarquia libe1  Para este assunto consultei preferencialmente a obra de Vitor NETO, O Estado, a Igreja e a Sociedade em Portugal (1832-1911), Lxª, I.N.C.M., 1988, mas para maior compreensão desta problemática convém acrescentar o estudo de José Manuel SARDICA, “O Vintismo perante a Igreja e o Catolicismo”, in Penélope, nº 27, Junho 2003, 127-157.

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ral para cumprir o papel de integrar os fieis no sistema e da participação na politica, sobretudo através da Câmara dos Pares do Reino, a que eram elevados os bispos das dioceses do continente. Os Açores foram, pelas circunstâncias históricas conhecidas, o primeiro laboratório destas experiências e a diocese de Angra o primeiro ensaio de uma nova ordem com o apoio de parte da hierarquia diocesana e o afastamento violento da outra parte2, como depois da vitória militar na guerra civil, em 1834, os liberais fizeram no reino. O regalismo não era novidade, porque desde cedo, ainda na idade média, imperara nas relações entre o Estado e a Igreja, mas o regalismo liberal tinha uma faceta nova e mais agressiva, porque pretendia uma subordinação da Igreja às razões do Estado Nação e não propriamente uma colaboração entre iguais. Convém dizer que o regalismo nos Açores sempre assumira uma forma mais intervencionista porque a Coroa, como administradora da Ordem de Cristo, dispunha do patronato na totalidade da hierarquia e administrava os dízimos, não tendo nunca a igreja diocesana acesso directo ao financiamento. A partir de 1842, com o restabelecimento da carta constitucional e o poder dos irmãos Cabrais, Bernardo e José, o Estado preparou a normalização das relações com a Santa Sé, que haviam sido interrompidas e uma consequente organização das dioceses, da sua hierarquia e da retoma da formação dos párocos, que iam escasseando. Assim, nasce a arquitectura dos novos seminários3 da sua função e da sua orgânica integrada na versão de uma Igreja subordinada ao Estado. Bernardo Costa Cabral, que vinha da esquerda liberal, mas se convencera que a sociedade portuguesa, rural e conservadora, só pela direita política se acalmaria, assumiu o papel de impor uma nova ordem social e 2  Para este assunto continua a ser indispensável o clássico Cónego PEREIRA, A Diocese de Angra na História dos seus Prelados, A.H., Ed. Livraria Editora Andrade, vol I, 1950, 265 e seguintes (daqui em diante citado por Diocese) a que se pode acrescer o estudo de Fernanda ENES, “Angra do Heroísmo, Diocese de”, in Dicionário da História Religiosa de Portugal, Dir. de Carlos Moreira AZEVEDO, Lxª, Círculo de Leitores, vol I, 67-79, mais generalista (daqui em diante citado por Dicionario). 3  Sobre os Seminários consulte-se, Manuel CLEMENTE, “Seminários (diocesanos, do continente e ilhas adjacentes)”, in Dicionário, vol IV, 220-225, em cuja bibliografia, apesar do âmbito do estudo, não cita o Conego Pereira e o seu estudo sobre o Seminário de Angra, citando porém vários trabalhos paralelos dos seminários do continente.

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política. Foi o cabralismo cartista ou a “ditadura dos Cabrais” por oposição ao setembrismo, esquerdista e constitucionalista. Os novos seminários deviam ter por missão formar padres e futuros párocos liberais ou pelo menos integrados no sistema que se acordara com a hierarquia católica. Para tanto, era necessário encontrar uma forma de financiamento dessas novas instituições, uma tutela aceitável para os inspecionar e a criação de um corpo docente imbuído nas ideias do regalismo liberal. Convenhamos que não era tarefa fácil, nem em termos políticos, muito menos ideológicos e menos ainda financeiros, o que levou na prática a que havendo-se conseguido a legislação necessária não se conseguiu, contudo, a concretização do programa. Não havia meios, nem políticos, nem financeiros para uma montagem desta rede. Encortando razões, só com a Regeneração em 1851, ou seja o acalmar das dissidências políticas irreconciliáveis entre esquerda e direita, que se convenceram que não era nenhuma delas capaz de derrotar a outra, e o estabelecimento de um pacto político de alternância no poder, regido por uma carta constituicional revista, entre dois partidos organizados à direita e à esquerda, mas comprometendo-se a afastarem da área do poder os extremistas de ambas as partes, era possível acalmar a sociedade, impor a ordem e a estabilidade e implantar finalmente uma sociedade capitalista em Portugal. Começaram-se então a criar os novos seminários nas várias dioceses portuguesas. O financiamento, porque o Estado estava sempre em crise financeira, viria de uma fonte autónoma através da Bula da Santa Cruzada,4 que os fiéis, devidamente autorizados pela hierarquia católica, alimentavam. Mais cabia ao Estado arrecadar, controlar e distribuir esse financiamento através da Junta da Santa Bula, no Ministério da Justiça e Cultos, onde um bispo, fiel e de confiança, se encarregava dessa missão. Foi ele o célebre bispo de Betassaida. A inspeção e controlo das nomeações do professorado fazia-se com base no regalismo, competindo ao Estado organizar os concursos e a co4  Existem dois estudos esclarecedores referentes a esta questão o de Carlos Moreira AZEVEDO, “Bula da Cruzada”, in Dicionário, vol I, 276-277 e o de A. de J. da Costa, Cruzada (Bula da), in Dicionário de História de Portugal, Dir de Joel SERRÃO, Lxª, Iniciativas Editoriais, 1963, vol I, 755-757.

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locação, ouvindo os bispos. Foi o mais difícil de conseguir, porque não foi possível implantar o sistema, que só funcionava em casos extremos. Os bispos acabaram por nomear quem entendiam, comunicando tardiamente ao governo, modelo que este tolerava, só intervindo quando se levantavam questões graves e conflitos de interesses. A formação do corpo docente, por sua vez, era competência também do Estado, através da Universidade de Coimbra, nas faculdades de Teologia e Canones, que formava os professores sendo a licenciatura nestas áreas obrigatória para se ser nomeado. Também assim não aconteceu muitas vezes, por razões várias, em que a resistência do prelados não foi das menores. O conflito entre o bispo de Coimbra e a própria Faculdade de Teologia, nos anos oitenta, sobre a tutela científica levou ao agudizar das divergências e, na prática, à morte da dita faculdade por falta de alunos, por estes não encontrarem saída profissional uma vez que os bispos se recusavam a nomeá-los como professores dos seminários. Foi encontrada, através do decreto de 26 de Abril de 1859, uma maneira de pagar os vencimentos dos professores recorrendo à solução de os nomear como cónegos dos cabidos diocesanos, com ónus de ensino, recebendo as respectivas prebendas e depois dispensá-los do serviço coral5. Para os Seminário de Angra foi isso regulado por decreto de 31 de Maio de 1861. Contudo, nesta área, o êxito do pacto foi maior porque de uma forma geral a doutrina do regalismo que os alunos bebiam da universidade fez 5  Contudo, a biografia do Cónego Joaquim Alves Mateus, na dita Enciclopédia, saiu com erros graves o que me leva a deixar aqui uma pequena nota biográfica. Era natural de Santa Comba Dão, filho de José Luis e Ana Joaquina, gente modesta, foi baptizado a 29-10-1837. Usou o nome de Mateus, por o avô materno se chamar Francisco Mateus. Matriculou-se na Universidade de Coimbra em Teologia, em 1853, saindo bacharel em 2-7-1857 e com formatura em 6-6-1858. Foi apresentado como cónego para a Sé de Angra, por carta de 26-7-1862, com onus de ensino no recém criado seminário, mas pouco se demorou em Angra, sendo transferido para a Sé de Braga, por carta de apresentação de 12-7-1864. Nada sabemos sobre o seu desempenho no Seminário de Angra, mas em Braga veio a tornar-se numa figura com grande destaque, principalmente pela sua participação no Congresso Católico de 1891, em defesa da justiça social e do operariado e como orador sacro. Morreu em Braga (?) em 1903. Bibl: Arquivo da Universidade de Coimbra, certidões de baptismo e livros de matricula e cursos. Arquivo Torre do Tombo, mercês de D. Luis. Manuel CLEMENTE, “Católicos, Estado e Sociedade no Portugal oitocentista (Congressos Católicos de 1891-1895), in Igreja e Sociedade Portuguesa. Do Liberalismo à Republica, Lx, Assirio e Alvim, 2012, 361-371 (cita o Cónego Mateus e transcreve parte do seu discurso no Congresso de 1891). Crónica do Segundo Congresso da Província Eclesiástica de Braga (1891), Braga, s. ed, 1892. Fortunato ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, Porto, Liv. Civilização, 2ª ed. 1970, vol III, 260-261 e 398-399 (onde se apresenta uma lista de alguns dos discursos do Cónego Mateus).

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com que a hierarquia diocesana fosse, duma forma geral, dócil e respeitadora do regalismo do Estado, refugiando-se sempre na ideia que era ao Rei, patrono e administrador por delegação papal, que competia a aplicação das regras, o que não correspondia à realidade, porque o poder residia no Ministro da Justiça e Cultos, no governo e no parlamento. Ora, o Seminário da Diocese de Angra, criado em 1860 e começando a funcionar em 1862, no convento de São Francisco, obedecia a esta lógica, como todos os outros, e a sua história não se afastou da problemática geral dos seminários da monarquia constitucional. O esboço histórico sobre o Seminário de Angra6, da autoria do grande historiador da nossa diocese, o cónego José Augusto Pereira, diz o essencial acerca da formação e evolução deste estabelecimento ficando bem vincada a ideia que essa mesma evolução foi marcada pela personalidade e pensamento de cada um dos bispos, que nunca deixaram eles próprios de dirigir o Seminário. Tal opção está expressa na realidade de ser o bispo o reitor, delegando na figura de um vice-reitor7 a função administrativa, mas não deixando nunca de assumir as decisões de fundo. Isto estava relacionado não só com a clara inclusão da formação do clero entre as funções indiclináveis do bispo, mas também a necessidade de ultrapassar as limitações que a legislação impunha e que a intervenção directa do prelado amenizava. Parece-me haver unanimidade acerca da ideia que o seminário atingiu a sua plenitude e a sua verdadeira emancipação com o bispo D. João Maria Pereira do Amaral (1872-1889) tendo os anos anteriores, entre a data da fundação e a morte do bispo D. Frei Estevão de Jesus Maria, em 1870, sido anos de uma difícil implantação de estruturas e até de delineamento da missão que se desejava impôr. 6  Cónego PEREIRA, O Seminário de Angra, Esboço Histórico, A.H., União Gráfica Angrense, 1958, 50 pp (daqui em diante citado como Esboço). 7  O Cónego Pereira no Esboço p. 39 inclui uma lista dos vice-reitores do seminário para este período, infelizmente sem qualquer indicação cronológica. Destas personalidades tem biografias na Enciclopédia Açoriana as seguintes: Padre Francisco Carvalho Arruda; Cónego Dr. José Ferreira de Sousa, Cónego Dr. João Paulino de Azevedo e Castro, Cónego Dr. José dos Reis Ficher. O primeiro vice-reitor foi o Dr. Luis Francisco da Rocha, natural da ilha Terceira, S. Bartolomeu (25-81830) filho de Caetano Francisco Rocha e Gertrudes Cândida. Frequentou a Universidade de Coimbra entre 1852 e 1858 saindo bacharel em Teologia em 1856 e formado em 1858. Foi nomeado vice-reitor do Seminário (1862-1864) e apresentado cónego da Sé de Angra por carta de 16-6-1864 sendo elevado à dignidade de Arcedigo por carta de 20-11-1890. Dedicou-se ao ensino tanto no seminário como no liceu de Angra a partir de 1888. Morreu em Angra (Sé) a 12-9-1892.

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Monsenhor Alves da Silva, um dos notáveis homens de cultura na Terceira, em 1891, nas notas à Topografia da Ilha Terceira de Jerónimo Emiliano de Andrade, deixou este retrato da instituição: “Assim foi vegetando com mais ou menos alunos até que, ante a falta do clero de que se ia ressentindo a diocese, o zelo, ilustração e génio empreendedor do exmº e revmº Sr. D. João Maria o levaria a obter que no mesmo seminário se estudassem os preparatórios para o estado eclesiástico, e se fizessem os respectivos exames, abrindo ao mesmo tempo de par em par as portas deste edifício para tantos estudantes, quantos ele comportasse, crescendo consequentemente o número de gratuitos e meios gratuitos.”8 O mesmo Monsenhor informa que no primeiro ano do funcionamento do Seminário apenas se inscreveram 7 alunos mas que no ano seguinte (1864-1865) a frequência subiu para 30 alunos. Que a partir de 1878, como fruto das orientações do bispo, o número de alunos começou a aumentar tendo em 1880, com as necessárias adaptações do edifício, passado de 34 para 84 lugares postos à disposição dos candidatos, para em 1897 atingir a centena. Fica claro da citação, não só uma velada crítica ao imobilismo dos primeiros anos, mas sobretudo o realçar do inteligente programa do novo bispo, que como sabemos foi uma figura controversa, que despertou paixões a sua favor e contra, mesmo entre a hierarquia da diocese.9 O programa10 de D. João Maria marcava efectivamente as linhas mestras do que seria para o futuro o seminário e as funções que o próprio prelado, ele e os que se lhe sucederam, lhe pretendiam atribuir e que iam muito para além do programa inicial marcado por opções políticas do governo. Não bastava a formação de um clero na parte estritamente relacionado com a missão de pároco obediente e reverente à função que o Estado destinava à Igreja. O que se pretendia era antes criar uma escola de virtu8  José Alves da SILVA, anotações a Topografia da Ilha Terceira, pelo Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, A.H., Typ. Minerva, Livraria Religiosa, Editora, 1891, 121-122. 9  Sobre Bispo D. João Maria Pereira do Amaral consulte-se Cónego PEREIRA, Diocese, 375-430. 10  O programa de D. João Maria para o Seminário está delineado no Provisão de 10 de Agosto de 1874, in Boletim Eclesiástico dos Açores. Tomo I, nº 23, Julho de 1874, 353-356, desenvolvido numa outra (que o próprio bispo afirmou dever considerar-se com adicionamento à anterior) de 5 de Outubro de 1874, in idem nº 26 de Outubro de 1874, 401-402 de novo clarificado na Provisão de 1876, in, idem, Tomo II, nº 43, Março 1876, 232-233 mas mantendo as orientações essenciais na Provisão de 24 de Maio de 1889, in idem, Tomo IX, nº 212, Junho de 1889, 115-119.

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des e um baluarte de defesa do catolicismo, que moldasse desde cedo as personalidades e as consciências numa escola católica que fortalecesse na diocese a fé e a religião e que se sentisse imbuída da missão de preservar a ortodoxia, através da apologética e o bom combate pela moral, pela ética e pelos bons costumes e que não recuasse perante os erros do século e os ataques cada vez mais violentos à Igreja e à sua missão. É nesta linha de actuação que o bispo cria em 1878 o Curso de Preparatório, com cinco anos, tendo conseguido que o governo autorizasse (Decreto 26 de Abril de 1877) que se fizessem no próprio seminário os exames, que contudo habilitariam simplesmente para a vida eclesiástica, em paralelo com os feitos no liceu, como dispunha a lei anterior. Esta decisão foi fundamental para se poderem cumprir os desígnios episcopais de se moldarem desde muito cedo as consciências de um clero que se desejava que fosse exemplar em tudo e declaradamente diferente do programa de vida que se incutia nos liceus. Abriu ainda uma nova possibilidade de nomeações de professores de livre escolha do bispo e que não tinham que obedecer à lei que obrigava a serem licenciados em Teologia e Canones, pela Universidade de Coimbra, ficando esses reservados para o curso de teologia de três anos que se seguiam aos cinco dos preparatórios. O seminário, na visão do Estado, devia limitar-se a formar párocos e a dar-lhe uma preparação num curso de três anos, enquanto a preparação inicial caberia aos liceus públicos. É que se havia legislado no sentido que os futuros alunos de teologia deviam passar pelos bancos de liceu e só depois, por esse caminho, atingir o seminário. Era também uma forma de controlo da futura hierarquia diocesana. O que D. João Maria pretendia e com ele muitos dos seus colegas das outras dioceses, era não só mais do que isso mas sobretudo ir contra isso. O seminário devia, pelo contrário, assumir a responsabilidade de uma formação dos seus alunos desde o início e traçar um caminho independente e em muitos aspectos divergente do programa do ensino liceal, laico e liberal. Isto é, a legislação oficial que havia enquadrado a criação e função dos seminários era encarada como redutora e até limitadora daquilo que o bispo entendia ser a missão que lhe era confiada. 41


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As orientações do prelado exploravam as manifestas insuficiências do sistema do ensino liceal, que acantonado nas capitais de distrito, sem internato e sem incentivos à sua frequência, se limitava a atrair a juventude urbana endinheirada e assim um número muito limitado de alunos. O Seminário e por maior razão o Seminário da diocese insular de Angra, podia e devia ter como missão o chamamento à sua casa de todos aqueles que demonstrassem capacidades intelectuais e estivessem dispostos a colaborar nessa tarefa urgente de cristianizar a sociedade e lutar pela defesa da Igreja. Para tanto era urgente angariar fundos que sustentassem este desígnio, que obviamente o Estado não estava disposto a suportar, nem mesmo através da cofre da bula. Declarada ou veladamente o programa episcopal surgia como uma declaração de guerra (passe o exagero) ao ministério e aos programas oficiais. Compreende-se, assim, o desafio do bispo aos católicos para que contribuíssem generosamente com as esmolas necessárias para que o Seminário se enchesse de estudantes vindos de toda a diocese e a quem se pedia contributo directo unicamente consoante as disponibilidades da sua família. Os seminaristas pagariam conforme pudessem e quem não pudesse, comprovadamente, seria admitido com gratuitidade.11 Tais opções haviam de trazer, e o bispo não duvidaria disso, ao Seminário muita gente que no fim não seriam ordenados, mas que seriam no século outros tantos instrumentos da missão da Igreja.12 Todas estas orientações deram ao Seminário Episcopal a grande missão que se prolongou por muitos anos e abriu perspectivas culturais que a insuficiência estatal levou um século a copiar. Estes desígnios traçados por D. João Maria foram continuados pelos seus sucessores, com destaque para D. Francisco José Vieira de Brito (18921901)13. Foi com base nesse programa que a acção episcopal, até à implanta11  As consequências de todas estas decisões estão muito bem estudadas por Octávio H. Ribeiro de MEDEIROS, que organizou os Indices do Boletim Eclesiático dos Açores, entre 1872 e 1952, em 3 volumes, mas que lhes acrescentou estudos introdutórios escritos pela sua prespectiva de sociólogo. Para o que nos ocupa interessa o vol I, entre 1872-1900, Povoação, Stª Casa da Misericórdia, 1996, principalmente o capítulo I, Seminário e Clero, 57-119. 12  Pelas estatísticas disponíveis entre 1872 e 1900 matricularam-se no seminário de Angra 335 alunos tendo sido ordenados ao longo desses anos 121. In Octávio. H.R. MEDEIROS, o. cit. 76-85. 13  Sobre o Bispo D. Francisco José Vieira de Brito, consulte-se Cónego PEREIRA, Diocese, pp 441 a 461 e João Maria MENDES, “O estado religioso de uma diocese atlântica há 100 anos. O “Relatório” do bispo de Angra para a visita, ad sacra limina”: in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, vol VIII, 1999, 653-694.

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ção da República, manteve o Seminário como a arma principal da diocese para a defesa da Igreja. A escolha dos professores, apesar das ousadias, estava condicionada pela lei, mas ficavam os bispos com mãos livres para a nomeação do vicereitor, dos confessores, dos directores espirituais e prefeitos, que eram outros tantos mentores, formadores e educadores dos seminaristas, tanto ou mais importantes do que os professores. Era a lição: o internato cedo tornava-se indispensável e a transformação do Seminário num colégio interno, com formação pedagógica, orientação religiosa e uma rígida disciplina, um objectivo a atingir. Assim se compreende a luta dos bispos para que o Convento de S. Francisco fosse desocupado pelo liceu e entregue na sua totalidade ao Seminário. O bispo D. Francisco Vieira de Brito conseguiu, como tinha sido desejo desde pelo menos finais da década de oitenta, que o liceu saísse do Convento de S. Francisco, em 1901 e todo o edifício ficasse destinado ao seminário, o que permitia não só melhorar as condições do internato, como aumentar o número de alunos e sobretudo exercer uma mais rigorosa vigilância nas exigências pedagógicas e disciplinares, reorganizando o quadro dos estudos e aumentando o pessoal docente e dirigente.14 São contudo de realçar duas da iniciativas deste bispo pelo seu significado. A primeira15 foi a criação de uma aula de Introdução às Ciências Naturais, pelo que ela significa de abertura às novas realidade do saber, ainda que se pretendesse preparar os futuros sacerdotes para combaterem as teorias científicas do ensino laico sobre a origem da vida e da criação. A segunda, foi sem dúvida o ter chamado para directores espirituais do seminário os padres jesuítas, que se haviam instalado no edifício do extinto Convento da Graça. Esta medida aumentou a guerra ao bispo e aos jesuítas pelos sectores ditos progressistas dos intelectuais angrenses, que acabaram por conseguir que os padres fossem expulsos de Angra.16 Aliás o bispo D. Francisco ficou na memória do anticlericalismo angrense, dos finais do século XIX e início do século XX, como o mais acabado símbolo de ultramontanismo. 14  Boletim Eclesiástico dos Açores, Tomo XV, nº 353. Janeiro 1902 e Cónego PEREIRA, Esboço, 19. 15  Cónego Pereira, Diocese, 443. 16  Cónego Pereira, Diocese, 448 e seg.

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D. Francisco saiu da diocese em 1902, por ter sido, no final do ano anterior, apresentado como bispo da Diocese de Lamego, o que interrompeu o seu programa para transformar o Seminário de Angra num dos melhores de Portugal17, como ele próprio havia declarado. O seu sucessor, D. José Manuel de Carvalho, não pôde continuar com o mesmo vigor a direcção do seminário, que neste início do século viveu tempos difíceis até ser compulsivamente encerrado em 1911, por decisão do Governo Provisório da República. Não quero prolongar estas minhas reflexões acerca da história do Seminário de Angra entre 1862 e 1910, mas é indispensável que se aluda a outras linhas de força do pensamento dos bispos acerca da missão que destinavam ao Seminário. Desde logo a organização dos programas quer dos cinco anos preparatórios, quer dos três anos do curso de teologia e que são um campo aberto para se estudar o que se ensinava e por que se ensinava e com isso ligar ao conhecimento dos professores18, à sua formação científica e religiosa, as suas opções pedagógicas e a sua intervenção, não só na escola mas na sociedade, nomeadamente através da imprensa.19 Isto porque o Seminário e o seu corpo docente transformou-se num importantíssimo conjunto de intelectuais que marcaram profundamente a sociedade açoriana, com destaque, é óbvio, para a vida cultural de Angra onde as ideias liberais e da cultura laica também tinham notáveis personalidades. É um período aureo do jornalismo e da polémica intelectual sobre a leitura que o catolicismo fazia acerca do Homem e do Mundo, apoiada no neotomismo20 que floresceu dentro das orientações do Papa Leão XIII na sua 17  Boletim Eclesiástico dos Açores, vol XV, 1902, 271. 18  O Cónego PEREIRA, Esboço, 40, inumera a lista dos professores do Seminário, infelizmente sem qualquer outra referência às suas biografias e formação académica. Das personalidades referidas e para o período de 1862-1910, além dos cónegos que foram os primeiros professores e já referidos na nota 5 e o primeiro reitor referido na nota 7, encontram-se as biografias na Enciclopédia Açoriana do Cónego Dr. João Albertino da Silva Pereira; Deão Narciso António da Fonseca; Cónego José Prudêncio Teles; Padre João José Armas do Amaral; Padre Eugénio Augusto de Oliveira; Padre Manuel Azevedo da Cunha; Cónego José Pedro Soares; Cónego António Maria Ferreira; Cónego José Pereira Dâmaso; Cónego José de Medeiros Amaral; Padre João Silveira Madruga; Cónego Cristiano de Jesus Borges. 19  A Igreja diocesana desde muito cedo utilizou a imprensa como forma de intervenção. O período cronológico que nos ocupa foi, pode-se dizer, o período aureo da imprensa católica nos Açores em que se destacam em Angra, com notável participação dos professores do seminário. O Católico (1876-1887); O Peregrino de Lurdes (1887-1908); O Correio dos Açores (1908-1911), o segundo e o terceiro com entrada na Enciclopédia Açoriana. 20  Sobre o aristotelismo nos Açores consulte-se, Manuel Candido PIMENTEL, “Aristotelismo”, in Enciclopédia Açoriana.

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encíclica Aeternis Patris, de 1879, em oposição ao positivismo (incluindo o evolucionismo, o cienticismo, o progressismo e outros ismos) que eram a nova face do modernismo e dos “erros do século”, como a ortodoxia católica os definia. No Seminário encontrou a igreja diocesana os seus mentores e os seus defensores, sempre numa linha de restrita obediência as encíclicas papais e à ortodoxia e por isso mesmo foi sempre acusado de ultramontano, com a carga depreciativa que este conceito adquiriu. Foi sobretudo no Seminário e no seu corpo docente que se acantonou o movimento açoriano do antipositivismo21 que combatia o positivismo, que encontrara nos Açores eco uma pleiade de cultores que obviamente eram críticos activos do seu corpo docente do seminário. Podíamos continuar aprofundando cada um destes temas, mas manda o bom senso que termine esta palestra renovando as minhas felicitações, na pessoa do Reverendíssimo Reitor, pelos 150 anos do Seminário Episcopal de Angra e formulando votos que continue a sua missão, não só de formar sacerdotes, que é a principal, mas também continue a ser um polo de cultura e inteligência nos Açores e um defensor activo da Igreja. Os meus colegas falaram, melhor do que eu, de outros temas e de outras épocas e eu com eles aprendi e tratarei de corrigir as minhas insuficiências. Angra, 9 de Novembro de 2012

21  Quando se fala de antipositivismo nos Açores ressalta logo a figura do Cónego Sena Freitas, mas em boa verdade, sendo ele açoriano, ultrapassou em muito as ilhas tornando-se no mais importante antipositivista português, com repercussões no Brasil. Entre nós, o mais expressivo cultor do antipositivismo é certamente o professor do seminário Monsenhor Cónego António Maria Ferreira. Consulte-se Manuel Candido PIMENTEL, “Anti-positivismo” in Enciclopédia Açoriana e Cónego PEREIRA, Um dos nossos Mestres, Mgr Conego António Maria Ferreira, A.H., Tip.União Gráfica, 1933.

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O Seminário de Angra de 1910 a 1965 por Susana Goulart Costa Introdução Fundado em 1862, o Seminário de Angra tinha cerca de 50 anos quando é proclamada a República em Portugal. Nos 50 anos seguintes, esta instituição irá atravessar momentos conturbados, mas conhecerá, igualmente, um fecundo período de desenvolvimento. É durante a primeira metade do século XX que o Seminário angrense se tornará não apenas uma escola de referência para a juventude açoriana, mas também um importantíssimo pólo matricial da cultura regional, cruzandose nele ideias e elementos mais conservadores com outras e outros mais modernistas. Em 2013, no decurso da celebração dos seus 150 anos de existência, é ainda notória a influência geracional do Seminário de Angra. Esta instituição formou múltiplas gerações, cuja memória recua à conturbação republicana, ao nascimento e à consolidação do Estado Novo e às inovações conceptuais próprias das décadas de 1950 e de 1960, quando se fundaram os Santuários do Senhor Santo Cristo, na ilha de São Miguel (1959) e do Bom Jesus Milagroso, na ilha do Pico (1962), coevos dos movimentos que alimentaram o Concílio Vaticano II (1962-1965) e das vozes cada mais audíveis da resistência política e dos oposicionistas à Guerra Colonial. O texto que agora se publica foi a base da conferência que proferi a 20 de Abril de 2013, inserida num painel de outras conferências e actividades integradas nas Comemorações dos 150 Anos do Seminário de Angra. Ao Excelentíssimo Reverendíssimo Bispo D. António de Sousa Braga e ao Sr. Reitor do Seminário de Angra, Doutor Hélder Miranda Alexandre, muito agradecemos, de forma reconhecida, o convite para colaborar na celebração deste aniversário simbólico, certamente mais um marco na consolidação histórica do Seminário de Angra.

