FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO
Rua e transpiração
O sonho da maior parte dos jornalistas é fazer uma reportagem memorável, daquelas que entram para a história. O segredo? Apurar, investigar, ser criterioso, não ter preguiça, gastar a sola do sapato... ENTREVISTA
Conversamos com José Hamilton Ribeiro, um repórter com mais de 50 anos de jornalismo e sete prêmios Esso na bagagem
REPORTAGEM
A ONG Repórteres Sem Fronteiras mantém o olhar vigilante para denunciar abusos contra a imprensa e seus profissionais
Apresentação | Caro leitor
O
Expediente
A arte de narrar histórias reais fascículo Reportagem apresenta aos estudantes de jornalismo os conceitos e detalhes da história da reportagem no impresso, rádio e TV, por meio do trabalho de profissionais consagrados. Entrevistamos grandes nomes do jornalismo brasileiro, como José Hamilton Ribeiro, repórter do Globo Rural, autor de quinze livros e ganhador do maior número de prêmios Esso de reportagem no Brasil. Conversamos também com Caco Barcellos que nos contou sobre o trabalho que faz no programa Profissão Repórter. Relembramos os primórdios da reportagem no Brasil, quando pioneiros como João do Rio e Eugênia Brandão escreviam histórias inquietantes nas páginas dos jornais cariocas. Contamos também com resenhas de obras que falam sobre esse gênero de texto privilegiado no jornalismo. São sugestões que podem ser esclarecedoras para os estudantes. Além disso, trazemos outras matérias que aprofundarão o seu conhecimento sobre um dos maiores sonhos de um bom jornalista: como fazer uma boa reportagem.
Seção | Conceito “A reportagem é um gênero jornalístico privilegiado. Seja no jornal nosso de cada dia, na imprensa não cotidiana ou na televisão, ela se afirma como o lugar por excelência da narração jornalística. E é mesmo, a justo título, uma narrativa – com personagens, ação dramática e descrições de ambiente – separada entretanto da literatura por seu compromisso com a objetividade informativa.” Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística, Editora Summus, pág 09.
“Para executá-la [a reportagem], sejamos francos, exige-se muito mais transpiração do que inspiração. Mais esforço físico do que intelectual. Exige que se gaste a ponta do dedo telefonando para todas as pessoas que possam dar ao menos um fragmento de informação. (...) Exige que se gastem as pernas e as solas dos sapatos andando atrás de passeatas, comícios ou fugindo da polícia.” Clóvis Rossi, na Apresentação do livro A Aventura da Reportagem, de Ricardo Kotscho e Gilberto Dimenstein, Editora Summus, pág 11. “Fiz uma fórmula algébrica sobre uma grande reportagem. GR=[(BC+BF)][(TxT’)n]. [...] BC+BF, ou seja, tem que ter um bom começo e um bom final, porque a reportagem disputa espaço com outras, seja na revista, seja na televisão. Se a reportagem tiver um mau começo na televisão, você troca de canal. Se é na revista, você passa para outra. Então tem que ter um bom começo para segurar o leitor. E tem que ter um bom final porque a reportagem não pode acabar de morte súbita, ela tem que terminar no alto. Como aquela sensação que temos [...] quando um filme acaba e ficamos presos na tela pensando ‘poderia continuar mais um pouco’. Então vem o TxT’, onde T é trabalho e T’ é talento. Tem que pôr o trabalho que for necessário para conseguir compor aquela história e todo o talento que tiver deve ser aplicado naquele trabalho, tudo isso na potência ‘n’.” José Hamilton Ribeiro, em entrevista para o Jogo de Ideias, do Itaú Cultural. 2 | DOIS PONTOS
Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli
Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013. Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO) Revisão Profª. Maria Cristina Barbosa Diagramação Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação Editora assistente Jéssica Scaraficci Raposo (RA: 201004923) Repórteres Alexandre Costa Novaes (RA: 201108188) Amanda Monteiro Turano (RA: 201114320) Pamella Sorrentino Pestana (RA: 201114322) Capa Alexandre Ofélio
Pingue-Pongue | José Hamilton Ribeiro
História viva
Um mestre para várias gerações do jornalismo brasileiro. Ele já ganhou sete vezes o Prêmio Esso de Reportagem. Com mais de meio século de profissão, continua com o olhar atento em busca de boas histórias para contar
U
Por Pamella Pestana
m dos mais importantes e reconhecidos jornalistas do país, José Hamilton Ribeiro é um repórter marcado pela história: cobriu a Guerra do Vietnã, viveu a Ditadura Militar e participou de relevantes momentos do jornalismo do Brasil. Dono de uma habilidade singular para escrever, colecionou prêmios ao longo dos mais de 50 anos de carreira e escreveu mais de 15 livros. Passou pelas redações das revistas Realidade e Quatro Rodas e dos programas Globo Repórter, Fantástico e Globo Rural. Nesse último, trabalha como repórter e editor. E mesmo com todo o sucesso profissional, está longe de ser inacessível e mostra que tem muito a ensinar e aprender. Ele recebeu a reportagem do fascículo Dois Pontos em seu apartamento. Confira trechos da entrevista.
