upa Uma perícia na mente humana
Crianças sociopatas:
Insetos:
entenda suas mentes
Veja os rastros da
ditadura militar após 27 anos Conheça histórias de jornalistas que arriscam suas vidas no jornalismo investigativo
a natureza pode desvendar crimes
editorial
upa Uma perícia na mente humana
U
m olhar cansado ganha uma lente de aumento e finalmente pode ver os detalhes que antes eram imperceptíveis. Sejam muito bem vindos a uma revista que maximiza o minúsculo e minimiza o esdrúxulo. O fim da vida é evitado e inevitável. Aqui é onde começa esse fim, mas nada de sensacionalismo, apenas há espaço para o que é curioso, duvidoso e novo. Através de uma Lupa iremos juntos encontrar todas as evidências que estavam sendo ignoradas diante olhos nus. Temos uma proposta diferente, não é? Mas olha, nossas pautas são sempre muito interessantes, partimos de um tema central, o assassinato. Pode parecer assustador? Sim, perante uma palavra tão forte e que representa algo tão cruel e irremediável. Mas não é preciso arregalar os olhos, não é nossa intenção assustar-lhes, caros leitores, afinal, acabamos de chegar! A Lupa quer instigar seus leitores a mergulharem em uma análise da mente humana, ressaltando todas as hipóteses, nessa visão tão complexa. Está vendo? Não tomamos partido de nenhum lado, não julgamos o certo e o errado, apenas o aprofundaremos nessa realidade tão incomum. Contamos, além do trabalho de nossos repórteres, com o auxílio de articulistas gabaritados, que possuem conhecimentos sobre diversos assuntos e que desejamos compartilhar de forma imparcial e concisa por meio de nossas publicações a cada mês. Nessa primeira edição, fomos em busca de uma matéria de capa super especial.
Mesmo que nem sempre aprofundadamente, inúmeros casos já foram comentados na TV, nos jornais, nas revistas e, hoje em dia, na internet. A questão é: quem são esses jornalistas que pegam seus bloquinhos de nota, caneta e curiosidade e saem nas ruas atrás de mais informações sobre os mais variados tipos de crimes? Quais são os perigos que eles correm? Quais são os cuidados que tomam? Como funciona todo esse processo de apuração? Confira nas próximas páginas a resposta dessa e de outras perguntas e muitas histórias interessantes, reveladoras e detalhes que apenas com a Lupa você irá perceber. Esperamos atingir todas as expectativas e podermos permanecer dividindo nossas descobertas e histórias com vocês.Boa leitura!
Jéssica Peixoto Editora Chefe
expediente
Universidade São Judas Tadeu Jéssica Peixoto Editora de Texto RA: 201114238
Jéssica Scaraficci
Assistente de Editor de Texto
RA: 201004923
Paula Costa
Editora de Imagem RA: 201114873
Chanceler
Profª Alzira Altenfelder Silva Mesquita
Reitor
Prof. José Christiano Altenfelder Silva Mesquita
Faculdade de Letras, Artes, Comunicação e Ciências da Educação Paulus Fogacci Assistente de Editor de Imagem RA: 201013406
Pamella Pestana Secretária RA: 201114322
Alexandre Novaes Repórter e Ilustrações RA: 201108188
Diretor: Prof. Ms. Rosário Antônio D’Agostino
Coordenador dos Cursos de Comunicação Social
Prof. Ms. Anderson Fazoli
Amanda Turano Repórter RA: 201114320
Gabriela Lima Repórter RA: 201110673
Phillip Silva Repórter RA: 201115564
upa Uma perícia na mente humana
Colaboradores: Diego Azizi, Fernando Milani e Ligia Nilsen. Diagramação Tamires Oliveira Raquel Fagundes Repórter RA: 201104621
Vinicius Araújo Repórter RA: 201114074
A revista “Lupa” é uma publicação experimental de alunos do curso de Jornalismo (2BCSNJO / D2), sob orientação da profª Ms. Jaqueline Lemos, na disciplina Procedj.
Sumário
CRIMINOLOGIA 8. Investigação Desenvolvimentos misteriosos da perícia no Brasil 10. Provas Vivas
12. Testis unus, testis nullus
14. Homicídio em Foco
16.O defensor da Cidade
20. Do ponto de vista da lei
PSIQUE
22 . Crime em Cena
23. Entre os dois lados da Moeda
28. Fugindo da Culpa
26. Psicopatia Infantil
30. Olhe os Modos
56. Dias em Estocolmo 54. Um Retrato da Vida de John Lenon
52. La Cam 50. Violência que mata a alma
48. Morte e canibalismo em ritual macabro
46. O soco na liberdade ainda dói
ARQUIVO MORTO
44. Lampião
32. Ajudando a criança a lidar com a morte
34. A mente do sociopata
38. CAPA- À prova de bala
Criminologia Por Phillip S. Ferreira
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Desenvolvimentos misteriosos da perícia no Brasil O trabalho fundamental na busca por respostas é também uma das tarefas mais difíceis dos departamentos de Polícia.
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ados interessantes surgiram recentemente tigação deste porte serem rápidas como no vídeo constatando que há trinta anos os crimes são quase nulas. violentos têm crescido de forma alarmante Já que existe uma série de etapas a serem em todo o País, dentre eles, os assassinatos. cumpridas antes mesmo de saber quem é a vítiPelos mais variados motivos, sejam eles vingança, cima para que seja assim liberado o corpo aos famiúme e até mesmo uma espécie de diversão doentia; liares, é um processo penoso e cansativo até que os números chegam a quase 1,1 isso aconteça, pois em casos de milhão de pessoas mortas segunum crime violento a perícia deve do o Instituto Brasileiro de Geograconcluir o inquérito antes da libeCSI é besteira, fia e Estatística (IBGE). ração. aquilo não chega Tentaremos entender as for“Desde o telefonema para o mas de investigação com base nem perto do real 190 (Polícia Militar em todo o País), em depoimentos de pessoas que (Delegado Claudio Ramim) quando se encontra um corpo em estão no campo há algum tempo, qualquer lugar da cidade o dever como é o caso do Delegado Ramim que há quase 35 do primeiro policial é isolar a área, afastando anos tenta desvendar alguns dos casos mais incríveis curiosos a qualquer custo já que eles podem e nada fáceis ao lado de peritos e investigadores. comprometer gravemente as possíveis provas Muitas pessoas quando se ouve falar de algo deixadas ali pelo assassino”. “Logo em seguida como investigação criminal, qual é a primeira imadeve-se cobrir o corpo com um quite especial que gem que lhes vêm à cabeça? Claro, todo o glamour cada viatura possui que consiste no famoso saco que se encontra nas séries de TV como “CSI”, “The preto o que parece com um grande papel alumínio Closer” e muitas outras. Mas a verdade é que nem ainda com o intuito de afastar curiosos”, disse o tudo tem uma solução e as chances de uma invesSoldado Marcos Quaresma.
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Após o isolamento obrigatório da área é nede ferimentos, se foi realmente o ferimento que o cessário tomar cuidado com cada detalhe, pois levou a óbito ou se foi consequência de qualquer rastros podem estar em todo o lugar, como cartuoutra coisa não visível. chos de munição que podem estar espalhados pelo Em algumas das grandes delegacias existem chão ou até mesmo a própria arma do crime, o que, laboratórios de perícia, alguns deles com os meacredite, é muito comum. E então deve-se acionar a lhores equipamentos como é o caso da 10ª DP polícia civil quase que imediatamente após a realilocalizada ao lado do Terminal Aricanduva, que zação dos primeiros passos da investigação. nesse tipo de caso responde diretamente ao DeDepois disso o caso não diz partamento de Homicídios e mais respeito a PM e sim a Civil, os Proteção a Pessoa (DHPP). A melhor parte primeiros a chegar são os invesCom alguns dos melhodo trabalho é nosso, tigadores que na grande maioria res aparelhos, é sim possível das vezes são dois e sempre vêm só por não nos se chegar bem longe em uma acompanhados de um perito que sujar já fico feliz! investigação como essa, nem vai tirar as primeiras fotos para sempre desvendá-la, mas com (Perito Criminal Josué Macedo) ilustrar o caso, foto essas que jaa ciência empregada nas mais mais virão a público irão apenas para o arquivo do diversas situações realizadas e testadas dentro de inquérito e para uso apenas da investigação. um desses laboratórios através da ajuda do legista Após as primeiras evidências, os peritos comeque constantemente examina o corpo e envia foçam a vasculhar os bolsos em busca de algum dotos ainda mais detalhadas aos peritos. cumento, caso não seja encontrado, a única chan“Para se chegar ao fundo de um caso como esce de descobrir a identidade da vítima é a retirada ses a chave é a comunicação”, explica o Perito Cridas impressões digitais, depois de tudo isso feito o minal Josué Marcelo. “Entre os peritos envolvidos Instituto Médico Legal (IML) entra em ação, levane os médicos legistas que geralmente trabalham do o corpo para que sejam realizados alguns tesem até sete pessoas que se falam constantemente, tes a fim de descobrir as causas da morte, em caso compartilhando material uns com os outros”.