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II. O Seminário de Angra de 1910 a 1965 No campo católico português, a herança religiosa do século XIX e a consequente transição para a centúria seguinte foram repletas de vicissitudes diversas, acompanhando as inúmeras crispações sentidas em outros países católicos europeus1. No século XX, o fio condutor da Igreja visava a restauração cristã da sociedade, quer numa disputa com o processo laicizante em curso, quer pretendendo a recristianização da sociedade, segundo uma nova evangelização adequada aos tempos modernos2. Ao longo da primeira metade do século XX, a Igreja em Portugal atravessou dois momentos importantes. O primeiro teve a ver com as consequências da instalação da República, nomeadamente com a publicação da Lei de Separação entre o Estado e a Igreja, datada de 20 de abril de 1911, e que obrigaria a um reposicionamento institucional da Igreja, teorizado no Concílio Plenário Português, em 19263. O segundo, iniciado após a implantação do Estado Novo, durará até ao Concílio Vaticano II, e irá ter como núcleo de acção a recristianização na modernidade construída nos tempos posteriores ao fim da Segunda Guerra Mundial, período no qual o conhecimento do pensamento católico internacional e sequente articulação serão muito relevantes4. Ao longo do meio século que atravessa o período em análise, continuam a observar-se elementos matriciais da Igreja católica: as devoções marianas (consolidadas com as aparições de Nª Srª de Fátima); a centralidade do Papado e de Roma (cidade onde prosseguem os estudos muitos dos sacerdotes formados no Seminário de Angra); a relevância da Eucaristia, fomentando-se a comunhão solene nas crianças e a comunhão frequente nos adultos; e consolidando-se a doutrina social da Igreja, mantendo-se o projecto oitocentista da atenção religiosa às questões sociais arrastadas pela modernidade5. No caso português, a precoce aliança entre o Estado Novo e a Igreja apaziguou, 1  Manuel Clemente, A Vitalidade religiosa do catolicismo português: do Liberalismo à República”, ” in História Religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002, vol. 3, 65-128. 2  Paulo F. de Oliveira Fontes, “O Catolicismo português no século XX: da separação à democracia”, in História Religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002, vol. 3, 131. 3  Idem, 164-166. Para o tema da implantação da República nos Açores na sua relação com a Igreja, vejase o meu estudo “Uma República sem Padres. A lei de Separação de 1911 nos Açores”, Açores: 100 Anos de República, Presidência do Governo Regional dos Açores, Direcção Regional da Cultura, 2012, 63-92. 4  Paulo F. de Oliveira Fontes, ob. cit, 135. 5  Idem, 129-133.

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por fim, as hierarquias eclesiásticas, depois dos sobressaltos ocorridos durante a I República. Assim, em 1937, na oração de sapiência de abertura das aulas do Seminário de Angra, o reverendo Jeremias Manuel Simões referia “Vemos que Portugal leva rumo seguro”, acrescentando “Quão sugestivo o do nome de Salazar. Tudo pela Nação, nada contra a Nação”6. Esta harmonia entre Estado e Igreja materializava-se no designado regime “concordatário de separação”: menos interventivo na Igreja do que a Monarquia Constitucional do século XIX, mas mais tolerante e dialogante do que a I República, como se observa pela preocupação com o Padroado Português, face à aprovação do Estatuto das Missões Católicas, em 1926, e os acordos com a Santa Sé sobre o Padroado no Oriente, em 1928 e 19297. A estabilidade política permitiu à Igreja estar mais atenta aos ventos religiosos que circulavam na Europa, designadamente o questionamento sobre o papel da Igreja na sociedade moderna ou a disputa entre a liberdade religiosa e a pluralidade religiosa, num espaço e num tempo em que a secularização era crescente. Aliás, o processo de secularização ou mesmo da descristianização (real, teatralizado ou imaginado) conduz à mobilização religiosa e, deste modo, inscreve alguma vitalidade no interior dos movimentos e das instituições católicas8. É precisamente neste contexto que os Seminários diocesanos se tornam pólos importantes para o processo da recristianização da sociedade, assumindo um relevante papel no reforço da Igreja em contexto laicizante. Na abertura do ano lectivo do Seminário de Angra, em 1924, o bispo de Angra D. António Meireles9 falava da renascença católica, incentivando os jovens seminaristas a aderirem a um projecto de vida religiosa atento à mundividência social10. Já em 1931, na oração de sapiência de abertura de aulas, o arcediago José Bernardo de Almeida apontava que a natureza do problema social que se vivia era mais ética e moral que material ou económica. Por isso, a sensibilidade social dos futuros sacerdotes teria de ser 6  Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 732, 7. 7  Manuel Braga da Cruz & Maria Inácia Rezola, “O Estado Novo e a Igreja Católica” in Nova História de Portugal, Lisboa, Presença, 1992, vol. IX, 203-207. 8  Paulo F. de Oliveira Fontes, ob. cit, 129-180. 9  Sobre este prelado, veja-se José Paulo Fernandes de Oliveira Machado, D. António de Casto Meireles. Subsídios para a compreensão da sua acção pastoral no contexto da I República, Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Católica de Lisboa, 2012, policopiada. 10  Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 629, 341

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realçada e o estudo de Sociologia, recentemente integrada nas disciplinas dos Seminários, era fundamental para apoiar os padres na sua defesa dos lavradores e dos operários contra os abusos dos patrões11. O projecto de revitalização cristã da sociedade, adaptado às vicissitudes do século XX e suportado por uma pastoral ligada ao Catolicismo Social, exigia, portanto, a centralidade do corpo clerical12. O papel dos Seminários, como espaço de excelência para o recrutamento de novos sacerdotes, foi fundamental na política religiosa da primeira metade do século XX. Os seus propósitos eram essencialmente dois: o primeiro, compor um grupo clerical novo do ponto de vista do reforço quantitativo, ou seja, aumentar o número de padres; o segundo, robustecer a renovação moral e social, construindo uma classe sacerdotal capaz e ágil para acompanhar os dinamismos propostos pelos desafios da época. A questão estatística era relevante para poder responder-se ao incremento populacional da época. No caso do arquipélago dos Açores, a população cresceu de forma significativa no período em análise: os 242.941 habitantes existentes em 1911 aumentaram para 327.446 em 1960. Além do mais, a Diocese de Angra tinha uma profunda ligação com as paróquias norteamericanas alimentadas pelas profusas vagas de emigração açoriana. Por isso, o Seminário insular formava vários sacerdotes que depois se dirigiam para paróquias americanas e canadianas13. Aliás, esta ligação será muito importante para a sobrevivência financeira do Seminário de Angra, pois muitos dos antigos seminaristas mantiveram uma ligação afectiva à instituição que os formara e concederam ao seminário açoriano várias doações e legados. Durante o período em apreço, o Seminário de Angra superou as dificuldades sentidas no início do século XX. Com efeito, uma epidemia de febre tifóide atingira vários estudantes no ano lectivo de 1900-1901 e tinha afugentado muitos outros seminaristas, que tinham regressado às suas ilhas14. O processo republicano voltará a fragilizar os 78 alunos inscritos em 1910, dos quais 31 estavam no Curso em Teologia15. Entre 1912 e 1913, muitos 11  Idem, nº 698, 171-182. 12  Paulo F. de Oliveira Fontes, ob. cit.,133. 13  Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 578, 233. 14  Octávio de Medeiros, A Igreja nos Açores no segundo quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1998, 122. 15  Idem, 174.

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alunos regressam às suas casas, suspendendo o seu processo de formação. Apenas os alunos terceirenses ficaram em casas particulares na cidade de Angra, continuando a assistir às aulas dadas pelos professores, embora de forma irregular16. Por consequência, durante o período de 1910 a 1914, não há ordenações nos Açores, tendo alguns seminaristas se deslocado para o continente para receberem Ordens Sacras17. Mas, lentamente, a recuperação ao nível do número de alunos foi sendo realizada, como se apresenta no Quadro 1, verificando-se a reabertura solene do Seminário em 192218.

Quadro 1: Evolução do nº de seminaristas dos Açores 1918-1956 Anos

1918

19301

1940

1946

1952

1956

Nº alunos

57

155

150

198

190

210

Fonte Paulo F. de Oliveira Fontes, “O Catolicismo português no século XX: da separação à democracia”, in História Religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002, vol. 3: 209. O crescimento de estudantes após a conturbada fase da implantação republicana agudizou o problema das instalações do Seminário: as autoridades republicanas não só tinham expulsado o Seminário do Convento de S. Francisco (espaço que os seminaristas partilhavam com o Liceu de Angra do Heroísmo), como tinham tomado posse do fundo financeiro do Seminário, que constava de títulos do Banco de Portugal, inscrições na Fazenda Pública e obrigações do Crédito Predial Português, perfazendo um valor total de mais de 45 contos de reis19. 16  Idem, 176. 17  Conf. Susana Goulart Costa, Uma República sem padres, já cit., 63-92 18  Octávio de Medeiros, ob. cit., 1998, 176. 19  José Augusto Pereira, O Seminário de Angra. Esboço Histórico. Angra do Heroísmo, União Gráfica Angrense, 1958, 23.

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Deportado para a ilha de S. Miguel entre 1912 e 1914, o vigário capitular Dr. José dos Reis Fisher decidira procurar instalações em São Miguel, para aqui refundar o Seminário, chegando a encetar negociações com o proprietário do Convento de S. Francisco, em Vila Franca do Campo. Quando a aquisição estava quase decidida, recebeu, a 2 de Março de 1914, um telegrama que o informava que o seu procurador na Terceira tinha efectuado a compra da casa do Barão do Ramalho, na Rua do Palácio, para reinstalar o Seminário na cidade de Angra do Heroísmo. Assim, a partir do ano lectivo de 1914-1915, foi instalado neste imóvel um Internato (porque a Lei em vigor não permitia que nos Açores houvesse um instituto com o nome de Seminário) para a residência dos professores e de alguns alunos, leccionação das aulas do Curso de Teologia, refeitório e capela20. Contudo, após o final da Primeira Grande Guerra, o aumento do número de seminaristas tornou-se uma realidade e as instalações na Casa do Barão do Ramalho tornaram-se cada vez mais escassas. O maior interesse pelos estudos religiosos terá sido uma consequência da lei de 22 de fevereiro de 1918, que modificou a Lei de Separação de 1911, permitindo a existência de Seminários, embora sem restituição dos edifícios entretanto tutelados pelo Estado21. Assim, dos cerca de 150 alunos matriculados na década de 1920, 90 tinham de dormir fora do Seminário, em três casas alugadas, até porque o internato era obrigatório para todos os alunos que estavam inscritos no curso de Teologia22. Deste modo, sob o bispado de D. Manuel Damasceno da Costa (1915-1922), comprou-se o Solar do Conde da Praia, no alto de Santa Luzia, em Angra. Contudo, a nova localização gerou oposição por parte dos professores, alegando a distância e altitude em que o Seminário ficaria em relação ao centro da cidade angrense. O velho Solar veio, por isso, a servir apenas para alojamento de alunos, sendo depois a antiga casa do Conde da Praia demolida, para se aproveitar a pedra na obra de adaptação que foi feita na antiga casa do Barão do Ramalho, já com autorização do bispo D. Guilherme Augusto Inácio de Cunha Guimarães 20  José Augusto Pereira, O Seminário de Angra. Esboço Histórico. Angra do Heroísmo, União Gráfica Angrense, 1958. 21  Octávio de Medeiros, A Igreja nos Açores no primeiro quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1997, 177 (nota 40). 22  Idem, 131

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(1928-1957) e sob a vigilância do vice-reitor Manuel Medeiros Guerreiro23. O edifício manteve-se com a estrutura dos anos de 1930, mas ampliou-se a área de dormitórios para albergar cerca de 90 alunos24. Estas obras foram sustentadas por diversas verbas angariadas pelas autoridades diocesanas. Foi organizada uma subscrição e ofertadas algumas doações particulares pedidas em todas as paróquias25. Algum do dinheiro foi também reunido através da colecta do domingo do Bom Pastor, que passou a ser o domingo dedicado ao Seminário, por iniciativa de D. Manuel Damasceno26. Mas para lá do volume quantitativo dos estudantes, o Seminário mostrava-se cada vez mais atento à vocação dos alunos e às suas capacidades para a adopção da vida sacerdotal. Era imprescindível arregimentar alunos empenhados e dedicados à causa religiosa, base essencial para evitar desistências ao longo do percurso de formação e a legitimação de presbíteros imorais, recriminados em várias passagens do Boletim Eclesiástico dos Açores27. É a partir desta fonte diocesana que os critérios para a selecção dos seminaristas são pormenorizados e divulgados, partindo-se do princípio de que “a vocação divina não é dada a todos, o que não é um mal”28. A dificuldade estava, precisamente, em realizar uma triagem eficiente, que destrinçasse os jovens capazes dos inábeis. Assim, em relação às crianças que pareciam ter aptidões para a vida religiosa, não se devia ter pressa em pedir a admissão aos estudos na Terceira, podendo esta atitude provocar despesas sem retorno ao Seminário, instituição que devia servir somente os que efectivamente tinham vocação29. Com efeito, “Lá porque um menino é muito simpático ou costuma rezar com muita compostura e piedade, ou faz altarzinhos e <<diz 23  Até 1936, o Reitor do Seminário era o bispo de Angra e o representante do bispo no Seminário era designado como vice-reitor. Desde este ano, quando o então vice-reitor do seminário, D. Manuel de Medeiros Guerreiro foi nomeado bispo de Meliapor, o bispo de Angra D. Guilherme Augusto Inácio da Cunha Guimarães deixou de acumular o cargo de reitor, passando este a ser desempenhado por figura autónoma. 24  Este edifício resistirá até ao ano de 1980, quando um violento terramoto destruiu completamente a capela e arruinou a zona de quartos destinada a alunos e professores. O edifício foi reconstruído e inaugurado em 1985. 25  Octávio de Medeiros, 1997, 26. 26  É o segundo domingo após a Páscoa. 27  Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 724, 134-135. 28  Octávio de Medeiros, ob. cit., 1998, 134 29  Em 1930, o BEA publicava um documento modelar que deveria ser preenchido por todos os aspirantes a presbítero, declarando que a recebia as Ordens de livre vontade, sem coacção ou receio (Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 703, 253-254).

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missas>> a cada canto com muita devoção…logo se julga que está ali um eleito do Senhor…Trata-se de tudo, sem mais hesitação, fazem-se avultadas despesas por vezes com sacrifício, é admitido o candidato e afinal um belo dia o menino, que de há muito está desiludido - porque o Seminário não é nada do que ele imaginou - declara que não tem vocação”30. Se a vocação do jovem fosse assegurada, era necessário ainda que ultrapassasse com sucesso o multifacetado processo de rastreio: era necessário conhecer a família do candidato, garantir-se a sua saúde (de forma a assegurar a robustez física do futuro sacerdote para resistir às doenças e ao trabalho paroquial) e fiscalizar a sua capacidade intelectual31. Neste processo que almejava um recrutamento eficaz, os principais agentes eram os próprios sacerdotes, devendo cada pároco despertar vocações na sua freguesia e seleccionar os jovens com propensão para a vida religiosa. No caso dos Açores, a frágil densidade urbana fazia com que a maior parte dos seminaristas fossem oriundos de freguesias rurais e humildes, até porque as “famílias ricas, regra geral, ainda não se dignam dar a Deus os seus filhos” 32. Aliás, em 1925, parece ser indubitável a melhor qualidade dos jovens rurais, deixando em aberto a necessidade ou não de se recrutar seminaristas nas cidades, porque “as crianças das cidades são quási todas assim: vivas, espertas, ladinas, perfeitas”. Para se perceber se os jovens citadinos tinham ou não capacidades sacerdotais, devia-se sujeitá-los a trabalho intelectual durante alguns dias, para “ver se a criança é capaz de estudar”33. Naturalmente, à medida que a demografia insular aumenta e a necessidade de crescimento de presbíteros é uma realidade, fortalece-se a rede de recrutamento insular, que se amplia principalmente nas décadas de 1940 e de 1950 e cujos resultados beneficiam directamente o número de ordenações deste período, como vimos no Quadro 134. Em 1960, um novo vigor é 30  Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 367, 82. 31  Idem, nº 639, 112-113. 32  Idem, nº 647, 218 33  Idem, nº 641, 138. 34  Na década de 1950, o volume de seminaristas na Diocese de Angra justificou a inauguração de um Seminário Menor, desta vez localizado na ilha de S. Miguel. Por decreto de 31 de agosto de 1956, D. Afonso de Carvalho estabelece o Seminário Menor de Santo Cristo no Edifício do antigo Colégio dos Jesuítas, onde passa a funcionar o primeiro ano do curso de Preparatórios. Logo depois, a Diocese adquire um terreno na Ladeira dos Pinheiros, também na cidade de Ponta Delgada, para a construção de um edifício desenhado pelo arquitecto João Correia Rebelo, preparado para 500 matrículas (cf. José Augusto Pereira, ob. cit., 35-36).

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materializado através da Obra das Vocações e Seminários, criada neste ano na Diocese de Angra na sequência dos apelos do Papa Pio XII, em 1941.35 Na malha desta Associação, os zeladores deveriam descobrir nas catequeses, nas associações pias e nas escolas primárias os meninos de talento e boa índole36. Seleccionados os seminaristas que apresentavam um perfil promissor, os candidatos solicitavam a sua admissão ao Seminário apresentando vários documentos, designadamente a certidão de idade e filiação legítima; um atestado paroquial sobre o seu comportamento moral e religioso; a certidão de exames efectuados; um atestado médico de robustez e um documento dos pais ou dos tutores de compromisso com o pagamento das mensalidades37. Até ao ano de 1930, a anuidade do Seminário era de 100$000 réis. A partir de então, D. Manuel Guilherme Guimarães aumentou-a para 100$500 reis/ano, pagos em duas prestações, nos meses de outubro e de fevereiro38. No final da década de 1910, dominavam os alunos gratuitos: no ano lectivo de 1918-1919, por exemplo, as percentagens de estudantes isentos do pagamento da anuidade oscilavam entre os 46% (naturais da ilha Terceira) e os 83% (naturais da ilha de S. Jorge)39. A partir da década seguinte, observa-se uma redução dos alunos gratuitos, passando a maioria dos alunos a ser porcionistas, ou seja, os que pagavam parte da anuidade, aferida de acordo com os rendimentos da família. A título de exemplo, no ano lectivo de 1927-1928, 73% dos alunos eram porcionistas, 16% estudavam gratuitamente e 11% pagavam a pensão na totalidade. De acordo com os dados apurados até agora, verifica-se que o número de alunos gratuitos era escasso: cerca de 5% nos inícios do século XX e cerca de 10% em 193040. Esta distribuição na tipologia das anuidades dos seminaristas exigia que o Seminário tivesse fundos próprios para o sustento dos alunos porcionistas e gratuitos. Financeiramente, o Seminário era alimentado com o dinheiro dos indultos pontifícios e com metade do dinheiro que constituía 35  36  37  38  39  40

Idem, nº 813-814, 18 e ss. Idem, nº 813-814, 21 Octávio de Medeiros, ob. cit., 1997, 132-133 Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 692, 50-51 Octávio de Medeiros, ob. cit., 1997, 178-179. Idem, 1998, 129).

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o Fundo de Culto que as paróquias enviavam para a Diocese de Angra41. De igual modo, o Seminário também beneficiava de dezassete Fundações Pias, algumas delas fundadas nos finais do século XIX e ainda activas. Entre as dezassete Fundações, seis apoiavam directamente estudantes seminaristas, num total de oito alunos42. Aliás, todas as quintas-feiras, o bispo deslocava-se ao Seminário, onde celebrava missa às 7.00 horas, em memória de todos os benfeitores do Seminário43. Ainda neste particular, há que destacar o papel da imprensa católica: O Dever, O Semeador, A Crença e A Actualidade publicavam diversos anúncios pedindo doações e apoios para o Seminário44. A origem geográfica dos seminaristas era diversificada, pontificando os rapazes naturais da ilha de S. Miguel. Entre as décadas de 1920 e de 1950, os estudantes micaelenses representavam 51,8% dos seminaristas, seguidos dos terceirenses (12,8%), dos florentinos (11,5%) dos picoenses (9,2%), dos faialenses e jorgenses (4,6% cada); dos corvinos (1,4%) e marienses (0,5%). O Seminário ainda tinha jovens oriundos do Continente, da Madeira, do Canadá e dos EUA, mas em valores ínfimos, que não chegavam a 1% do total45. Precisamente por causa da diversa naturalidade dos seminaristas, o início do ano lectivo, habitualmente no mês de outubro46, não tinha dia certo, dependendo da chegada dos rapazes nos navios da Empresa Insulana (no Lima ou no Funchal, por exemplo). Em 1945, a título ilustrativo, as aulas só se iniciam a 8 de novembro, pois o atraso dos transportes marítimos dilatou a recepção de alunos oriundos das ilhas do grupo central47. 41  Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 554, 145-146. 42  José Augusto Pereira, ob. cit., 36-37. 43  Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 708, 14 44  Sobre a importância da boa imprensa e a sua relação com as questões políticas na I República nos Açores, veja-se o estudo de Carlos Cordeiro, Nacionalismo, regionalismo e autoritarismo nos Açores durante a I República, Lisboa, Edições Salamandra, 1999. Para esta questão na ótica religiosa, veja-se a minha análise: “A Igreja, Religiosidade e Estado” História dos Açores: Parte V: Monarquia, República e Estado Novo: a adaptação às mudanças e o inconformismo com as diferenças (1895-1976), Angra do Heroísmo, IAC, 2008, 359-383. 45  Octávio de Medeiros, 1998, 204. Todavia, é necessário ter em atenção que esta estatística não contempla o volume de jovens masculinos naturais de cada ilha. Assim, será necessário confirmar se, efectivamente, a ilha de S. Miguel é aquela que mais rapazes apresenta no Seminário, considerando o valor total de jovens até cerca de 25 anos 46  Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 768, 216. O calendário dos exames também era marcado pela passagem do vapor pela cidade de Angra. Em 1925, os alunos do Corvo e das Flores fazem os exames finais antes dos colegas, precisamente para apanharem o navio a tempo e não terem que ficar mais um mês de verão presos na ilha Terceira (cf. Idem, nº 640, 128). 47  Idem, nº 758-759, 71.

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O ano lectivo iniciava-se com um retiro de dois ou três dias e com uma Confissão geral48. Seguia-se a abertura solene das aulas com uma oração de sapiência, geralmente da responsabilidade de um dos professores do Seminário. A partir de então, começava o quotidiano do seminarista, de acordo com o seguinte horário: Quadro 2: Horário diário dos seminaristas 5.15 5.45 6.15 6.45 7.00 8.00 8.30 13.00 14.00 15.30 17.00 17.15 18.45 19.00 20.00 20.30 21.00 21.30

acordar oração missa limpeza do quarto estudo almoço estudo jantar aulas de música e canto/recreio estudo recreio estudo recreio estudo ceia oração da noite recolher silêncio

Fonte Octávio de Medeiros, A Igreja nos Açores no primeiro quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1997, 155-157. 48  Depois, era aconselhada uma confissão de 15 em 15 dias e nas festas dos mistérios da redenção, nas festas de Nª Senhora, festas de Todos os Santos, S. José, S. Luiz Gonzaga e Sagrado Coração de Jesus (cf. Octávio de Medeiros, ob. cit., 1997, 145).

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Para o seu dia-a-dia, cada aluno usufruía de um enxoval pessoal, composto por: 1 crucifixo; 1 cama de ferro, 1 colchão e almofada, 4 lençóis, 4 fronhas, 2 coberturas, 1 colcha branca, 1 colcha vermelha, 1 mesa de cabeceira, 1 bacia, 6 camisas de noite e 3 de dia, 6 ceroulas, 10 pares de meias, 12 lenços, 1 batina, 1 barrete eclesiástico, 2 sobrepelizes, 3 blusas de brim (só para os alunos do Preparatório), 1 bacia de rosto, 4 toalhas de rosto, 2 toalhas de banho, 1 celha de pés, 1 guarda-chuva, 1 par de botinas com fivela ou sapatos e meias pretas, 1 par de botas de uso, 2 sacas para roupa, 1 cadeira com assento de madeira, 1 copo, 1 tesoura, 1 talher se mesa, 1 tinteiro e acessórios, escovas de fato, calçado e de dentes, aprestos para a barba49. Quanto ao currículo lectivo, o Seminário de Angra passou a aplicar, desde 1930, o novo plano de estudos similar a todos os Seminários portugueses, como tinha decidido o Concílio Plenário Português, em 192650. O Seminário de Angra oferecia o Curso de Preparatórios e o Curso de Teologia, com as disciplinas constantes nos Quadros 3 e 451: Quadro 3: Disciplinas do curso de prepatórios Anos

Disciplinas

Religião; Português; Latim; Aritmética

Religião; Português; Latim; Francês e Inglês

Religião, Português; Latim; Francês; Geografia e Inglês

Religião; Latim; História Universal e Pátria; Matemática

História Universal e Pátria; Matemática, Ciências físico-naturais; Filosofia; Grego

Ciências físico-naturais; Literatura; Filosofia; Cosmografia e Grego

Fonte Octávio de Medeiros, A Igreja nos Açores no primeiro quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1998, 129-131. 49  Octávio de Medeiros, ob. cit., 1997, 135-136. 50  José Augusto Pereira, ob.cit., 29. 51  Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 704, 269-271.

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Para lá deste plano obrigatório, o Curso de Preparatórios tinha aulas suplementares de Civilidade, Música e de Ginástica, recomendando-se ainda a aprendizagem de Desenho Geométrico, Harmónio e Órgão. Quadro 4: Disciplinas do Curos de Teologia

1º ano

Dogma fundamental; Moral; Sagrada Escritura; História Eclesiástica; Sociologia; Canto Gregoriano e Música

2º ano

Dogma especial; Moral; Direito canónico; Sagrada Escritura; História Eclesiástica; Liturgia; Canto Gregoriano e Música

3º ano

Dogma especial, Moral; Direito canónico; Sagrada Escritura; História Eclesiástica; Liturgia; Canto Gregoriano e Música

4º ano

Dogma especial; Casuística; Direito canónico; Ascética e Mística; Pastoral; Eloquência Sagrada; Liturgia; Canto Gregoriano; Música; Ação Católica e Medicina Pastoral

Fonte Octávio de Medeiros, A Igreja nos Açores no primeiro quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1998, 129-131. Os alunos de Teologia deveriam ainda ter noções teórico-práticas sobre Agricultura, Higiene e sobretudo sobre Arqueologia e Arte Sacra. Os estudantes do 4º ano tinham também aulas práticas sobre pregação divina (na aula de Eloquência); catequese e registo paroquial (na aula de Pastoral); Obras Sociais (na aula de Sociologia) e visita aos enfermos e assistência aos moribundos (sob direcção do Director Espiritual)52. Em 1947, entrou em vigor um novo plano de estudos organizado pela Sagrada Congregação dos Seminários, que passou a ter uma duração total de doze anos: cinco do Curso de Preparatórios, três do Curso de Filosofia e quatro do de Teologia. As disciplinas eram as seguintes:

52  Idem, nº 704, 271. A partir de 1956, passou a haver um curso de post seminarium desde 1956 (cf. José Augusto Pereira, ob.cit., 35).

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Quadro 5: Disciplinas do curso de preparatórios Anos

Disciplinas

Religião; Português; Latim; Matemática; Geografia; Desenho e Música

Religião; Português; Latim; Francês; Matemática; Ciências; Música e Educação Física

Religião, Português; Latim; Francês Ciências; Matemática; Inglês; Música e Educação Física

Religião; Latim; Francês; Matemática; Ciências; Inglês; Música e Educação Física

Religião; Português; Latim; Matemática, Ciências físico-naturais; Inglês; Música e História Pátria

Fonte Octávio de Medeiros, A Igreja nos Açores no primeiro quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1998, 140-141. Quadro 6: Disciplinas do Curso de Filosofia Anos

Disciplinas

Filosofia; Ciências; Literatura; Latinidade; Grego; História Universal e Música

Filosofia; Ciências; Literatura; Grego; História Universal; Arte Sacra e Desenho

Filosofia; Ciências; Arte Sacra; Grego Bíblico; História Universal e Hebraico

Fonte Octávio de Medeiros, A Igreja nos Açores no primeiro quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1998, 141.

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Quadro 7: Disciplinas do Curso de Teologia Anos 1º 2º 3º 4º

Disciplinas Dogma Fundamental; Moral; Sagrada Escritura; História Eclesiástica; Sociologia; Canto Gregoriano e Música Dogma Especial; Moral; Direito Canónico; Sagrada Escritura; História Eclesiástica; Liturgia; Canto Gregoriano e Música Dogma Especial; Moral; Direito Canónico; Sagrada Escritura; História Eclesiástica; Liturgia; Canto Gregoriano e Música Dogma Especial; Casuística; Direito Canónico; Liturgia; Ascética e Mística; Pastoral; Acção Católica; Medicina Pastoral; Canto Gregoriano e Música

Fonte Octávio de Medeiros, A Igreja nos Açores no primeiro quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1998, 141. As notas oscilavam entre 1 a 15 valores, segundo a seguinte qualificação: 1 a 3 (mau); 4 a 6 (medíocre); 7 a 9 (suficiente); 10 a 12 (bom, qualificação imprescindível para aceder a Ordens Sacras); e 14 a 15 (muito bom, patamar no qual se situava a maioria das notas). O quotidiano rigoroso e as exigências lectivas eram amenizados pela solidariedade entre os seminaristas, incentivadas pelas autoridades do Seminário. Assim, havia três prefeituras que agregavam os alunos conforme os estádios de formação: a dos Teólogos (os que tinham 3 anos do curso de Teologia) apadrinhados pelo Sagrado Coração de Jesus; a dos Médios, por S. Francisco Xavier; a dos Mínimos (Miúdos), protegidos pelo S. Luís Gonzaga53 Esta cumplicidade e amizade institucional e pessoal eram fundamentais para suportar o rigor diário e o distanciamento das famílias. Além disso, a fiscalização entre os pares era uma estratégia para manter o rumo 53

Octávio de Medeiros, ob. cit., 1998, 146.