Dois Pontos: O repórter é um jornalista que busca a informação de diversas maneiras em diversos meios. Para você, o que significa ser repórter? José Hamilton Ribeiro: Ser repórter é encontrar meios ou pessoas para que, através deles, você possa contar uma historia que tenha interesse humano. Isso é o principal.
Dois Pontos: Nós recebemos muitas informações através da internet. Isso acaba ajudando ou atrapalhando o repórter? José Hamilton: No capitalismo não existe almoço de graça. A internet é um balaio onde se põe qualquer coisa. Uma matéria que se baseia só na internet pode ser um grande fiasco. Assim como existem informações boas, existem também as informações sem Dois Pontos: Você cursou direito para cum- base. O repórter não pode pesquisar só na prir uma promessa que fez para sua mãe. internet, precisa ter outras fontes. Em nenhum momento, você pensou em deixar de ser repórter para se tornar um advogado? “Como na vida, José Hamilton: Não. Eu acho que a prono jornalismo também fissão de advogado precisa, além da formação intelectual, de uma rotina de escrinão há facilidade. tório. Eu nunca estive disposto a manter As pessoas têm essa rotina. Dois Pontos: Você ganhou seu primeiro Prêmio Esso em 1963, ainda jovem. Qual o seu conselho para os jornalistas que estão começando agora e sonham em, um dia, ganhar esse prêmio? José Hamilton: Eu acredito que, como na vida, no jornalismo também não há facilidade. As pessoas têm que abrir seu caminho, não tem moleza. A competição na área de reportagem é muito grande e, como eu sempre digo, devemos abrir caminho arranhando o burro com a unha. Temos que nos esforçar para conseguir o que queremos. Dois Pontos: Quais são as qualidades que um jornalista deve ter para ser repórter? José Hamilton: Eu acho que a qualidade básica é assumir a própria ignorância. O repórter precisa buscar as respostas que ele não tem. conversando com pessoas, lendo livros ou estudando. Mas se ele acreditar que sabe tudo e escrever uma reportagem por sua própria conta e risco, não vai durar na profissão. Esse repórter vai acumular falsidades e histórias imprecisas e estará destinado ao fracasso.
Felipe Bueno / Jornal Contramão
que abrir seu caminho, não tem moleza”
Dois Pontos: Hoje, é mais fácil ser repórter do que quando você começou? José Hamilton: É mais difícil. O Brasil cresceu e a sociedade é mais rigorosa com a informação. O repórter deve tomar muitos cuidados para que essa informação venha de uma boa fonte e mereça crédito. Dois Pontos: Nos dias atuais é possível um repórter se aprofundar em uma pauta? José Hamilton: Nós vemos que não. A realidade do repórter é vivida pelo clima da redação. Na época em que eu trabalhei na revista Realidade, eles apostaram em reportagens com o mínimo de profundidade. Hoje em dia, as empresas de comunicação estão apertando cada vez mais o orçamento da redação e o repórter tem cada vez menos tempo para fazer uma reportagem. É verdade que algumas publicações têm edições mensais que defendem um texto com profundidade, mas é uma situação restrita.
José Hamilton Ribeiro autografa um dos seus livros SUGESTÃO DE LEITURA
O repórter do século traz uma reedição das sete reportagens de José Hamilton Ribeiro que ganharam Prêmio Esso. O livro foi editado para homenagear os 70 anos do repórter – completados em 2005 – e seus 50 anos de vida profissional. (Geração Editorial, 2006) DOIS PONTOS | 3
Reportagem | Pioneiro
Reportagem | História
João do Rio, um observador da metrópole
Batom e coragem
Por Alexandre Novaes (texto e ilustração)
Da redação
Com estilo espirituoso e aguçado olhar, ele narrou as transformações sociais do Rio de Janeiro e inovou o jornalismo brasileiro
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atividade jornalística no Brasil até o começo do século passado não era exercida tal como é hoje. Qualquer tipo de material que circulava nas páginas da imprensa no país era escrito por profissionais de áreas diversas. Porém, no início do século XX surgiu no Rio de Janeiro um nome que viria a inovar o jornalismo no país. Nascido em 5 agosto de 1881, o carioca João Paulo Barreto começou sua carreira ainda jovem, escrevendo para vários jornais a partir de 1899. Assinava seus textos com diferentes pseudônimos, mas João do Rio é como de fato ficou conhecido. Sua principal inovação foi “ir às ruas” do Rio de Janeiro para buscar informações para os textos que iria redigir. Ele foi um dos primeiros jornalistas a fazer reportagem in loco, quando trabalhava no jornal carioca A Gazeta de Notícias. “João do Rio entrevistava tanto a ‘gente de cima’, segundo ele mesmo dizia, como as classes populares. Ele foi o primeiro profissional de imprensa tratado como tal”, comenta a pesquisadora Cristiane d’Ávila, formada em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/ RJ) em 2005 e autora do livro Cartas de João do Rio - a João de Barros e Carlos Malheiro Dias, publicado pela Funarte.