A palavra final só sai do laboratório Em homicídios com armas de fogo, a determinação do calibre (caso não sejam encontrados cartuchos na cena do crime) e da distância dos disparos é realizada em ambientes controlados com o uso da gelatina balística, desenvolvida nos Estados Unidos para simular a densidade do corpo humano facilitando o estudo de impactos sofridos pela vitima. Os peritos usando alguns dados matemáticos e a gelatina, fotos e outros artifícios são capazes de dizer com uma espantosa exatidão o calibre, a arma e a distância que o individuo foi assassinado. Já os investigadores têm um papel fundamental na tarefa de encontrar o culpado, que é conduzir as entrevistas a possíveis testemunhas oculares do ocorrido o que não significa ser um dos trabalhos mais fáceis, já que apesar de tudo existe um medo constante de serem os próximos por parte das pessoas, o que dificulta e muito na busca pelo culpado.
Um pouco de história
Dados interessantes que ajudam a compor a história dos crimes no País.
As pessoas imaginam que sejam mais comuns as mortes por arma de fogo, mas a grande maioria dos homicídios que ocorrem na Cidade de São Paulo são resultados da utilização de armas brancas conhecidas como facas e em grande parte das mais simples, as de cozinha. E curiosamente os números mais altos de causas de homicídios ainda são entre jovens que se envolvem em brigas ou desentendimentos em bares, e quase sempre acontecem durante a noite. Hoje somos donos do 3º lugar na taxa de homicídios da America do Sul, chegamos a registrar incríveis 43.909 mortos apenas no ano de 2011. “Tudo depende de cada um de nós oficiais ou não, policiais militares ou não, nenhum de nós conseguimos realizar nossos trabalhos de forma eficaz sem o outro essa é a grande verdade por trás dessas paredes”. Delegado Claudio Ramim.
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Criminologia Por Gabriela Lima
Provas
vivas
Insetos encontrados em cadáver podem denunciar detalhes da morte e até mesmo o seu autor
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uque de Caxias, Região da baixada fluminense, 2005. O corpo do rapaz foi encontrado na área de serviço da casa, pendurado por uma corda amarrada no pescoço, no que parecia ser um enforcamento. Os exames, porém, apontaram envenenamento como a causa da morte. Ou seja, aquele cenário havia sido criado com o claro intuito de atrapalhar o trabalho policial. Conforme o avanço das investigações, as evidências começaram a indicar um suspeito. Veio, então, o laudo do médico-legista, concluindo que o óbito datava de, aproximadamente, uma semana antes da descoberta do corpo – e o possível assassino tinha um álibi justamente para essa lacuna no tempo. Testemunhas, no entanto, afirmavam que a vítima não era vista a pelo menos 15 dias antes daquela data. Se isso se confirmasse, o álibi se esvaeceria. Para esclarecer a questão, a doutora Janyra Oliveira-Costa, 48, perita da Polícia Técnico-Científica do Rio de Janeiro e especialista em entomologia forense, foi convocada. “Nossos esforços se relacionam à investigação de mortes violentas. A entomologia forense pode descobrir quem é o morto, onde a morte ocorreu, como e há quanto tempo, sempre nos casos em que o corpo já está em decomposição – afinal, quando ele ainda está fresco, a criminalística tradicional pode ser empregada com mais facilidade”, ressalta a doutora Janyra. “Por exemplo: num cor-
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po fresco, as próprias características de uma ferida indicam se ela foi causada por projétil de arma de fogo ou não. Num apodrecido, ela pode ser confundida com lacerações produzidas por facadas ou pelos insetos mesmos. Nesse caso, é melhor coletar o material nas próprias larvas que se alimentaram do cadáver e procurar por indícios de chumbo, bário e antimônio. Se tais substâncias forem achadas, então certamente aquele corpo foi alvejado por um tiro”, explica a especialista, acrescentando que os parâmetros da medicina legal só valem nas primeiras 24, no máximo 48 horas após a morte. Após isso, com a decomposição, o corpo estará muito contaminado por bactérias e fungos. Aí, só mesmo a entomologia forense resolve, já que o material encontrado dentro dos insetos, por estar melhor preservado, torna- se uma fonte muito mais confiável. Graças a estudos europeus, a ciência projetou-se internacionalmente a partir do século 19, especialmente depois da publicação de “A fauna dos cadáveres” do francês Jean Pierre Mégnin, onde propunha a existência de uma espécie de ordem previsível de chegada das diferentes espécies de inseto a um corpo - há, por exemplo, alguns que surgem logo após o óbito, outros quando o corpo começa a inchar e outros quando só restam ossos. O conhecimento desse fato é útil para ajudar o cálculo, por exemplo, do chamado IPM, intervalo pós-morte, isto é, o tempo que passou desde
que ocorreu a morte. Contudo, o padrão de Mégnin não pode ser adotado por aqui, devido às diferenças de fauna e de clima. Algumas pesquisas brasileiras conduzidas no início do século 20 já apontavam isso, mas não tiveram muito êxito, sendo retomadas somente no final da década de 80. Conhecer a fauna regional é fundamental para a investigação forense.“Se uma espécie de inseto que não existe na região onde o corpo foi achado, for detectada, é porque ele foi removido. O perito pode determinar isso mesmo se o transporte tiver sido feito imediatamente após a morte. Os insetos têm olfato apurado e são muito rápidos – no momento da morte, já tem bicho pousando e depositando ovos”. Durante a investigação, muitas vezes o trabalho de coleta requer a utilização de carcaças de porcos para atrair os insetos. A equipe da doutora tem feito esse tipo de levantamento continuamente, a cada estação climática, desde 2005. “Utilizamos as carcaças porque aqui não há uma ‘fazenda de corpos’, como nos EUA”, lamenta, referindo-se ao tipo de centro de estudos norte-americano, onde corpos são doados por meio de uma declaração assinada em vida pela própria pessoa.
Como há espécies que chegam ao corpo logo após o óbito, a idade desses insetos normalmente coincide com o IPM. “Se os espécimes forem encontrados ainda em forma larval ou muito jovens, não há como identificar o tipo da espécie. Em um caso como esse, é preciso criar o bicho até que ele amadureça, e isso faz com que o laudo demore até ser concluído”. Foi o caso da vítima enforcada em Duque de Caxias. A especialista verificou a presença de exemplares de C. albiceps um pouco antes de ser tornarem adultos.
Os insetos têm olfato apurado e são muito rápidos – no momento da morte, já tem bicho pousando e depositando ovos
Examinando o local, ela notou outro fato interessante: como o corpo estava pendurado, muitos insetos não conseguiam se fixar e caíram no chão. Como os bichos são em grande parte responsáveis pela deterioração de um cadáver, aquele em particular se manteve mais preservado do que o normal, o que poderia ter induzido o médico-legista ao erro. Quando terminou os cálculos, a Dra. Janyra confirmou a hipótese: as larvas de mosca tinham pelo menos 15 dias. Esse foi, portando, o IPM que a perita apontou em seu laudo, contrariando o legista, corroborando o depoimento das testemunhas e derrubando o álibi do suspeito, que foi, enfim, associado ao crime. Caso encerrado.
JÚRI DE MOSCAS O primeiro caso solucionado pela Entomologia Forense aconteceu na China medieval. No ano de 1325, o advogado chinês Sung Ts’u em seu livro chamado A Expiação dos males, descreveu vários casos e suas prováveis causas. Em sua primeira descrição de assassinato, a vítima tinha sido cortada em vários pedaços por uma foice, ferramenta comum em uma colheita de arroz, o qual era perto do local do crime. Para solucionar o assassinato, o magistrado teve a brilhante idéia de chamar todos os trabalhadores e pedir para que mostrassem suas foices. Apesar de todas parecerem limpas, uma atraiu rapidamente uma multidão de moscas pois elas podem sentir o odor do resíduo de sangue. Depois de ter sido denunciado pelas moscas, o assassino confessou o crime.
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Criminologia Por Paulus Fogacci
Testis
unus, testis nullus
O mais difícil não é superar o trauma, e sim proteger a sua vida mesmo que esta ainda esteja sob grande ameaça. Mas como obter ajuda, sendo que, como chave fundamental do caso, você também é a vitima?
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ra uma noite como outra qualquer. Porém, em questão de minutos o que era uma vida normal, apesar das brigas e desentendimentos, continuava a ser uma família comum, sem maiores problemas. De forma alguma era uma tragédia anunciada. O réu diz ter sido um acidente, uma fatalidade. A única testemunha que presenciou tudo teve que deixar sua vida para trás. O motivo: testemunhar contra o próprio cunhado e, por causa disso, correr risco de vida. O programa de proteção a testemunhas surgiu em 1970 nos Estados Unidos, como forma de cobrir pessoas que eram alvo de risco, tanto por suas vidas quanto a importância de seus depoimentos.
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Foi uma medida tomada para proteger a integridade física e mental das vítimas que sofriam ameaças ou pressões dos acusados, ou quando estes estavam foragidos e ainda ofereciam perigo. Vários outros países adotaram o programa, já que se trata de uma realidade refletida pela violência distinta de cada país. Entre eles estão a Índia, Itália, Escócia etc.