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dos jovens menos propensos à carreira religiosa. De facto, o internato era rigorosamente vigiado e controlado: não era permitido fumar, possuir livros inúteis ou romances, comer fora do refeitório, estar à janela, utilizar fósforos, aceitar ou oferecer algo (nem mesmo a familiares), sair ou receber visitas sem autorização superior, ter dinheiro… A comunicação escrita com o exterior também era fiscalizada, podendo os superiores ler as cartas ou abrir encomendas que se julgassem suspeitas54. A política de vigilância constante tornava o período de afastamento do Seminário, que coincidia com as férias de verão, particularmente perigoso na óptica da direção do Seminário, pois consideravam que os jovens podiam ser desviados para percursos e práticas menos aceitáveis. Portanto, o que se pedia era que as famílias e os párocos locais acompanhassem os seminaristas durante as férias, incentivando-os à meditação, à visita ao Santíssimo e à recitação do Rosário. Neste sentido, os párocos deviam enviar para o Bispo um relatório do comportamento dos seminaristas durante o verão55. A vigilância atenta e constante era uma ferramenta crucial para reduzir o volume de desistências dos seminaristas. Nos Açores, a taxa de abandonos deveria ser similar à nacional, que correspondia a cerca de 80% dos seminaristas56. A origem rural da maioria dos seminaristas tornava os estudos no Seminário num meio de formação superior, mas que nem sempre visava um efectivo e desejado percurso sacerdotal. Com efeito, o volume de alunos inscritos nos primeiros anos definhava à medida que se avançava no percurso de formação, chegando a valores ínfimos no 11º e 12º anos. Apenas a título de exemplo, no ano lectivo de 1945-1946, havia 22 alunos inscritos no 1º ano, 12 no 2º ano e 25 no 3º ano, mas nenhum matriculado nos 11º ou 12º anos. Em 1947-1948, a turma do 1º ano tinha 26 estudantes, enquanto a do 11º tinha apenas 457. Apesar desta escassez de alunos nos últimos anos de formação, o número de ordenações nos Açores manteve-se num ritmo saudável no período em apreço. Graças a estudos já efectuados, principalmente as análises realizadas por Octávio de Medeiros, podemos concluir que o difícil período que decorre entre 1900 e 1924, quando se ordenaram 118 jovens (numa média de 4.9 ordenações anuais) foi seguido de uma época de maiores adesões à vida clerical, pois nos 33 anos que 54  Idem, ob. cit., 1997, 150-151. 55  Boletim Eclesiástico dos Açores, nº 635, 62-63; nº 813-814, 18. 56  Paulo F. de Oliveira Fontes, ob. cit., 208. 57  Octávio de Medeiros, ob. cit., 1998, 138 e 140.

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vão de 1925 a 1958, houve um total de 275 ordenações, resultando numa média de 8,3 ordenações por ano, como se observa Quadro 558. Quadro 8 Anos Nº de Ordenações 1925-1926 5 1927-1928 13 1929-1930 8 1931-1932 4 1933-1934 21 1935-1936 25 1937-1938 30 1939-1940 20 1941-1942 10 1943-1944 13 1945-1946 25 1947-1948 5 1949-1950 17 1951-1952 27 1953-1954 14 1954-1955 6 1955-1956 8 1956-1957 8 1957-1958 16 Total 275 Fonte Octávio de Medeiros, A Igreja nos Açores no primeiro quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1997, 196-199 e Idem, 1998: 198-203. 58

Idem, ob. cit., 1997, 196-199 e Idem, 1998, 198-203.

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Os resultados ao nível das ordenações nos Açores, aliás, parecem ter sido mais densos quando comparado com o de outras Dioceses continentais59. Em 1960, cada sacerdote tinha a seu cargo cerca de 971 açorianos, valor bem mais favorável do que a média nacional, que apontava para 1 padre para 1800 habitantes60. Quadro 8: Relação de nº de Padres com habitantes dos Açores Anos Nº de Padres Nº Habitantes por 1 padre 1932

228

1105

1948

277

1146

1955

294

1114

1960

337

971

Fonte Paulo F. de Oliveira Fontes, “O Catolicismo português no século XX: da separação à democracia”, in História Religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002, vol. 3, 207. Assim, nos inícios da década de 1960, o Seminário de Angra parecia estar a cumprir de forma eficiente o objectivo de formar um corpo em número suficiente para acompanhar a maioritária católica sociedade açoriana. Mas mais importante ainda foram, na nossa perspectiva, os efeitos provocados pelas gerações que passaram pelo Seminário, tenham seguido ou não a carreira sacerdotal. Conclusão Os movimentos e as sensibilidades religiosas que atravessaram o catolicismo português, a partir da década de 1940, encontraram nos agentes do 59  Na primeira metade do século XX, na Diocese de Beja, cada sacerdote tinha a seu cargo cerca de 6.000 habitante e, na Diocese do Funchal, cada sacerdote tinha sob a sua responsabilidade cerca de 2.000 fiéis. Nos Açores, cada padre era responsável por cerca de 1.000 almas, valor inferior ao de muitas outras dioceses (cf. Paulo F. de Oliveira Fontes, ob. cit., 207). 60  Idem.

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Seminário de Angra alguns interlocutores valiosos e disponíveis. O modelo nacional viria das quatro Semanas Sociais organizadas em 1940 (Lisboa), 1943 (Coimbra), 1949 (Porto) e 1952 (Braga), com o propósito de refletir sobre a “ordem social cristã” existente61. A atenção sobre os problemas que a vida moderna tinha suscitado aos modelos de vida religiosa e de enquadramento cristão faz com que surjam as Semanas de Estudos Pastorais, nos inícios da década de 195062. Nos Açores, uma das consequências deste processo é a fundação do Instituto Açoriano de Cultura, em 1955, iniciativa concretizada precisamente por um grupo de professores do Seminário. As influências deste nicho de reflexão são notórias logo na década de 1960, quando este Instituto organiza três Semanas de Estudos dos Açores (realizadas em 1961, 1963 e 1964), que reflectem como a Igreja insular estava atenta à dinâmica nacional e desejava contribuir para uma reflexão atenta aos desafios da modernidade cristã. Palestras como Cristo e a Crítica Moderna, pelo padre Américo Caetano Vieira; A intervenção de Deus na história pelo Cónego Artur da Cunha Oliveira e Deus e o pensamento contemporâneo pelo Cónego Caetano Tomás indicam que a temática religiosa assumia alguma preponderância, liderada por diversos agentes enraizadamente ligados ao Seminário de Angra63. Certamente, o projecto de restauração cristã, numa óptica de solidariedade uniforme a todo o país, tinha tido, nas ilhas açorianas, o seu grau de sucesso. A dignificação dos cultos cristológicos (inauguração dos santuários do Senhor Santo Cristo dos Milagres e do Bom Jesus Milagroso) e a domesticação das festas do Espírito Santo e das Romarias Quaresmais, ilustravam como as elites religiosas, de forma harmoniosa, concretizavam o processo de fortalecimento social, para mais em épocas onde o expecto da pobreza, acompanhado pelo avolumar da emigração açoriana para os países da América do Norte, se fazia sentir de forma aguda. Mas esta recomposição era minada internamente pela própria elite que o Seminário formara e formava. O desfasamento entre uma postura mais conservadora e uma vontade para que à Igreja dos Açores chegas61  Idem, 191-195. 62  Idem, 197-198. 63  I, II e III Livros da Semana de Estudos, 1963-1964.

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sem os ventos do Vaticano II, debatendo-se a problemática do casamento dos padres, do apostolado dos leigos e se criticasse o isolacionismo português, agastado com a Guerra Colonial, era cada vez mais notório64. O Seminário tinha, realmente, conseguido concretizar o objectivo a que se propusera: formar uma elite com formação religiosa e um quadro sacerdotal sensível às questões sociais e disponível para responder aos desafios da sociedade contemporânea. Mas, ao fazê-lo, criou uma massa pensante autónoma e interrogadora, que queria estar dentro da Igreja, mas da nova Igreja pós-moderna. Os efeitos destas crispações serão sentidos, de forma cada vez mais densa, nas décadas de 1960 e de 1970. O registo destas disputas, que não faz parte do âmbito cronológico desta nossa análise, faz parte da memória de padres, ex-padres e antigos seminaristas ainda vivos. A história do Seminário é, pois, de todos eles e fez-com todos eles.

Bliografia citada Cordeiro, Carlos, Nacionalismo, regionalismo e autoritarismo nos Açores durante a I República, Lisboa, Edições Salamandra, 1999. Costa, Susana Goulart, “A Igreja, Religiosidade e Estado” História dos Açores: Parte V: Monarquia, República e Estado Novo: a adaptação às mudanças e o inconformismo com as diferenças (1895-1976), Angra do Heroísmo, IAC, 2008, 359-383. Costa, Susana Goulart, “Uma República sem Padres. A lei de Separação de 1911 nos Açores”, Açores: 100 Anos de República, Presidência do Governo Regional dos Açores, Direcção Regional da Cultura, 2012, 63-92. Cruz, Manuel Braga Da Cruz & Rezola, Maria Inácia, “O Estado Novo e a Igreja Católica” in Nova História de Portugal, Lisboa, Presença, 1992, vol. IX, 201-255 Clemente, Manuel, A Vitalidade religiosa do catolicismo português: do Liberalismo à República”, ” in História Religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002, vol. 3, 65-128. 64

Paulo F. de Oliveira Fontes, ob. cit., 268.

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Fontes, Paulo F. De Oliveira, “O Catolicismo português no século XX: da separação à democracia”, in História Religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002, vol. 3, 129-331. Machado, José Paulo Fernandes De Oliveira, D. António de Casto Meireles. Subsídios para a compreensão da sua acção pastoral no contexto da I República, Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Católica de Lisboa, 2012, policopiada. Medeiros, Octávio De, A Igreja nos Açores no primeiro quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1997. Medeiros, Octávio De, A Igreja nos Açores no segundo quartel do século XX, Povoação, Santa Casa da Misericórdia da Povoação, 1998. Pereira, José Augusto Pereira, A Diocese de Angra na História dos seus Prelados, Angra do Heroísmo, Livraria Editora Andrade, vol. 2, 1954. Pereira, José Augusto Pereira, O Seminário de Angra. Esboço Histórico. Angra do Heroísmo, União Gráfica Angrense, 1958.

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O SEMINÁRIO EPISCOPAL ANGRENSE A PARTIR DE 1965 ALGUMAS BREVES NOTAS HISTÓRICAS Por João Maria Borges da Costa de Sousa Mendes1* Foi com muito agrado que aceitei o convite do Senhor Reitor deste Seminário Episcopal Angrense, Doutor Padre Hélder Miranda Alexandre, para proferir e explanar um pouco da história desta nossa “Alma Mater” nos últimos anos da sua profícua existência. Desde logo apercebi-me que ao ser-me atribuído o período mais recente da vida do Seminário, ou seja, desde 1965 até ao presente, estava a aceitar uma tarefa complicada, complexa e quase impossível de realizar por duas ordens de razão. Primeiro, porque não sou historiador mas sim canonista, embora a história seja para mim algo de verdadeiramente entusiasmante. Logo, não seria a pessoa mais indicada para levar avante esta tarefa que exige critérios científicos que só um historiador pode ter. Segundo, porque se trata de um lapso de tempo de 48 anos que correspondem ao tempo presente em que, em meu entender, não se pode fazer história porque haveria o sério risco de falta de imparcialidade e de rigor na análise dos acontecimentos de que eu próprio fui actor, tanto como aluno como professor. Enfim, pediram-me que fizesse o impossível! Perante esta dura realidade e sem querer recusar um modestíssimo contributo a esta casa onde estudei e me formei decidi que o melhor seria fazer uma espécie de crónica histórica e não propriamente história. Relatar, sem fazer qualquer juízo ou análise crítica, o que se foi passando em alguns períodos destes últimos 48 anos de vida do nosso Seminário. De facto, estamos perante um período de meio século de intensas transformações, quer eclesiais quer laicais, que muito contribuíram para uma renovação da Igreja e de todas as suas estruturas como também da 1  Professor do Seminário Episcopal de Angra, do Instituto Histórico da Ilha Terceira e do Instituto Açoriano de Cultura.

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própria sociedade portuguesa e de toda a sociedade globalizada em que vivemos e subsistimos. Antes de mais, há que realçar, no meu entender, dois grandes acontecimentos que, provavelmente, os futuros historiadores desta instituição terão em conta como marcantes na vivência do seu dia a dia. Estou-me a referir, na esfera eclesial, ao Concílio Vaticano II que transformou e renovou a vida da Igreja Católica, e na órbita laical à Revolução dos Cravos que em 25 de Abril de 1974 transformou a sociedade portuguesa quando impôs o início de uma via democrática para substituir um longo e negro período de ditadura e de pobreza, implementando um dinâmico sistema de ensino muito mais acessível à maioria da juventude. Certamente, o Concílio Vaticano II foi, indubitavelmente, mais marcante na vida do Seminário do que a Revolução do 25 de Abril, embora este facto político tenha influenciado e deixado marcas em muitos comportamentos e modos de vida. O Papa João XXIII ao anunciar a sua intenção de convocar um Concílio Ecuménico em 1959 marcou o início de uma nova era na vida da Igreja. Depois da riqueza dos ensinamentos que os documentos finais conciliares trouxeram é indubitável que a vivência de uma Igreja renovada teria de ser diferente. Ora, a renovação traz sempre consigo uma dinâmica que se contrapõe dolorosamente ao imobilismo e à estagnação das ideias e dos costumes assentes num conservadorismo estagnado e perpétuo. Este confronto entre o estável e conservador e o inovador e progressista provocou, sem dúvida, transformações que uns aceitaram e acarinharam de bom grado enquanto outros opuseram sérias resistências a tudo o que era novo. Estes conflitos de ideias marcaram, sem dúvida, a vida do Seminário Maior da Diocese de Angra nestes anos da segunda metade do século XX o qual, aos poucos e poucos, foi-se adaptando aos ensinamentos e à dinâmica Conciliar. Estamos a pensar não só nas aparências externas dos Seminaristas e na sua vida do dia a dia nesta casa, cada vez mais arredados das tradicionais vestes talares e dos passeios em numeroso grupo pelas ruas da cidade, ao ponto de serem jocosa e carinhosamente tratados como “estorninhos” ou “melros pretos”, mas sobretudo como a sua formação pós-conciliar começou a abordar uma vivência eclesial completamente diferente. 70


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O CONCÍLIO VATICANO II Como dizia, o acontecimento fulcral deste período que estamos a tratar foi a convocação do Concílio. Resumidamente, depois do surpreendente anúncio na Basílica de São Paulo extra-muros feito pelo Beato João XXIII de que tinha intenção de realizar um Concílio Ecuménico, o Papa através da Constituição Apostólica «Humanae Salutis», dada em Roma no dia de Natal de 1961, convoca a reunião magna da Igreja com as seguintes palavras: “Portanto, depois de ouvir o parecer de Nossos Irmãos os Cardeais da Santa Igreja Romana, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e com a Nossa, anunciamos, estabelecemos e convocamos para o próximo ano de 1962 o Ecuménico e Universal Concílio, que se celebrará na Basílica Vaticana […] Queremos, em consequência, e ordenamos que a este Concílio Ecuménico, por Nós convocado, venham de toda a parte todos os nossos dilectos Filhos Cardeais, os Veneráveis Irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos e Bispos tanto residenciais como titulares e, além disso, todos os que têm direito e dever de intervir no Concílio Ecuménico.”. Com o «motu proprio Concilium» de 2 de Fevereiro de 1962 o Beato João XXIII estabeleceu como data de início do Concílio o dia 11 de Outubro desse mesmo ano dizendo que “escolhemos esta data sobretudo por este motivo: porque ela se prende à lembrança do grande Concílio de Éfeso…”. Assim, entre 11 de Outubro e 8 de Dezembro de 1962 decorre a I Sessão do Concílio sem que tenham sido promulgados quaisquer documentos. Entretanto, a 3 de Junho de 1963 morre João XXIII deixando uma consternação geral pelo seu falecimento e um sentimento de perda do Pastor Universal. Após a realização do Conclave é eleito a 21 de Junho do mesmo ano o Papa Paulo VI. Em 14 de Setembro o novo Papa envia a todos os Padres Conciliares uma Carta Apostólica a reconvocar o Concílio, determinando que a II Sessão tenha início a 29 de Setembro, a qual durou até 4 de Dezembro. Com a dinâmica que lhe estava subjacente através das Comissões preparatórias e das discussões nas Congregações Gerais, o Concílio pode votar favoravelmente, no fim desta 2.ª Sessão, o seu primeiro documento a Constituição sobre a Sagrada Liturgia “Sacrosantum Concilium” que veio trazer profundas modificações na liturgia da Igreja latina. 71


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Já na III Sessão, que durou de 14 de Setembro a 21 de Novembro de 1964 são votados e promulgados pelo Santo Padre mais 3 documentos destacando-se a Constituição dogmática sobre a Igreja “Lumen Gentium” coluna dorsal do que passaria a ser a visão sobre a Igreja Povo de Deus. Por analogia com o ordenamento civil, podemos afirmar que passa a ser a base do direito constitucional da Igreja Católica. Seria a IV e última Sessão do Concílio, que decorreu entre 14 de Setembro e 7 de Dezembro de 1965 a mais profícua na emanação dos restantes documentos conciliares. No contexto desta nossa palestra convém realçar em primeiro lugar o Decreto sobre a Formação Sacerdotal “Optatam Totius” que veio decretar um plano de formação sacerdotal em cada nação e a promoção das vocações sacerdotais para além de prever uma reorganização dos Seminários Maiores com uma formação espiritual mais cuidada e a revisão dos estudos eclesiásticos muito assente numa formação estritamente pastoral e, enfim, numa formação que se previa continuada e completada ao longo da vida de cada futuro sacerdote com a denominada formação permanente. Outro dos documentos conciliares que embora indirectamente teve muito a ver com o Seminário foi o Decreto sobre o Ministério e a Vida dos Sacerdotes “Presbyterorum Ordinis” dando uma nova perspectiva sobre a maneira de ser e de exercer o ministério sacerdotal o qual implicava desde os bancos do Seminário uma formação condizente com essas novas orientações. É claro que não podemos esquecer como factor de impacto e de interpelação da vivência do Seminário de Angra outros documentos do Concílio que, de algum modo, pareciam estabelecer regras fracturantes com o passado, como é o caso da Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo actual “Gaudium et Spes” e o Decreto sobre o Apostolado dos Leigos “Apostolicam Actuositatem” que suscitaram profundas discussões e reflexões de muitos Professores e alunos desta casa, não só a nível teórico e académico, mas igualmente numa desejada actuação do Seminário no seu dia a dia. Em conclusão, e sem querer fazer juízos de valor como afirmei desde início, é um dado evidente que estas transformações trazidas pela riqueza e diversidade dos documentos conciliares tiveram um tremendo impacto na vida do Seminário a partir de 1965 gerando mesmo diversas controvérsias pessoais e institucionais que só o decorrer do tempo e os futuros historiadores poderão analisar com frieza científica. 72


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O 25 DE ABRIL DE 1974 Este acontecimento político de magna importância para a transformação de Portugal num país democrático, moderno e europeu de pleno direito, para além das muitíssimas consequências que trouxe no plano económico, social, político e geoestratégico, é de relevar a questão do acesso ao ensino. Como se sabe, o analfabetismo imperava em Portugal por falta de escolas e de professores. O acesso ao ensino secundário ou liceal e ao ensino universitário estava reservado a bem poucos. Os Açores, região periférica e isolada, sofriam de todos estes males e carências. Importa realçar que até à fundação da Universidade dos Açores, já depois do 25 de Abril de 1974, o Seminário de Angra foi a única escola de ensino superior existente nos Açores e onde a juventude sem grandes meios económicos podia estudar e cultivar-se. Provavelmente, este cenário educativo precário existente no Arquipélago levou a que muitos jovens recorressem ao Seminário para poderem estudar sem que estivessem inflamados por uma sincera vocação sacerdotal. Honra lhe seja feita, o Seminário de Angra sempre soube acolher e formar, para além do clero diocesano que sempre se notabilizou, uma plêiade de jovens açorianos que muito se distinguiram na vida civil ao longo dos finais do século XIX e durante todo o século XX e mesmo no presente século nos meios literários, científicos, académicos e da cidadania activa. Todavia, o 25 de Abril veio proporcionar uma reforma e dinamização do ensino facilitando o acesso às muitas escolas de todos os níveis que foram sendo criadas e construídas permitindo uma diversificação e uma oferta de ensino que fez diminuir as entradas de alunos no Seminário de Angra. Explanada esta primeira abordagem aos dois acontecimentos que, em meu entender, mais influenciaram a vida do Seminário Episcopal na segunda metade do século XX, proponho-me agora abordar e narrar alguns factos que me parecem merecer um tratamento específico. Trata-se, em primeiro lugar, da criação do Seminário Menor do Santo Cristo e da construção de um edifício próprio que marcou uma época não só da vida deste Seminário Maior mas até de toda a Diocese. Em segundo lugar, abordaremos, de forma abreviada, o programa de estudos e os professores que lecionaram no Seminário Maior desde o ano lectivo de 1965/1966 até ao ano lectivo de 1974/1975. 73


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Muitos outros assuntos ficam por narrar, como por exemplo, a criação e funcionamento do Pós-Seminário, mas a economia de tempo não permite alongar . A CRIAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO NOVO SEMINÁRIO MENOR Noticia o Boletim Eclesiástico que “no mês de Novembro de 1956 foi inaugurado, na cidade de Ponta Delgada, o Seminário Menor, provisoriamente instalado no antigo Colégio da Companhia de Jesus. Esta nova casa de formação sacerdotal tomou o nome de «Seminário de Santo Cristo» e começou a funcionar só com o primeiro ano em que se matricularam cerca de cinquenta alunos. Assumiu a Direcção do Seminário o Rev.mo Cónego Dr. José de Oliveira Lopes, Reitor do Seminário de Angra, que reunindo os dois cargos, ficou residindo em Ponta Delgada. Para o coadjuvar foram nomeados os Rev.dos Padres Agostinho do Couto Tavares e José Franco Cabral. Foi encarregado da Direcção Espiritual Mons. José Gomes, Ouvidor de Ponta Delgada.”2 A direcção espiritual, conforme noticia ainda o Boletim Eclesiástico, foi entretanto entregue ao Rev.mo Dr. Simão Leite de Bettencourt. Começava assim uma nova experiência no Seminário da Diocese com a sua divisão em Seminário Maior, na sede da Diocese, e o Seminário Menor que passaria a funcionar na cidade de Ponta Delgada. Naturalmente que a existência de dois Seminários acarretava um esforço redobrado na constituição de um corpo docente que abrangesse as necessidades das duas escolas de formação sacerdotal, mas, sobretudo, exigia a construção de um novo edifício que albergasse o novo Seminário Menor dado que o antigo Colégio dos Jesuítas não oferecia condições para tal. Quem havia tomado esta decisão era o novo Bispo de Angra D. Manuel Afonso de Carvalho que numa Pastoral intitulada “Seminários Diocesanos”, dada em Angra a 18 de Janeiro de 1958, escreve que “estudando bem a Diocese, depois de a percorrer toda quase palmo a palmo […] resolvemos para atender cabalmente ás suas necessidades, dotá-la com dois Seminários modernos, …”. Para concretizar este desiderato tornava-se necessária a construção, de raiz, de um edifício para o Seminário Menor a que seriam acrescentados 2

Boletim Eclesiástico, n. 802-805, 312.

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“pavilhões para um Colégio Diocesano, ficando assim satisfeita uma das aspirações de tantos pais de família.”. Para tal, o Bispo de Angra propõe na sua Pastoral uma Campanha Espiritual e uma Campanha Material para recolha de donativos dado que o novo Seminário Menor, como diz o Prelado “contando com a comparticipação do Estado, terá a Diocese de fazer face com cerca de 4 a 5 mil contos.” Todavia, em Maio de 1962 a obra já estava orçada em 14.500 contos3. Para este trabalho foi instaurada a Obra das Vocações Sacerdotais. O projecto do novo Seminário é entregue ao Arquitecto João Correia Rebelo pedindo-lhe que tivesse a capacidade para 500 alunos, dos quais 200 seriam seminaristas e 300 colegiais, conforme se pode ler num extracto de uma entrevista concedida pelo Sr. Dom Manuel aos órgãos de comunicação social micaelenses e transcrita no Boletim Eclesiástico. Ainda segundo a mesma entrevista o Seminário seria construído nos terrenos da Ladeira dos Pinheiros grande parte dos quais cedidos, por compra, ao industrial micaelense Henrique de Aguiar. A primeira pedra do novo edifício foi benzida a 28 de Maio de 1962 pelo Bispo de Angra na altura das Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Essa primeira pedra havia sido extraída do próprio Santuário do Santo Cristo. A construção do novo e imponente edifício do Seminário Menor da Diocese demorou cerca de 4 anos, pois em Maio de 1966 o então Núncio Apostólico em Lisboa Mons. Maximiliano de Furstemberg, para além de presidir às festas do Senhor Santo Cristo, também inaugurou aquele estabelecimento de ensino. O Boletim Eclesiástico descreve essa cerimónia em tom encomiástico dizendo que “uma multidão esperava ansiosa a chegada das autoridades e o começo do acto, que se iniciou com o tradicional corte da fita por Sua Ex.ª Rev. ma D. Maximiliano. Estavam presentes Suas Ex.as Rev.mas D. Manuel Afonso de Carvalho, Bispo Diocesano, D. José Vieira Alvernaz, Patriarca das Índias, o Vigário Geral da Diocese, Mons. Pereira da Silva, Mons. Lopes da Cruz, Director da Rádio Renascença, o Ouvidor Eclesiástico de Ponta Delgada, Mons. João Maurício, Monsenhor José Machado Lourenço, o Ilustríssimo Cabido, su3  BE, n.º 816 (1962), 37.

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periores, professores e alunos dos Seminários Maior e Menor, e o clero da Ilha, bem como muitas religiosas.”, para além das autoridades civis e militares que marcaram presença. Estava assim plenamente concretizada a vontade do Bispo Diocesano na fundação de um Seminário Menor na Diocese, viveiro de muitas vocações sacerdotais, com a erecção canónica e a construção do edifício onde ele funcionaria. Recorrendo novamente ao Boletim Eclesiástico ficamos a saber que no movimento eclesiástico de 1966 (embora sem data precisa) foram nomeados para o Seminário Menor o Sr. Cónego Jacinto da Costa Almeida como Reitor, o Dr. Hermínio da Rocha Pontes como Vice-Reitor, o Padre Jaime Luís da Silveira como Secretário e Professor, os Padres Duarte Bettencourt dos Santos e Olegário de Sousa Paz como Prefeitos, e os Doutores Caetano Valadão Serpa e Weber Machado Pereira como Professores. Sem querer entrar em considerações e análises, como dizia no início destas minhas palavras, todavia não será inconveniente referir que se o Seminário Menor e o Colégio a ele anexo tiveram um começo fulgurante, o certo é que o mesmo nunca deixou de ser alvo de controvérsia acabando por ser extinto e o edifício vendido à Casa Bensaúde onde hoje funciona um hotel. PROGRAMA DE ESTUDOS Convém agora debruçarmo-nos um pouco sobre o Programa de Estudos deste Seminário Maior, ou seja, o que aqui se ensinava no ano lectivo de 1965-1966, embora com algumas referências a anos posteriores.4 Havia uma preocupação que os Seminaristas seguissem o mesmo currículo formativo dos Liceus razão pela qual os 7 primeiros anos correspondiam, no essencial, ao programa oficial do ensino em Portugal na área das letras. Como se sabe, neste período, o ensino liceal português fazia-se em 7 anos os quais estavam divididos em 3 ciclos: o 1.º ciclo constava do 1.º e 2.º 4  Apontamentos recolhidos no arquivo da Secretaria do Seminário Episcopal. Agradeço ao P.e Dr. Ricardo Henriques, actual Secretário do Seminário, ter-me facultado toda a documentação para estes breves apontamentos.