"Ele é considerado o renovador do gênero crônica. Bons exemplos disso estão no livro A alma encantadora das ruas”, conta o jornalista e pesquisador João Carlos Rodrigues, autor de João do Rio: Vida, Paixão e Obra, publicado pela Civilização Brasileira. Com o tempo, o repórter conseguiu a ascensão pública. “Ele escrevia com um ritmo ágil. Seus textos eram a materialização perfeita dos novos tempos que vivia a capital da República”, diz O’Donnell. Ele tinha posições políticas que incomodavam alguns poderosos. “Apoiava candidatos da oposição como Rui Barbosa e Nilo Peçanha contra o grande mandachuva da República Velha, o senador Pinheiro Machado”, conta Rodrigues. João do Rio também era criticado por promover uma reaproximação entre Brasil e Portugal. “Era um momento de acirrado antilusitanismo, em que os intelectuais brasileiros questionavam a aproximação com a ex-metrópole, e buscavam o encontro com nossas origens pela ruptura com o passado", esclarece d’Ávila. O repórter pioneiro morreu ainda jovem, em 23 de junho de 1921 de enfarte do miocárdio aos 39 anos. “Seu enterro reuniu quase metade da população da cidade do Rio de Janeiro. Ele foi muito popular, encarnava a alma de sua cidade e era um profissional moderno e inteligente. Ele foi um dos melhoO trabalho res e mais importantes jornalistas do Brasil”, O carioca foi também o primeiro a viver completa João Carlos Rodrigues. do trabalho das redações. “Diferente de seus contemporâneos, o jornalismo era seu único SUGESTÃO DE LEITURA ofício. Toda sua carreira e todos seus escritos foram feitos no contexto das redações dos jornais”, lembra a professora Julia O’Donnell, graduada em história pela Universidade de São Paulo em 2004 e autora do livro De olho na rua: a cidade de João do Rio.
João do Rio, um pioneiro repórter nas ruas do Rio de Janeiro 4 | DOIS PONTOS
A alma encantadora das ruas Autor: João do Rio (organizado por Raul Antelo) Edição: Companhia de Bolso, 2008
Elas foram ocupando espaço aos poucos. Raramente as mulheres escolhiam o jornalismo como profissão. Mais raro ainda era serem repórteres
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rreverente, ousada e criativa. Assim era Eugênia Brandão, uma jovem de 16 anos que foi contratada como “reportista” no jornal A Rua, Rio de Janeiro em 1914. O jornalismo era coisa de homem. As mulheres eventualmente contribuíam com jornais ou revistas e, geralmente, escreviam textos leves. Eugênia Brandão rompeu com essa tradição. Foi a primeira mulher repórter brasileira. Os primeiros trabalhos de destaque de Eugênia foram reportagens publicadas entre 15 e 20 de maio de 1914, que revelaram o cotidiano em um asilo na cidade. A jornalista se internou para apurar as histórias que ela narrou. Era muita coragem e ousadia para aqueles tempos de início do século XX. A repercussão do trabalho foi tamanha que outros jornais e revistas destacaram o feito da repórter. A revista Fon Fon publicou: “Uma reportagem sensacional”, na edição de maio de 1914. A vida de Eugênia Brandão como repórter é um marco, mas nas décadas seguintes muitas outras pioneiras deixaram sua marca. Parte dessa história pode ser lida na dissertação de mestrado Repórteres Pioneiras do jornalista Alex Criado, na qual ela recupera a trajetória de três repórteres brasileiras em meados do século XX: Ana Arruda Callado, do Jornal do Brasil (JB), Helle Alves e Neusa Pinheiro, ambas dos Diários Associados. “Ana Arruda Callado foi uma das mulheres que sentiram as dificuldades da reportagem na pele, exercendo colaborações em impressos como o Jornal do Brasil. Ela tinha que provar que merecia estar ali o tempo todo”, comenta Alex Criado, jornalista, doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Ana, Helle e Neusa contaram para Alex Criado como cada uma construiu a carreira de repórter e das batalhas cotidianas que precisaram enfrentar nas redações. Em 1957, Ana Callado iniciou no Jornal do Brasil e anos mais tarde assumiu a chefia de reportagem no Diário Carioca. Helle Alves começou no jornalismo em 1943. Trabalhou durante quase 15 anos nos Diários Associados e ficou célebre por conseguir um furo internacional com cobertura da morte de Che Guevara. Neusa Pinheiro deu os primeiros passos na profissão em 1952. Mesmo com experiência no impresso, foi pioneira como repórter de campo de futebol, para a rádio Cacique, de Santos. Neusa contou para Alex Criado que muitas vezes ouvia torcedores gritarem: “Lugar de mulher é na cozinha”. Ela ignorava as ofensas.