Proteção brasileira
No Brasil, o programa foi iniciado em 1998, e já no ano de 1999 foi assinada a Lei de N° 9.807, estabelecendo assim as normas para organizações estaduais destinados a proteção de vítimas e testemunhas. Hoje funciona em 17 estados. Desde o seu início, vem procurando estabelecer relações com ONGs (Organização Não Governamental) para expandir o seu território de atuação. A ONU (Organização das Nações Unidas) reconheceu o programa como chave fundamental dos Direitos Humanos, assumindo a sua importância mundial. Antonio Carlos Prestes, delegado responsável pela divisão de homicídios do Palácio da Policia Civil de São Paulo, comenta sobre a proteção a pessoas. “É um país diferente do nosso, tem recursos mais extremos. Por exemplo, algumas pessoas chegam a mudar de identidade e país. É como se nunca tivessem existido ou como uma morte simulada, porém, em muitos outros casos, é necessário que seja feito dessa forma. Aqui no Brasil, em alguns casos, a pessoa tem que abandonar o empre-
(...) algumas pessoas chegam a mudar de identidade e país go e mudar de cidade. Desaparecer, literalmente. De qualquer forma, desde 1998 o programa vem sendo aprimorado”, afirma. Muitos são os métodos de proteção, de escoltas a isolamento. Essas medidas variam de acordo com o modo em que a testemunha é coagida, devido a sua colaboração com as investigações e processo criminal. É importante ressaltar que, a solicitação deve partir do próprio interessado, delegados, Ministério Público, Juízes etc. O perfil é avaliado e, caso haja risco imediato, a testemunha é colocada provisoriamente sob custódia dos órgãos policiais.
Apesar de mais de 2000 pessoas terem passado pelo programa, sendo 850 testemunhas e também escoltadas, não são muitos os casos divulgados. O serviço de PP (Proteção a Pessoas) – que faz parte da DHPP (Divisão de Proteção a Pessoas) – mantém sigilo absoluto, regulamento que faz parte do programa de proteção. No Brasil, em sua maioria, são de esquemas de corrupção nos quais um dos membros acusa o bando e vê-se obrigado a solicitar o serviço. O maior responsável por manter o programa é o Estado e o governo federal, que arca com 20% dos custos.
Apoio
Outras medidas são adotadas como forma de suporte. Existem os CAVC (Centros de Apoio a Vítimas de Crime) e o PFPT (Programa Federal de Proteção a Testemunhas), além de redes solidárias de proteção. Este último, de caráter mais social, atende moradores de comunidades que estão muito mais expostos ao crime organizado.
A psicóloga Elisangela Carvalho Dias relata que muitos dos seus pacientes acabam guardando os traumas e não os expõem. Comenta que isso é muito prejudicial e não ajuda a se libertar do trauma. Além disso, o modo como suas vidas seguem encontram muitas dificuldades e adversidades. Há muitas lutas internas. “Há uma série de regras que devem ser seguidas. Muitas pessoas não conseguem cumprir a risca o programa, pois devem deixar os seus empregos, parar tudo o que estavam fazendo e isso inclui os estudos. Mas a dor maior é a de isolar-se de parentes e amigos. Muitas não se acostumam. Temos casos em que a pessoa fica em estado de choque, demora a entender o que aconteceu. Outras adquirem fobias. São acompanhamentos delicados”, afirma Elisangela. Mesmo com todas as dificuldades, o número de pessoas que desistem do programa é bem baixo, apenas de 4%, segundo estudos do próprio serviço de proteção.
Andrew Lever
Mesmo com todas as dificuldades, o número de pessoas que desistem do programa é bem baixo
Pavilhão 9
Era 2 de outubro de 1992 quando duas quadrilhas rivais começaram uma briga, desenrolando-se em um motim. Em poucos minutos, 341 policias entravam para uma operação que marcou com sangue a história da famosa casa de detenção Carandiru. Cerca de 111 presos do famoso pavilhão 9 foram brutalmente exterminados. Onze anos depois da tragédia, aquela sexta-feira virou longa metragem, dirigido por Hector Babenco. O que não foi contado no filme, foi o que aconteceu com as testemunhas, os sobreviventes. Muitos foram transferidos de pavilhão e até mesmo de presídio, sem nenhum sistema de proteção, enquanto os responsáveis não foram punidos até hoje. Lupa • novembro• 2012
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Criminologia
Por Raquel Fagundes
Homicídio
em foco
A culpa é de quem? Desigualdades sociais e violência direcionam os olhares da sociedade para as verdadeiras vítimas
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emas que antes alcançavam apenas parte da população passam a ser mais comuns e, ter a consciência de que acontecem todos os dias, não é o mesmo que vivê-los ou presenciá-los. A televisão é ligada, basta que o programa apresente um conteúdo jornalístico (independente do horário), para provar o que estamos cansados de saber: as pessoas morrem diariamente e, quase sempre, o destino, a velhice ou as doenças não são os verdadeiros culpados. Os dedos acusadores podem apontar diretamente para o ser humano. Ana Caroline Fonseca de 21 anos, moradora da Zona Leste de São Paulo compreendeu a morte muito nova. Aos 9 anos soube que seu pai Carlos, vendedor de 34 anos de idade, foi morto a facadas na Avenida Águia de Haia, também na Zona Leste. A apuração foi feita, porém o resultado não foi como esperado, pois não existiam impressões digitais, testemunhas ou vestígios do ocorrido. “Meu pai morreu sem explicação. Os policiais acreditam que ao voltar do trabalho, ele foi abordado e morto” – afirma Caroline. Sete facadas exatas perfuraram seu corpo, que foi encontrado no mesmo dia, em maio de 1999, às 21 horas. Culpado: não identificado. Motivo: desconhecido. “Nunca soubemos ao certo o que houve, mas aquele dia mudou minha vida inteira. Lembro-me de quando ouvi a notícia aos 9 anos, não sabia o que era morrer direito, não entendi que ele não voltaria” – conta Ana. Alguns casos como este ocorrem com frequência no Brasil, mas outras situações, onde o culpado é pego, o que vigora é a lei.
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De um ponto de vista social De acordo com o PIB (Produto Interno Bruto), a economia brasileira é a sexta maior do mundo. Quando o tema é taxa de homicídios, o país apenas se encontra atrás de El Salvador, Venezuela e Guatemala, onde as mesmas são superiores. “Apesar da evolução de nossa economia, convivemos com problemas terríveis. Aqui a fome, a violência e a pobreza destroem todo e qualquer avanço” – explica o economista Leandro Marques, pós-graduado em Economia aplicada à Gestão na Universidade Presbiteriana Mackenzie. No Brasil, o crescimento desse número, apesar de negativo, pode ter um lado considerado positivo. A cobertura médica legal evoluiu e, segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), são confirmados em 1990, 20% de óbitos não registrados. Atualmente estima-se 10%. A advogada Danielle Menezes, formada pela Direito SBC (Faculdade de Direito de São Bernardo), acredita que a desigualdade social é um fator de alta importância para aumentar o número de mortes nas ruas. “Dentre os homicídios conhecidos pela lei, o doloso é o mais comum. É apresentado de forma repercussiva e sensacionalista nas mídias, o que garante não ser uma novidade para a sociedade. As questões sociais colaboram de forma significativa para que ele aconteça com mais frequência. Um exemplo é a pobreza, que direciona as pessoas para um caminho, muitas vezes, com passagem só de ida: o da violência e o do crime” – relata Danielle.
Juvenal S.
A Doutora acrescenta que a lei impõe penas rígidas para ‘ladrões de carne’ sem posicionar-se corretamente diante de crimes sociais, como a fome e a pobreza. “As pessoas estão cada vez mais perdidas e encontram no crime uma doutrina, nas drogas um conforto e na violência, um local onde possam descontar a raiva” – explica. Em 2005, o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), constatou que 26.247 presos responderam por homicídio no Brasil. Este número cresceu significativamente em 2012 para 59.069, o que leva à conclusão de que em 7 anos o aumento foi de aproximadamente 125%.
causar sua morte, ou uma omissão em determinado caso. A pena para o culposo é a detenção de 1 a 3 anos e pode ter aumento de um terço se o autor do crime não presta socorro imediato à vítima, ou fuja para evitar uma prisão em flagrante. O juiz pode optar por não aplicar a pena se a ação cometida resultar em consequências para o próprio culpado. Em contrapartida, o homicídio doloso é caracterizado pela violência realizada com má-fé e prévia intenção de matar, ou se beneficiar com tal ato. Para o doloso, a pena imposta é de 12 a 30 anos, sendo possível o aumento de um terço, também, se o crime praticado for contra um indivíduo menor de 14 ou maior de 60 anos. Em ambos os casos, segundo o advogado Felipe Silva, formado em Direto pela PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), quando há a confissão livre e espontânea, é possível uma redução para a pena. “Existem situações em que a diminuição da pena ocorre, porque o Tribunal de Justiça de São Paulo reconhece que quando o acusado confessa o crime, tanto a redução da pena quanto o cumprimento do castigo em regime semiaberto tornam-se possíveis” - explica Felipe.