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ano; o 2.º ciclo dos 3.º, 4.º e 5.º anos e eram comuns a todos os alunos. O 3.º ciclo que englobava o 6.º e 7.º anos, era já de especialização na medida em que estava dividido na área das letras e na área das ciências exigindo uma escolha por parte dos alunos à área que queriam frequentar. Nesta mesma época a que nos reportamos, o ensino sacerdotal na Diocese, como se disse, seguia este currículo oficial: o 1.º ciclo era ministrado no Seminário Menor de Ponta Delgada e ou outros ciclos neste Seminário Maior, embora com um ano a mais de estudos como se verá. O programa de estudos tinha a seguinte denominação: Curso de Preparatórios que correspondia aos 3.º, 4.º e 5.º anos; o Curso de Filosofia com o 1.º, 2.º e 3.º anos, tendo em conta que o 1.º e 2.º anos deste Curso de Filosofia correspondiam ao 6.º e 7.º anos liceais do ensino público; e o Curso de Teologia com os seus 4 anos de estudos. Nos 3 anos lectivos do Curso de Preparatórios os seminaristas tinham as disciplinas de Religião, Latim, Português, Francês, Inglês, História Universal, Ciências Naturais, Ciências Físico-químicas, Matemática, Geografia, Desenho, Música e Canto Coral. Já nos 3 anos do Curso de Filosofia o currículo era bastante vasto e diversificado pois englobava as seguintes disciplinas: Na área das línguas estavam previstas aulas de Latim e Grego nos 3 anos. O Português era lecionado só no 1.º ano. A componente filosófica previa uma cadeira de Filosofia no 1.º ano, uma de Filosofia e Psicologia Experimental no 2.º ano, uma de Filosofia e Ética e outra de Filosofia e Teodiceia no 3.º ano, para além de 2 anos de História da Filosofia no 2.º e 3.º anos do curso. A área histórica compreendia um núcleo bastante vasto dado que eram ministradas cinco cadeiras: História Universal no 1.º ano, História da Arte e História Geral da Civilização no 2.º ano, História da Literatura nos dois últimos anos e História da Civilização Portuguesa no último ano. Embora o currículo fosse predominante na área das letras, o certo é que havia alguma preocupação em ministrar um ensino que abrangesse a componente científica. Por essa razão era ministrada no 1.º ano a cadeira de Matemática e nos 2 anos seguintes a de Ciências Complementares. Na área humanística estavam previstas as cadeiras de Sociologia e Pedagogia, dadas no 3.º ano, bem como uma aula de Apologética. 77


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Seguindo o programa liceal, havia ainda a cadeira de Organização Política da Nação a qual era leccionada no 2.º ano (correspondente ao 7.º ano do liceu). O Curso de Filosofia deste Seminário Maior completava-se com as disciplinas de Religião ministradas nos dois primeiros anos e a de Música e Canto Coral nos 3 anos do curso. Por sua vez, o Curso de Teologia como núcleo fundamental da formação e preparação para o sacerdócio era dado em 4 anos lectivos com uma diversidade de disciplinas e de matérias com designações, porventura, um pouco diferenciadas das que compõem o actual programa de estudos do sexénio do Seminário Maior. Na área da teologia, em sentido estrito, eram dadas as cadeiras de Dogma Fundamental no 1.º ano e de Dogma Especial nos 3 anos seguintes. Da mesma forma, a Moral dispunha de uma cadeira de Moral Fundamental no 1.º ano e de Moral Especial nos outros 3 anos. A cadeira de Sagrada Escritura, por sua vez, era ministrada do 1.º ao 3.º ano bem como a de História Eclesiástica. Direito e Ascética e Mística estavam incluídos no currículo a ministrar no 2.º, 3.º e 4.º anos. No 3.º e 4.º anos havia uma cadeira curiosa que se denominava de Acção Católica, inserida no espírito da época em que esse grande movimento de leigos e de apostolado estava a desempenhar um papel preponderante na pastoral. Nos 4 anos do Curso de Teologia eram ministradas as cadeiras de Liturgia, Canto Gregoriano e Capela. O Curso de Teologia ainda previa uma aula de Economia Política no 1.º ano e 5 cadeiras específicas do último ano: Pastoral, Casuística, Eloquência e Oratória, Sociologia Religiosa e Medicina e Higiene. No ano lectivo de 1966-1967 deixou de haver no Seminário Maior o 3.º ano de Preparatórios que passou a ser lecionado no Seminário Menor do Santo Cristo, o mesmo acontecendo no ano lectivo seguinte com o 4.º ano. Em 1968-1969 o ensino preparatório, correspondente aos 5 anos do ensino público liceal passou totalmente para o Seminário Menor. No ano lectivo de 1967-1968 a aula de Acção Católica recebeu a designação de Obras Apostólicas englobando outros organismos de Apostolado. 78


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Finalmente, no ano lectivo de 1972-1973 o Seminário Maior adaptouse às novas orientações para os estudos dos Seminários introduzindo o Curso de Propedêutica com duração de 2 anos. Este novo Curso tinha como objectivo uma melhor preparação para a Teologia e maturação vocacional, após os dois anos do Curso de Filosofia. Assim, a partir deste ano lectivo passaram a funcionar no Seminário Maior os 2 anos do Curso de Filosofia, os 2 anos do Curso Propedêutico e os 4 anos de Teologia. Com a introdução de mais um ano no currículo formativo levou a que no ano lectivo de 1973-1974 não funcionasse o 1.º ano do Curso de Teologia. CORPO DOCENTE O Corpo Docente do Seminário Maior era composto por 17 Professores no ano lectivo de 1965-1966, sobre o qual incidiu preferencialmente este trabalho. Segundo o livro de matrícula do Corpo Docente, existente no arquivo da Secretaria do Seminário de Angra, e pela ordem aí indicada, eram Professores desta casa os seguintes sacerdotes (dos que já faleceram, damos alguns dados biográficos): - Cónego Jacinto da Costa Almeida, professor de latim e francês.5 - Cónego Dr. Américo Caetano Vieira, que tinha a seu cargo as aulas de Ascética, Pedagogia, Apologética e Sagrada Escritura.6 - Cónego Dr. Artur da Cunha Oliveira, que lecionava Sagrada Escritura e Grego.

5  O Cónego Jacinto da Costa Almeida nasceu na freguesia da Ribeirinha, ilha de S. Miguel, a 11 de Julho de 1914 e ordenado sacerdote a 20 de Junho de 1937. O Sr. Cónego Jacinto havia sido nomeado Reitor e professor do Seminário de Santo Cristo por Provisão de 1-10-1958. Em Outubro de 1961 volta a ser nomeado Vice-Reitor, Prefeito e Professor do Seminário de Angra. Desde Outubro de 1966 é nomeado novamente Reitor do Seminário do Senhor Santo Cristo. Por Provisão Episcopal de 31-10-1977 foi nomeado Reitor do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres. O Bispo de Angra nomeou-o Cónego do Cabido da Sé de Angra em 8-4-165 e concedido o titulo de Monsenhor pela Santa Sé em 15-9-1983. Veio a falecer em Ponta Delgada a 30 de Junho de 1999. 6  O Padre Américo Caetano Vieira era natural das Lajes, ilha das Flores, onde nasceu a 24 de Maio de 1928. Foi ordenado a 13 de Maio de 1951. Creio que foi enviado logo de seguida para Roma onde se licenciou em Teologia. Nos poucos dados biográficos da sua ficha existente no arquivo da Cúria sabe-se que foi nomeado Professor do Seminário Episcopal em 30-6-1956.

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- Cónego Dr. Francisco Caetano Tomás, professor de Filosofia, História da Filosofia, Acção Católica e Casuística. - Dr. Caetano Valadão Serpa (que neste ano lectivo tinha regressado da sua formação em Roma) dava aulas de História Eclesiástica, Moral Especial e Moral Fundamental.7 - Dr. Francisco Carmo com a responsabilidade de lecionar Economia Política, Sociologia, História da Literatura, Organização Política da Nação, Ética Social, Eloquência e Sociologia Religiosa.8 - Monsenhor José Machado Lourenço, professor de Inglês, História da Civilização Portuguesa e História Universal.9 - Cónego Dr. Artur Pacheco Custódio, professor de Direito, Religião e Latim. - Dr. Artur Goulart de Melo Borges, era o professor que lecionava mais disciplinas tais como Liturgia, História da Arte, Desenho, Português, Ciências Fisico-Quimicas, História Universal, História Geral da Civilização e Ciências Naturais. - Dr. Weber Machado Pereira, com as cadeiras de Matemática, Ciências Complementares, Direito e Ciências Físico-Químicas.

7  Foi, mais tarde, nomeado professor do Seminário Menor. Voltou a Roma onde obteve o grau de Doutor em História da Igreja. 8  O Padre Francisco Carmo nasceu no Salão, ilha do Faial, a 24 de Maio de 1927, sendo ordenado presbítero a 13 de Maio de 1951. Seguiu logo para Roma a frequentar a Pontifícia Universidade Gregoriana onde se licenciou no ano de 1953 em Sociologia. Foi um dos sacerdotes que se retirou do Seminário de Angra na sequência de alguns desentendimentos subsequentes à renovação conciliar no fim do ano de 1969. Exerceu a paroquiação da sua terra natal por Provisão de 6-5-1970. Com a fundação da Universidade dos Açores, de que foi primeiro Reitor um antigo professor deste Seminário de Angra o Cónego Doutor José Enes, foi convidado para lecionar naquele estabelecimento de ensino superior. Em 1983 defendeu a tese de doutoramento em Sociologia na Gregoriana. Após se ter aposentado da Universidade dos Açores em 1997, voltou a ser nomeado Professor do Seminário de Angra. Faleceu no Hospital de Angra a 11 de Março de 2004. 9  Nasceu na freguesia das Cinco Ribeiras a 12 de Agosto de 1908 e onde faleceu a 14 de Janeiro de 1984. Havia ido, na sua mocidade, estudar para o Seminário da Diocese de Macau, no extremo oriente, levado por outro missionário natural daquela freguesia das Cinco Ribeiras, o Padre João Machado de Lima também antigo aluno deste Seminário de Angra e convidado a partir para Macau como secretário de D. João Paulino de Azevedo e Castro. Da obra “Genealogias da Ilha Terceira” de António Mendes e Jorge Forjaz passamos a transcrever: “Estudou no Seminário de S. José de Macau, e ordenou-se presbítero na Sé de Macau a 16.8.1931. Colocado na Missão de Singapura e depois em Malaca, secretário particular de D. José da Costa Nunes, novamente em Singapura (1939-1941), secretário particular de D. José da Costa Nunes em Goa (1941-1946). Regressa à Terceira em 1947 e foi nomeado professor de inglês do Seminário de Angra (1948-1973). Cónego da Sé de Angra (1956) e monsenhor. Director do diário «A União» (1973-1978) e presidente da direcção do Instituto Açoriano de Cultura. Recebeu o Prémio «João de Barros» da Agência Geral do Ultramar pelo seu livro Beato João Baptista Machado - Mártir do Japão, 1965. Comendador da Ordem de Santiago da Espada.”

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- Dr. José Soares Nunes, era professor de Dogma Especial, Dogma Fundamental, Grego e Religião. - P.e Jaime Luís da Silveira, então Secretário do Seminário Maior, tinha a seu cargo as aulas de Inglês, Geografia e Religião.10 - O P.e José António Piques Garcia lecionava Latim, Ciências Naturais e de Canto Coral. - O P.e Augusto Manuel Arruda Cabral leccionou Português. - O P.e José Garcia, ensinou Pastoral.11 - O Dr. Mário Lima, médico de reconhecido mérito e grande benemérito do Seminário pela sua prestimosa dedicação, para além de prestar serviços médicos a Professores e Alunos, lecionava a cadeira de Higiene e Medicina. - Finalmente, o P.e Dr. Edmundo Machado Oliveira lecionava 3 cadeiras: Música, Capela e Canto Gregoriano.12

10  O Padre Jaime Luís da Silveira nasceu na Fajã Grande, ilha das Flores, a 19 de Fevereiro de 1924. Foi ordenado de presbítero a 13 de Junho de 1948. Exerceu as funções de Secretário Ecónomo do Seminário de Angra por nomeação de 30-6-1954, renovada por Provisão de 30-6-1958. Pela Provisão de 30-9-1966 foi nomeado Professor e Secretário do Seminário Menor de Santo Cristo. Em 5-5-1984 foi nomeado assistente eclesiástico do Departamento Diocesano da Igreja nas Escolas. Veio a falecer na sua residência de Santa Luzia de Angra a 8 de Janeiro de 2001. 11  O Senhor Cónego Garcia, como era conhecido, nasceu no Salão, ilha do Faial, a 11 de Agosto de 1928, tendo sido ordenado sacerdote a 8 de Dezembro de 1954. Exerceu a sua actividade sacerdotal como Vigário Cooperador de Santa Rita da Praia, e Pároco de São Pedro de Angra (30-6-1958), da Conceição de Angra (11-7-1964), da Sé de Angra (8-12-1969) acumulando com São Mateus da Calheta (13-5-1975) e Santa Luzia de Angra (17-4-1984), exercendo ainda a paroquiação no Posto Santo, Lajes e Santa Luzia da Praia e Fonte do Bastardo acumulando com o Cabo da Praia. Em 23-7-1991 foi transferido para Pároco da Conceição da Horta, acumulando com a Praia do Almoxarife, ilha do Faial. Também exerceu a paroquiação em diversas Paróquias da ilha de S. Miguel: Fajã de Cima (30-9-1996). Matriz da Ribeira Grande (23-6-1997) e São José de Ponta Delgada (2-10-2006). Por Provisão de 4-11-1968 foi nomeado Reitor do Post-Seminário. Foi feito Cónego da Sé de Angra a 23-12-1972 e recebeu o título de Monsenhor a 10-7-2006. Exerceu diversas funções no apostolado diocesano e foi Ouvidor de Angra. Faleceu na Clínica do Bom Jesus a 15 de Março de 2011. 12  Era, simultaneamente, Professor do Liceu de Angra, tendo sido meu professor de Música e de Religião e Moral quando frequentei aquele estabelecimento de ensino. O Padre Edmundo Manuel Garcia Machado de Oliveira nasceu na Matriz da Ribeira Grande a 1 de Outubro de 1928 e foi ordenado presbítero a 1 de Junho de 1952. No arquivo da Cúria não existem muitos dados sobre este sacerdote. Foi Vigário Ecónomo da Matriz da Praia da Vitória (30-6-1954). Em 30-7-1955 foi mandado estudar para Roma e a 1-10-1960 é nomeado professor de Música e de Canto Gregoriano no Seminário de Angra. Depois de ter obtido a dispensa das obrigações do estado sacerdotal contraiu matrimónio com a Dr.ª Elsa Mendonça, professora do Liceu de Angra. Desconheço o lugar e a data do seu falecimento.

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REITORADO Permitam-me, por fim, fazer uma breve referência aos sacerdotes que exerceram as funções de Reitor deste Seminário Maior, neste período de anos que me foi confiado.13 Assim, no ano lectivo de 1965-1966 era Reitor o Cónego Dr. Artur Pacheco Custódio que exercia essas funções desde 1961. A 11 de Novembro de 1967 recebeu nova Provisão de Reitor. Por Provisão Episcopal de 10 de Junho de 1968 foi nomeado Reitor o Cónego Dr. Américo Caetano Vieira que exerceu essas funções até à sua morte prematura e repentina ocorrida a 22 de Janeiro de 1971. Sucedeu-lhe o Dr. José António Piques Garcia, nomeado por Provisão de 29 de Junho de 1971. Exerceu o reitorado apenas em 2 anos lectivos.14 O Dr. Augusto Manuel Arruda Cabral, mais tarde nomeado Cónego e distinguido com o título pontifício de Monsenhor, foi nomeado Reitor por Provisão de 30 de Julho de 1973. No período que vai de 1990 a 1997 exerceu as funções de Reitor o Dr. Gregório do Couto Rocha por Provisão de 24 de Julho de 1990. Sucede-lhe nas funções o Dr. Jorge José Tavares dos Reis, mais tarde Cónego da Sé, por Provisão de 22 de Junho de 1997. De seguida, e por Provisão de 11 de Agosto de 1999, passa a exercer o Reitorado desta casa o Dr. Jaime Luís Fagundes da Silveira, que recebe nova Provisão de Reitor a 23 de Setembro de 2002. 13  Dados recolhidos no arquivo da Cúria Diocesana de Angra. 14  Nasceu o Padre Piques na Matriz da Ribeira Grande a 19 de Março de 1942. Foi ordenado sacerdote a 1 de Janeiro de 1965. Ainda como Diácono foi nomeado Prefeito do Seminário de Angra em Setembro de 1964. Por Provisão de 7-12-1967 foi nomeado Professor e Director Espiritual do Seminário Maior. Foi enviado para a Pontifícia Universidade de Salamanca onde se licenciou em Clássicas. Regressado a Angra, para além de professor de língua grega e latina, lecionou também a cadeira de Música, de que era grande conhecedor e compositor de muitíssimos cânticos litúrgicos. Exerceu as funções de Secretário do Seminário Episcopal por Provisões de 17-9-1999 e de 23-9-2002. O Bispo de Angra nomeou-o Cónego do Cabido Catedralício a 27-3-1991 e para a dignidade de Chantre do Cabido a 14-1-1992. Exerceu outras funções em diversas Comissões e Departamentos Diocesanos, nomeadamente, Director do Boletim Eclesiástico dos Açores (26-11-1985) e Presidente da Comissão de Música Sacra (23-9-2003). Era assistente de uma das Conferências de São Vicente de Paula da Conceição de Angra e, quando se encontrava reunido com os Vicentinos sofreu um violento acidente vascular cerebral que não lhe permitiu ter mais actividade pastoral. Recolhido pelos seus familiares à Ribeira Grande, acabou por falecer na Clínica do Bom Jesus de Ponta Delgada a 18 de Setembro de 2007.

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O já Cónego e Monsenhor Dr. Gregório do Couto Rocha é chamado novamente para Reitor através da Provisão datada de 8 de Agosto de 2005 e renovada por outra de 21 de Julho de 2008. Finalmente, por Provisão de 11 de Julho de 2011 é nomeado o actual Reitor Dr. Hélder Miranda Alexandre.

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SEMINÁRIO DE ANGRA – DE 1910 A 1965

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Comemorações dos 150 anos

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Calendarização Dia 6 a 8 de Julho de 2012: Encontro em Angra dos antigos alunos do Seminário Dias 4 a 11 de Novembro: Semana dos Seminários alusiva ao tema. Dia 9 de Novembro de 2012 – 150º aniversário da fundação do Seminário. Missa Festiva na Sé de Angra. Convívio e banquete comemorativo. Atuação dos Coros do Seminário e Tibério Franco, Helena Oliveira e Carlos Frasão. Dia 10 de Novembro. Conferências acerca dos temas: O Seminário Episcopal de Angra: “A formação eclesiástica nos Açores, de 1534 a 1862” pelo Prof. Avelino Meneses; “Da fundação do Seminário Episcopal de Angra à I República” pelo Doutor Reis Leite. Sarau Cultural: Teatro da autoria de Álamo de Oliveira. Dia 8 de Dezembro: Ordenações Diaconais Dia 28 de Janeiro de 2013: Festa de S. Tomás de Aquino Mesa Redonda no dia 27 de Janeiro às 20h00: “S. Tomás de Aquino no séc. XXI”, com a participação do P. Jaime Silveira, P. Cipriano Pacheco e o Dr. Mário Cabral Dia 28 de Janeiro: Missa Solene de S. Tomás de Aquino. Dia 20 de Abril, Sábado antes do Domingo do Bom Pastor, Conferências: “O Seminário de Angra de 1910 a 1965” pela Dra. Susana Goulart; “O Seminário de Angra de 1965 aos nossos dias” pelo P. João Maria Mendes. Junho de 2013: Ordenações e Jubileus sacerdotais. 9 de Novembro de 2013: encerramento das comemorações.

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Encontro de Antigos Alunos 5 a 8 de Julho de 2012

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Homenagem dos Antigos Alunos aos Professores e alunos das décadas de 50/60 Estamos aqui para prestar homenagem ao Seminário Episcopal de Angra, única instituição de ensino pós-secundário, nos Açores até 1976, ano em que foi criada a Universidade açoriana, que foi um notável e inexaurível alforge de ciência, de arte, de música e de cultura, onde se formaram, para além do clero açoriano, de onde emergiram muitas eminentes figuras da igreja católica, grande parte da classe dirigente, da intelectualidade e da cultura açorianas. Foi sobretudo nas décadas de cinquenta e sessenta que esta instituição atingiu o apogeu da sua notabilidade e da sua génese formadora. Mas nesta ocasião e neste momento não se pode nem se deve ficar apenas por uma referência a esta notável e excelsa geração das décadas de 50 e 60, a que a maior parte dos que estão aqui presentes se orgulha de ter pertencido. Importa recordar também aqueles que, antes de nós, por aqui passaram, desde o início da fundação deste Seminário, altura em que, durante alguns anos, repartiu as suas instalações com o Liceu desta cidade. Nas primeiras décadas do século passado, nomeadamente, a quando da implantação da República em Portugal e da separação entre Igreja e Estado, no princípio de Outubro de 1911, altura em que o poder civil, invocando os princípios que defendia e proclamava, tomou conta do edifício onde funcionava o Seminário e que pertencia à diocese. Este embora passando por diversíssimas e inverosímeis vicissitudes, sobreviveu. Nessa altura alguns alunos foram forçados a abandonar o curso, enquanto outros se instalaram em casas particulares ou das suas próprias famílias, no caso dos alunos da Terceira, indo receber lições às moradas dos próprios professores, como refere o Cónego José Augusto Pereira, nos seus livros “O Seminário de Angra” e “A Diocese de Angra na História dos seus Prelados”. Entre os alunos que foram forçados a abandonar o Seminário, estava o estudante José Vieira Alvernaz, como narra Maria Guiomar Lima, no livro recentemente publicado, sobre a figura daquele que foi um dos mais credenciados Patriarca das Índias: “Quando o Seminário encerrou o jovem Alvernaz continuou a estudar no Liceu de Angra, reinstalado no Convento de são Francisco. O ensino era mais caro, porém, o pai incentivou-o a não desistir”… Nessa altura, foi colega, amigo e companheiro de Vitorino Nemésio. 91


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Nas décadas de 50 /60 ainda nos chegavam ecos e memórias de toda uma geração anterior que ao longo dos quase cem anos de existência do Seminário, lutara por construir e edificar uma instituição que era incontestavelmente o reflexo da força, do saber e da cultura. Umas vezes eram os professores de então e sobretudo os clérigos das paróquias a que pertencíamos, que recordavam os nomes, referiam a sabedoria e exaltavam a competência dos seus antigos mestres, enquanto noutras, nos era proporcionado ler os escritos e as memórias que muitos antigos alunos de anos anteriores nos haviam legado. Era frequente ouviremse os nomes do Dr Cardoso do Couto, este até atribuído à Academia dos Médios, o Dr Botelho, o Dr Bettencourt, o cónego Garcia da Rosa, o cónego Pereira e o Dr José Vieira Alvernaz, entre muitos outros. Do mesmo modo éramos incendiados pelos escritos de muitos homens, alguns deles padres, mas também dedicados às letras, que haviam feito a sua formação no Seminário, como Bernardo Maciel, Nunes da Rosa, José Jacinto Botelho, Valério Florense, Osório Goulart, Cónego Pereira, Diniz da Luz e mais recentemente, José Machado Lourenço, Coelho de Sousa, José Enes e Cunha de Oliveira ou à Música, como Tomás de Borba, Francisco Lacerda, o padre José d’Ávila, o padre José Luís de Fraga que nas letras usou o pseudónimo acima referido de Valério Florense, e tantos outros. Era todo este passado nobre, glorioso, era toda uma tradição forte, ingente e diversificada que pairavam no Seminário e se iam transmitindo de geração em geração, quer através das frequentes alusões a antigos mestres e a sacerdotes músicos poetas e escritores e ainda a outras eminentes figuras da igreja católica, cujas fotos ornamentavam as paredes do salão de estudo dos Médios e também salão de festas, com destaque para o Cardeal D. José da Costa Nunes e os bispos, D. Manuel Medeiros Guerreiro, D. José Vieira Alvernaz, D. Jaime Garcia Goulart, D. Paulo José Tavares, D. José Pedro da Silva, cujas actividades pastorais, sobretudo por terras do Oriente, caíam sobre nós em catadupa e como que nos acicatavam os ânimos e as vontades, a fim de perseguirmos, sob a orientação dos mestres de então, na senda dos mais nobres ideais do humanismo, da cultura, das ciências, das letras e, também, como não poderia deixar de ser, da formação sacerdotal e da religião. 92


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Assim, durante doze anos, o Seminário de Angra dispunha e disponibilizava, aos que o demandavam, um plano curricular exigente, completo, abrangente e rigoroso, complementado com actividades de índole intelectual e cultural, desde a música ao teatro, passando pelo jornalismo, através de academias, sabatinas, jornais, palestras, reuniões, semanas culturais, etc. Quanto ao plano curricular, referirei apenas o curso de Teologia, extensivo aos últimos quatro anos de estudo e que se dirigia fundamentalmente à formação específica dos futuros sacerdotes, abrangendo um tronco de disciplinas básicas, com uma exaustiva carga horária Embora não se tendo verificado, nesta etapa final do ensino do Seminário, nenhuma reforma curricular, como no preparatório e no de Filosofia. em termos de alteração ou enriquecimento do currículo, nos finais da década de sessenta verificaram-se grandes e profundas reformas, não só a nível dos conteúdos de algumas disciplinas mas também e sobretudo no que à metodologia dizia respeito. Na génese destas alterações, estiveram alguns dos professores de então, como o Dr Cunha de Oliveira em Sagrada Escritura e dr Francisco Carmo em Economia Social e ainda e sobretudo uma nova geração de professores, recentemente regressados de Roma: o Dr José Nunes em Teologia Dogmática, o Dr Manuel António, em Moral, o Dr Artur Goulart em Liturgia, o Dr Caetano Valadão em História do Cristianismo, o dr Vasco Parreira em Direito Canónico. Era o princípio do fim dos velhos compêndios profundamente enraizados nos princípios e axiomas da Escolástica Medieval e o libertar-se dos meandros da Casuística, fechada e obsoleta. Era o dealbar duma nova era, onde pontificavam as orientações e as doutrinas emanadas dos documentos do Concílio Vaticano II e a leitura de teólogos modernos, como Juan Alfaro e Bernard Haring, frequentemente citados por José Nunes e Manuel António, nas aulas de Dogma e de Moral. Na globalidade, os professores, que leccionavam na década de sessenta, eram quase todos eles formados na Pontifícia Universidade de Roma e revelavam uma competência capaz de mobilizar os parcos recursos pedagógicos disponíveis, na altura, e que quase se limitavam aos manuais, ao quadro e a alguma bibliografia complementar. Muitos deles distinguiamse culturalmente na sociedade angrense da então, bastante exigente na defesa e promoção da cultura. Alguns haviam publicado livros, outros escre93


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viam para revistas e jornais, chegando um ou outro a assumir a direcção e a redacção do jornal “A União”, fazendo-o com grande qualidade e mestria. Para além de açambarcarem os púlpitos da Sé Catedral e de outras igrejas angrenses, por altura de festividades e comemorações, proferiram conferências na rádio, palestras em sessões culturais e orientavam diversas instituições e organizações sediadas em Angra, como o Instituto Açoriano de Cultura, a Cáritas, a Misericórdia, a Acção Católica, Cursos de Cristandade, Conferência Vicentina, etc. Foi um grupo de professores do Seminário que fundou o próprio Instituto Açoriano de Cultura, dando, posteriormente início à organização das Semanas de Estudo, como ontem foi referido. A um destes mestres, - José Enes - se deveu mais tarde a fundação da Universidade dos Açores, da qual também foi Reitor e professor, sendo-o também noutras universidades. Percursos notáveis, fora do Seminário, tiveram ainda outros mestres, Cunha de Oliveira, Francisco Carmo, Artur Goulart e Caetano Serpa. Outros como Caetano Tomás, José de Lima e Edmundo de Oliveira eram também professores do Liceu de Angra. Para a história aqui ficam, por ordem alfabética, os nomes de todos os professores do Seminário de Angra, na década de 60: Afonso Carlos Quental, Alfredo José Tavares, Américo Caetano Vieira, António Pereira da Silva, António Rogério Andrade Gomes, Artur Cunha de Oliveira, Artur Goulart de Melo Borges, Artur Pacheco Custodio, Augusto Manuel de Arruda Cabral, Caetano Valadão Serpa, Edmundo Machado de Oliveira, Francisco Borges Paim, Francisco Caetano Tomás, Francisco Carmo, Francisco Vitorino de Vasconcelos, Horácio da Silveira Noronha, Jacinto da Costa Almeida, Jaime Luís da Silveira, Jeremias Machado da Rocha Simões, José Enes Pereira Cardoso, José Machado Lourenço, José Mendonça de Lima, José Nunes, Manuel António Pimentel, Manuel Coelho de Sousa, Valentim Borges de Freitas, Vasco da Silva Castro Parreira, Weber Machado e um leigo, o dr Mário Lima, médico do Seminário e professor de Medicina Pastoral. De recordar ainda o padre António Rocha que exerceu as funções de ecónomo, o padre Martinho, capelão de São Rafael, que era confessor assíduo, assim como o padre Ivo Correia, o padre Gil Mendonça e outros. No Seminário Menor de Ponta Delgada, durante os dois primeiros anos da sua existência urge recordar, como professores, os nomes de José de Oliveira Lopes, que exerceu o cargo de reitor, o Simão Leite de Bettencourt, 94


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Agostinho Tavares, José Franco Cabral e José Batista, pároco de São Pedro. A partir do ano lectivo de 1958/59, o reitor foi Jacinto da Costa Almeida e, alguns anos depois, Hermínio da Rocha Pontes. Gostaria também de referenciar e homenagear aqui os monitores, tantas vezes esquecidos. Eram alunos mais velhos, que abdicavam do convívio, da convivência diária e até dos passeios com os seus colegas de curso, nalguns casos até se abstinham de usufruir do seu próprio quarto, que viviam junto dos mais pequenos, dia e noite, colaborando com os prefeitos, na formação, na educação e no acompanhamento dos mais novos. Eram jovens extraordinários, talentosos, bons alunos, que nos dispensavam uma amizade e um carinho muito grande, sendo geralmente bem mais complacentes e permissivos do que o próprio perfeito. Era sobretudo na prefeitura dos Miúdos, onde a diferença de idade entre monitor e alunos era maior, que se fazia sentir mais a sua acção terna e carinhosa. Recordo, dos dois anos que passei na prefeitura de São Luís Gonzaga: José Alvernaz Pereira de Escobar e José António Piques Garcia. Recordar também os últimos dois monitores do Seminário em 1967: Gilberto Amaral e Manuel Francisco Aguiar E nós alunos? Durante décadas e décadas, centenas, talvez mesmo milhares de jovens de todas as ilhas rumaram a Angra a fim de encontrar no Seminário, sob a sábia competência destes e de muitos outros mestres, na procura de um saber completo e abrangente, uma formação sólida, competente e adequada que ombreava, talvez mesmo ultrapassava a dos outros seminários do país. Na realidade, e citando o José Gabriel Ávila, no seu blogue “Escrita em Dia”: “Quem passou pelo Seminário de Angra nas décadas de 50 e de 60, ficou marcado pela abertura à cultura, à sociedade, à modernidade, e por novas ideias sociais, políticas e religiosas veiculadas por docentes formados em universidades europeias” Foi a competência, a sabedoria, o humanismo e a dignidade destes e de outros mestres que constituíam o corpo docente do Seminário de Angra nas décadas de 50/60, os planos curriculares que eles próprios construíram, os conteúdos programáticos das disciplinas que leccionaram e as diversíssimas actividades culturais, artísticas e até de lazer em que connosco se envolviam e nas quais nos acompanhavam com dedicação, amizade e 95