Autor desconhecido / Jornal da ABI / Domínio Público / Wikimedia Commons
Eugênia Brandão, nos anos 1920
Inspiração para jovens jornalistas A jovem jornalista Lara Almeida fez um livro-reportagem sobre a pioneira Eugênia Brandão. A obra foi desenvolvida como TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) nas Faculdades Integradas Teresa D’Ávila, em Lorena, interior de São Paulo, sob orientação de Marco Bonito e Neide Oliveira. Eugênia Brandão: a primeira repórter do Brasil é o título do livro, elaborado em 2007. Parte do material de pesquisa pode ser visto no blog: http://primeirareporter. blogspot.com.br Agora, Lara batalha para publicar seu livro!
DOIS PONTOS | 5
Reportagem | Capa
Guerreiros da informação Apurar e escrever boas histórias é tarefa nobre no jornalismo. Um veículo de comunicação – jornal, revista, rádio, TV ou site – só conquista credibilidade se tiver uma boa equipe de repórteres e publicar reportagens de fôlego Por Jéssica Scaraficci
A
reportagem é considerada um dos mais nobres textos do jornalismo. Surge de um fato que deve ser apurado, estudado a fundo e, por fim, divulgado à sociedade. O repórter é o jornalista que vai para a rua gastar a sola do sapato e enfrentar tudo o que for preciso para transmitir a sua história através de jornais, revistas, da internet, televisão ou rádio. No entanto, quando o jornalismo surgiu, no século XVII, a atividade não era tão relevante como nos dias atuais. De acordo com o pesquisador Nilson Lage, no livro A reportagem – teoria e técnica de entrevistas e pesquisa jornalística, o texto informativo era baseado no discurso retórico e as línguas europeias, que estavam se consolidando, seguiam o padrão dos textos dos grandes autores literários da época como Camões, Cervantes, Shakespeare e Molière.
Prêmio Pulitzer O Pulitzer é uma premiação administrada pela Universidade de Columbia, em Nova York, e é concedida a jornalistas que realizam trabalhos importantes nos Estados Unidos. Entregue desde junho de 1917, o prêmio foi criado a pedido de Joseph Pulitzer, um magnata da imprensa estadunidense, que morreu deixando uma quantia em dinheiro para a universidade e parte do valor foi usado para dar início ao curso de jornalismo. Distribuído anualmente para matérias e fotografias publicadas, o vencedor recebe um certificado e uma quantia de dez mil dólares e uma medalha. O prêmio também é oferecido a trabalhos importantes nas áreas de música e literatura.
Medalha do prêmio Pulitzer 6 | DOIS PONTOS
Lage conta que a partir de 1609 surgiram na Europa os primeiros jornais que tratavam de assuntos exclusivos da burguesia. Com o passar do tempo tornou-se um informativo promovido pela aristocracia, revelando como eram as grandes festas e a vida da corte. Apesar dos jornais já estarem tomando forma, a reportagem era um tipo de texto irrelevante ou praticamente inexistente nos primeiros 200 anos da imprensa. Mudanças Lage explica no livro que até a Revolução Industrial, no século XIX, os leitores de jornais eram poucos, formados por funcionários públicos, comerciantes e seus auxiliares. Com o fim da produção feudal, a população se deslocou para as cidades e expandiu o comércio. Assim, passaram a ser exigidos administradores que fossem alfabetizados. A imprensa no Brasil começou dividida entre o oficialismo (relatos oficiais e noticiosos) e o publicismo (artigos de opinião). “É estranho constatar que produtores de opinião ainda costumam, em algumas áreas, serem mais valorizados que os produtores de notícia. A informação é fundamental para a cidadania e a garantia de direitos. A opinião pode não ser fundamental. Há um problema de fundo nesse debate. A produção de informação exige, geralmente, mais recursos”, comenta Leonêncio Nossa, repórter do jornal O Estado de S. Paulo. Publicações relevantes Em 1928 foi lançada a revista O Cruzeiro, no Rio de Janeiro. Foi um marco para a imprensa brasileira por causa de sua inovação gráfica, pelo destaque ao fotojornalismo e presença de publicações de grandes reportagens. Seu primeiro número teve 50 mil exemplares. No jornalismo brasileiro uma revista em especial é guardada com carinho na lembrança de gerações de profissionais: Realidade. Criada em 1967 pela editora Abril, a revista circulou durante 10 anos e entrou para a história por publicar reportagens diferenciadas, com apuração cuidadosa e texto primoroso. Alguns desses textos podem ser relidos na obra Realidade Re-vista, de José Hamilton Ribeiro e José Carlos Marão, publicada pela editora Realejo em 2010.