Quando há a confissão livre e espontânea, é possível uma redução para a pena
Perante a lei
As classificações, consequências e penas a serem cumpridas Dentre as modalidades dos homicídios (qualificado, simples, culposo, doloso e o passional – que é visto com frequência em novelas onde o assassino mata por amor e ainda não está tipificado no código penal), dois são mais comuns: culposo e doloso. O culposo acontece quando há responsabilidade, mas não a intenção de matar. Entra em vigor devido a ações como deixar de alimentar o filho e
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Na Mira
Por Jéssica Scaraficci
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O defensor
Guarda metropolitano, Ivanildo Raimundo dos Santos, 43 anos, relata como é a sua rotina em meio a tanta violência existente em São Paulo
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egui para o Bairro Parque Santa Madalena às 6 da tarde de um sábado muito quente. Do lado de fora do ônibus as pessoas andavam quase despidas por conta do calor que fez durante a tarde toda. Tive que andar alguns metros até chegar à base policial. Depois de encontrar uma padaria que vendesse água, tentei entrar em contato com meu entrevistado pelo celular. Uma, duas, três ligações e nada. Segui novamente para o local em que combinamos nos encontrar em busca de informação. Depois de quase quarenta minutos, um Fusca um tanto quanto barulhento e esbanjando cheiro de gasolina estacionou ao meu lado e Ivanildo, com fisionomia cansada, finalmente veio a meu encontro. “Tive uns imprevistos, desculpe a demora”.
da cidade
Com aspecto de preocupação, olhou em volta balconista, demonstrando intimidade. “Sempre e se certificou de que seu carro estava bem fechavenho aqui, fica pertinho de onde trabalho, mas do. Tem grande paixão pelos mais antigos. Além quando tenho tempo costumo visitar a Cepam, na de sua mais “nova” aquisição, já teve também um Rua Ibitirama. Eles têm o melhor bolinho de bacaOpala, uma Brasília, um Versailles e até uma Kombi. lhau que já comi. Estou há 20 anos na profissão de Convidou-me para tomarmos um café na guarda civil e conheço bastante a cidade. Já premesma padaria em que eu havia senciei muita coisa também. Tenho Quem nunca entrado um pouco antes em busmuitas histórias para contar e alguca de uma garrafa de água. Segui sonhou em ser mas lembranças ruins, mas no geo policial de estatura alta em seus ral sou apaixonado pelo que faço”. policial quando passos rápidos e, ao entrarmos, o Combater o crime e a violênatendente logo o reconheceu e cia. Prender bandido e assassino. criança? perguntou o que iríamos querer. Arriscar a vida pela segurança do “Traga-nos um café, Chico. Já próximo. Quem nunca sonhou em sabe, o meu é sem açúcar”, falou, se referindo ao ser policial quando criança? Talvez esse tenha sido
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Na Mira
Por Jéssica Scaraficci
o desejo de muitos garotos. Porém, proteger uma cidade contra a criminalidade não é nada fácil ou seguro, principalmente quando falamos de São Paulo, uma cidade grande. E a cidade não para. A marginalidade é constante. Vidas são tiradas constantemente pelas armas e brutalidade dos bandidos, que são inúmeros. “Dia sim, dia não venho para a zona leste. Moro em Itapevi, onde tenho um sítio com meus animais e pesqueiro em construção. Trabalho como guarda civil metropolitano de São Paulo das seis da tarde até as seis da manhã, já me acostumei com esse horário. Sempre estou acompanhado por mais um guarda, no momento, Vinícius Spinelli. Atendemos chamadas urgentes e algumas um tanto quanto desnecessárias”. A fim de demonstrar o tamanho de sua indignação com alguns dos casos que presenciou, contou uma história que aconteceu há aproximadamente 8 anos. Ele estava na base com mais dois guardas quando ouviram alguns tiros ali perto. Foram checar. Ao chegarem ao local, viram três vítimas de longe deitadas no asfalto, agonizando. Haviam sido baleadas. Na época, estava trabalhando no Jardim Grimaldi, também na zona leste. “Foi uma cena difícil de ver. Quando noticiei para uma mãe que seu filho havia sido o único a sobreviver, a reação dela foi totalmente adversa à que eu esperava. Ela me pediu que matasse seu filho, pois ele era um assassino. Isso me chateou muito. Ela queria que eu acabasse com a violência gerando mais ainda, algo que eu não sou pago pra fazer e não faria jamais”. Escolheu o rumo que seguiria após servir ao Exército e, apesar de gostar muito do que faz, tem consciência de que o Brasil precisa de muito mais recursos para a área da segurança pública e de policiamento preventivo. “Se existe tanta violência e assassinato no Brasil é porque falta investimento na educação. Há muita desigualdade social nesse país. Enquanto poucos ganham muito, muitos ganham pouco”. Outro episódio marcante aconteceu há 6 anos, próximo também ao Jardim Grimaldi. Era madrugada quando um táxi passou em alta velocidade
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e parou em um Levo comigo farol próximo ao local onde muitas cicatrizes, trabalhava. Ra(...) não sei como pidamente, o taxista desceu não me rendeu do veículo e foi alguns apelidos, pedir socorro a ele. No mescomenta Ivanildo mo instante, a dos Santos passageira, que estava grávida, saiu correndo para o lado oposto ao do carro e, ao ver que o motorista se dirigia a Ivanildo, sacou um revólver e atirou em direção à base. Depois de muito tempo e com a ajuda de outro guarda e seu companheiro na época, conseguiram prendê-la sem que houvesse feridos. “O pior de tudo é pensar que, nesse caso, se tivéssemos atirado para render a mulher, no outro dia talvez saísse no jornal que os guardas foram imprudentes e tiraram a vida de uma grávida e não de uma (...) nunca assaltante”. hesitou em seguir Seus quatro filhos, dois adiante com a de cada casua profissão. samento que ‘Transformo o meu teve, já estão acostumados dever em prazer’, com a rotina do pai. Algudiz Ivanildo dos mas vezes ele Santos fica fora de casa trabalhando mais de um dia seguido e, em uma ocasião dessas, sofreu um acidente de moto por ter dormido na direção. “Levo comigo muitas cicatrizes, essa que tenho na boca é bastante visível, não sei como não me rendeu alguns apelidos”, comenta rindo. Mesmo diante de tamanha violência e alguns episódios que não gostaria de se recordar, Ivanildo nunca hesitou em seguir adiante com a sua profissão. “Transformo o meu dever em prazer”.
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Artigo
lei
Do ponto de vista da A
pena de morte é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que a maior lei do país, a Constituição Federal, promulgada em 1988, estabeleceu em seu artigo 5º - o artigo mais importante ao tratar os direitos e garantias individuais e indisponíveis de todo e qualquer cidadão que se encontre em solo pátrio - a garantia inviolável da vida, como se desprende da leitura do próprio artigo. O que existe, porém, é uma ressalva quanto a esta inviolabilidade constante do próprio artigo 5º, inciso XLVII, o qual aduz quais as penas proibidas pela Carta Magna, incluída nesse rol a pena de morte, salvo em caso de guerra declara, conforme texto do artigo 84, inciso XIX, da mesma Carta. Aqui então, constatamos que poderá haver a pena de morte caso haja uma declaração de guerra pelo presidente da República, autorizado pelo Congresso Nacional, que então se utilizará de nosso Código Penal Militar para fazer cumprir esta pena capital. Porém, o que temos que ter em mente é a expressa proibição desse tipo de pena em nossa legislação, visto que o referido artigo 5º, ao tratar das garantias individuais mais importantes para qualquer cidadão e, acima de tudo, qualquer ser humano, o consagra como cláusula pétrea, de acordo com o artigo 60. Incisos de I a IV da Constituição Federal, importando assim na imutabilidade dos direitos e garantias individuais (como a vida), e assim não se pode falar em supressão desses direitos no que concerne a esta Constituição, podendo apenas haver uma modificação substancial caso haja a edição de uma nova Constituição, para visar a codificação destes pontos. Contudo, é crescente, o número de pessoas que atualmente apoiam a implementação da pena de morte como punição para crimes graves e de grande comoção geral da população. Sendo que este tipo de iniciativa é amplamente instigada e explorada pelos meios de comunicação de massa, os quais fazem conferir um caráter de impunidade e ineficiência das leis penais. Isso mostra uma grande falácia, visto que o objetivo de todo
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país, que expressamente adota a democracia como forma de governo - como é o caso do Brasil - é promover tal retrocesso em relação às leis e à forma de se portar perante os crimes, já que o direito penal deve ser a última ferramenta do Estado a ser utilizada contra um cidadão.
Fernando Milani é formado em direito pela universidade Mackenzie
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Coluna
Por Amanda Monteiro
Crime em Cena
Criminal Minds vai ao ar pelo canal AXN todas as segundas feiras, às 21 horas, podendo alternar seus horários de reprise durante a semana. Um prato cheio pra quem gosta de desafiar a própria mente e entender um pouco mais sobre o universo paralelo em que vivem os Serial Killers.
Um tiro certeiro
Mentes Criminosas Se você é um fã de seriados que abordam o tema da criminologia, com certeza conhece o tão aclamado CSI e suas temporadas que se passam em várias capitais luxuosas deste mundo. Ou então com certeza já assistiu Law & Order SVU. Mas você já ouviu falar de Criminal Minds? Agora nos preparativos para a sua oitava temporada, esse seriado gira em torno de uma equipe do FBI cuja função é elaborar perfis criminosos por todo o país. Dessa vez os roteiros prometem um envolvimento maior dos personagens e quebra cabeças muito bem planejados a fim de prender a atenção do público e repaginar tudo o que foi visto anteriormente. Cada membro tem especialidade em uma área
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e, juntos, tentam desvendar os próximos passos dos assassinos através das pistas deixadas nas últimas cenas de um crime. Nas cenas gravadas os atores precisam de treinamento de gente grande. A oficina da série contou com grandes policiais ajudando tanto no condicionamento físico, como no psicológico das estrelas. Várias experiências foram vivenciadas em campo por eles, e cada personagem desenvolveu o seu trejeito característico a partir disso. O diretor, Edward Allen Bernero, fez questão de manter os aspectos mais realistas possíveis e, para aqueles que já acompanham a trama, sabem que a missão foi cumprida. A cada episódio, um novo caso é colocado em pauta, em meio a situações inusitadas que aparecem com os desafios.