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esmero, que fizeram, daquele punhado enorme de jovens açorianos que naquelas décadas procuraram este Seminário e que nela encontravam uma segunda casa e uma segunda família, aquilo que de facto hoje são. É verdade que alguns saíram ao longo do duro e sinuoso percurso de doze anos de estudo. Mas muitos outros chegaram ao fim e ordenaram-se, atingindo o objectivo primordial pelo qual haviam lutado e que constituía o sonho de qualquer simples e humilde família açoriana, na altura – ter um filho sacerdote. Muitos destes, no entanto, alguns anos mais tarde, por isto e por aquilo ou simplesmente porque quiseram, resolveram alterar o destino da sua vida. E, porque haviam armazenado, ao longo do seu percurso no Seminário, uma sólida formação, fizeram-no com dignidade, com convicção, com nobreza de carácter e de acordo com os valores humanos e morais que ao longo dos anos da sua formação haviam adquirido, embora muitos não os tenham entendido ou não os queiram ter entendido. Seria impossível, para também os homenagear condignamente, referir aqui os nomes de todos estes “os nobres filhos da ciência ” que foram alunos mesta casa nas décadas de 50/60. Mas recordemo-los todos eles prestando-lhes a nossa homenagem, agrupando-os numa espécie de protótipo que se poderia chamar “aluno desconhecido” – onde englobo os mais simples, os mais humildes, os menos “atrevidos” culturalmente. Mas será da mais elementar justiça mencionar aqui os nomes, dos que que mais se distinguiram nas várias áreas da cultura e da sociedade açorianas, sobretudo na década de sessenta. Se algum esquecer agradecia que mo lembrassem. São eles: nas letras, Artur Goulart, Manuel Pereira, Caetano Valadão Serpa, Olegário Paz, Andrade Moniz, Álamo Oliveira, Onésimo Almeida, José Francisco Costa e Urbano Bettencourt, no jornalismo, António Rego, Clemente Cardoso, José Gabriel Ávila, Jorge Nascimento e Santos Narcíso, José Matos, na ciência Weber Machado, Frias Martins, na Sociologia Octávio Medeiros, na Pedagogia, Augusto Cabral, na Música, Armindo Borges, Emílio Porto, José Luís Rodrigues, José Piques Garcia, José Carlos Rodrigues, José Gabriel Ávila, Carlos Sousa, João Elias, António Dionísio, Bartolomeu Dutra e Manuel Azevedo, no dirigismo desportivo Manuel Faria de Castro, na Teologia José Nunes, Rogério Gomes, Manuel António Pimentel, Vasco Parreira, Laudalino Moniz, José Constância, e Ângelo Valadão, na Filosofia Cipriano Franco, na política Emílio Porto, Manuel Serpa, José 96


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Adriano Borges Carvalho, Jorge Nascimento e Manuel Azevedo, Sá Couto, na sociedade e no ensino João Esaul, Eduardo San-Bento, João Carlos Carreiro, José Augusto Borges, Gualter Dâmaso, Heriberto Brasil, Manuel Francisco Aguiar e Manuel Tomás e ainda a exercerem o sacerdócio, na diocese de Angra, Agostinho Barreiro, Fernando Teixeira, Daniel Correia, Pedro Lima, Abílio Morais, José Alvernaz, Aurélio Nóia, José Carlos Simplício, Machado Alves, Garcia da Silveira, João Luciano, João de Brito Meneses, António Varão e Abel Nóia, Francisco Dolores, João Maria Vieira Brum, e Agostinho de Sousa Lima, na de Santarém João de Brito Costa, nos Estados Unidos, Victor Vieira, Ivo Rocha, Gastão Altino, recentemente agraciado com o título de Monsenhor e no Brasil, José Francisco Correia. Muitos outros se distinguiram, sobretudo no ensino e na gestão bancária, com destaque, nesta área, o Noé Carvalho e o Duarte Miranda,. Na realidade seria extenso enumerar todos os outros nomes, não só das décadas de 50 e 60, mas também os que ao longo das outras épocas, durante 150 anos engrandeceram e honraram o Seminário de Angra, através da formação académica ali obtida e que singraram com êxitos assinaláveis nos mais diversos âmbitos das letras, das artes, da ciência, da cultura e da religião. Finalmente julgo não dever terminar esta homenagem, sem referir aos que embora não sendo professores, nem alunos, partilhavam connosco, nalguns casos dia e noite, esta casa: os empregados. Na globalidade eram homens bons, amigos, dedicados à causa que serviam. Gostaria de destacar aqueles de que lembro melhor e que aqui permaneceram durante mais anos. Em primeiro lugar o Tomé, homem simples, generoso, sempre solícito a ajudar-nos e a fazer tudo por nós. Sempre de vassoura e apanhador nas mãos quando em casa, acompanhava-nos sempre nos passeios grandes, responsabilizando-se pelo transporte das refeições. O Tomé não tinha família. A sua família éramos nós. O sr Julinho que mais tarde veio ajudá-los nas limpezas. O porteiro sr José Natal, mais tarde deslocado para o Seminário de Ponta Delgada e substituído pelo sr Vargas, o cozinheiro, Sr António, natural da Graciosa, que nos brindava às segundas-feiras com um excelente feijão assado e muitos outros, com destaque para um grupo de religiosas que tomaram conta da alimentação e limpeza do Seminário, nos finais da década de cinquenta e da Senhora Maria, a primeira mulher a trabalhar no Seminário. 97


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E termino este o meu pequeno e modesto contributo de homenagem aos alunos, aos professores e, sobretudo, à instituição o Seminário de Angra. É esta a minha mensagem de gratidão para com todos os professores, de quem guardo melhores recordações. É esta a minha solidariedade estima por quantos, como eu foram alunos e se formaram nesta casa.

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INFLUÊNCIA DO SEMINÁRIO DIOCESANO NA CIDADE DE ANGRA E NOS AÇORES NAS DÉCADAS DE 50 E 60 por Álvaro Monjardino Instituto Histórico da Ilha Terceira Academia Portuguesa da História I O meu padrinho do Crisma foi o dr. José Vieira Alvernaz, então ainda reitor do Seminário de Angra e a poucos meses de ir para a Índia como bispo de Cochim. Ordenado em 1920 (após prestar serviço militar como soldado de Artilharia…) Alvernaz seguira para Roma, onde se graduou em Direito Canónico na Universidade Gregoriana. Era aí e nesse tempo que, contava ele, os alunos do Colégio Português só estavam autorizados a andar na cidade em grupo e, imagine-se, de mão dadas dois a dois… O bispo que me crismou, D. Guilherme Augusto da Cunha Guimarães, chefiava a diocese desde 1928, era tido como um orador fastidioso e demoradíssimo e, como mais ou menos os outros bispos que aqui conheci, nunca me pareceu objecto de particular estima, mesmo da classe sacerdotal. Ficou porém a diocese a dever-lhe importantes serviços, como ter nela introduzido a Acção Católica e – decerto não o menor deles – promovido e apoiado estudos em Roma e em universidades católicas de vários seminaristas melhor dotados, para aí completarem a sua formação e integrarem depois o corpo docente do seminário cujas novas instalações (outro serviço) ficaram completas em 1937. Este envio de seminaristas para Roma, interrompido desde o tempo de Alvernaz, reatou-o D. Guilherme em 1932 com Manuel Moreira Candelária, depois reitor do seminário aos 28 anos de idade, e Simão Leite Bettencourt, um homem de aspecto frágil, discreto e erudito, que me lembro de ver sempre na companhia do tio, também ali professor, o dr. José Moniz Bettencourt – e como o tio era grande e gordo e o sobrinho pequeno e magro, eram conhecidos por «a égua e a cria». Entretanto, já no liceu, entrei para a Conferência Vicentina dos estudantes, cujo assistente, o dr. Manuel Cardoso do Couto, foi às tantas substituído 99


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nessa função por um dos antigos seminaristas da segunda leva mandada para Roma em 1942 – dez anos após a primeira. Chamava-se José Pedro da Silva e já ensinava no seminário juntamente com os seus companheiros com ele regressados, José de Oliveira Lopes e Antonino da Costa Tavares. Haviam apanhado a guerra – ainda me lembro de ouvir o dr. Antonino contar-nos a entrada em Roma dos blindados norte-americanos – e as perturbações político-sociais do tempo dela e que se lhe seguiram. Foi nestes jovens padres que comecei a achar diferenças dos outros que conhecia. Quando em 1954 acabei a Universidade e vim para aqui trabalhar, já aqui se encontravam ou iam chegando outras fornadas desses seminaristas enviados a estudar fora. José Enes, Artur da Cunha Oliveira, Francisco Caetano Tomás, Artur Custódio, depois Américo Caetano Vieira, António Silva Pereira, Francisco Carmo, logo seguidos de outros, formados em leque mais aberto de universidades católicas. Era natural, para não dizer inevitável, que a vinda destes homens, com a formação que traziam e a dinâmica que os animava, operasse neste pequeno meio algo como uma revolução cultural. II Não me cabendo abordar aqui e agora o que se passou com a Igreja açoriana perante o Concílio Vaticano II na década de 60, não posso deixar de referir o que vim encontrar na minha velha cidade quanto à Hierarquia católica, que deixara em 1948 ainda bastante marcada por um autoritarismo clerical porventura alentado pela boa relação com o Estado Novo após as agruras passadas no tempo da 1ª República. O facto é que nós, jovens leigos, sentimos a diferença. D. Guilherme Augusto regressara entretanto à sua terra, e a diocese era, desde 1953, dirigida por D. Manuel Afonso de Carvalho, graduado, também na Gregoriana, em Direito Canónico, e bispo coadjutor com direito de sucessão. Uma primeira medida de D. Manuel no sentido de desmembrar o Seminário Diocesano, deslocando para Ponta Delgada o «seminário menor», como «seminário-colégio» e mantendo em Angra apenas os últimos anos da formação sacerdotal, caíra mal nesta cidade, havia mais de um século ressentida por sucessivas despromoções em relação e uma 100


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proeminência de outros tempos; e esse mal-estar transparecia na imprensa com uma agressividade que não se via desde os anos vinte, e até desta vez assumida por católicos. Não sei se a vinda para a Terceira, em 1957, de padres holandeses dos Sagrados Corações (Picpus), no fito de estabelecer um seminário-colégio na Praia da Vitória para recrutamento dos seus missionários, seria também compensação do sucedido ao Seminário Diocesano. Entretanto, jovem advogado que era nos meus 24 anos, encontrei a decorrer processos judiciais para remição de foros que (graças a legislação visando estimular em Portugal a produção de trigo) estavam a fazer-se por um preço praticamente reduzido a metade. Ora o Direito Canónico tinha regras diferentes sobre a enfiteuse, e o bispo, com o seu cerrado espírito juridista, resolvera proibir os foreiros católicos de aproveitar o privilégio que a lei civil lhes facultava – pelo menos quanto aos foros da diocese. O problema estava em o comum das gentes desconhecer a própria existência do Direito Canónico e pensar que a única lei existente era a civil, declarada pelos tribunais judiciais… Deste mal-entendido, que basicamente o era, nasceu o inevitável: a cúria sem aceitar as remições, os foreiros a demandarem em juízo a diocese, os tribunais dando-lhes razão e o bispo a excomungar os vencedores... Excomunhões que os perturbavam – mas não os dissuadiram de remir todos os foros que entendiam. Depois, remidos (ao que julgo) todos os foros da diocese – também não seriam tantos como isso – outro problema surgiu, e este decerto mais grave, trágico mesmo, por atingir o ancestral culto do Espírito Santo. No tempo da 1ª República fixara-se a prática de constituir juridicamente as irmandades do Divino pelo depósito e aprovação dos seus estatutos nos governos civis – uma via administrativa e laica. D. Manuel pretendia sujeitar à lei canónica essas irmandades, religiosas como eram, tanto na sua erecção como na sua disciplina – o que também implicava contribuírem com parte das suas receitas para a diocese. A pretensão caiu mal e em geral não foi acatada. Sanções canónicas voltaram a abater-se sobre os prevaricantes e, como as coroações continuaram a fazer-se sem ir à igreja, até as filarmónicas que as acompanhavam se viram fulminadas por interdito. A gravidade desta situação chegou ao ponto, paradoxal mas nem por isso menos eloquente, de os terços do Espírito Santo, que continuavam a rezar-se no culto preparatório das festas, incluírem preces pedindo… um novo bispo. 101


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Com este pano de fundo é que, pouco depois de aqui ter regressado em 1954, comecei a frequentar reuniões para homens católicos que havia no seminário uma vez por semana. Inicialmente assistidas pelo dr. José de Oliveira Lopes e passaram depois a sê-lo pelo dr. Caetano Tomás, creio que já no ano seguinte. Foi neste contexto que, em Fevereiro de 1955, participei numa sessão comemorativa da encíclica Divina illius magistri. O tema era Educação. A esta e outras sessões deste tipo ia já bastante gente. Era Inverno, o meio muito pequeno, e estava-se localmente na aurora de movimentos da Igreja que aqui vieram a desenvolver-se por influência daqueles padres jovens vindos de Roma, o José Enes, o Artur da Cunha Oliveira, o Caetano Tomás, que começavam a ser conhecidos fora das paredes do seminário onde leccionavam. O Enes era então aí o director espiritual. O Cunha, orador sacro brilhante, mais social e sociável, atraía pessoas às suas homilias. O Tomás, mais reservado quanto a inovações, doutrinava em grupos como assistente-orientador. Em 1956 o dr. José Pedro da Silva, feito bispo de Tiava e auxiliar do patriarcado de Lisboa, deixou a diocese e a direcção do diário «A União», em que lhe sucedeu o dinâmico Cunha de Oliveira, que aí permaneceria até 1972. Pouco depois Caetano Tomás, professor nato, começou a dar lições de Filosofia abertas ao público. No princípio de 1958 divulgou-se em Portugal a carta do bispo do Porto, que não foi para o Estado Novo menor abalo que a candidatura presidencial de Humberto Delgado. Em Outubro morreu o papa Pio XII, notícia que impressionou muita gente, tamanha era a personalidade deste papa e, ao tempo, o prestígio e o respeito de que gozava. Especulava-se sobre a sucessão e havia palpites, já então explorados pela comunicação social, a favor de Giovanni Battista Montini (que nem era cardeal) ou do cardeal arménio Agagianian. Afinal o eleito foi o arcebispo de Veneza, Angelo Guiuseppe Roncalli, e houve certa desilusão com a escolha desse velho gordo – que afinal, como João XXIII, abriria à Igreja caminhos, se não novos, decerto renovados, foi o papa mais bem-amado de que me lembre, e morreu com fama de santo. Em 1960 e 61 continuavam as aulas livres de Filosofia que Caetano Tomás dava à noite numa sala do liceu de Angra perante um largo espectro de ouvintes e duraram uns 5 anos. Esta foi mais uma sacudidela no marasmo 102


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deste meio de marialvas e prosápias – lembro-me de uma vez, em Ponta Delgada, falar sobre isso com Armando Cortes-Rodrigues e da emoção que ele mostrou ao sabê-lo. Em Outubro de 1961 o seminário homenageou João XXIII com uma sessão em que comentei textos dele, de que o mais sensacional era, até então, a encíclica Mater et Magistra – que, por falar de socialização, ainda dera no goto de muita gente... Dali a um ano, quase dia por dia, abria em Roma, o Concílio Vaticano II, o maior legado que este papa deixaria à Cristandade. Em Abril de 1963 João XXIII lançou a Pacem in terris, sua última encíclica, em que acentuava deverem os cristãos participar na vida pública e servir o desenvolvimento com as suas capacidades. Já então muito doente, o papa veio a morrer a 3 de Junho, com o Concílio inacabado e fortes ventos de mudança soprando também na Igreja. O cardeal Montini, eleito seu sucessor em 21 de Junho e escolhendo o nome de Paulo, deu início à 2ª sessão do Concílio. Foi ainda neste ano que, por nítida acção de José Enes, entraram nos Açores os cursillos de Cristandade, novo movimento da Igreja nascido em Espanha das peregrinações a Compostela. A meados de Setembro decorreram no seminário os dois primeiros desses cursos, e eu participai no segundo deles. 1964 começou com a viagem do papa à Terra Santa, onde se encontrou com o patriarca Atenágoras no dia da Epifania. Nos Açores ia já embalada a implantação dos cursos de Cristandade. Em Fevereiro aconteceu a crise sísmica de S. Jorge. Mal se restabeleceram as comunicações por mar e começaram a chegar a Angra navios com refugiados, os cursistas de Cristandade ajudaram a valer. Formou-se logo um grupo, depois conhecido por «grupo dos 50» que funcionou, em paralelo ao apoio oficial, no acolhimento das mais de mil pessoas que iam chegando aterradas com a crise, a insegurança e o isolamento. Eu integrava desde o seu início a Escola de Responsáveis, onde era claro que a vivência em grupo e o fervor ambiental ajudavam a modificações comportamentais que iam entre nós acontecendo. Havia ali novidades em termos de apostolado. Mas no 2º semestre deste ano José Enes deixou os Açores. Principal motor das Semanas de Estudo já começadas em 1961, e tendo-nos ainda trazido os Cursos de Cristandade, a notícia da sua transferência para Lisboa causou consternação. José Enes fora aluno brilhante do Seminário 103


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(lembro-me dele ainda estudante, cerca de 1940, numa daquelas festas de S. Tomás de Aquino, a ler um poema seu que, por sinal, acabava falando de «um beijo de amor»). Nestes anos 60, as ideias que transmitia giravam muito à volta do compromisso cristão no temporal até nas suas homilias da missa dominical em S. Pedro. Suspeitava-se que este pendor avançado teria assustado uns tantos mais graúdos, e daí a transferência. Oficialmente, José Enes ia para a Universidade Católica depois de doutorado em Roma já por conta desta e, de seguida, estudar estruturas universitárias católicas nos Estados Unidos. Estive à sua partida e vi que tanto ele como o Cunha tinham lágrimas que mais pareciam de raiva que propriamente da despedida. Logo em seu número de Janeiro de 1965, a revista «Rumo» publicava um artigo-ensaio de José Enes: «A verdadeira traição dos intelectuais». A tese, contrária à de Julien Benda na sua «Trahison des clercs», era que o intelectual trai quando se fecha na sua intelectualidade e se coloca acima do mundo e dos seus problemas reais. Era o que Enes estava tentando pôr em prática quando se viu afastado dos Açores – com intenção ou sem ela, fora sacrificado no seu projecto regional, e este ano, pensávamos nós, seria o da sua paixão, quem sabe se da sua cruz… Encerrava-se entretanto, a 8 de Dezembro, o concílio Vaticano II; o texto da constituição Gaudium et Spes, expressão final do célebre esquema XIII e preconizando um desenvolvimento económico ao serviço do Homem, divulgou-se logo neste mês. Em 1966 os textos conciliares eram crescentemente conhecidos e comentados, mesmo para além da Gaudium et Spes. Todos eles já circulavam entre nós e discutiam-se em vários grupos de reflexão. Os ares do Concílio espalhavam-se pelos Açores e trocavam-se sobre eles ideias de uma ilha para outra, o que era algo de novo. Em fins de Novembro deste ano realizava-se em Ponta Delgada o 1º encontro diocesano de responsáveis dos Cursos de Cristandade. Em Fevereiro de 1967 a encíclica de Paulo VI Populorum Progressio, com a sua famosa asserção que logo se tornou um slogan (o Desenvolvimento é o novo nome da Paz) foi recebida e comentada com entusiasmo. E em Dezembro decorreram em Angra uns «dias de reflexão cristã» em que apresentei, como introdução a trabalhos de grupo, um texto sobre «o compromisso do apóstolo». De facto, a escola de responsáveis estava a dar os seus frutos e 104


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a dinâmica do estudo permitia um bom complemento formativo e até informativo. Na preparação desse trabalho fui ajudado pelo dr. Manuel António Pimentel, canonista de formação, muito sensível a questões sociais – trabalhara já, em França, com padres operários – e também professor do seminário. Foi por ele que fiquei a conhecer o pensamento e a obra de teólogos de vanguarda como Schillebeeckx, e de Emmanuel Mounier, que me ensinou bastante sobre o valor do compromisso no temporal e a distinção entre o polo político e o polo profético nos comportamentos cristãos. Mas, a par destas coisas positivas, íamos também mais ou menos percebendo como as fraquezas humanas – e o diabo – as perturbavam. Vinha já de trás certa desconfiança, se não mesmo hostilidade, entre partidários (sobretudo partidárias) de Caetano Tomás (Acção Católica independente, algum conservantismo…) e os/as de José Enes e de Artur Cunha (cursillos, novidades conciliares, intervenção no temporal). Em Abril de 1968 começaram a fazer-se cursos de extensão da Liga Agrária Católica (LAC) que apresentavam semelhanças, ao menos formais, com os Cursos de Cristandade – e logo no seio destes surgiram reacções ao que já se pensava ser plágio, em qualquer caso concorrência... A minha Mulher era então dirigente da Acção Católica e eu presidente diocesano do Secretariado dos Cursos de Cristandade; e foi aí que tive de me haver com outros elementos dele, para quem o surgimento dos tais cursos de extensão era uma espécie de casus belli. Claro que o problema tinha muito a ver com padres, a quem aliás tanto devíamos, e dominâncias malignas que, voluntariamente ou não, eles realmente exerciam. Foi depois deste desagradável episódio que completei, com referência expressa a estes desmandos, o texto do «Compromisso do Apóstolo» apresentado em Ponta Delgada, e depois na Horta, em «Dias de reflexão cristã» que se repetiram nestas duas cidades. E a crise estava dentro do próprio seminário, onde este ano se deu uma autêntica rebelião. Ela vinha, aliás, a incubar-se havia algum tempo, como geralmente sucede nestas coisas, e sabia-se das correntes divergentes que lá existiam, encabeçadas por professores. O reitor de então, Artur Custódio, era tido por muito conservador e cosido com o bispo. José Enes saíra para a Universidade Católica, de facto mais ou menos exilado. Artur Cunha tinha ficado e estimulava a contestação, penso que de maneira mais aberta. Caetano Tomás, ligado à Acção Católica dos meios independentes, representava 105


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um conservantismo esclarecido. Francisco Carmo, de Sociologia, propendia para reformas. Manuel António Pimentel, como depois demonstrou, puxava para o activismo social e assistia à Acção Católica Operária. Já antes houvera saídas do seminário em ruptura com o ambiente, mas foi em 1968 que verdadeiramente a coisa veio à luz do dia, tendo como chefe de fila o Onésimo (Teotónio de Almeida), brilhante aluno de Ciências Sociais, que saiu com outros – acolhidos, os que não eram de cá, por famílias católicas, com proeminência da de D. Ana Rocha Alves. Para esses rapazes, que definitivamente se viravam para a vida civil, nunca mais chegava àquela casa o aggiornamento da Igreja... As divergências entre os professores, essas não se ficaram por este ano e culminariam em 1971 com a morte súbita do dr. Américo Caetano Vieira, ao tempo reitor e que, na sua orientação conservadora, remava contra a maré de certas inovações. A nós, leigos, parecia que também ali havia entrado o diabo, quem sabe se até incomodado com o Concílio... III Desde 1955 estava criado o Instituto Açoriano de Cultura graças ao impulso de alguns desses jovens professores do Seminário vindos de Roma. E com ele começara algo que, enraizado em movimentos da Igreja na 2ª metade do século XX, iria marcar a vida sócio-política dos Açores nas décadas seguintes, inclusivamente num sentido da unidade para estas nossas ilhas dispersas ao longo de mais de 600 quilómetros. Tal ideia certamente não seria alheia ao que desde o início sempre fora a visão e a prática diocesanas, de algum modo contraposta ao handicap político-administrativo que realmente era, desde o século XIX, a divisão distrital do arquipélago, e já antes fora a sua distribuição senhorial por capitanias, útil nos tempos de povoamento, mas cada vez menos compatível, desde logo com o estado moderno e, sobretudo, com um desenvolvimento integrado como se pensava já nas décadas mais recentes. As figuras fundamentais deste movimento, paternalmente presidido (e à sua revista «Atlântida») por monsenhor José Machado Lourenço, reformado de actividades missionárias no padroado português do Oriente, foram José Enes e Artur Cunha de Oliveira, coadjuvados por outros professores do Seminário e (depois) por leigos da minha geração crescentemente interessados no que ele de novo a todos trazia. 106


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Entre 17 e 20 de Dezembro se 1959 realizou-se em Angra uma série de sessões culturais a que pela primeira vez se deu o nome de semana de estudo. Não era ainda das que iam ficar na História açoriana, era um evento comemorativo do 25º aniversário da fundação da Acção Católica portuguesa. Mas não deixou de ser arejada, interessante e intensamente participada. Intervim nela com um texto sobre Apostolado e Cultura que preparara com ajuda de José Enes, de quem recebi indicações várias sobre a 2ª parte, em que se abordavam situações concretas. Por tudo isto, obviamente tocado pelos ares de renovação eclesial que já então se respiravam, ela era já precursora das cinco históricas semanas de estudo do Instituto Açoriano de Cultura que iriam marcar a década seguinte, graças uma vez mais ao impulso desse naipe de professores que haviam lançado o próprio Instituto com o que traziam da Igreja europeia do pós-guerra e também do nascimento e afirmação da Democracia Cristã. A 1ª Semana de Estudo dos Açores realizou-se em Ponta Delgada no mês de Abril de 1961. Não participei nela mas segui-lhe as sessões pela rádio e bem me lembro da conferência de Caetano Tomás sobre o Homem e a Relatividade e da de Artur Cunha sobre a intervenção de Deus na História, em que pela primeira vez ouvi falar de Arnold Toinbee e da sua obra. Começava realmente aquela série que seria tão importante na vida sócio-política dos Açores, ainda que iniciada em estilo demasiado formal, académico, até literato… Mas era o primeiro passo. A abertura ao desenvolvimento só claramente surgiria a partir da 2ª, que foi em Angra, dois anos depois. Essa 2ª Semana de Estudo desenrolou-se de 3 a 10 de Abril de 1963, e foi a primeira com impacte público generalizado. Perante uma assistência numerosa, começou a impor-se aquele pendor sócio-económico que, numa perspectiva humanista-católica, marcaria as seguintes e viria a condicionar bastante a evolução sócio-política dos Açores. Foi também nessa altura que ficámos a conhecer José Correia da Cunha, que anos depois integrou o Governo Regional. Havia um ambiente de optimismo desenvolvimentista na pequena elite local, sacudida pelas ideias, para quase todos de nós novas, ali publicamente expendidas. Logo em Março de 1964 – e em nítida aceleração… – realizava-se a 3ª Semana de Estudo, desta vez na Horta. Faltaram vários participantes de qualidade, por dificuldades meteorológicas e de transporte, mas não dei107


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xou de produzir um bom impacte. Foi ainda José Enes quem a organizou, como organizara as duas anteriores, na sua qualidade de secretário permanente das Semanas. Mas também foi a última vez que levou por diante tl tarefa, e já por essa altura levedaria o processo que levou ao seu afastamento dos Açores. A 4ª Semana de Estudo foi em Ponta Delgada, no mês de Setembro de 1965, com a participação de gente nova e prometedora – Xavier Pintado, Rogério Martins, Adérito Sedas Nunes… No seu decurso notaram-se pela primeira vez tensões políticas decorrentes de uma intervenção de Ernesto Melo Antunes que, a partir da assistência, lembrou a experiência política que decorria em Cuba... Artur Cunha de Oliveira, o novo secretário permanente foi então advertido pelo governador do distrito de que Melo Antunes não deveria falar mais e, se falasse, não se lhe devia responder… Lembro-me de como ficámos indignados por aquela intervenção censória do governador, pelo receio que ela mostrava – e que, por si só, a fazia perigosa também... A 5ª Semana de Estudo realizou-se em Angra no ano seguinte e também em fim de Setembro. Assentou muito, talvez demasiado, na pessoa de Vitorino Nemésio, que nela participou em coincidência com homenagens pelos seus 50 anos de vida literária que nesses mesmos dias o Instituto Histórico da Ilha Terceira promovia em honra dele. Como notei anos depois, sentia-se já nesta 5ª Semana algo como um cansaço final, uma noção difusa de estar mesmo a chegar ao fim aquela série mobilizadora que enchera e animara meia década... De facto, o seu papel precursor, digamos mesmo que profético, achava-se realmente concluído – e os seus participantes maduros para o que viesse a seguir. O próprio exagero quantitativo das homenagens a Nemésio, nascido daquela convergência de comemorações, mostrava que as Semanas iam como que degenerando numa espécie de rodopio, um revoltear sobre si mesmas… E o futuro provou-o. A Semana de Estudo seguinte devia, em princípio, realizar-se em 1968. Mas já não aconteceu. Nesse ano, Salazar deixava a presidência do Conselho, Marcelo Caetano substituía-o, e os tecnocratas que haviam animado a parte mais incisiva das Semanas do Instituto Açoriano de Cultura eram, de uma maneira ou outra, chamados ao poder ou, em qualquer caso, a colaborar numa administração que se pretendia 108