As novas gerações de jornalistas vivem novas realidades. Muito se fala sobre o pouco espaço que existe hoje para as boas reportagens. Mas, de tempos em tempos, são elas que revigoram o jornalismo tanto nos jornais, nas telas da TV quanto em revistas. Algumas publicações como, por exemplo, – Brasileiros, Piauí, Trip – têm sempre grandes histórias para contar aos seus leitores. Vida de repórter “O repórter é o jornalista que vai para a rua para ver o fato em sua completude. Diferente de outros cargos no jornalismo, como o redator ou o editor, é ele que se arrisca em defesa da sociedade, quando, por exemplo, retrata uma situação delicada, que envolve interesses de grupos criminosos ou poderosos, capazes de tudo para não ter seus atos ilícitos divulgados”, diz Patrícia Paixão, professora de jornalismo e organizadora do livro Mestres da Reportagem. O livro traz entrevistas com 30 repórteres brasileiros das mais diversas mídias e áreas de cobertura. O repórter em busca de boas histórias pode se colocar “no olho do furacão”. É o que acontece quando ele vai cobrir guerras, conflitos, confrontos, disputas etc. Um livro que traz instigantes perfis de jornalistas em coberturas de conflitos é Não é aventura, é reportagem, organizado por Renata Carraro, professora de jornalismo e pesquisadora. Na obra podemos perceber como a vida de repórter é um universo de múltiplas facetas, rico em inquietações e experiências.
Prêmio Esso A mais tradicional e importante honraria concedida a jornalistas e a veículos de comunicação no Brasil, o Prêmio Esso é entregue desde 1955. Em sua primeira edição, foi chamado de Prêmio Esso de Reportagem. Hoje, 57 anos depois, mais de 27 mil trabalhos já concorreram à premiação, que tem 13 categorias. “Eu acredito que a receita para ganhar um Prêmio Esso é trabalho, dedicação, persistência, muitas noites mal dormidas e fins de semana trabalhando, além de muita paixão pela reportagem. Sempre tive o sonho de ganhar um Esso, mas isso é uma consequência de um trabalho bem feito. Quando ganhei, vivi a sensação de dever cumprido”, conta Leandro Colon, que levou o troféu para casa duas vezes, nos anos 2009 e 2012. O Prêmio é um reconhecimento para os profissionais da imprensa e indica os melhores trabalhos publicados em jornais, revistas e TVs de todo país. O vencedor também recebe uma quantia de R$ 30 mil, além do reconhecimento dos colegas de profissão.
Cartaz do Prêmio Esso 2013
SUGESTÕES DE LEITURA
Não é aventura, é reportagem: jornalistas e coberturas de conflitos Organizadora: Renata Carraro (publicado pela Editora In House, em 2013)
Mestres da reportagem Organizadora: Patrícia Paixão (publicado pela Editora In House, em 2012) DOIS PONTOS | 7
Reportagem | TV
Reportagem | Voz
Tela mágica para o jornalismo
Ao pé do ouvido
A televisão passa uma ideia de glamour, mas ser repórter nessa mídia é uma tarefa árdua. Caco Barcellos fala sobre a criação e os desafios do programa Profissão Repórter
Por Amanda Monteiro
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A originalidade e a abordagem da notícia são os maiores desafios do Profissão Repórter Caco Barcellos
Caco Barcellos fala sobre a reportagem na televisão 8 | DOIS PONTOS
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Por Amanda Monteiro
odo jornalista tem histórias para contar, e se você pensa que cada uma delas vai acontecer no seu devido momento, bom, nem sempre. A profissão é cheia de altos e baixos, de horários incompatíveis, de viagens de última hora. Os desafios de ser um jornalista são enormes, mas as dificuldades elevam a experiência profissional. Absorver o conhecimento de várias áreas do universo cultural ao mesmo tempo é uma tarefa árdua. Por mais glamour que possa parecer estar diante da telinha, o trabalho envolve tempo, pesquisas e comprometimento de corpo e alma. O telejornalismo é o grande sonho de muitos estudantes de comunicação, mas para aparecer na frente da câmera ou estar na direção do trabalho, o conhecimento profundo e muita dedicação são primordiais. O texto tem que ser o casamento perfeito entre a transmissão da notícia e a imagem. A apuração, as pautas, a produção, a edição e a percepção plástica, são feitas minuciosamente.