Para diversificar o elenco ou mudar o rumo de uma história nos seriados, os diretores sempre apostam em um roteiro que leva a morte de um ou mais personagens por diversos motivos: atenção do público, mais audiência, ou uma nova trama para ser direcionada e dar um novo ar aos episódios seguintes. Um dos casos mais famosos é o de um episódio do seriado americano Grey’s Anatomy que conta a vida profissional e pessoal do elenco que se passa em um hospital. No fim da sexta temporada, o Seattle Grace Hospital vira um palco de uma verdadeira chacina por um homem inconformado com a morte de sua esposa. Todos os personagens passam por momentos de tensão e vários deles vão a óbito. O resultado foi um dos maiores índices de audiência já vistos pela novela americana, que é muito querida tanto em sua terra natal como por espectadores de todo o mundo. Entre mortos e feridos, os personagens principais sofrem somente alguns arranhões, e a série ganhou novos rostos e histórias na sétima temporada. Drama e suspense realmente são os temperos dos seriados e, dessa vez, não foi diferente.
Psique
Por Vinicius Araújo
Entre os dois lados da moeda A terapia é instrumento fundamental na recuperação de pessoas que perderam familiares em decorrência de crimes de assassinato
Rafael estava chegava em sua casa, depois de um longo dia de trabalho. Enquanto atendia a ligação que o informara que seria pai, ele foi surpreendido por um assaltante e, ao reagir foi baleado. Chegou a ser socorrido, mas não resistiu e morreu. Quem mais sofreu com essa perda foi sua tia Carmem que o criou fazendo o papel de mãe já que sua irmã, a mãe biológica de Rafael, devido a uma deficiência, dependia em tempo integral dos cuidados de Carmem. A indisposição que a afastou do trabalho
por quase um ano foi seguida da noticia de que estava com um câncer raro. Doença descoberta em um check-up de rotina. Durante dois anos Carmem reciclou suas forças na luta contra a doença. O câncer foi vencido e um novo desafio foi travado, se desprender da urna com as cinzas de Rafael. No quarto ano do luto, Carmem reatou um antigo relacionamento. Uma relação esporádica e sem compromissos, mas que ajudou a lidar com a saudade.
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Psique Essa é uma das inúmeras histórias acompanhadas pela psicóloga Maria Reimberg. Ela que atribui o luto a um período de adaptação que dura quatro anos afirma: “Ocorrem inúmeras situações em que a pessoa precisa lidar com a dor, mas ninguém em menos de quatro anos consegue se recuperar de uma perda”. No inicio, os pacientes se esquivam do tratamento. Em geral, eles vão induzidos por alguém. “Quando acontece um trauma, o relógio biológico muda. Perde-se o sono, a fome, e até a vontade de viver. O trabalho então é fazer com que o paciente trabalhe essas necessidades”, conclui a especialista. Quando perdemos a mãe, perdemos 50% do nosso passado. Se perdemos o marido ou esposa, perdemos o presente, pois, não terei mais a quem
consultar. E quando perdemos filhos, perdemos o nosso futuro. Essa lógica nos faz entender o primeiro momento do choque, mas não anulam outras questões de revolta e a culpa: onde eu estava? Porque eu não vi? Obviamente, ninguém esta preparado para isso e a principal duvida, não parte somente dos familiares.
O que a psicologia não vê
o porquê do sujeito ter de fato cometido o crime. Desta forma, é certeira ao decifrar se a atitude foi tomada pelo consciente ou pelo inconsciente da pessoa. É possível então levantar uma discussão, por exemplo, sobre a responsabilidade de um psicólogo ao aplicar este método, pois sua inserção é decisiva na resolução de um caso. Quando feita por um mal profissional, pode direcionar a ocorrência a um final não solucionado ou dissolvido de forma que beneficie alguma parte, comprometendo assim sua ética. A conduta criminal do individuo é colocada em análise como forma de se descobrir por ele mesmo o que o motivou a realizar tal crime, tornando-o confesso. Sen-
Como decifrar a mente humana? De que forma chegar à solução de um caso? Essas e muitas outras perguntas são respondidas através da psicologia forense, este que é um dos temas encontrados nesta edição pela reportagem Forensic Sciense. Dentre os vários meios de investigação, a psicologia forense é a mais assertiva, pois possui um caráter de sondagem profunda e tendenciosa para ir a fundo à mente do réu ou de um assassino, por exemplo. Com ela é possível, antes de tudo, entender
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Como uma pessoa foi capaz?
Existem várias explicações para as causas de um crime. Platão afirmava que os homens nasciam bons ou ruins e isso determinava suas atitudes. Freud justificou as atitudes criminosas como conseqüência de traumas e frustrações. Apesar disso, os elementos mais considerados são a educação e cultura da sociedade. No âmbito biológico, nascemos completos, porém psicologicamente incompletos, ou seja, o que constrói o ser humano é sua biografia. Se analisarmos os dados do criminoso, desde a sua estrutura, perceberemos a existência de todo um histórico colaborativo. As características morais e éticas do indivíduo, a presença da família na formação do caráter, se houve uma educação digna e qual o grupo de pessoas que se relaciona. As técnicas utilizadas variam muito, mas o professor de psicoterapia psicanalítica da Universidade de São Paulo (USP), José Tolentino Rosa afirma que mesmo se necessário acompanhamento psiquiátrico – casos em que com uso de medicamentos – é ideal que o tratamento seja feito em
família pois, família unida se assessora melhor. E conclui: “As famílias precisam de se reestruturar e as pessoas terão de se lembrar do passado sabendo que o futuro será sem aquele ente querido”.
Por dentro dos tribunais
Como o acusado pode ser analisado por especialista para ajudar no processo do julgamento
Direito e psicologia se baseiam em previsão e explicação dos fatos, porém, trabalham com perspectivas diferentes. O direito enxerga as coisas mais claramente e na psicologia, o conceito de verdade engloba uma interpretação mais ampla da realidade, o que buscam os juristas. Em suma a psicologia forense utiliza suas técnicas para que sejam tomadas decisões coerentes para réu e júri. O pedido dos tribunais, não parte somente do juiz. Advogados, promotores e, em alguns casos, o próprio réu pode solicitar a avaliação. Os profissionais são especializados ou mestres, habilitados pelo governo, e que trabalham no regime da lei. De forma muito prática. Além das habituais entrevistas clinicas, é realizada uma perícia na mente através de testes psicológicos, que avaliam a intelectualidade e testes de personalidade, cada um com suas especificidades. A psicóloga judiciária do Tribunal de Justiça de São Paulo, Evani Zambon, afirma: “É necessário um
do assim, somos levados a o que significa realmente o senso de justiça. Seria então a condenação que determina um culpado e uma vítima? Um bom e um mau? Ainda estamos presos a padrões éticos, estéticos e comportamentais que marginalizam atitudes que, para uma sociedade pautada em costumes individualistas, excluem aqueles que crescem e cresceram com características éticas e morais “diferentes”. Há vários temas a serem abordados, trabalhados e revistos para se entender as convicções e a mente de um criminoso, mesmo que haja algum tipo de distúrbio psicológico. Para isso, é preciso um estudo e uma pesquisa sobre o ambiente em que ele
cuidado dobrado na busca dos resultados. Ao contrário do cenário clínico, onde os clientes procuram ajuda, o paciente não esta sendo avaliado por conta própria, o que pode dificultar o processo.” O objetivo principal do trabalho é entender a conduta criminal, diagnosticar psicopatologias consideráveis e a consciência plena do infrator. Em casos em que o acusado se feriu, sofrendo um traumatismo craniano, será importante medir as conseqüências do ferimento em termos do funcionamento do cérebro no futuro. Os resultados apurados são utilizados para provar a capacidade de enfrentar as acusações, tais como responder pelos seus atos e uma possível sentença.
cresceu, os valores familiares, algum tipo de transtorno mental ignorado ou nunca antes percebido, para se entender o seu comportamento violento e, assim, tomar medidas de inclusão a fim de prevenir estes tipos de situações. Enquanto isso, ainda presenciamos métodos de julgamento totalmente arcaicos, preocupados apenas em apontar um culpado. Por outro lado, a psicologia forense vem trazendo avanços e dando grandes passos para que, independente do resultado de um julgamento, sejam colocados em foco os estudos através da mente humana.
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Psique
Por Paula Costa
grandes maldades É possível que uma criança seja um psicopata?
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irkby, Inglaterra, 14 de fevereiro de 1993. James Bulguer de dois anos é sequestrado e encontrado morto em uma linha de trem. Após a investigação Jon Venables e Robert Thompson, ambos com 10 anos de idade, são declarados culpados e condenados a 8 anos de prisão. Este é um dos casos mais comentados sobre assassinatos cometidos por uma criança. Sabemos que estes pequenos seres mentem, brigam, respondem e são manipuladores. Isso é normal. TODOS nós quando mais novos já fizemos alguma dessas coisas. Mas afinal, é possível dizer que uma criança cometa um crime ou ser considerada uma psicopata? Segundo a As-
Segundo a APA não é dado o diagnóstico de psicopatia a menores de 18 anos sociação Americana de Psiquiatria (APA - American Psychological Association), não é dado o diagnóstico de psicopatia a menores de 18 anos, pois estes ainda não possuem uma personalidade totalmente formada.
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Com base na psicanálise, de fato é normal uma criança possuir pequenas transgressões em sua conduta, pois está crescendo e não sabe discernir o certo do errado. Contudo, quando estas transgressões tornam-se frequentes e cada vez mais elaboradas, é necessária uma atenção redobrada e em alguns casos o auxilio de um especialista.