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renovada. Em 1969 criavam-se as estruturas do Planeamento Regional e a Comissão de Planeamento da Região Açores nascia em 1970. Passava-se de conferências, encontros e entusiasmos a formas directas de realização prática. Mas não se passava sem dificuldades. Elas resultavam de coexistirem duas tendências no corpo político português que ocupava a governação. O espírito das Semanas ajudou muito, entre nós, à receptividade perante o que de novo parecia trazer o Planeamento regional. Mas foi preciso que viesse a crise nacional, com a crise, o 25 de Abril e, com este, a subversão do próprio regime: então é que muito do espírito das Semanas de Estudo viria a desabrochar, de mistura com outros ingredientes, em soluções práticas, que desembocaram no que depois se chamou Autonomia Regional. E, só depois destas alterações na vida portuguesa e açoriana, é que se reataram as Semanas de Estudo do Instituto Açoriano de Cultura – que, espera-se, continuarão. O que não voltaram a ser, foi o caldo de cultura daquelas cinco da década de 60 do século XX. IV É assim de justiça afirmar-se que a animação espiritual trazida por elementos do Seminário de Angra, arejados pela experiência europeia do pós-guerra, deu frutos, e a vários níveis, nessas duas décadas do século XX. Desde logo, na vivência religiosa de muita gente, em boa parte – embora não possa dizer-se única – por influência da dinâmica dos Cursos de Cristandade. E, além destes (que continuavam a realizar-se e a mobilizar as elites locais), na outra dinâmica, mais secular, desencadeada por aquelas cinco Semanas de Estudo havidas na mesma década de 60 – efeitos da disponibilidade e do voluntarismo radicados numa ideia-mestra, a do compromisso cristão no temporal. Um desses resultados que, em concreto, nesta ilha se fizeram sentir, foi uma sociedade expressamente constituída com capitais privados (estavase ainda muito longe da subsidiodependência dos nossos dias…) para comprar e operar uma fábrica de conservas posta à venda em 1964. O grupo que a formou não era fechado – entravam nele agnósticos praticantes – mas não há dúvida de que na sua base, com ingenuidade de muitos, quem sabe 109


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mesmo se alguma tartufice em um ou outro, o que nele imperava era um fervor colectivo generalizado. Os estatutos da nova sociedade vincavam que a sua administração teria carácter comunitário – o que, mostrando algo desse espírito, ou era uma redundância ou nem podia propriamente dizerse que fosse uma regra de boa gestão. Outra destas iniciativas foi a que levou também à constituição, em 1968, de uma sociedade para finalmente a cidade de Angra ter um hotel, o que efectivamente se realizou, também com capital privado, embora com recurso ao Fundo de Turismo. Eram tentativas colectivas de animar a vida económica, superando as inacções de uma sociedade impotente e egoísta. E que apareciam em paralelo com intervenções de leigos em actos públicos – palestras, entrevistas, artigos na imprensa, comentários na rádio – tudo muito marcado por um sentido de testemunho e de mensagem cristã, mesmo quando abordavam assuntos ligeiros. E se é certo tal tendência não poder dizer-se nova, também é inegável que nessa década de 60 ela ganhou espaço para se afirmar com maior abrangência e vigor. Terá esta sido mesmo uma altura em que os leigos chegaram a dar, de algum modo, melhor testemunho que os seus próprios mentores, sobretudo quando estes se enredaram em querelas de influência, reflectidas em incondicionais (que os tinham), com atitudes que levávamos à conta de fraqueza humana. A estrutura organizativa dos Cursos de Cristandade girava à volta do Secretariado que, diocesano, tinha naturalmente em Angra a sua sede. Como o espírito dos Cursos propiciava uma grande fraternidade, houvera desde o início a orientação de não os restringir a uma só ilha ou a um só lugar, e se procurar que as equipas fossem integradas por gente de várias ilhas, num esforço de algo a que ainda se não chamava regionalização, mas veio, mais tarde, a dar alguns frutos até para lá do âmbito religioso. Todavia e sem embargo destes esforços, já nessa mesma década começavam a patentear-se clivagens. Lembro-me de que, certa vez, sugeri que os cursistas de Santa Maria se entendessem e correspondessem directamente com o Secretariado Diocesano. De S. Miguel insurgiram-se – fraternalmente, mas não menos firmemente: que não, que Santa Maria deveria depender do subsecretariado de S. Miguel… Desenhavam-se as linhas de força que mais tarde iam reaparecer nos secretariados distritais. E, de facto, nos últi110


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mos cursos em que participei e aqui se fizeram, só havia gente da Terceira. Só o João Gago da Câmara me pareceu resistir mais a esta tendência (ainda tenho uma carta dele sobre isto). E nem se pode dizer que ela fosse maligna: era simplesmente um facto. Os seus germes apareceriam com mais intensidade em tempos que vieram depois. Assim, mesmo neste período de inocência, optimismo unitário, desejo sincero de vencer bairrismos, tudo em nome do amor do próximo e até da inteligência, se mantinham em relativa surdina os elementos centrífugos da velha dialética interna açoriana. Tudo isto – as Semanas de Estudo da década de 60 e a espiritualidade que então se ia difundindo nas pequenas elites dos Açores – contribuiu, em qualquer caso, para um reacender do espírito cívico com forte sentido social, e ao mesmo tempo uma (nova) fraternidade inter-ilhas e uma ideia de unidade açoriana que começaram por dar mais participação em trabalho da Igreja, depois receptividade ao Planeamento Regional – e iriam contribuir para transformar os Açores na viragem política portuguesa que se seguiu. Foi assim que, na década seguinte, a de 70, vários que haviam sentido estas influências foram chamados a colaborar nas estruturas do Planeamento Regional, nelas entrando com a mesma força com que haviam participado no movimento dos Cursos e nas Semanas de Estudo – as quais, começadas na Literatura, na Filosofia e em ideias gerais, cedo tinham evoluído para a realidade concreta, sócio-económica, no meio da qual vivíamos. O seu humanismo básico trazia-nos esperança e um grande sentido de compromisso e o facto de haverem tocado camadas dirigentes mais jovens augurava-lhes algum futuro, que não tardava já. Neste enquadramento, a reemergente ideia autonomista não aparecia tanto como no passado – oligárquica e liderada pela elite terratenente e mercantil. Era antes uma ideia desenvolvimentista e tendencialmente igualitária (na linha, afinal, da «Populorum Progressio»…) tendo como seu pressuposto, no arquipélago, o princípio da unidade regional, condição para a pró­pria Região o poder mesmo ser. Tal ideia-mestra, unificadora de espaços geográfica e mesmo historicamente separados, chamou a esta causa quadros profissionais que se afastavam da política do velho Estado Novo, como outros, uma ou duas gerações antes, se haviam distanciado das po­líticas da 1ª República. O que efectivamente aparecia com nitidez 111


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crescente era a necessidade de um desenvolvimento adequado às características insulares, na solidariedade e na complementaridade das suas parcelas; com as eventuais alterações institucionais que a esse desenvolvimento se mostrassem ordenadas e incluiriam sempre a participação das comunidades residentes; e com suporte financeiro especial do Estado para ultrapassar de­sigualdades inerentes à condição insular – era isto a teoria dos custos da insularidade-custos de soberania como exigência de uma correcta integração nacional, cujas bases foram formuladas, ainda no seio da Comissão de Planeamento, em l6 de Junho de 1973. Na origem disto tudo estava um princípio de Justiça distributiva, própria do estado social. O autonomismo esbatia o seu cariz histórico para assumir uma coloração sócio-económica. Era o progresso que libertava e garantia a paz. Faltava o enquadramento político-social. Quando, a partir de 1974, findou o Estado Novo e começaram a implantar-se instituições democráticas que possibilitaram aos Açores um estatuto político próprio, viu-se, na hora das escolhas a que se chegara, a confluência na sua génese de dois factores com diferentes antecedentes e conteúdos. O primeiro deles era, efectivamente, o sentimento auto­nomista, que acompanha a vida nestas ilhas desde que entraram na História, numa continuida­de de cinco séculos, com altos e baixos asso­ciados a baixos e altos no poder central português. É um sentimento próprio dos ilhéus, matizado de susceptibilidades que acompanham os problemas insulares e a ausência de soluções para eles, a par da desconfiança pelo mando com origem exterior, de um sentido cioso de iden­tidade própria e de irritação perante soluções supostamente niveladoras que se alheiam dos problemas e das especificidades insulares. Donde a pretensão de auto-governo, periodicamente conseguido – e também sujeita a degradação, eventualmente mesmo a extinção, por força da vulnerabilidade da economia, de limitações financeiras e da falta de recursos humanos qualificados e motiva­dos a viver no arquipélago, com emergência de elementos medíocres, ineptos ou irresponsáveis para conduzirem os negócios públicos. O segundo factor é o que marcou o mundo ocidental na 2ª metade do século XX na qual, por influência conjunta das teorias socializantes e outras formas de Humanismo, se desenvolveu a figura do wellfare state orde112


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nado à satisfação de necessidades públicas de âmbito crescente. Progressos no combate às doenças, no ensino, na comunicação das ideias, na compensação do trabalho pelo lazer, genera­lizaram o direito a isso tudo, a ponto de apenas se discutir a medida em que as comunidades podem ou não arcar com os respectivos custos sociais. Esbateram-se fronteiras e caminhouse para integrações económicas e ainda para uma justa distribuição de oportunidades, incluindo ajudas especiais para áreas menos favo­recidas. O desejo desta distribuição originou movimentos regionalis­tas visando facultar às regiões de menores recursos a animação sócio-económica que as revitalizasse, a expensas de outras mais desenvolvidas em meios materiais e humanos. Este sentimento atingiu os Açores com a espiritualidade renovada e a ideia do compromisso no temporal, receptivos ao que visasse o revigoramento económico e a motivação de populações desalentadas a participa­rem, activa e criativamente, na construção de um futuro mais dinâmico e desejavelmente mais feliz. A revolução de 1974 propor­cionou a oportunidade que faltava. As teses desenvolvimentistas para a realidade regional estavam madu­ras e iam-se já afirmando por contraposição às fórmulas administrativas do extinto regime – e até o ideal autonomista (também associado a certa ideia de desenvolvimento) se harmonizava com a ideia da unidade regional. O argumento da valia internacional da localização atlântica do arquipélago fez o resto: a pressão que os poderes centrais tomaram seriamente em conta e cujo fruto foi o título VII da parte III da Constituição portuguesa de 1976. Nunca será demais notar que, relativamente a anteriores movimentos e fórmulas autonomistas, a dife­rença era de tomo. Política, a nova Autonomia excedia pela primeira vez as áreas da Administração, tinha garantidos o suporte financeiro ao desenvolvimento e o fim das desigualdades derivadas da insularidade, além do direito de audição quanto a medidas nacionais com incidência regional e participação em negociações internacionais com igual incidência e nos benefícios delas decorrentes, tudo numa perspectiva de integração na nova realidade política portuguesa que aceitava partilhar os seus poderes. Os sobreviventes dessas já longínquas décadas de meados do século XX vêem talvez com olhos diferentes dos mais novos o modo como certas coisas aconteceram e as raízes que tiveram. Ao recordá-lo não pode, em qual113


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quer caso, ignorar-se o enorme contributo, nessas décadas, do Seminário de Angra na renovação espiritual do meio e na mentalidade criada para ajudar (e até determinar) mudanças sociais e mesmo políticas que trouxeram uma feição nova ao nosso arquipélago.

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150 Anos do Seminário Episcopal de Angra as intenções e o programa de uma exposição temporária no Museu de Angra do Heroísmo José Olívio Rocha Angra do Heroísmo, 29 de janeiro de 201 Através de objetos, textos e imagens do Museu de Angra do Heroísmo e, em grande parte, cedidas pelo Seminário, mas também por particulares, a exposição O Seminário de Angra: o coração da Diocese, que esteve patente ao público na Sala de Destaques do Museu de Angra do Heroísmo a partir do mês de outubro de 2012 e princípios de 2013 partiu de uma definição: “seminário … de semente, o que parece indicar que o seminário deve ser uma ocasião para semear ideias e favorecer a sua germinação” e o programa expositivo assentou num texto, produzido pelo senhor padre e reitor Helder Miranda Alexandre onde era traçada, de uma forma resumida, a sua história e missão. O Seminário Maior, instituído no Concílio de Trento, foi fundado em Angra, somente em 1862. Cento e cinquenta anos volvidos, esta comunidade educativa eclesial de ensino superior, continua a acompanhar o processo vocacional dos futuros sacerdotes, adaptando-se aos novos desafios de um mundo em mudança. A sua obra é essencialmente a formação de pessoas históricas, na harmonia entre o ideal da meta a atingir e a atenção ao caminhante, com desafios e sonhos, problemas concretos e aventura, na alegria da juventude de quem deseja falar de Deus aos homens e dos homens a Deus. A tarefa educativa reveste-se por isso de uma dedicação intensa às várias dimensões humana, intelectual, espiritual e pastoral. A sua importância no seio da Igreja Católica permite-lhe que lhe chamem “Coração da Diocese”! Na conceção e programação museológica, a exposição resultou de um trabalho que partiu de uma história viva, que não se reduz ao estudo do passado para reviver o passado, mas no estudo e compreensão do presente, iluminado pelo passado. Na posse do resultado desse trabalho foi possível avançar para a sua concretização. O contato com seminaristas, antigos e 115


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atuais, padres e pessoas que se interessavam pela vida no seminário possibilitou encarar o passado como um recurso para a compreensão do presente. O nosso ponto de partida foi, de uma forma cronológica abreviada e num espaço limitado, contar a história duma instituição que ao longo de 150 anos dedicou a sua atenção à formação humana, religiosa, cultural e académica de muitos açorianos, que tiveram nela um ponto de partida decisivo para o seu percurso pessoal e em que alguns assumiram a função sacerdotal. A ligação do seminário a organizações como o Instituto Açoriano da Cultura (IAC), às Semanas de Estudo, às Academias S. Tomás de Aquino e Dr. Cardoso do Couto foi assinalada. A continuação dos estudos em universidades como a Gregoriana, a Lateranense em Roma e em Salamanca assumiram uma grande importância, não só para a renovação e aprofundamento do conhecimento, como também para a sua disponibilização à sociedade e à comunidade através das atividades de cunho pastoral e social. I. A perspetiva cronológica: 1. O Seminário de Angra antes da sua existência 1560 – Constituições sinodais do bispado de Angra dão orientações às Ordens Menores e às Ordens Sacras, sobre os conhecimentos, bons costumes, idade limitada e “aspeto e descrição de homens para receber a dignidade sacerdotal”. 1563/Julho/15 – Institucionalização dos Seminários por parte do Concílio de Trento. 1783-1799 – D. Frei José da Avemaria, bispo de Angra, exigia que “sem a competente certidão de frequência, aproveitamento e capacidade dos pretendentes, [estes não fossem] admitidos à Ordens”. 1787 – Com a expulsão dos jesuítas, o Capitão General Dinis Gregório e o prelado D. Frei José da Avemaria, percebendo a falta de formação de leigos e futuros sacerdotes, diligenciaram, sem sucesso, para que o Seminário funcionasse no edifício do Colégio dos Jesuíta 1802-1812 – D. José Pegado, bispo de Angra, determinou em testamento 116


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“que a sua livraria ficasse ao seu Sucessor, até que em Angra houvesse Seminário Episcopal, de que tanto se necessitava”. 1818/Julho/26 – O Cónego. Dr. João José da Cunha Ferraz, governador da Diocese de Angra, após a morte de D. Frei da Sagrada Família, apresenta Instrução Pastoral sobre os estudos que deviam fazer os pretendentes à vida sacerdotal. 2. O Seminário de Angra após a sua criação 1827-1870 – No pontificado de S. S. Leão XII e durante o bispado de D. Frei Estêvão de Jesus Maria, o 27.º bispo de Angra, conforme prescrevera o Concílio de Trento, aquele manifestou o desejo de aqui fundar um Seminário. 1862/11/9 – Fundação do Seminário, só com alunos externos e realização de obras de adaptação. 1864, outubro – Receção dos alunos e início das aulas com internato. 1901 – Cedência de todo o edifício de S. Francisco para a instalação do seminário, após mudança do Liceu para o Palácio Bettencourt. - 1892-1901 Criação da Estudantina Santa Cecília, no tempo do bispo D. Francisco José Vieira e Brito. Era o elemento orquestral de todas as festas do Seminário. 1901/1902 – Organização da biblioteca. 1908/1909 – Encerramento do seminário devido à peste bubónica. 1914/1915 – Início das aulas no edifício adquirido ao Barão do Ramalho, situado na Rua Duque de Palmela, do qual ainda resta o arco do portão de entrada transposto para o interior, 1930 a 1957 – Período em que o seminário foi construído na atual localização. 1936 – Ano em que D. Guilherme Augusto da Cunha Guimarães outorgou as funções de Reitor a Dr. José Vieira Alvernaz, deixando deste então, de ser exercidas pelo bispo da diocese, 1950/1960 - Grupo de professores do Seminário de Angra, formados em Roma e influenciados pelos novos ventos do Vaticano II, promovem a criação do Instituto Açoriano de Cultura (I.A.C.), as Semanas de Estudo e a dinamização dos Cursos de Cristandade 117


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1955 – Criação do Instituto Açoriano de Cultura; 1960 – Criação da Academia de S. Tomás de Aquino; 1962 - Academia Dr. Cardoso Couto; 1961-1966 – Organização das Semanas de Estudo (1961-1966). 1980, 1 de janeiro – Sismo de grande magnitude na ilha Terceira e que atingiu fortemente o Edifício do seminário; 1985 – Reabertura do seminário após a sua reconstrução, sob a direção do padre Doutor Laudalino Moniz. Na exposição e para memória futura foi dado destaque a sacerdotes, bispos e cardeais que evidenciavam, de uma forma expressiva, a influência e importância cultural, social de uma escola de formação humana, académica e religiosa, que fez e faz pensamento na nossa sociedade e que deixa rasto: - D. João Paulino de Azevedo e Castro, Bispo de Macau entre 1902-1918, nasceu nas Lajes do Pico, a 4 de fevereiro de 1852, e faleceu em Macau, a 17 de fevereiro de 1918. Professor distinto e respeitado do seminário, o padre João Paulino criou no Seminário um Museu de História Natural, que depois virá a ser o embrião do Museu de História Natural do Liceu de Angra do Heroísmo. - D. José da Costa Nunes, Bispo de Macau, entre 1920 e 1940, Arcebispo de Goa e Damão (1940 -1953). Recebeu os títulos honoríficos de Primaz do Oriente e de Patriarca das Índias Orientais (1940 e posteriormente ViceCamarlengo da Santa Sé nasceu na Candelária do Pico, a 15 de Março de 1880, e morreu em Roma, em 29 de Novembro de 1976; - D. Manuel Medeiros Guerreiro, Bispo de Meliapor e depois, de Nampula, nasceu em Santa Cruz, Lagoa, S. Miguel a 12 de Abril de 1891 e faleceu na Lagoa, S. Miguel em 1978; - D. José Vieira Alvernaz, Bispo de Cochim, Coadjutor do Patriarca das Índias e, depois, arcebispo de Goa e Patriarca das Índias Orientais, nasceu na Ribeirinha do Pico a 5 de Fevereiro de 1898 e morreu em Angra do Heroísmo a 13 de Março de 1986.; - D. Jaime Goulart, Bispo de Timor entre …-…, nasceu na Candelária do Pico, a 10 de Janeiro de 1908, e faleceu em Ponta Delgada, a 15 de Abril de 1997; 118


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- D. José Pedro da Silva, Bispo de Tiava, auxiliar do patriarcado de Lisboa e, posteriormente Bispo de Viseu, nasceu em Santo Antão, ilha de S. Jorge a 5 de Abril de 1917 e faleceu em Viseu a 23 de Maio de 2000. - D. Paulo Tavares, Bispo de Macau entre 1961 e 1973, diplomata na Secretaria de Estado do Vaticano entre 1947 e 1961, nasceu em Rabo de Peixe a 25 de Janeiro de 1920 e faleceu em Lisboa, a 12 de Junho de 1973. Num momento crucial da nossa realidade contemporânea pensámos que a principal atenção deveria incidir sobre a História do Seminário Episcopal de Angra, partindo do que é hoje. As expetativas e interrogações que as pessoas tinham e tem sobre a sua missão e função poderiam permitir uma ponderação e valorização do passado e uma reflexão sobre os caminhos do futuro.

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9 e 10 de Novembro de 2012

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Homilia de D. Virgílio Antunes1 Caríssimos irmãos! A celebração dos 150 anos do Seminário Episcopal de Angra constitui raro motivo para o nosso hino de louvor a Deus nesta celebração. Agradecemos a Jesus Cristo, o Bom Pastor da Sua Igreja, porque nos oferece na pessoa dos sacerdotes os escolhidos para continuar a realizar o anúncio da Boa Nova da Salvação, para partir o Pão da Vida e congregar os fiéis na assembleia. Fortalecemos a fé na presença do Espírito Santo na condução da Igreja, pois, em cada tempo da história, Ele suscita os meios mais convenientes para a realização da sua única missão, enquanto Sacramento Universal da Salvação. Os Seminários, nascidos do dinamismo inspirado da Igreja, têm-se revelado autênticos instrumentos de Deus para a renovação da Comunidade Cristã, para o aprofundamento da fé dos candidatos ao sacerdócio, para a sua formação humana, teológica, espiritual e pastoral, suportes essencial para a realização da sua vocação e missão. Nestes cento e cinquenta anos, o Seminário Episcopal de Angra constituiu o polo mais significativo de irradiação da fé cristã para estas ilhas dos Açores e deu um notório contributo à vida da Igreja Universal por meio do testemunho dos sacerdotes nele formados e por meio do povo cristão a quem ajudaram a alimentar a fé. Não é alheio ao Seminário e à sua história o facto de esta Diocese continuar a ser uma terra de fé e de o povo açoriano continuar, mesmo em condições adversas, a manter viva a chama do amor a Deus, qual realidade inscrita na sua matriz mais original. No meio de povos tão diversos culturalmente e tão díspares do ponto de vista religioso, as comunidades migrantes dispersas pelos quatro cantos do mundo constituem uma presença avançada da Igreja e um fermento de fé e de cultura cristã de grande significado dentro do mundo católico. Cumpre-me, por isso, na condição de Presidente da Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios, agradecer convosco ao Senhor a obra grandiosa que vos chamou a realizar em favor da Sua Igreja, felicitar-vos, em 1

Proferida na Celebração Festiva na Sé de Angra, no dia 9 de Novembro de 2014.

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nome das outras Igrejas Diocesanas do nosso país, pelo vosso contributo em favor da nossa maior glória – a fé cristã -, e ainda deixar-vos uma palavra de incentivo para que, no meio das adversidades presentes, continueis a trabalhar pela edificação do Reino de Deus nestas ilhas abençoadas. A Festa da Basílica de Latrão, que hoje celebramos, oferece-nos a possibilidade de refletir sobre a centralidade do mistério de Jesus Cristo, o Bom Pastor, na vida da Igreja, e sobre o ministério sacerdotal, em íntima relação Ele. O belo texto da Profecia de Ezequiel introduzia-nos no tema da água, elemento absolutamente imprescindível à vida natural e tomada como símbolo dos dons de Deus, dos quais o maior é a comunhão com Ele, e o definitivo é a vida eterna. Segundo o texto do Antigo Testamento, essa água vivificante saía dos lados do templo, morada do Nome do Deus Altíssimo, o lugar onde se encontrava o altar dos sacrifícios de louvor e ação de graças; segundo o Novo Testamento, a água saiu do lado aberto de Cristo, que se imolou sobre o verdadeiro altar, o da cruz. Por meio da Igreja e dos seus ministros, os sacerdotes que, configurados com Cristo, agem na Sua própria Pessoa, brotam rios de água viva, que matam toda a sede da humanidade – “quem beber da água que Eu lhe der, nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der há-de tornar-se nele em fonte de água que dá a vida eterna” (Jo 4, 17). Por meio desta linguagem, a Escritura leva-nos a compreender o mistério de todo o cristão, purificado pelo batismo na morte e ressurreição do Senhor, e o mistério do padre, cristão com todos os outros cristãos, mas consagrado de um modo especial pela imposição das mãos e pela unção do Espírito Santo, em ordem ao exercício do ministério da salvação. Tomado por Cristo na totalidade do seu ser, envolvido pelo mistério de Cristo morto e ressuscitado com o qual se configura em virtude da sua eleição, ele tem por vocação e missão aproximar a Igreja da única fonte de água viva, que é Cristo. Por vontade do Seu fundador, a Igreja precisa do ministério sacerdotal como dom e mistério através do qual chega aos fiéis a Boa Nova e a Eucaristia. O mesmo é dizer, por meio do ministério do padre o Povo de Deus tem acesso a Cristo, Palavra e Pão. Pela totalidade da sua vida e pela força dos sacramentos, o padre abre caminho à torrente impetuosa de graça que 124


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vivifica a Igreja na pessoa de cada um dos seus fiéis. Nesta realidade, fruto da graça da eleição, e não em qualquer razão humana, reside o único motivo de glória. O sacerdote não o é por si – é-o por chamamento de Deus, nem o é para si – é-o para a Igreja; alegra-se e agradece por ser chamado e enviado, por nascer de Outro e estar ao serviço dos outros. “Devora-me o zelo pela tua casa”, recordaram os discípulos que estava escrito, ao verem Jesus a expulsar os vendilhões do templo. Esta mesma frase, aliada à atitude de Jesus, dá-nos o sentido da relação do padre com a Igreja: relação de dedicação, serviço e amor, como se de uma relação esponsal se tratasse. Este serviço-amor, enquanto atitude fundamental do padre, está bem expresso naquilo que os documentos da Igreja têm denominado por caridade pastoral. O amor pela Igreja e por cada um dos seus membros é o amor por Cristo, numa unidade indissociável, que ocupa toda a vida e ação dos seus ministros. Face a esse amor, único valor, tudo o mais que se pudesse ser ou fazer soaria a mercadoria, que é preciso expulsar do limiar do templo, num movimento de profunda purificação das concretas realizações do padre na Igreja de hoje. A Igreja sofre hoje, como aliás sempre sofreu, quando os seus pastores se descentram de Cristo e do serviço à sua Igreja para se alicerçarem em si mesmos ou noutras realidades, que os desviam da sua única vocação. Com razão a Primeira Epístola do Apóstolo São Paulo aos Coríntios nos recordava que o único alicerce é Cristo e que nós somos templo de Deus. Esta é uma verdade de fé para todos os cristãos, mas torna-se mais premente para o sacerdote, escolhido dentre os homens para colaborar com Cristo na edificação do Seu Corpo, o verdadeiro templo de Deus. O Seminário, caríssimos irmãos, há-de criar as condições necessárias para que aqueles que são escolhidos para o ministério sacerdotal se encontrem com Cristo, numa relação pessoal que os leve a relativizar tudo, ou, segundo a linguagem do Evangelho, a expulsar tudo o que é profanação do templo de Deus, a renunciar a tudo o que não serve à causa do Reino. Neste Ano da Fé, há pouco iniciado, o Papa Bento XVI incentiva-nos a entrar pela porta da fé e a fazer dela uma caminhada contínua que transforme a nossa vida e a Igreja. Este é o objetivo da nossa vida e é a razão de ser do ministério sacerdotal, enquanto serviço à fé dos irmãos. 125


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Na questão da fé reside também a questão das vocações. De facto, com a perda do sentido da fé, perde-se também o sentido da salvação; nessa altura perde-se o sentido do mistério e do ministério do padre, totalmente dedicado a Deus e à salvação dos irmãos. Trabalhar pelas vocações sacerdotais não pode ser, por isso, um ato isolado na ação da Igreja. Elas só podem ser o fruto de uma pastoral da fé muito séria e profunda, que leve ao encontro pessoal com Cristo, como também nos recorda o Papa na Carta A Porta da Fé. Nesta celebração do aniversário do Seminário Episcopal de Angra, convido-vos, caríssimos irmãos, a investir com confiança numa pastoral que leve os jovens à alegria de crer e ao entusiasmo de testemunhar a fé. Imploro para todos vós, para a vossa Diocese e para o vosso Seminário a proteção de Nossa Senhora, Mãe dos sacerdotes, Mãe dos seminaristas e Mãe da Igreja. Angra do Heroísmo, 9 de novembro de 2012 D. Virgílio do Nascimento Antunes Presidente da Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios e Bispo de Coimbra

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Discurso do Reitor2 Ex.cias Reverendíssimas Sr. D. António Braga e Sr. D. Virgílio Antunes Excentíssimas autoridades aqui representadas Estimados professores e funcionários Caros irmãos no sacerdócio Queridos seminaristas Sras. e Srs. Quis o Senhor Jesus reunir à sua volta os discípulos para os instruir e preparar para que fossem e ensinassem todos os povos a Boa Notícia! O Seminário perpetua na história este tempo único e inesquecível do encontro com o Mestre da escola divina. “Apresenta-se como um tempo e um espaço; mas configura-se sobretudo como uma comunidade educativa em caminhada: é a comunidade promovida pelo Bispo para oferecer a quem é chamado pelo Senhor a servir como os Apóstolos, a possibilidade de reviver a experiência que o Senhor reservou aos Doze” . Nada acontece por acaso, por isso a feliz coincidência deste dia com a dedicação da Basílica de Latrão, mater omnium ecclesiarum urbis et orbis, pode ser entendida como sinal da união do Seminário com a Igreja Universal. «Por isso, com o coração repleto de alegria e esperança pelo presente e o futuro do Seminário Episcopal de Angra, Sua Santidade o Papa Bento XVI saúda o Reitor, os formadores e os seminaristas, e concede-lhes extensiva aos seus familiares, benfeitores e a quantos cooperam na vida diária do Seminário, um propiciadora Bênção Apostólica» . O desejo do Concílio de Trento da instituição de Seminários em cada Diocese tornou-se um sonho difícil de concretizar nestas Ilhas. Na verdade, a retirada da Companhia de Jesus de Portugal provocou um vazio educativo difícil de repor. Em 1791, D. Fr. José de Avé Maria recebeu a ordem da rainha D. Maria I “para que neste Bispado, houvesse eclesiásticos dignos das funções sagradas, chegando a dizer que menos mau é não haver ministros do que havê-los indignos”. Finalmente D. Fr. Estevam da Sagrada Família, 27º bispo de Angra, concretizou o sonho no dia 9 de Novembro 2

Proferido no Jantar Festivo no Seminário, no dia 9 de Novembro de 2012.