Amanda Monteiro
A transmissão da informação pelas ondas do rádio requer agilidade do repórter e estimula a imaginação do ouvinte
”
Tudo é pensado em uma composição única e produzido individualmente para uma combinação perfeita, que não permite falhas diante dos olhos atentos do telespectador. A essência do jornalista é a informação. O jornalista precisa estar inteirado nos fatos históricos e atuais que acontecem em todo o mundo. Deve também procurar o equilíbrio entre o tempo e a objetividade, que são a alma da TV. Estimular a reflexão A reportagem do fascículo Dois Pontos observou essas nuances de forma diferente: no formato original do Profissão Repórter, exibido semanalmente às terças na Rede Globo. “Um dos grandes desafios é transformar tudo o que foi visto, pesquisado e captado numa reportagem em uma matéria que transmita fielmente toda essa realidade”, relata Mônica Pinheiro, chefe de reportagem do programa. A produção do projeto, que é um sucesso, mostra os bastidores da notícia de uma forma muito diferente. O formato oferece a abertura da sala de reuniões de uma redação para o público, nos convidando a experimentar a sensação de que acompanhamos a investigação de perto. Assim, somos estimulados pelas reflexões em questão e a interação permite novos prismas de uma realidade que até então não tinha sido apresentada em outras perspectivas. “A originalidade e a abordagem da notícia são os maiores desafios do Profissão Repórter. Não queremos que a informação seja a mesma, que o telespectador já saiba o que vai aparecer. Queremos que ele diga: nossa, e agora? Então vem o nosso tchan tchan tchan”, conta Caco Barcellos, diretor e idealizador do programa. Caco Barcellos, jornalista investigativo e criador do programa que inspira milhares de estudantes de jornalismo, esclarece que não há mágica neste ramo, que a competitividade é grande e é preciso ter certeza de que é este o sonho que se quer seguir. “Pesquise escritores que são jornalistas, conheça como é o dia a dia deles, a pressão que passam. Tenha suas próprias experiências. Após essa fase, se tiver convicção de que é esse o futuro que deseja, se atire no conhecimento e corra atrás!”, recomenda.
dinamismo e a velocidade da informação sempre foram características marcantes da forma de fazer jornalismo no rádio. A falta que a imagem faz colabora com a imaginação do ouvinte que, por sua vez, deve possuir uma atenção redobrada para que não perca nenhuma frase dita pelo locutor. Muito se especulou durante o desenvolvimento de novas tecnologias midiáticas sobre o trabalho da radiodifusão, para constatar se realmente teria um fim ou seria substituída por uma nova tendência informativa, mas nada ganhou força com o passar do tempo. O rádio é imprescindível para a disseminação da notícia de forma rápida e ágil, justamente pela maior facilidade de deslocamento, de produção e edição. O fato acontece e em poucos instantes o texto é formulado, muitas vezes indo ao ar poucos minutos depois. Enquanto outros veículos necessitam da interação com vídeo, imagens ou diagramação (no caso dos veículos impressos), o rádio permite outra espécie de realidade. Por ser um registro de voz, a estrutura da mensagem pode ser menos precisa, uma vez que a missão de dar a notícia seja cumprida. Afinal, é bem mais fácil retratar algo que foi dito e o ouvinte não se lembra muito bem, do que algum erro que chega aos olhos do telespectador ou de um texto que já foi impresso. Chegar primeiro A preparação da voz, da respiração, do controle e postura corporais é indispensável para os profissionais que desejam atuar nessa área. “É um exercício diário para desenvolver um estilo à frente do microfone, para complementar no texto características pessoais, como a suavidade na voz, o sarcasmo e a irreverência”, comenta Celso Freitas, jornalista e professor de radiojornalismo na Universidade São Judas. As formas de se dar uma notícia no rádio são bem diferentes de outras mídias, pois o que conta como peça chave é o imediatismo da informação. Onde, quando e como vai chegar primeiro. Alguns segundos de diferença e outras estações podem estar à frente, ocasionando a perda de pontos na audiência. A firmeza e a segurança ao vivo também são elementos importantes para as ondas radiofônicas. O público precisa se sentir confiante em acreditar naquilo que ouve da
forma que é dito, e com que sensibilidade é colocada em pauta de acordo com o assunto. A magia que envolve essa relação com a audiência sempre foi uma das grandes cartadas desse meio de comunicação. Desde a Era de Ouro (período das décadas de 1940 e 1950 no Brasil), lembrada saudosamente por quem a viveu, as pessoas trabalham com a criatividade e a atenção, de forma diferente da interação de imagem e som da televisão ou que os impressos proporcionam. “O profissional da área estimula o ouvinte a pensar, firma o compromisso com a verdade no tom da voz”, diz Flávia Lúcia Bazan, jornalista e professora de Radiojornalismo na Universidade Federal do Paraná. O raciocínio rápido e a improvisação também são elementos importantes. Fazer o dever de casa é essencial: quem quer fazer rádio tem que ouvir rádio, procurar o seu eixo neste nicho, estudar e investir no próprio potencial.