Transtorno de conduta Francisco Baptista Assumpção Júnior, Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor livre pela Faculdade de Medicina da USP afirma: “Quando falamos em psicopatia na verdade estamos nos referindo a um transtorno de personalidade, ou seja, de uma personalidade já formada.” De acordo com o psiquiatra dependendo da idade da criança não é possível diagnosticar a psicopatia. A psicopatia se refere a um tipo específico de transtorno de personalidade, que é aquele individuo que matou uma ou várias pessoas. Quando temos uma criança que possua essa conduta transgressora falamos em “Transtorno de Conduta”, e este termo é utilizado após o diagnóstico de um psiquiatra especializado.
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Mentes pequenas,
Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria afirma que 3,4% das crianças apresentam desvio de conduta que as fazem mentir, brigar e até mesmo furtar. É válido esclarecer que este tipo de comportamento pode vir ou não a contribuir para que aquela criança possa desenvolver um Transtorno de Personalidade. Entretanto, quando não conseguem ter estimulada em si a empatia possuem um potencial para se tornar um psicopata, pois são incapazes de se colocar no lugar do outro, uma das características principais de um psicopata.
Quando procurar ajuda?
Quando ocorrem repetições neste comportamento é necessário ajuda especializada. Em primeiro lugar tanto a participação da família quanto da escola, é primordial para que juntos possam ajudar este pequeno indivíduo. “A família é a base da criança, os pais tem um papel fundamental para o crescimento e a formação da personalidade de seus filhos”, afirma Patricia Casagrande, psicopedagoga do CEU – Centro Educacional Unificado Casa Blanca localizado na zona Sul de São Paulo. Após este reconhecimento a criança é levada ao psiquiatra infantil para que possa dar inicio a um tratamento. A medicação é indicada para casos graves de transtorno de conduta: “Indicamos a medicação para que a criança pos“É importante que os sa se controlar, é como pais não se alarmem se você fosse sedá-la”, com o diagnóstico e afirma o professor da USP. Contudo, ele essim que desenvolvam clarece que em um transtorno de conduta junto à escola a medicação pode não surtir muito efeito, pois em casos graves, como exemplo crianças que façam xingamentos não é possível controlá-los. Um ambiente familiar hostil pode contribuir para que a criança desenvolva este transtorno mas não deve ser considerado como fator dominante, pois mesmo em famílias bem estruturadas isso pode ocorrer. É importante que os pais não se alarmem com o diagnóstico e sim que desenvolvam junto à escola, ao psiquiatra e a criança uma atuação a fim de controlar esse comportamento e redirecioná-lo a atividades que inibam estas ações. Segundo Dr. Francisco, não é um diagnóstico em que a criança é curada, mas sim passa a ser controlada e os pais têm uma grande parcela no alcance deste controle.
Uma pequena
assassina
Mary Flora Bell é conhecida por ser a mais jovem psicopata da história Em 25 de maio de 1968 em Newcastle, Inglaterra, o garoto de cinco anos Martin Brown, é encontrado morto. Em 31 de julho do mesmo ano, o garoto Brian Howe, 3, também é encontrado estrangulado. Com as investigações a polícia conclui que os garotos foram assassinados e em dezembro de 1968 condenou Mary Flora Bell por homicídio. Mary Bell é conhecida como a mais jovem psicopata da história. Era filha de Betty Bell, uma prostituta que chegou a ser acusada pela família de tentar matá-la diversas vezes nos primeiros anos de vida. Além disso, Mary chegou a dizer que a mãe a obrigava a se prostituir aos quatro anos de idade. Após cometer os assassinatos, em uma de suas declarações afirmou que gostava de ferir seres vivos que fossem mais fracos que ela. A coroa britânica condenou Mary a prisão por tempo indeterminado, sua liberdade ocorreu aos 23 anos no dia 14 de maio de 1980. Em 2007, após a morte de sua mãe, sua identidade foi descoberta e ela aceitou falar com a jornalista Gitta Sereny que acabou escrevendo sua biografia intitulada “Gritos no Vazio: a história de Mary Bell”. Com base nas informações obtidas em entrevistas, a autora busca apresentar os aspectos sociais, psicológicos e jurídicos que envolveram a vida de Mary. A obra é acessível no Brasil com a publicação feita pela Autentica.
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Psique
Fugindo da Culpa Por Alexandre Novaes
Advogados de assassinos alegam que seus clientes têm problemas mentais para escapar da condenação
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m Agosto deste ano Anders Behring foi condenado a 21 anos de prisão, pela execução de 77 pessoas na Noruega. O crime ocorreu em 2011, quando Behring, com 32 anos na época, explodiu uma bomba em frente ao prédio do governo de Oslo, aonde matou 6 pessoas, em sequência ele se dirigiu a ilha de Utoya e matou mais 69 pessoas a tiro, em um acampamento de jovens. Duas morreram mais tarde no hospital. Antes do ataque, o terrorista divulgou um manifesto na internet, no qual expressava sua ideologia de extrema direita, o ataque tinha o objetivo de eliminar futuras ameaças a nação norueguesa. Durante as audiências, o advogado de defesa de Behring alegou que seu cliente sofria de problemas mentais, mas exames comprovaram que o terrorista era uma pessoa sã. Alegar que o criminoso sofra de algum tipo de doença mental é um recurso bastante comum, mas em alguns casos esse argumento é falsamente utilizado para livrar o acusado da condenação, mas como em um tribunal tudo deve ser provado,
essa teoria não escapa a regra. Depois de aberta a hipótese de que o acusado sofre de insanidade mental. O juiz responsável pelo caso deve ordenar o exame psicológico do réu. “Deve ser instaurado um procedimento apartado, denominado de incidente de insanidade mental para saber se de fato a pessoa é doente”, diz o advogado criminalista Valdinei Telhada. O exame é realizado por uma equipe de peritos especializados em saúde mental, que devem examinar todos os aspectos psicológicos do acusado. “Qualquer doença mental deve ser levada em conta desde que fique demonstrada a periculosidade da pessoa”, explica o advogado. A constatação de insanidade é completada com a emissão de um relatório final com a doença específica do acusado. “O profissional precisa ter total conhecimento de cada detalhe que torna uma pessoa um doente mental, pra que não sejam cometidos erros”, diz a psiquiatra Ana Castilho, que já participou de um processo civil como profissional forense. “O médico psiquiatra também atua como testemunha em casos como esses”, acrescenta Castilho.
Depois de aberta a hipótese de que o acusado sofre de insanidade mental, o juiz responsável pelo caso deve ordenar o exame psicológico do réu
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A absolvição do criminoso acontece por meio da chamada sentença absolutória imprópria: “Se no incidente de insanidade mental ficar demonstrado que a pessoa realmente é doente mental, será aplicada uma medida de segurança consistente em tratamento médico”, diz Valdinei. Dessa forma o acusado não deve cumprir nenhum tipo de pena destinada a criminosos comuns, mas sim serão tomadas medidas de segurança sobre ele. “A medida de segurança somente cessará quando ficar comprovado que a pessoa esta curada da doença.”, completa Telhada. “O tratamento psiquiátrico para esses detentos é bem variável. Acontece de acordo com a doença encontrada após a avaliação médica. Cada doença será tratada de acordo com as características que ela apresenta.”, comenta a psiquiatra.
O maníaco da Cantareira Como alternativa de suavizar a pena do réu os advogados cada vez mais tem alegado que seus clientes sofrem de doenças mentais. Casos famosos como Maníaco da Cantareira que em 2007 fez duas vítimas: os irmãos Francisco Ferreira de Oliveira Neto de 14 anos, e Josenildo José de Oliveira de 13 tem apelado para esse tipo de recurso de inimputabilidade para se desvencilhar de penas mais duras. O crime ocorreu na Serra da Cantareira em São Paulo. O assassino Ademir Oliveira esfaqueou os dois irmãos após as vitimas se negarem a ter relações sexuais com ele. Em março deste ano ele foi jugado e condenado a 57 anos de prisão, mas advogado de defesa alegou que seu cliente sofria de problemas mentais. O acusado já havia sido condenado anteriormente por homicídio, roubo e atentado violento ao pudor contra outros dois garotos e cumpria regime semiaberto. Seu defensor perante o júri
alegava que o erro era do Estado que tentou reinseri-lo na sociedade sem nenhuma forma de tratamento psicológico prévio. Mesmo com esse histórico violento, o advogado tentou de todas as formas atestar a insanidade de seu cliente, ele dizia que Ademir era doente, um pedófilo que precisa ser ajudado e internado ao invés de preso. A pedofilia é também um caso isolado. “Crimes desse tipo também contam com a intervenção de um psiquiatra forense porque como se sabe a pedofilia, também é considerada uma doença mental. Só que nesses casos são crimes semi- inimputáveis”, explica o advogado Marcos Conceição. A acusação, porém rebateu esta tese, pois Ademir foi examinado por dois psiquiatras que atestaram sua sanidade mental, julgando o maníaco como uma pessoa capaz de responder em juízo perfeito por seus atos.
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Por Amanda Monteiro
Olhe os modos! O que somos sempre deixa marcas, para que a vida decida sobre o que pode ou não cair como culpa em cima de qualquer um de nós.