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de 1862, com festa solene em honra de N. Senhora da Guia, Padroeira da Igreja anexa ao Convento de S. Francisco de Angra . “Desde então, o clero dos Açores ia-se reabilitando e nova vaga, que saía do Seminário de Angra, era bem outra” . O Seminário fez-se de rapazes que aqui chegaram de todas as Ilhas durante 150 anos, com a mala na mão, e ainda com a lágrima da partida do ninho familiar quiseram fazer parte destas paredes, desafiados pelos colegas e pelos formadores. Habituaram-se a ser uma família, uma Casa, aquela que tinham deixado atrás da popa do barco que os trouxe, ou mais recentemente do avião da Sata. Basta revermos as fotos que ainda sobram para nos espantarmos por serem tão pequenos alguns e outros homens feitos. Sim! Aqui aprende-se a ser homem, a ser cristão, a ser padre se esse for o caso. Sete chegaram ao episcopado, um a cardeal, e muitas centenas ao presbiterado. Tornaram-se pastores das comunidades que o Senhor lhes confiou, professores e mestres das nossas gentes. Outros, não sacerdotes, notabilizaram-se na cultura, na ciência, nas artes, na música, na escrita, no jornalismo... A influê3ncia do Seminário na cultura açoriana está longe de ser calculada, se é que isso é possível. Aproveito a oportunidade para evocar esta história, sentindo o peso e o entusiasmo da reitoria num momento tão único. Agradecemos ao Sr. D. António, ao Sr. D. Virgílio, à restante equipa formadora e professores, aos irmãos sacerdotes, aos funcionários e amigos, a estes seminaristas, rapazes fantásticos na generosidade e entrega, às famílias de todos os que para aqui vieram, às comunidades que rezam e nos ajudam, assim como às Instituições que nos apoiam constantemente, ao Santuário do Senhor Santo Cristo e aos que nos ajudaram nestas festividades: a Câmara Municipal de Angra, a Culturangra, o Museu de Angra (a diretora Helena Ormonde e Sr. José Olívio), a Irmandade de S. Pedro ad Vincula, a Paróquia da Sé e o seu coro, dirigido pelo Doutor Duarte Rosa e abrilhantado por vários instrumentistas, o Coro Tibério Franco - Terra Chã, a Helena Oliveira e o Carlos Frazão, o Professor Avelino Meneses, o Doutor Reis Leite, o Grupo de Teatro O Alpendre, o Álamo de Oliveira e o Marco Lima e o P. Nuno Maiato, as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. 3  Dia 9 de Novembro de 2012, no Salão Nobre do Município de Angra

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Recordo com carinho as equipas formadoras desde a fundação do Seminário, dum modo especial os antigos reitores, e aqueles que estão ainda vivos e presentes: o Mons. Augusto Cabral, o Mons. Gregório Rocha e o P. Jaime Silveira, assim como todos os professores (ausentes: Mons. José de Lima muito doente, o Mons. António da Luz Silva, Mons. Caetano Tomás, e falecidos nos últimos anos: Mons. Jacinto da Costa Almeida, o Dr. Laudalino da Câmara Moniz, P. Adão Teixeira, Cón. José Piques, Dr. Jacinto Monteiro...), e funcionários que por aqui passaram, como o Dr. Mário Lima, ou ainda a irmã Júlia falecida exatamente há dois anos. Cada um de nós (os que aqui vivemos) sentimos com saudade tantos que nos marcaram para sempre, e que já não estão entre nós. Queira Deus recompensá-los, pois não somos capazes de os recordar a todos e muito menos de agradecer como merecem. Contudo, está ao nosso alcance a todos saudar, num abraço eterno, duma família sem fronteiras de tempo e espaço, dispersa por estas ilhas, continente português e emigração. Deste modo, o Seminário Episcopal de Angra continuará a palpitar por muitos mais anos, para que todos sintam que aqui se sente a pulsação do Coração da Diocese de Angra! P. Hélder Miranda Alexandre 9 de Novembro de 2012

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Sarau Musical Coro do Seminário HINO DO SEMINÁRIO Letra: António Francisco de Melo, Música: Pedro M. de Alcantara LA PASTORELLA Letra de Angelo Poliziano (1454-1494), Música: anónimo PARS MEA Música: G. P.da Palestrina (1525-1594) JURAVIT DOMINUS Música: Cardinal O`Connell (1859-1944) Piano: Anabela Albuquerque Coro Tibério Franco - Terra Chã AVE MARIA de T.L Vitoria ( 1545-1611) SICUT CERVUS de G. P. Palestrina (1525-1594) AMAZING GRACE de John Newton (séc XVIII) CANÇÃO DO MAR de Ferrer Trindade, Arr. Miguel Maduro-Dias FOI DEUS, Arr. Miguel Maduro-Dias CHAMATEIA de Luís Alberto Bettencourt, António Melo Sousa, Arr: Emílio Porto ILHAS DE BRUMA, Melodia e Letra: José Ferreira, Arr: Emílio Porto. Solista: Helena Oliveira Direção: Ricardo Henriques Helena Cant`Autores Açorianos TEM TAMBÉM LÁ PACIÊNCIA MÃE Letra: Armando Medeiros; Música: Carlos Frazão O PALÁCIO DA VENTURA Letra: Antero de Quental; Música: Carlos Frazão POEMAS: SÓ AGORA, Letra: do poema “Poética” de Emanuel Félix; Música: Paulo Carreiro MEU BEM: Tema tradicional da Ilha Terceira ANDANÇAS DO MAR Letra: Victor Rui Dores; Música: Emiliano Toste 130


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TEMA PARA MARGARIDA Letra e Música: Aníbal Raposo (Inspirado no romance “Mau Tempo no Canal” de Vitorino Nemésio) MARÉ E NATIVIDADE Letra e Música de Aníbal Raposo TEMA DE AMOR Letra: António Melo de Sousa; Música: Luís Gil Bettencourt BAÍA DO SILÊNCIO Letra e Música: José Medeiros POEMA DESTINADO A HAVER DOMINGO Letra: Natália Correia; Música: Aníbal Raposo CANÇÃO DA VIDA VIVIDA Letra: Armando Cortes Rodrigues; Música: Carlos Frazão OLHOS NEGROS Tema tradicional da Ilha Terceira CANTIGA DA TERRA Letra e Música: José Medeiros

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SÃO POUCOS OS ESCOLHIDOS (Sinopse) por Álamo Oliveira Um jovem participa aos amigos que vai para o Seminário. Quer ser padre. No meio da atual crise de vocações, os amigos contrariam, sem sucesso, a decisão. No Seminário, o jovem é confrontado com um «modus vivendi» e um sistema de ensino que o levam a dúvidas de vocação, que se traduzem em ansiedades existenciais. Mas, ultrapassando as dificuldades, chega a padre, crente e capacitado de que o seu múnus sacerdotal será frutuoso. Enquanto seminarista, o jovem estabelece comparações entre o passado e o presente do Seminário que frequenta. Tudo mudara: o curriculum disciplinar, o comportamento social e religioso, as manifestações culturais. O Seminário que o jovem escolheu tem século e meio de existência. A sua história perpassa também na trama teatral. São poucos os escolhidos foi um texto escrito e encenado para celebrar os 150 anos do Seminário Episcopal de Angra4.

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Peça de Teatro representada no Salão de Festas do Seminário, no dia 10 de Novembro de 2012.

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SÃO POUCOS OS ESCOLHIDOS (Ato único) (Duas equipas de andebol – A e B – jogam. A equipa A é composta por Marcelo, Pedro e Francisco e mais dois jogadores; a equipa B é composta por João, Tiago, Paulo e mais dois jogadores. Não se vêem os guarda-redes, que, supostamente, estão fora da área cénica). VOZES – Aqui! Não! Joga! Passa! Olha! Já! (São palavras a dizer pelos jogadores, repartidas entre si, até que um apito interrompe o jogo. Eles conversam em equipa). MARCELO – Não foi mau! Se estivermos mais concentrados... JOÃO – Temos que ganhar este jogo, nem... PEDRO – Nem que chovam alfaias agrícolas! Eles... TIAGO – Têm um bom treinador. Vai ser... FRANCISCO – Canja! Vai ser canja! PAULO – Depende. Às vezes, não contamos com... MARCELO – Deixa lá! A inteligência deles vale tanto como... JOÃO – A nossa. Nem sempre! PEDRO – Nem sempre! Quantas vezes já perdemos por causa... TIAGO – De um pequeno deslize de atenção... FRANCISCO – Ou de uma vaidade antidesportiva.

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PAULO – Essa agora! Atentos, atentos, como se estivéssemos na missa. MARCELO – Não vou à missa nem me confesso. JOÃO – Também nem tens pecados! PEDRO – Já chega! Vamos! TODOS – Vamos! Vamos! (Não deve ser dito em uníssono). TIAGO – Logo, quem é que vai para a «night»? FRANCISCO – Vamos todos! PAULO – Eu não vou! FRANCISCO – Claro! Ficas em casa a rezar. JOÃO (a Francisco) – Não te fies muito nisso. Esse aí come papas e bolos na cabeça dos tolos! MARCELO – Paulo, vem com a gente! É só malta porreira! Tudo malta fixe, pá! JOÃO – Não te canses. Esse vai para o Seminário e pronto! PEDRO – Se calhar, não! Há por aí umas brasileiras bacaninhas...! PAULO – Eh, pá! Hoje não vou a lado nenhum: nem «night» com miúdas, nem «night» com brasileiras. TIAGO – Já sei! Tens um grupinho de ganza e vocês vão curtir o voto de silêncio. Segredos não se quebram, mesmo quando nos cai em cima um elefante de cocaína.

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PAULO – Isso de quereres apanhar maduras com verdes é golpe muito conhecido... MARCELO – Pois, é! Mas, olha que também temos um grupo mesmo «nice»: a Marcinha, o Beto, a Preta, a Kathy, o Fuge... Não sejas chato! Não faltes, caraças! PAULO – Hoje não me apetece. Mas, se mudar de ideias, vou lá ter. Por isso, não esperem por mim... PEDRO (que, antes, encontrou um papel e lê o que, nele, está escrito) – «Não fujas, meu amor! Entre cada um dos meus sonhos, há um tempo para te acumular de beijos, pronunciando o teu nome como se fosses um poema verdadeiro, em carne e osso! Não fujas, meu amor! É nos teus olhos que...» PAULO – Onde é que achaste isso? PEDRO – Estava ali, no chão! PAULO – Dá-me esse papel! Dá-me isso! PEDRO – Este papel é teu? PAULO – É! Dá-me isso! PEDRO – Não dou! Ainda não acabei de ler! PAULO – Dá-mo! PEDRO – Uei! (Passa o papel a outro). PAULO – Isso é privado! PEDRO – Estava ali, no chão! 135


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MARCELO – Parem com isso! Parecem meninas do colégio. Tu é que escreveste isto? PAULO – Não! MARCELO – De onde é que copiaste o poeminha? PAULO – De um livro que encontrei no quarto de minha irmã! MARCELO – Podias ter copiado coisa melhor. PEDRO (que volta a ter o papel) – Mesmo assim, não está muito mau. Acaba assim: «Se eu fosse um rio de amor, gostava que navegasses no meu corpo.» FRANCISCO – Uau! E se ela se afoga! TIAGO – Mesmo assim, é lindo! PEDRO – Esperem! Assina Paulo S. MARCELO – Paulo Sena! És tu! Tu escreves poesia? PAULO – Às vezes! Mas esse poema não é o que vocês estão a pensar. JOÃO – Ainda não pensei em coisa nenhuma. A não ser que me possas dar uma cópia. Largo-me a correr e vou recitá-lo a todas as pequenas bonitas que encontrar... PAULO – Já disse a vocês que o poema não é meu. FRANCISCO – Eh, pá! Mentir fica feio! PEDRO – O poema é teu ou não é teu? Pareces uma vaca a esconder o leite... 136


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PAULO (cantando) –

Não é meu este poema, Mas fui eu que o escrevi. Ele exprime o que senti. O amor é que é o tema. Meus amigos, meus amigos, Claro que não sou poeta. A palavra predileta Não quer risos nem castigos.

OS OUTROS (idem) – Como foi que descobriste Que a poesia ainda existe?! PAULO – Foi andando a sonhar, Descobrindo que o amor Traz, na mão, o verbo amar E o perfume duma flor. Só que agora já dispenso Em mudar o meu destino. Amor, sim! Mas sempre penso Nos meus tempos de menino. OS OUTROS – Como foi que descobriste Que a poesia ainda existe?! PAULO – A poesia só existe Se sair do coração. E, por isso, fico triste Se o amor for um senão. Só Deus sabe que eu espero Dar-lhe o sim em qualquer dia, Porque tudo o que mais quero É dar asas à poesia! OS OUTROS – Como foi que descobriste Que a poesia ainda existe?! PAULO (ainda cantando) – Como foi?... 137


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(«Black-out»). MARCELO – Não acredito que faças uma coisa dessas! Eh, pá! Isso é de gente doida! Já nem sequer se acredita que os padres possam continuar a existir por esses tempos fora! Olha bem para mim! Já pensaste que não podes ser como os outros? O que é que vais dizer à Teca, à gente, ao teu pai, à tua mãe?! Deixa-te de merdas, meu! Tu estás é marado de todo. Pôça! E eu a pensar que eras o mais sensato do nosso grupo...! PAULO – Eu não me vou matar! Vou somente para o Seminário! MARCELO – Antes te matasses! PAULO – Se és meu amigo, não digas isso. Ser padre não é crime nenhum. É cumprir uma vocação, uma missão. É dizer sim a um chamamento. Depois, não vou vendido. Se eu vir que me enganei, volto para trás e começo tudo de novo... MARCELO – E se te arrependes já depois de seres padre? Que grande gaita! Para o que te havia de dar. Já falaste com o teu velho? PAULO – Já! MARCELO – O que foi que ele disse? PAULO – Nada de especial. Disse que, com certeza, eu já tinha pensado no assunto e, se era isso o que eu queria, que seguisse em frente! MARCELO – Disse-te assim?! Com essa calma?! PAULO – Não foi bem assim. Mas quase...! MARCELO – Tu não sabes mentir. Além disso, um padre não mente, mesmo antes de o ser.

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PAULO – Claro, que barafustou!; gritou!; que não criara um filho para o ver atirar a vida pela janela fora; que nunca me obrigara a escolher profissão nenhuma, mas que eu escolhera a pior de todas; aquela que menos esperava! MARCELO – E tu teimoso como estás agora?! PAULO – Não se trata de teimosia! Gosto demais dos meus pais para querer ser teimoso com eles. Sabes bem que é assim. Tive de dizer ao meu pai que ser padre não era profissão; que era uma vocação. Só tenho pena porque, naquele momento, o magoei bastante. Mas, já fizemos as pazes. Meu pai é de bom coração! MARCELO – O tanas é que é! Qualquer pai ficaria como ele ficou. Tua mãe, claro, deve-se ter fechado em copas. Para ela, ter um filho padre é uma grande coisa! Cheta! PAULO – Calma! Deixa lá essa tua linguagem da mão! MARCELO – Ainda não és padre! E, quando fores, a gente há de ver! Poça! (Chama os outros). Ei!, cheguem aqui?! Venham ouvir o que o Paulo tem para dizer à gente! (Ao Paulo). Anda! Diz lá o que me disseste! Ou era para ser segredo? (Entraram todos). PAULO – Não se trata de segredo nenhum. Ia dizer-lhes também. Foste o primeiro a saber, mas não inventei qualquer estratégia. PEDRO – Vais fazer engenharia numa universidade americana? FRANCISCO – A América fica longe e, lá, as universidades são muito caras. JOÃO – Diz! Desembucha! 139


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TIAGO – Vais casar com a Teca! Vocês estão à espera de um filho?! Nesta altura do campeonato... PAULO – Não sejas sacana! Ouviste? A Teca é uma miúda como deve ser. O nosso namoro acabou porque eu vou para o Seminário. Pronto! Está dito! Vocês já sabem! PEDRO – Nã, nã, nã...! deves ter tomado uma porcaria qualquer e ela estragou-te os miolos! FRANCISCO – Antes queria que me desses um soco na barriga. JOÃO – Eh homem! Se foi um sorvo a mais, eu conheço um médico que te ajuda a limpar o sangue e a retirares essa ideia da cabeça! PAULO – Também vocês?! Não se trata de suicídio. Apenas vou para o Seminário. Depois, hei-de ver... PEDRO – E levanta-se um padeiro a meio da noite para cozer pão para gente desta! FRANCISCO – Eu não acredito! PAULO – Mas podes acreditar! Já está decidido! FRANCISCO – Está decidido, nada! Estás é tolo! Pára para pensar. Onde é que já se viu um rapaz discreto, inteligente, normal; sem nunca fazer besteira; filho de gente como é dado, ir encavar-se num seminário como se fosse uma enxada de olho?! PAULO – Olha que quem vai para o Seminário é tão discreto como tu... FRANCISCO – Cá nada! Quando estiveres lá dentro é que vais ver! E já podes dizer adeus à Teca, aos joguinhos de andebol e às noitadinhas de esfreganço. 140


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TIAGO – Hei! Quem é que vamos arranjar para completar a nossa equipa? JOÃO – Isso é o menos! Há jogadores quantos queira e muito melhores. Vai lá! Vai lá para o Seminário e deixa-nos da mão. Mas, quando te arrependeres, não julgues que vamos estar aqui, de pernas abertas, à tua espera! Vais dar com esses cornos na parede, que até vais ouvir tocar sinos sem badalo! PAULO – Pensei que vocês iam ficar do meu lado... MARCELO – A gente não quer ficar do teu lado. Vamos pensar melhor no que nos disseste e naquilo que te dissemos. Depois... FRANCISCO – Depois do jogo, vamos desejar-te muitas felicidades, com muitas palmadas nesse focinho... Amigos não se rendem. PAULO – A sério? TODOS –A sério! (As equipas voltam a jogar e utilizam as mesmas palavras: Aqui! Não! Joga! Passa! Olha! Já! Depois, ouve-se o apito e o jogo pára. O que segue é cantado). PAULO – Vou ter muita pena de vos deixar. MARCELO – O nosso amigo já vai partir. Não vai nunca mais aqui jogar. Não vamos voltar ouvi-lo a rir! JOÃO – A vida reserva tanta surpresa! PEDRO – A gente nem sonha com o amanhã. TIAGO – As vezes, o sonho é uma tristeza, Mas outras é verso que rima bem! 141


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PAULO – Vou ter muita pena de vos deixar! TODOS – A gente já sente tanta saudade! FRANCISCO – Já nem apetece aqui jogar. TODOS – Mais vale matarmos a amizade! PAULO – Vou ter muita pena de vos deixar! MARCELO – Crescer, como amigos, é ter paixão. FRANCISCO – É certo que a vida vai melhorar E vamos sentindo o coração JOÃO – Bater como o sino da nossa igreja, Tocando co’a força da alegria! TODOS – Que tenhas saúde! Que Deus te proteja! Adeus, meu amigo! Até qualquer dia! PAULO – Vou ter muita pena de vos deixar! (Sai). MARCELO – Há coisas piores! JOÃO – Sim! Há coisas piores! PEDRO – Não sei o quê? TIAGO – Albarda-se o dono à vontade do burro! FRANCISCO – O que é que estamos a fazer aqui?! MARCELO – Nada! (Pausa). Nada é mesmo nada!

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JOÃO – Já ouvi dizer isso! PEDRO – Também eu! Só que não foi a este. MARCELO – Pois, não! A dente dado não se olha a cavalo! FRANCISCO – Também não admira. Os dentes não são dele. (Vai crescendo a emoção). PEDRO – É, por isso, que os dentes dão nozes a quem não tem Deus. JOÃO – Chore quem quiser! Eu cá não me apetece. (E chora). MARCELO – Olha, olha! Estás mesmo a chorar! É por causa do Paulo? JOÃO – Sei lá! Deus escreve torto por linhas direitas. («Black-out». Seminário. Seis jovens estudam e conversam. Entre eles, Paulo. Usam-se os mesmos nomes porque os intérpretes são os mesmos). MARCELO – Muita coisa nos obrigam a aprender. PEDRO – Não é mais do que se aprende num estabelecimento de ensino superior. MARCELO – Para ser padre é preciso saber tanto? Os que estudam nas universidades sabem que vão aplicar os seus conhecimentos em trabalhos específicos, e que vão ganhar muito dinheiro como engenheiros, doutores, advogados, arquitetos, políticos... Ah, a política! Que ciência nobre para ganhar dinheiro. É só abrir a boca e mentir. Na semana seguinte a conta no banco subiu mais um bocadinho... FRANCISCO – Isso é pecado de inveja! MARCELO – A inveja só é pecado quando não há remédio! 143


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JOÃO – Como é isso? MARCELO – É bem! Só se é invejoso quando não se consegue fazer a mesma coisa.... TIAGO – De qualquer maneira, isso de ganhar dinheiro... Os padres não têm razão de queixa. FRANCISCO – Não vais dizer que os padres são como os políticos?! TIAGO – Eles não se perdem. Nunca se perderam. FRANCISCO – Até parece que não queres ser padre1 TIAGO – Lá isso quero! Não estou nada mal. E quero tudo a que tenho direito: cama, mesa, roupa lavada... MARCELO – É por isso que estás cá? TIAGO – Quase! PEDRO – Calem-se, por favor! Como diz meu pai, vocês sabem lá porque é que a porca dorme! Vamos estudar calados antes que chegue alguém que nos acabe com a conversa. MARCELO – Ui! Já ninguém tem medo dessa ameaça. Agora estudamos quando, como e onde queremos. Antes, é que era tudo marcadinho pelo relógio: levantar, rezar, estudar, comer, aulas, recrear, rezar, deitar. Esta casa abarrotava de alunos e de professores. Teólogos para cima, filósofos abaixo e miúdos nem para baixo nem para cima. E nada de misturas, embora estivesse tudo misturado. JOÃO – Isso foi no tempo das vacas gordas! MARCELO – Eram mais de cem, fora professores. 144


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TIAGO – Oração e disciplina! Era o lema mais forte. Um atraso dava direito a estudar uma hora de pé. PAULO – Dizem que, nesse tempo, o Seminário era uma ditadura; que só o Concílio Vaticano II veio aliviar um bocadinho. JOÃO – Provavelmente, ninguém estranhava. Todo o país vivia sob uma ditadura! PEDRO – Mas foi o tempo em que o Seminário era o rosto cultural dos Açores, sobretudo da Terceira e desta cidade. Havia academias, sabatinas, desporto, teatro e o famoso sarau músico-literário em honra de São Tomás de Aquino, padroeiro dos filósofos. Imaginem só: um orfeão com oitenta vozes! (Canta e rege um coro imaginário). «Vai, ó alma, nas asas douradas/ Vai pousar sobre montes e vales...» PAULO (interrompe) – Como é que sabes isso? PEDRO – Vem na internete! PAULO – Oitenta vozes! PEDRO – Afinadas! O dia de São Tomás de Aquino era dia santo. Era o dia em que o Seminário abria as suas portas ao público..., convidado. Vinha a fina flor da sociedade da ilha. E vinham autoridades à barda: o governador do Distrito, o presidente da Câmara, o comandante do Castelo, muitos senhores de casaca e papilhão e muitas senhoras enrodilhadas em peles... PAULO – Isso também vem na internete? PEDRO – Não! JOÃO – E vinham umas pequenas bonitas, onde os seminaristas lavavam a vista!

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TIAGO – Ai, tantas histórias que há para contar sobre esta casa!: os passeios ao Monte Brasil; todos de batina e chapéu. Chamavam-lhes estorninhos... (Pausa). Tudo terá começado no antigo Convento de S. Francisco no ano de 1862, a 9 de Novembro – mês das Almas. Desde então, mesmo que devagar, o Seminário foi ganhando fama e proveito. Quando completou cem anos de existência, era o estabelecimento de ensino privado de maior qualidade em todo o Portugal! JOÃO – Por isso, os seminaristas levavam quase dois meses a fazer exames: prova escrita e prova oral. Havia mais disciplinas do que melros em janeiro! Dois chumbos: ano perdido – casa! MARCELO – Estás a sério? JOÃO – Estou sim, senhor! MARCELO – Se fosse hoje, o Seminário já não tinha ninguém. JOÃO – Mesmo assim, não somos burros! MARCELO – Ninguém disse isso! PEDRO (interrompe para reger um coro com interpretação em «play-back». Rege a parte final do «Coro dos Escravos», da ópera Nabucodonosor, a partir de «Harpa sã». Ao terminar, ouvem-se aplausos. Pedro agradece). TODOS – Bravo! Bravo! TIAGO – Mas, nesta casa, também se fez muito bom teatro. Teatro no Seminário! PAULO – Com certeza que era só com a vida dos santos. TIAGO – Não! Encenaram-se textos de muitos autores nacionais e estrangeiros. Gil Vicente, por exemplo... 146


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(Três actores fazem de Joane, Anjo e Diabo do «Auto da Barca do Inferno»). JOANE – Ó daquesta! DIABO – Quem é? JOANE – Eu sou. É esta a naviarra nossa? DIABO – De quem? JOANE – Dos tolos! DIABO – Vossa. Entra! JOANE – De pulo ou de voo? Ó pesar de meu avô! Soma, vim adoecer, e fui má hora morrer e nela para mi só. DIABO – De que morreste? JOANE – De quê?... Samicas de caganeira. DIABO – De quê? JOANE – De caga merdeira! Má rabugem que te dê! DIABO – Entra. Põe aqui o pé! JOANE – Oulá! Não tombe o zambuco! DIABO – Entra, tolaço eunuco, que se nos vai a maré! JOANE – Aguardai, aguardai, oulá! E onde havemos nós de ir ter? DIABO – Ao porto de Lucifer. 147


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JOANE – Há-a-a... DIABO – Ó inferno! Entra cá! JOANE – Ó inferno! Eramá! Hiu! Hiu! Barca do cornudo, Pêro Vinagre, beiçudo, rachador d’Alverca, huhá! Sapateiro da Candosa! Antrecosto de carrapato! Hiu! Hiu! Caga no sapato, filho da grande aleivosa! Tua mulher é tinhosa, e há-de parir um sapo, chentado num guardanapo! Neto da cagarrinhosa! Furta cebolas! Hiu! Hiu! Excomungado nas igrejas! Burrela, cornudo sejas! Toma o pão que te caiu, a mulher que te fugiu para a ilha da Madeira! Cornudo atá mangueira, toma o pão que te caiu ! Hiu! Hiu! Lanço-te ua pulha! Dê-dê! Pica naquela!! Hiu! Hiu! Caga na vela, hiu, cabeça de grulha! Perna de cigarra velha, caganita de coelha, pelourinho da Pampulha, mija n’agulha, mija n’agulha! (Muda para o Anjo). Hou da barca! ANJO – Que me queres? JOANE – Queres-me passar além?... ANJO – Quem és tu? JOANE – Samica alguém! ANJO – Tu passarás, se quiseres, porque em todos os teus fazeres, per malícia não erraste: tua simpreza te abaste pera gozar dos prazeres. Espera entanto per i: Veremos se vem alguém, merecedor de tal bem, que deva entrar aqui. («Black-out»). TODOS – Bravo Joane! Bravo Mestre Gil! TIAGO – Mas o seminário não foi só música e teatro. A sua história não foi linear. Com a implantação da República, o Seminário fechou. Os seminaristas foram estudar por aqui e por ali. Só nos anos trinta, depois de 148


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obras de adaptação, o Seminário passou a funcionar na Casa do Barão do Ramalho. Pelo sismo de 1 de janeiro de 1980, o edifício foi bastante danificado. Porém, depois das obras de recuperação, cá estamos: 150 anos depois da sua fundação! TODOS – 150 anos depois, cá estamos! Paulo – Silêncio! Vamos estudar! (Cantam). TODOS – Estudar! Estudar! Estudar! MARCELO – Não me sobra nada. TODOS – Copiar! Copiar! Copiar! PEDRO – Mas que trapalhada! FRANCISCO – E quem disse, quem disse que a vida Corre para o mar?! JOÃO – Que um barco, no cais da partida, Não vai navegar?! TODOS – Estudar! Estudar! Estudar! Vulgar de lineu! Pois Deus sabe, que eu sei, que Ele sabe Muito mais do que eu! («Black-out»). PEDRO – Ando a pensar em ir-me embora. Os meus primos estão na universidade em Coimbra e dizem que estou aqui a perder tempo.