DOIS PONTOS | 9
Reportagem | Vigilância
Resenha | Destaque
Eles não devem se calar
Lições de um veterano
A liberdade de imprensa e a democratização da informação são bandeiras levantadas pela ONG Repórteres Sem Fronteira, que observa cotidianamente a atividade jornalistística em todos os continentes
Reprodução
Por Alexandre Novaes
A
liberdade da informação é um assunto muito estimado na área jornalística. Quem traria à tona assuntos de extrema importância como crimes, conflitos, abusos de poder ou novas doenças, se não fossem os repórteres? Quem tornaria todas essas discussões públicas? Ainda assim essa situação não está resolvida e muitos querem calar os profissionais responsáveis pela informação. Diante dessa situação, foi fundada em 1985 a instituição Repórteres Sem Fronteiras (RSF), na cidade de Montpellier, França, pelos jornalistas Robert Ménard, Rémy Loury, Jacques Molénat e Émilien Jubineau. Uma Organização Não Governamental (ONG), cujos principais objetivos são monitorar e denunciar ataques à atividade jornalística e zelar pela liberdade de expressão em todo o mundo. Reconhecida pelas Organizações das Nações Unidas e pela Unesco, a RSF está presente nos cinco continentes, possui cerca de 10 escritórios, mais de 150 correspondentes e colaboradores que observam toda a atividade que envolve prestação de informações em redes de televisão, jornais, blogs ou qualquer função que envolva a comunicação. Além disso, denunciam ameaças e ataques a jornalistas e prestam assistência psicológica e financeira aos profissionais que atuam em zonas de guerra. “É um dos objetivos da RSF tornar público os maus tratos e perseguições que a comunidade jornalística sofre em países que não respeitam direitos à informação. Toda forma de opressão contra jornalistas está ligada a pessoas que agem à margem da lei. Quando um jornalista é calado, a liberdade de imprensa não existe naquele lugar”, diz Eugênio
Bucci, jornalista graduado pela Universidade de São Paulo, articulista do Estado de S. Paulo e colunista da revista Época. RSF no Brasil Apesar de não ter um escritório oficial no Brasil, a ONG investiga a situação da imprensa do país. Uma das críticas recentes feita pela RSF é sobre a alta concentração do controle de propriedade nos meios de comunicação no Brasil. O relatório foi intitulado O país dos Trinta Berlusconi, que conta com depoimentos de Eugênio Bucci. “Aliás, essa é outra questão que a RSF levanta: a interferência da política na imprensa. No relatório falei sobre um dos principais problemas da mídia no Brasil. Existem muitas redes públicas de televisão que estão no poder de pessoas ligadas à política. Esse poder concentrado acontece porque no país não existe uma regulamentação da imprensa. Uma rede de televisão pode ser fiscalizada quando os governantes têm poder sobre ela mesma. Quando existem esses vínculos, a pluralidade de opiniões não acontece”, esclarece Bucci. “As emissoras de televisão influenciam diretamente a opinião pública, a respeito da política, costumes e importâncias reais na sociedade brasileira, ou seja, é uma via de mão dupla em que o povo é refém de uma comunicação que parece estar preocupada com o bem comum, mas na verdade só está transmitindo o que é de interesse próprio de quem repassa a comunicação no país”, completa Bucci. SUGESTÃO DE LEITURA
Por Alexandre Novaes
O
jornalista e professor Nilson Lage revela um conjunto de elementos básicos para o bom exercício da atividade jornalística em A reportagem - teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Lage, que tem quase meio século de jornalismo, narra de forma direta e utiliza uma linguagem simples para dividir suas experiências com os jovens aprendizes. O livro é excelente para profissionais da área, mas é dedicado principalmente a jovens que desejam ingressar na profissão. O autor inicia a obra partindo de um breve histórico sobre os primeiros jornais de origem europeia. No século XVII, eles tratavam somente de assuntos ligados à burguesia, adotados mais tarde pela camada mais alta da sociedade, a aristocracia, até se tornar popular com a Revolução Industrial no século XIX, em que surge de fato a reportagem e o repórter. Com o tempo, a atividade começa a ser ensinada em universidades. Assim, Lage chega ao assunto principal do livro. Primeiramente, aborda o surgimento da pauta e sua importância, que torna mais
organizada a execução de matérias e garante a publicação diária de cada edição do jornal com os assuntos previamente agendados. Depois, ele parte para uma discussão sobre a relação do jornalista com suas fontes e as formas de entrevista que podem ser obtidas de acordo com o tipo de matéria a ser realizada. Lage trata também de assuntos ligados a valores éticos da profissão e comenta alguns casos em que o tema em questão pode ser aplicado para falar sobre o compromisso público que o profissional tem com a população. O jornalista veterano também fala de métodos de pesquisa para a elaboração de um texto e como se dá o jornalismo interpretativo e investigativo. Além disso, indica como as novas tecnologias, o computador e a internet, podem contribuir para a obtenção de informações, mas ao mesmo tempo não são de toda forma confiáveis. Por fim, o autor faz uma reflexão sobre a situação do ensino universitário atual no Brasil, apontando, inclusive, pontos de melhoria. Lage consegue unir a história, a teoria e o método de forma fluida e interessante.