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inco passos, seis talvez e uma parada. Vozes abafadas e confusas. Aperto meu passo, ensaio uma corrida não muito encorajada pelo meu sedentarismo, mas tento. Assim que abro a porta da casa que me parece ter sido invadida, o medo percorre toda a minha espinha. Objetos estilhaçados pelo chão, sinais de briga, um turbilhão de pensamentos ecoando em minha cabeça, até ver um corpo estendido. Não estou falando de um filme policial, ou algum livro de contos da rainha do crime Agatha Cristhie. Cenas como essas acontecem todos os dias, presenciadas ou não por uma testemunha auditiva, ou que teve dificuldades em enxergar o criminoso. Nesse momento a primeira coisa que se passa na cabeça de qualquer indivíduo é ligar para a polícia. Tudo bem, sem alguma informação concreta, dados variados sobre o que foi visto ou não, a in-
vestigação começa pela mente do culpado. Como isso é possível? Através de uma técnica denominada Modus Operandi. Nos casos policiais o modo de agir de um criminoso deixa elementos em comum de crimes desconexos ou não, que levam os peritos a traçar um perfil que se aproxime o máximo possível do indivíduo em questão. Em estudos mais aprofundados, os policiais se especializam em analisar o comportamento de diversos tipos específicos das atitudes emocionais, e intelectuais das pessoas, o que fornece detalhamentos para que aspectos físicos, como a idade e possível aparência, também sejam possíveis de se identificar. “Cada meliante age de uma forma parecida com algo que foi visto antes, isso fornece informações muito importantes para que a investigação prossiga e tenha sucesso”, nos conta Luciano Silva, de 38 anos, policial investigativo.
Cada meliante age de uma forma parecida com algo que foi visto antes, isso fornece informações muito importantes para que a investigação prossiga e tenha sucesso
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Esse elemento, embora não seja muito utilizado no Brasil como prova condenatória, já é bastante aderido e utilizado pelo mundo, principalmente por policiais americanos e europeus. “Sempre houve maior investimento dos países de primeiro mundo na segurança, e ainda não é diferente. Fica difícil exercer a profissão com a falta de recursos do governo não só em São Paulo, mas acredito que a polícia está fazendo o seu melhor atualmente”, diz o policial Marcelo Pizza da Policia Federal. Realmente o cenário e história da nossa segurança nunca foi alvo de grandes projetos governamentais, mas de fato, os aspectos gerais, policiamento e bases móveis têm crescido, e ajudado muito não somente a localizar, mas também fazer com que os oficiais cheguem de forma mais rápida ao local do crime. O Modus Operandi não se aplica somente em homicídios sem suspeitos aparentes, ele se estende no acontecimento operacional de um crime, ou outros eventos em questão, discorre sobre a forma de agir de uma equipe ou indivíduo diante de um desafio, evento, ou caso. No âmbito policial, também atinge a área de furtos, esquemas, hackers, e várias outras definições que possuem a identificação de como são feitas, para que passem a ser compreendidas pelos oficiais, e dê início às apurações da situação em questão. Há vários casos já documentados no Brasil e, com o passar dos anos, as informações sobre essa categoria investigativa vêm caindo nas graças dos curiosos sobre a mente humana.
“Algumas pessoas dizem, Modus Operandi? O que é isso? E dão risada. Mas depois de algumas explicações ficam muito interessadas, e fazem milhões de perguntas. Diante de tantas barbaridades que a gente presencia no dia a dia, essa é uma das partes muito gratificantes, mas nada supera pegar o bandido na história”, relata Fernando Vaz, policial militar. Mas o preparo é grande, captar aspectos físicos e trejeitos, classificando – os em possibilidades ou não de um autor de crimes hediondos não é trabalho fácil. O faro precisa estar bem aguçado, e os estudos sobre este campo da psicanálise e psicologia sempre têm de estar atualizados, conforme novas pesquisas saiam, ou sejam feitas novas descobertas cientificas.
Fica difícil exercer a profissão com a falta de recursos do governo não só em São Paulo, mas acredito que a polícia está fazendo o seu melhor atualmente
Fuçando alguns neurônios Exercitar a observação e captar informações pode ser uma tarefa crucial em alguns momentos em que não sabemos o que fazer, ou como responder a uma situação nos casos e acasos dessa vida. Você nega, mas diz que sim com os movimentos do pescoço. Rejeita, mas aponta um dos pés para a pessoa por quem está apaixonado quando os cruza. O livro “O Corpo Fala”, de Pierre Weil e Roland Tompakow, nos conta sobre os trejeitos que o corpo libera durante conversas e encontros, desde os que possuem segundas intenções em um café, até aquela situação clássica de pedir um aumento para o chefe. O fato é que nós realmente pagamos por nossas ações, mas podemos sim prever algumas falas, ou atitudes que virão sobre nossas cabeças. E quem não gosta de estar um passo a frente? As análises prévias servem para melhorar a sua comunicação e a forma como você enxerga alguém, e, respectivamente, como está querendo ser visto. Afinal, o respeito é para quem o possui, e isso é uma das coisas que todos nós vemos de longe, se o olhar estiver treinado, é claro. Anote esta informação se você percebeu que em um gesto involuntário sorriu, e acenou em positivo.
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Artigo
Ajudando a criança a lidar com a morte
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ma morte na família afeta a todos. Crianças, em particular, precisam aprender sobre isso, mesmo que seja um momento difícil para toda a família. Como elas vão reagir depende de diversos fatores, como por exemplo quão próxima era a pessoa que faleceu da criança, se a morte era esperada, a idade da criança e sua capacidade de entendimento. A maioria das crianças fica com raiva e preocupada, assim como triste, quando alguém morre. Raiva é uma reação natural à perda de alguém e essencial para a sensação de estabilidade e segurança da criança, ela pode demonstrar esta raiva em brincadeiras violentas, ficando irritável ou tendo pesadelos. Ansiedade aparece através de fala e comportamento infantilizado e necessitando comida, conforto e afeto. Cada família responde de forma particular à morte. Religião e cultura têm importante influência em como isso ocorre no luto nos membros da família, especialmente se eles não conseguem lidar com ele e não provêm os cuidados necessários à criança. Os adultos às vezes tentam proteger as crianças da dor e não contam o que aconteceu. A experiência demonstra que há benefícios em deixar a criança conhecer a verdade desde o início. Pode ser que queiram ver o familiar falecido. Quanto mais próxima a relação entre eles, mais importante isto é. Os adultos podem ajudar as crianças a lidar com a situação ao ouvir suas experiências sobre morte, respondendo seus questionamentos e dando-lhes segurança. As crianças geralmente se preocupam se serão abandonadas por aqueles que amam ou têm medo de que serão culpadas pela morte. Crianças pequenas geralmente possuem dificuldade em lembrar de uma pessoa morta, sem antes serem lembradas dela. Pode ser muito difícil não ter estas memórias. Uma fotografia traz grande conforto e pode ajudar incluir as crianças em atividades familiares, como ir ao velório e enterro. Deve-se pensar em como preparar e acolher a criança nestas circunstâncias. Uma criança amedrontada sobre o velório nunca deve ser forçada a ir. Mesmo assim é muito importante encontrar uma forma que as permita dizer adeus. Por exemplo, elas podem acender uma vela, dizer uma prece ou visitar o túmulo. Dificuldades para dormir, perda do apetite, medo prolongado de ficar sozinha, agir como uma criança mais nova por muito
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tempo, negar que o familiar tenha morrido, imitar a pessoa morta o tempo todo, falar repetidamente sobre se juntar à pessoa morta, queda súbita e importante da performance escolar ou recusar-se a ir à escola. Estes sinais de alerta indicam que a ajuda profissional deve ser procurada. Um terapeuta ou psiquiatra especialista em crianças e adolescentes pode ajudar a criança a aceitar a morte e auxiliar os familiares a encontrar maneiras de ajudar através do processo de luto.
Ligia Nilsen é Bacharel em Psicologia pela Universidade Camilo Castelo Branco.
Fernando Milani ĂŠ formado em direito pela universidade Mackenzie
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ório interricoagScaartaf icci
A mente do sociopata Por Jéss
Rita de Cássia Antunes, psicoterapeuta, esclarece como funciona a mente de quem sofre de Transtorno de personalidade antisocial e explica quais podem ser as mudanças psíquicas que fazem uma pessoa cometer assassinatos
A
sociopatia é um transtorno de personalidade que pode ser originado através de vários fatores psicológicos e ambientais, sendo capaz de até mesmo alterar bruscamente o comportamento de quem sofre desse mal, tornando-o um ser totalmente apático e provido de características um tanto quanto peculiares. Na maioria das vezes, o transtorno se inicia por causa de más experiências durante a infância da pessoa, tornando-se crônico na fase adulta e podendo levá-la a sérios problemas como o alcoolismo, a criminalidade, a agressividade, conflitos sociais entre outros. Rita de Cássia Antunes de Oliveira, 44 anos, é psicoterapeuta há 17 e trabalha no ramo da psicologia que estuda a mente humana a fim de avaliá-la e, então, controlar por meio de terapias a incidência de comportamentos inadequados pelo sujeito. Começou interessando-se pela área da Filosofia e, somente depois, se aprofundou na Filosofia Clínica através de estudos de Lou Marinoff, doutor em Filosofia da ciência, e seu trabalho no Canadá. Conseguiu então abrir seu próprio espaço e clinicar ajudando pessoas que precisam de apoio psicológico e, principalmente, de tratamento para a sociopatia. Como psicoterapeuta, já atendeu diversos pacientes com transtorno de personalidade antisocial e, assim, pode esclarecer como funciona a mente dessas pessoas e como elas levam a vida em sociedade.