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JOÃO – Se não queres ser padre, estás a perder tempo. PEDRO – Eu quero ser padre! TIAGO – Que forma estranha de querer ser. E vais sê-lo através da universidade de Coimbra? PEDRO – E porque não? Aqui, sinto-me preso. PAULO – Preso?! A quê?! PEDRO – Ao medo. Tenho medo! TIAGO e PAULO – Medo?! PEDRO – Sim. Medo. Sei que é um medo infantil..., como quem tem medo do escuro, mas é medo. Medo de ficar só. Medo da escuridão. MARCELO – O menos que falta é gente à volta de um padre. Ele é o pastor e cuida das suas ovelhas... PEDRO – Isso é conversa evangélica...!, que não destrói a solidão. O pastor pode ter mil, duas mil ovelhas, mas quem fica sempre à beira do precipício da solidão é ele. À noite, quando chega a casa, mesmo com a certeza do dever cumprido, não tem ao seu dispor a amizade da família, o carinho da mulher, dos filhos... É um pastor com a sua arribana vazia... de ovelhas. JOÃO – Mas olha que é essa solidão que nos torna fortes e compreensivos com os problemas que molestam as nossas ovelhas: as dissensões familiares, os divórcios, o preço dos filhos com as drogas e as suas exigências. PEDRO – Não quero entrar na batalha de uma guerra que não é minha. JOÃO – Um padre não pode escolher a batalha em que deseja entrar. Tem que cumprir a vontade de Deus. 150


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PEDRO – Mas é preciso saber quando é que Ele manifesta a sua vontade. TIAGO – Isso quer dizer que tens medo é de não saberes qual é a vontade de Deus?! MARCELO – Muita palha e pouco grão nesta nossa conversa. Há um dado que não queres equacionar... PEDRO – Qual é? MARCELO – Que Deus conhece as nossas limitações e protege-nos delas. Ajuda-nos a ultrapassá-las. É como se Ele fosse uma espécie de rede no circo da nossa vida. Mesmo quando a gente cai do trapézio, a rede lá está firme e incorruptível. PEDRO – Vou precisar de conversar com o meu travesseiro. JOÃO – Não te esqueças de o ouvir com muita atenção. PAULO – Qualquer um de nós já padeceu e vamos continuar a padecer dessa tentação: a tortura do conforto. O mundo está tão bonito!; tem tanta coisa para oferecer que até é legítimo não aceitar os limites do bem-estar que são atribuídos aos padres. Há tanta gente que diz que os padres é que estão bem. Essa gente vive mergulhada no quotidiano, procurando resolver os achaques morais e físicos que a apoquentam. Viver não é fácil para ninguém. Mas a vida é um dom grande e bom demais para que a gente se descuide em conquistar a felicidade que a há-de revestir. Não podemos sucumbir nessa luta. Pois..., a solidão! És tão redutor quando falas da solidão. PEDRO – Como assim? PAULO – Sabes bem que um dos maiores problemas das paróquias de hoje é a solidão dos idosos. Todos eles começaram a sua vida constituindo 151


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família. Deram, aos filhos, o que tinham e o que não tinham. Ajudaram a criar os netos. A idade e a doença limitaram-nos. Então..., deu-se a debandada. Nem filhos, nem netos lhes dão qualquer atenção. A solidão instalase dentro dessa gente e a sua esperança transforma-se num imenso desejo de morrer. PEDRO – Isso não acontece com todos... Há muitos filhos generosos! PAULO – Infelizmente, esses filhos contam-se pelos dedos. Os lares para idosos estão na moda. É a solução encontrada para arrumar os imprestáveis. Essas casas estão transformadas em enormes baús de roupa velha. Se for esse o destino final dos padres, ao menos não ruminam a amargura de terem filhos sem memória. JOÃO – Pertencemos a uma geração que sofre do síndroma de ter e esquece o ser. Ainda não se encontrou um final digno para os idosos, apesar de se lhes ter aumentado a esperança de vida. A solidão vai continuar a matá-los de forma legal, até porque são considerados seres que já não fazem falta à sociedade. MARCELO – Vocês estão a sofrer de necrofilia pura! PEDRO – Já não vou precisar de falar com o meu travesseiro. JOÃO – Mas olha que é a melhor solução para quem quer falar sozinho. Não desistas. Ninguém contraria as tuas decisões, a não ser que dês ouvidos à voz da consciência. FRANCISCO – Gostei muito de vos ouvir. Mas ninguém disse nada sobre a alegria de ser padre. JOÃO – Tal como a felicidade, a alegria é um direito que se conquista. FRANCISCO – E que tem de se merecer. O Seminário é a casa do merecer. (Canta): 152


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Aqui vou aprendendo a gostar da vida. Aqui eu a partilho com meu irmão. Aqui me dão saber, me dão guarida E sinto que a verdade é pão. Aqui comungo a paz e dou alegria. À minha solidão, dou o meu fervor. Aqui sei que o pão é pra cada dia. Aqui semeio o chão de Amor. TODOS – Aqui a gente sonha com Cristo Amigo. Aqui a gente ama este mundo inteiro. Aqui a gente canta: A paz contigo! Aqui o sonho é verdadeiro. TIAGO – Sonhos! Isso são sonhos! Acordem! Os sonhos não limpam a memória do passado nem nos fazem ver melhor o futuro. (Sai). FRANCISCO – Este é tal e qual como a «cantora careca»: sai pela direita baixa, depois de dizer «água vai». JOÃO – Mas é uma saída que devemos imitar. (Vão saindo todos, menos Pedro). Ficas?! PEDRO – Fico. Fico com os meus botões! JOÃO – Então, abotoa-te! (Saída falsa). Tu és pedra! (Sai). (Black-out. Pedro dorme e surge a Alma). PEDRO – Quem és tu? ALMA – Sou a tua alma. PEDRO – Pareces um fantasma. O que é que fazes fora de mim? 153


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ALMA – Se me deixares, já te digo. PEDRO – Essa tua forma de falar é tão do passado. ALMA – Não sou passado, nem presente, nem futuro. As almas não têm idade! PEDRO – Mas que espírito profundo! Deves ter nascido de um filósofo grego antes da crise. ALMA – Deixa-te de humor barato. Estou aqui fora para me confessar por ti. PEDRO – Confessar a quem? ALMA – A Deus! As tuas dúvidas, as tuas indecisões assemelham-se a um barco que ficou à deriva. Não percebes que, não avistando o porto a que te propuseste chegar, não tens outro como alternativa? A cegueira, meu amigo, só é reconhecida quando há luz a mais. Na escuridão, nem o cego sabe que é cego. Vá! Abre os olhos! Devagar! Reconhece-te em mim e reconhece aquele que se diz ser o teu Anjo da Guarda. PEDRO – Como?! Não vejo nada! ALMA (faz com que uma luz incida sobre o Anjo, que está quieto em expetativa) – E agora? PEDRO – Tens a certeza de que ele é o meu Anjo da Guarda? ALMA – Tenho! PEDRO – Pois, que me guarde!, que eu já não posso tomar conta de mim. Quando era criança, sabia que podia atravessar a ponte da ribeira sem perigo de cair. O meu anjo guardava-me; orientava-me os passos; desviava-me dos perigos... 154


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ALMA – Eu estava dentro de ti. PEDRO – Não dei por nada. ALMA – Sem alma, não existes! PEDRO – Mas, estás fora de mim. Será que morri? Esse meu anjo já não me protege?! (O Anjo desaparece). Que veio esse anjo cá fazer? ALMA – Veio apenas dizer-te de que és livre para tomares a decisão que bem entenderes. E, seja ela qual for, não deixarás de ter a sua proteção. PEDRO – Se calhar, não tem mais que fazer... ALMA – Pergunta-lhe. Parece que já se foi. Mas ainda não. Ele conhecete bem. Depois, como sabes, ele é um bom trabalhador. E os trabalhadores são poucos para uma messe tão grande. Pedro, Pedro! Não serás papa nem pedra angular, mas podes ser a luz que se põe em cima do alqueire, o sal da terra, o caminho e a verdade. Se te prostrares e colares os ouvidos ao chão, ouves o teu coração bater ao ritmo de todos os homens de boa vontade e que caminham em direção à casa do Pai. PEDRO – Ah, mas se eu pudesse afastar de mim este cálice... ALMA – Deixa-te disso! A alegria de responder à chamada é sempre grande! (Entram duas sombras. Vestem Pedro com uma alva e uma casula. Saem). Deixa-me entrar em ti. Vamos! Não te esqueças que são muitos os chamados, mas poucos os escolhidos! (Entra um ator que, a solo, inicia o Hino do Sacerdócio. Os restantes atores vão entrando e aderindo ao canto, até que a luz desapareçe). Álamo Oliveira Raminho, dezembro de 2012 155


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Anexo das Músicas

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Documento Chaves de Ouro Reverendíssimo Senhor Reitor P. Hélder Miranda Alexandre informado de que o Seminário Maior de Angra comemora cento e cinquenta anos de fundação no dia 9 de Novembro de 2012, o Santo Padre de bom grado Se associa ao Te Deum pela jubilosa ocorrência dessa benemérita instituição à sombra da qual tem lugar uma maturação particularmente significativa na consciência do jovem seminarista que deixa de ver a Igreja como se a estivesse a olhar de fora para sentir-se, por assim dizer, dentro como em sua Casa: passa a sentir com a Igreja, abraça de alma e coração a sua causa da cristificação do homem e, uma vez identificado ele próprio com Cristo, chega ao conúbio místico tomando-A por esposa e vivendo como homem da Igreja. Por isso, com o coração repleto de alegria e esperança pelo presente e o futuro do Seminário Episcopal de Angra, Sua Santidade o Papa Bento XVI saúda o Reitor, os formadores e os seminaristas, e concede-lhes extensiva aos seus familiares, benfeitores e a quantos cooperam na vida diária do Seminário, um propiciadora Bênção Apostólica. Vaticano, 21 de Setembro de 2012 Angelo Becciu Substituto da Secretaria de Estado de Sua Santidade».

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Insígnia Autonómica de Reconhecimento No dia 20 de Maio, na Horta, Ilha do Faial, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores e o Governo Regional dos Açores promoveram conjuntamente a comemoração do Dia da Região Autónoma dos Açores, na qual agraciaram o Seminário de Angra com a Insígnia Autonómica de Reconhecimento, recebida pelo P. Dr. Ricardo António Henriques, reitor interino em representação da Instituição. Este voto de congratulação fora aprovado por unanimidade, sobre proposta do partido socialista, pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, no dia 17 de Janeiro de 2013, após evocação da memória histórica dos principais feitos desta Instituição ao longo dos seus 150 anos.

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Voto de Congratulação O Seminário Episcopal de Angra está a celebrar os 150 anos da sua fundação tendo sido o primeiro estabelecimento de ensino superior nestas ilhas açorianas. Contam-nos os cronistas que não foi fácil a criação de um seminário na Diocese de Angra, embora desde o Concílio de Trento que havia a obrigação da sua fundação em todas as Dioceses. A estreita dependência temporal da Diocese em relação à Ordem de Cristo fazia com que todas as decisões que implicassem verbas estavam nas mãos do Mestre daquela Ordem que, há muito, era o próprio Rei de Portugal. Ora, a autorização para a fundação de um seminário impetrada por vários Bispos de Angra foi sempre negada pelo Mestrado da Ordem de Cristo. Só com a confirmação, pela Santa Sé, de D. Frei Estêvão de Jesus Maria como Bispo de Angra é que o Papa Leão XII, na respectiva Bula, manifestava o desejo de que o novo Prelado fundasse um seminário. Assim veio a acontecer no ano de 1862 tendo sido aproveitado o edifício devoluto do extinto Convento de São Francisco para aí se instalar o internato e serem ministradas as aulas após prolongadas obras de adaptação. Embora a solene inauguração do novo Seminário de Angra tivesse ocorrido oficialmente no dia 9 de Novembro de 1862, de facto o seu real funcionamento só começou no ano lectivo de 1864, sendo as instalações partilhadas com o também recentemente criado Liceu de Angra. Com a implantação da República e com as novas leis de 1911 de separação da Igreja do Estado o Seminário de Angra foi obrigado a abandonar as instalações do antigo S. Francisco vivendo uma situação de extrema complexidade e fragilidade com os alunos a viverem em habitações particulares e a irem a casa dos professores onde eram lecionadas as aulas. Entretanto, a 2 de Março de 1914 o procurador da Diocese conseguiu adquirir a título pessoal o solar do Barão do Ramalho, na Rua do Palácio, onde veio a ser instalado, depois de obras de adaptação, o Seminário e onde passou a funcionar até aos nossos dias. 162


SEMINÁRIO DE ANGRA – COMEMORAÇÕES

Apesar de todas as vicissitudes por que passou nas primeiras décadas da sua existência, o certo é que se tornou o único centro de formação de nível superior no Arquipélago dos Açores, e para lá afluíam dezenas de estudantes, muitos deles sem a menor vocação sacerdotal, sendo a única forma de poderem estudar e adquirir uma formação académica de reputado mérito. Ao longo destes século e meio da sua existência, o Seminário de Angra formou centenas de jovens em humanidades, embora não descurando uma boa formação nas ciências naturais e matemáticas. Uns seguiram a vida sacerdotal tornando-se pastores de almas por essas ilhas açorianas, ou, prosseguindo os seus estudos em Universidades portuguesas ou estrangeiras, tornaram-se professores do Seminário ou ocuparam cargos de alta responsabilidade na administração diocesana. Alguns partiram para terras de missão em África e no Oriente ou serviram nas comunidades açorianas das Américas levando a cultura e o saber lusíada para essas longínquas paragens. Do Seminário de Angra saíram vários sacerdotes que vieram a ser Bispos e um deles, foi feito Cardeal pelo Santo Padre. Outros, desistindo da carreira sacerdotal, vieram a ser importantes homens das letras e das ciências honrando o Seminário com o seu saber e com o seu contributo cívico na sociedade açoriana. Uns e outros deram um contributo significativo para a construção do regime autonómico e dos ideais de um Açores prósperos e governados por açorianos. Assim, ao decorrerem as cerimónias da celebração dos 150 anos da fundação nesta nossa cidade episcopal daquela instituição de ensino superior, a Câmara de Angra expressa um justo e merecido voto de congratulação com o Seminário de Angra pela sua meritória obra de ensino em prol do povo açoriano. Aprovada, em reunião de 1 de agosto de 2014 O Presidente da Câmara, José Gabriel do Álamo de Meneses

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SEMINÁRIO DE ANGRA – ANEXOS

ANEXOS

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SEMINÁRIO DE ANGRA – ANEXOS

Reitores do Seminário Até 1936, o Reitor do Seminário era o bispo de Angra e o representante do bispo no Seminário era designado como vice-reitor. Desde este ano, quando o então vice-reitor do seminário, D. Manuel de Medeiros Guerreiro foi nomeado bispo de Meliapor, o bispo de Angra D. Guilherme Augusto Inácio da Cunha Guimarães deixou de acumular o cargo de reitor, passando este a ser desempenhado por figura autónoma1.

1

Período 1862-1864 1873-1876 1879 1891 1888-1904 1905-1912 1912-1920 1920-1928 1928-1936

Vice- Reitor Cón. Dr. Luís Francisco da Rocha P. Dr. Inácio Emílio d’Azevedo Magalhães P. João Jacinto Armas do Amaral P. José Machado d’Oliveira D. João Paulino d’Azevedo e Castro P. Dr. Albano Maciel Cón. Dr. José Bernardo de Almada P. Dr. Manuel Cardoso do Couto D. Manuel de Medeiros Guerreiro

Período 1936-1941 1941-1952 1952-1957 1958-1960 1961-1967 1968-19711 1971-1973 1973-1990 1990-1994 1994-1995 1995-1997 1997-1999 1999-2005

Reitor D. José Vieira Alvernaz P. Dr. Manuel Moreira Candelária P. Dr. José de Oliveira Lopes Cón. Jeremias Machado da Rocha Simões Cón. Dr. Artur Pacheco Custódio P. Dr. Américo Caetano Vieira Cón. Dr. José António Piques Garcia Mons. Cón. Dr. Augusto Manuel Arruda Cabral Mons. Cón. Dr. Gregório Joaquim Couto Rocha Cón. Dr. Jorge José Tavares Reis Mons. Cón. Dr. Gregório Joaquim Couto Rocha Cón. Dr. Jorge José Tavares Reis P. Dr. Jaime Luís Fagundes da Silveira

Fontes: Arquivo da Secretaria do Seminário e Boletim Eclesiástico dos Açores.

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SEMINÁRIO DE ANGRA – ANEXOS

2005-2011 2011-2014

Mons. Cón. Dr. Gregório Joaquim Couto Rocha Cón. Doutor Hélder Miranda Alexandre

(Footnotes) 1

Falecido prematuramente a 22 de Janeiro de 1971, foi substituído provisoriamente

pelo Cón. Dr. Laudalino da Câmara Moniz, até à nomeação a 29 de Junho de 1971 do novo reitor, o Cón. Dr. José António Piques Garcia.

Professores do Seminário Episcopal de Angra de Heroísmo (1930/1931-2013/2014) Nome do Professor

Período de leccionação

Dr. José Bernardo de Almada

1930/1931 - 1934/1935

Dr. António M. A. Vasconcelos

1930/1931 - 1941/1942

Dr. José Moniz P. Bettencourt

1930/1931 - 1942/1943

Dr. Manuel Medeiros Guerreiro

1930/1931 - 1936/1937

Dr. Manuel Cardoso do Couto

1930/1931 - 1947/1948

Dr. Francisco Garcia da Rosa

1930/1931 - 1947/1948; 1953/1954 1957/1958

Dr. Manuel Jacinto Botelho

1930/1931 - 1936/1937; 1939/1940 1941/1942; 1944/1945

Pe. António da Costa Ferreira

1930/1931 - 1940/1941

Pe. José Silveira d’Ávila

1930/1931 - 1932/1933; 1936/1937 1939/1940; 1941/1942; 1943/1944; 1945/1946 - 1947/1948

Dr. José Vieira Alvernaz

1933/1931 - 1941/1942

Co. José Augusto Pereira

1933/1931 - 1947/1948; 1953/1954 1957/1958

Pe. Jeremias M. R. Simões

1937/1938 - 1947/1948; 1953/1954; 1955/1956 - 1963/1964; 1966/1967 1967/1968

Dr. Manuel Moreira Candelária

1940/1941 - 1947/1948

168


SEMINÁRIO DE ANGRA – ANEXOS

Dr. Simão Leite de Bettencourt

1940/1941 - 1944/1945; 1946/1947 1947/1948; 1953/1954

Pe. Francisco Vitorino Vasconcelos

1940/1941; 1944/1945; 1953/1954 1961/1962

Pe. Luís Vieira Fagundes

1941/1942 - 1947/1948

Pe. Jacinto Costa Almeida

1941/1942 - 1942/1943; 1944/1945 - 1945/1946; 1947/1948; 1953/1954 1957/1958; 1961/1962 - 1965/196

Pe. José Joaquim das Neves

1941/1942

Pe. Vitorino de Vasconcelos

1941/1942 - 1947/1948

Pe. António L. Saramago

1941/1942 - 1946/1947

Pe. Francisco Augusto Sousa

1942/1943

Pe. Manuel Furtado Rainha

1943/1944 - 1945/1946

Pe. Hermínio Silveira Amorim

1943/1944 - 1944/1945

Dr. José Pedro da Silva

1945/1946 - 1947/1948; 1953/1954 1955/1956

Pe. Osvaldo S. Oliveira

1945/1946 - 1947/1948

Dr. Antonino da Costa Tavares

1946/1947 - 1947/1948; 1953/1954 1959/1960

Dr. José d’Oliveira Lopes

1946/1947 - 1947/1948; 1953/1954 1955/1956

Mons. José Machado Lourenço

1947/1948; 1953/1954 - 1972/1973

Eduardo Manuel Pacheco

1947/1948

Pe. Luís de Medeiros Diogo

1947/1948

Dr. Artur da Cunha Oliveira

1953/1954 - 1972/1973

Dr. José Enes Pereira Cardoso

1953/1954 - 1963/1964

Dr. Artur Pacheco Custódio

1953/1954 - 1966/1967; 1968/1969; 1970/1971

Pe. Jaime Luís da Silveira

1953/1954 - 1965/1966

Pe. Agostinho Couto Tavares

1953/1954 - 1956/1957

Pe. Manuel Coelho de Sousa

1953/1954 - 1962/1963

Mons. Pe. José de Lima Amaral Mendonça

1953/1954 - 1956/1957; 1971/1972 1973/1974; 1979/1980 - 1998/1999

169


SEMINÁRIO DE ANGRA – ANEXOS

Pe. José Batista Ferreira

1953/1954 - 1957/1958

Dr. António Silva Pereira

1954/1955 - 1962/1963

Mons. Cón. Dr. Francisco Caetano Tomás

1954/1955 - 1971/1972; 1972/1973; 1983/1984 - 1992/1993; 1994/1995 1998/1999

Dr. Américo Caetano Vieira

1956/1957 - 1970/1971

Mons. José Pereira da Silva

1956/1957; 1960/1961 - 1963/1964

Dr. Francisco Carmo

1956/1957 - 1969/1970; 1997/1998 2002/2003

Dr. Valentim Borges de Freitas

1958/1959 - 1963/1964

Pe. Durval Botelho do Couto

1957/1958 - 1958/1959

Pe. Horácio M. Silveira Noronha

1958/1959 - 1961/1962; 1963/1964

Manuel Pereira Medeiros (Diácono)

1958/1959

Dr. José Soares Nunes

1958/1959; 1967/1968 - 2013/2014

Dr. Manuel Alfredo Tavares

1959/1960 - 1960/1961

Pe. Aristides P. Arruda

1959/1960

José Alves Vigueiro

1959/1960

Manuel Garcia de Oliveira

1959/1960

Mons. Dr. Augusto Manuel Arruda Cabral

1960/1961 - 1968/1969; 1972/1973 2002/2003

Dr. Edmundo M. Oliveira

1960/1961 - 1967/1968

Dr. Mário Parreira de Sousa Lima (médico)

1960/1961 - 1975/1976; 1978/1979 2001/2002

Pe. Afonso Carlos Couto Quental

1961/1962 - 1964/1965

Dr. Artur Goulart de Melo Borges

1962/1963 - 1977/1978

Dr. Weber Machado Pereira

1964/1965 - 1965/1966

Dr. José Garcia

1964/1965 - 1968/1969

Dr. Caetano Valadão Serpa

1965/1966

Manuel António Pimentel

1966/1967; 1971/1972

Dr. António da Silva Cordeiro

1966/1967

Cón. Dr. José António Piques Garcia

1964/1965 - 1967/1968; 1971/1972 2004/2005

170


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Pe. Manuel Costa Freitas

1966/1967

Dr. Manuel António Pimentel

1967/1968; 1972/1973 - 1974/1975

Dr. António Rogério Andrade Gomes

1968/1969 - 1969/1970

Pe. Francisco Borges Paim

1968/1969; 1970/1971 - 1971/1972

Dr. Vasco Silva Castro Parreira

1970/1971 - 1972/1973

António Dionísio Costa

1973/1974

Mons. Cón. Dr. António da Luz Silva

1974/1975 - 1998/1999

Dr. Abel Noia Gonçalves Vieira

1974/1975 - 1978/1979

Dra. Maria Pimentel

1978/1979

Prof. João Botelho de Melo Pereira

1978/1979 - 1982/1983

Dr. Jacinto Manuel Monteiro da Câmara Pereira

1979/1980 - 1998/1999

Pe. Adão Teixeira Regalo

1979/1980 - 1993/1994; 1997/1998 1998/1999

Irmã Carmélia Maria de Medeiros Borges

1979/1980 - 1980/1981

Sra. Maria Noronha Macedo Pimentel

1979/1980 - 1996/1997

Irmã Alda Maria do Rego

1981/1982

Dr. José de Medeiros Constância

1983/1984 - 1984/1985

Dr. Laudalino da Câmara Moniz

1983/1984 - 1994/1995

Irmã Maria do Carmo Sousa Borges

1984/1985 - 1986/1987

Cón. Dr. Gregório Joaquim Couto da Rocha

1985/1986 - 1993/1994; 1995/1996 2013/2014

Dr. Jorge José Tavares dos Reis

1986/1987 - 2000/2001

Irmã Maria Isilda Sousa Soares

1987/1988 - 1989/1990

Dr. Ricardo António Henriques

1988/1989 - 1995/1996; 1998/1999 2013/2014

Irmã Teresa Margarida Pinto

1990/1991 - 1993/1994

Dr. Luís Alberto da Silva Sousa

1989/1990 - 1997/1998

Doutor José Júlio Mendes Rocha

1994/1995 - 2000/2001; 2004/2005 2013/2014

Dra. Teresa Bettencourt Machado

1994/1995

171


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Doutor João Maria de Sousa Mendes

1994/1995; 2006/2007 - 2013/2014

Irmã Teresa do Nascimento Pimentel

1994/1995 - 1998/1999

Prof. Luís Rafael Martins do Carmo

1994/1995 - 1998/1999; 2005/2006

Prof. Mário Jorge Duarte

1994/1995 - 2002/2003; 2004/2005

Dr. Jaime Luís Fagundes da Silveira

1995/1996 - 2013/2014

Dr. Carlos Fernando Medeiros Correia

1995/1996 - 2004/2005

Pe. Manuel Carlos Sousa Alves

1996/1997 - 2010/2011

Prof. Victor Carlos do Canto Correia

1997/1998 - 1998/1999

Dr. Paula Cristina Brasil Ávila Raulino

1997/1998

Dr. Victor Manuel Pereira Silva Duarte

1998/1999

Doutor Hélder Manuel Fonseca Mendes

1999/2000 - 2013/2014

Doutor António M. Saldanha e Albuquerque

1999/2000 - 2003/2004

Dr. Francisco Maduro Dias

2000/2001 - 2004/2005

Dr. Alfredo Manuel Brandão Medeiros

2001/2002 - 2002/2003

Dr. Ângelo de Freitas Valadão Eduardo

2002/2003 - 2004/2005

Dr. Pedro González

2003/2004

Dr. Rosa Correia

2004/2005 - 2005/2006

Dr. Sofia Pacheco

2004/2005 - 2005/2006

Dr. Teodoro Manuel Sousa Medeiros

2006/2007 – 2013/2014

Dr. Raquel Oliveira

2006/2007 - 2013/2014

Doutor Cipriano Franco Pacheco

2007/2008 - 2010/2011

Dr. Adriano Manuel Torres Borges

2009/2010 -2013/2014

Dr. Rui Pacheco

2009/2010 - 2010/2011

Doutor Hélder Miranda Alexandre

2010/2011 - 2013/2014

Dr. Sérgio Toste

2012/2013 - 2013/2014

172


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Álbum fotográficO

173


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

174


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Planta do pavimento térreo de S. Francisco para adaptação a Liceu e Seminário

175


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Igreja de Nossa Senhora da Guia em princípios do séc. XX

176


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

D. Frei Estevam de Jesus Maria (1827-1870)

177


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Claustro do Convento S. Francisco - Seminário

178


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Grupo de seminaristas em princípios do séc. XX em S. Francisco

179


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

D. José da Costa Nunes

180


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Salão principal nas atuais instalações

181


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

182


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Finalistas do centenário 1962 Sentados (Esq/dir): Heraldo Gregório da Silva, Benjamim Cabral, Agostinho de Sousa Pacheco, Antonino Ávila, Albano Cymbron. De pé (Esq/dir): Agostinho Quental, Daniel Correia, Manuel Pimentel, Manuel Emílio Porto, José Barreiro, Manuel Raimundo Correia, Fernando Teixeira.

183


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

184


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

185


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

D. Antonio de Sousa Braga, atual Bispo de Angra

186


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Cartaz das Comemorações

187


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Corpo docente e discente no ano comemorativo de 2012 1.ª fila sentados (esq/dir): Pe. Teodoro Medeiros, Mons. José Nunes, Pe. Ricardo Henriques, Pe. Hélder Alexandre, D. António de Sousa Braga, Mons. Gregório Rocha, Pe. José Júlio Rocha, Pe. Adriano Borges, Pe. Jaime Silveira, Pe. Hélder Fonseca Mendes. 2.ª fila em pé (esq/dir): Miguel Tavares, Joaquim Neves, Vítor Alves, Vítor Mourinho, Nélson Pereira, Jacob Vasconcelos, Bruno Espínola, Mário Rui, Paulo Silva, Pedro Aguiar, Ricardo Costa, Pedro Lima. 3.ª fila em pé (esq/dir): Francisco Rodrigues, Carlos Espírito Santo, Adriano Batista, João Ponte, Nuno Fidalgo, Rúben Pacheco, Fábio Carvalho, Rui Nunes, Gaspar Pimentel.

188


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

Fachada atual do Seminário

189


SEMINÁRIO DE ANGRA – ÁLBUM FOTOGRÁFICO

190


SEMINÁRIO DE ANGRA – COMEMORAÇÕES

ÍNDICE Introdução.............................................................................................................7 Apresentação........................................................................................................13 A Formação do Clero dos Açores da era do povoamento à inauguração do Seminário Episcopal em 1862.....................15 O Seminário de Angra 1862-1910 - Algumas notas sobre a sua história......35 O Seminário de Angra de 1910 a 1965..............................................................47 O Seminário Episcopal Angrense a partir de 1965 algumas breves notas históricas.......................................................................69 Comemorações dos 150 anos Calendarização..............................................................................................87 Encontro de Antigos Alunos - 5 a 8 de Julho de 2012 Homenagem dos Antigos Alunos aos Professores e alunos das décadas de 50/60............................................... 91 Influência do Seminário Diocesano na cidade de Angra e nos Açores............................................................... 99 150 Anos do Seminário Episcopal de Angra - As intenções e o programa de uma exposição temporária no Museu de Angra do Heroísmo............................................................. 115 9 e 10 de Novembro de 2012 Homilia de D. Virgílio Antunes.................................................................123 Discurso do Reitor...................................................................................... 127 Sarau Musical.............................................................................................. 130 São Poucos os Escolhidos...........................................................................132 Anexo das Músicas...................................................................................... 156 Documento Chaves de Ouro....................................................................160 Insígnia Autonómica de Reconhecimento..............................................161 Voto de Congratulação............................................................................... 162 Anexos................................................................................................................ 165 Reitores do Seminário................................................................................ 167 Professores do Seminário Episcopal de Angra de Heroísmo (1930/1931-2013/2014)......................................... 168 Álbum fotográfico........................................................................................173 Índice.............................................................................................................191 191


SEMINÁRIO DE ANGRA – COMEMORAÇÕES

composição, impressão e brochura União Gráfica Angrense Tiragem: ??? exemplares Angra do Heroísmo – Mês ??????????? Ano ????

192


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