Estante fundamental As técnicas de redação em Jornalismo – o texto da notícia, de Patricia Ceolin do Nascimento (Saraiva) “Contém boas dicas para quando vamos escrever um texto, além de exercícios para colocar o aprendizado em prática. Assim, é bom para o estudante treinar a escrita. Fala de vários gêneros jornalísticos.” Cayan Fontoura, jornalista formado pela Universidade Cruzeiro do Sul e analista de comunicação
Maus pensamentos – os mistérios do mundo e a reportagem jornalística, de Dimas A. Künsch (Anablume)
O relatório O país dos trinta Berlusconi, publicado em janeiro de 2013, pode ser acessado para download no site da ONG Repórteres Sem Fronteiras (http://es.rsf.org) 10 | DOIS PONTOS
“É importante para o estudante de jornalismo porque trata de assuntos profundos. Levanta uma reflexão sobre o papel da reportagem, fala sobre o pensamento complexo e suas relações com a comunicação.” Emily Guimarães, jornalista formada pela Universidade Cruzeiro do Sul, assessora de imprensa e blogueira
Serviço A reportagem - teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística, de Nilson Lage (2001) Editora Record
Técnica de reportagem – notas sobre a narrativa jornalística, de Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari (Summus) “Fala não somente sobre as técnicas da reportagem, mas utiliza textos já publicados em diversos impressos para mostrar os recursos funcionais para uma se obter boa reportagem. É importante porque engloba técnicas gerais da reportagem.”
Daniele Motta, estudante do 4° ano de jornalismo na Universidade Cruzeiro do Sul e assessora de imprensa
História, jornal e técnica – as técnicas do jornalismo (volume 2), de Juarez Bahia (Mauad X) “Jornalista premiado, Juarez Bahia reúne com maestria fatos históricos e técnicas da prática jornalística. A obra esquadrinha estruturas que dificultam e enobrecem a tarefa da mídia, abrindo o campo às intenções de estudantes e profissionais.” Camila Caringe, jornalista formada pela Universidade São Judas e mestranda em Filosofia Semiótica pela Faculdade Mosteiro de São Bento DOIS PONTOS | 11
Crônica | Relato poético
Visita inesperada Por Pamella Pestana
O
ntem à noite, eu me sentei na frente do computador e corri meus dedos pelo teclado. Quem sabe o som não me trouxesse inspiração para escrever uma grande reportagem? Percebi que aquela frase de impacto que dá início ao texto e um pontapé na criatividade é pior que visita inesperada no domingo à tarde. Aparece quando tem vontade e sem avisar, e você ainda nem tem papel para anotá-la. Prometi que essa seria a última vez que eu escreveria um texto de última hora. Mas
“
Prometi que essa seria a última vez que eu escreveria um texto de última hora
”
12 | DOIS PONTOS
com todos os problemas que tive para resolver, eu só poderia ter começado ontem mesmo. Primeiro, a pauta se revelou um mistério. Troca o tema daqui, acrescenta algo de lá, até que finalmente eu tinha sobre o que falar. Depois, vieram todas as confusões para conseguir um entrevistado. É telefonema para a assessoria, depois tem que mandar um email para a assessora e, por fim, se você estiver com sorte, quem sabe consiga uma en-
trevista naquele feriado que você tanto esperou. O problema é que você preferia descansar ao invés de trabalhar. Mas a melhor parte está por vir. Como se não bastasse a dificuldade para encontrá-lo, o dito entrevistado ainda decidiu morar do outro lado da cidade. Eu me preparei com antecedência para tudo o que podia dar errado, mas não pensei que o metrô talvez fosse meu aliado. Cheguei, pelo menos, uma hora antes e, como não quis ser deselegante, resolvi esperar do lado de fora. Me sentei na portaria, feliz, pensando em quanto o rapaz ficaria impressionado com minha pontualidade. Pena que ele se esqueceu de mim, e não apareceu na hora marcada. O porteiro interfonou, mas me disse que o telefone só chamava e que não havia ninguém em casa. Tentei ligar para ele, mas a secretária eletrônica insistia em atender. Por fim, uma hora mais tarde, desisti. Percebi que toda a minha sorte tinha sido gasta com o metrô que não deu nenhum problema. Na próxima vez seria melhor economizar um pouco para a entrevista. Fui fazendo o caminho da roça enquanto quebrava a cabeça para achar uma solução para o meu problema. Inventar uma entrevista inteira estava fora de cogitação, tinha de haver outra opção. E fui pensando, pensando e pensando na esperança de que alguma ideia ganhasse vida. E por mais que a gente diga que o pensamento da gente toma forma, eu nunca imaginei que o meu fosse aparecer bem na minha frente: Logo ali, quando eu dobrei a esquina, encontrei ninguém mais, ninguém menos que a pessoa que eu deveria entrevistar. Correndo e meio afobado, ele parecia bem cansado, mas mesmo assim acenou e se desculpou por estar atrasado. Eu consegui minha tão preciosa entrevista. Depois de relembrar todas as dificuldades, consegui pensar em algo para dar início ao texto da reportagem e quando sentei na frente do computador de novo, pensando em ouvir o áudio da conversa, me dei conta de um detalhe: meu gravador estava quebrado.