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Lupa – Primeiramente, conte
um pouco sobre como começou o seu interesse pela psicologia e porque escolheu especificamente a psicoterapia existencial para trabalhar.
Rita de Cássia Antunes de Oliveira – Minha área de formação é meio às avessas, primeiro fiz Filosofia por interesse específico pelo saber, pelo livre pensar. Com o tempo fui me encantando com a formação das ideias e o conteúdo de transformação que o pensamento produz quanto à ampliação das consciências. Dentro do próprio curso na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, comecei a estudar os filósofos existencialistas e quis me aprofundar cada vez mais nessa área. Conheci a Filosofia Clínica a partir de estudos de Lou Marinoff e seu trabalho no Canadá, gostei bastante e quis desenvolver algo parecido aqui no Brasil, porém não poderia clinicar, então resolvi buscar minha inscrição no Conselho Regional de Psicologia. Estou na clínica até hoje atendendo bastante gente diariamente e me apaixonando cada dia mais pelo que faço. Venho para minha clínica de segunda a segunda, geralmente fico atendendo dez horas por dia. Adoro trabalhar com a mente humana, adoro pessoas.
Lupa – Como são suas ex-
periências profissionais com pacientes que sofrem de Transtorno de Personalidade Antissocial? Rita de Cássia – Desenvolvo tratamento psicológico com muitos pacientes que possuem quadros patológicos de transtorno de personalidade. Pelo menos duas vezes por semana os recebo em minha clínica. É bem complicado entendê-los e conseguir a sua confiança para me aprofundar em suas mentes. Compreender de quais raízes vieram e que ramificações foram desencadeadas pelo transtorno requer um trabalho árduo. Estudei bastante para chegar até aqui. Lupa – Quais são as características mais presentes nos indivíduos que possuem a doença? Rita de Cássia – Podemos dizer que eles destroem tudo que os rodeia, tanto nos aspectos emocionais quanto materiais. Patologicamente falando, o psicopata tem muitas distinções, porém o traço evidente é a não emoção. Eles simplesmente não a sente. Sem apegos, sem vínculos, muitas vezes manipuladores. Não permanecem em uma relação estável por muito tempo ou até mesmo cultivam várias relações com único intuito de ferí-las. Possuem raiva em demasia, acreditam que o mundo sempre está contra eles e que, por isso, é normal o
sentimento de vingança. Claro que não é qualquer pessoa que desenvolve tais traços. Entre muitos estudos feitos acerca do tema, o mais aceito indica que o transtorno antisocial surge a partir de uma desordem no sistema límbico, parte do cérebro que é responsável pelas nossas emoções, e que está “desativada” nos sociopatas. Lupa – Como é feito o diagnóstico desses pacientes? Rita de Cássia – Primeiramente tento identificar quais são os traços comportamentais da pessoa. Se ela é sociável ou não, seus hábitos e seus individualismos. A meu ver, nada aproxima mais duas pessoas do que uma conversa descompromissada. Não podemos assustá-los, tudo deve ser minuciosamente pensado. Nas primeiras sessões tento me mostrar uma pessoa confiável e a conversa não é tão aprofundada. Conforme ganho a confiança, vou tentando, aos poucos, entender como funciona sua mente. Consigo diferenciar as pessoas de acordo com a intensidade de cada fator pessoal e de características quase que imperceptíveis por quem não tem estudo sobre a sociopatia. O diagnóstico pode ser feito até mesmo durante a infância, porém só há precisão quando o indivíduo atinge a fase adulta. Pela psicologia, nesta fase os traços dos quais citei já estão bem desenvolvidos e maduros.
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ório interricoagScaartaf icci Por Jéss
Lupa – Como eles reagem
diante às consultas?
Rita de Cássia – Esses seres são tão particulares que podem passar como mentalmente normais diante de qualquer pessoa. Os psicoterapeutas precisam de bastante contato com a pessoa. Muitas delas não chegam a ser diagnosticadas quando começam o tratamento na infância, pois, frequentemente, acontece o abandono das consultas. Já tive casos em que o próprio paciente encenava outra personalidade a fim de “burlar” a terapia. Devo admitir, inclusive, que são realmente muito bons em suas mentiras e atuações. Mesmo que seja constatada a presença de algum transtorno psicológico no paciente, é preciso que sejam feitas muitas consultas e que haja bastante força de vontade não só por parte deste, mas também das pessoas com quem convive. Lupa – Algum fator externo
como, por exemplo, a diferença entre as classes sociais muito destacada entre as mídias, pode causar algum sentimento de ódio que faria uma pessoa desejar a vingança contra quem se inclui nesses meios? Rita de Cássia – Podemos dizer que todo o meio social sempre envolve muitos fatores culturais que podem 36
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[...] nem sempre sentimento de ódio deriva do desejo de vingança ou justiça, ele apenas existe inconscientemente, podendo ser impulsionado facilmente. ocasionar a competitividade entre as pessoas. Vivemos em um mundo em que o estético e os mais altos padrões de vida são exaltados. A rivalidade é uma consequência. Quando o indivíduo define-se como impotente em meio a essa nossa atual sociedade capitalista, pode reagir de forma violenta sim. Aliás, um dos maiores motivos de revolta e de atos agressivos por parte de um sociopata desencadeia a partir do sentimento e impotência perante algo. Não sabem lidar com a sensação de que, em certos momentos, é inferior a qualquer um e, devido a sua incapacidade em distinguir o certo do errado, podem agir erroneamente e agressivamente. Além disso, não sabem se controlar perante os seus desejos consumistas, agindo impulsionados pela vingança. Lupa – Podemos então di-
zer que quem sofre do transtorno é necessariamente
uma pessoa com tendências agressivas? Rita de Cássia – Não necessariamente, porém a maioria dos casos envolve agressões sérias. Nem sempre há uma razão lógica para um sociopata entrar em uma briga. Já tive pacientes que chegaram a agredir desde o animal de estimação até aos parentes mais próximos. Pela psicologia, o fato que os leva a entrar em brigas tão facilmente deve-se à excitação do sistema nervoso autônomo, levando-os ao uso de qualquer tipo de material que cause grandes danos ao próximo sem o mínimo sentimento de culpa ou remorso. Podem facilmente comandar assaltos e atos de vandalismo diante de qualquer circunstância. Porém, nem sempre sentimento de ódio deriva do desejo de vingança ou justiça, ele apenas existe inconscientemente, podendo ser impulsionado facilmente.
Lupa – Como funciona a terapia para crianças? Rita de Cássia– Esse é um assunto bem delicado e que sempre causou muitas dúvidas. Ainda há muito estudo acerca desse tema, uma vez que a sociopatia na infância é muito confundida com outros transtornos como, por exemplo, o autismo. Apesar de este ser bastante distinto, muitos pais e educadores ainda têm muita dificuldade em distinguir. O trabalho terapêutico com uma criança é menos trabalhoso, na maioria das vezes. Eles são capazes de demonstrar claramente aquilo que pensam e sentem, sem precisarem fingir ser aquilo que não são a fim de fugir de um diagnóstico. Assim, fica mais fácil de serem amenizados os aspectos do transtorno na vida da criança, porém, ao mesmo tempo, começa a ficar mais difícil quando a criança vai se desenvolvendo. Costumo dizer que os adolescentes são realmente enigmáticos. A partir desse período eles já começam a entender bem aquilo que se passa ao seu redor e sabem camuflar bem os seus sentimentos.
Lupa – Acontecimentos na
infância podem desencadear algum tipo de transtorno mental futuramente?
Rita de Cássia – Sim. Toda forma de abuso infantil, como o estupro ou a agressão física, pode fazer com que a mentalidade da criança seja afetada, acarretando uma desordem neurológica. Há uma parte no desenvolvimento da criança que se chama superego, se essa fase é comprometida por algum acontecimento trágico como os que citei anteriormente, pode haver defasagem no seu aprendizado sobre o que é errado e o que é certo. Por conta disso, é muito importante que haja acompanhamento adulto para salientar e educar as crianças desde os seus primeiros passos. O transtorno antissocial não tem cura, mas pode ser amenizado e tratado de forma em que situações de violência e vingança possam ser bem reduzidas. Só é preciso levá-las a sério. Existe uma frase do filósofo Jean-Paul Sartre bastante significativa para mim em relação a isso: “Não importa o que fizeram de mim, o que impor-
ta é o que eu faço com o que fizeram de mim”. Acho pertinente destacá-la, pois toda criança abusada ou envolvida em conflitos pode se tornar um sociopata, mas, através de tratamento psicológico e ciência da carga que carrega consigo, ela também pode reverter ou amenizar seu comportamento e sentimento de vingança e se tornar um adulto controlado psiquicamente. Nem todo estuprado, violentado ou abusado, se transforma em um estuprador, violentador ou abusador necessariamente.
[...] é muito importante que haja acompanhamento adulto para salientar e educar as crianças desde os seus primeiros passos.
Rita de Cássia Antunes de Oliveira, 44 anos, psicoterapeuta há 17.
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À prov de bala
CAPA
Por Jéssica Peixoto e Vinicius Araujo
Eles não usam distintivos, mas são peritos na informação
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brimos o jornal e nos deparamos com notícias de pessoas que foram assassinadas. Viramos uma página de revista e lá estão mais informações do ocorrido. Na internet, imagens e furos chegam em tempo real. Para tal feito, é necessário o trabalho deles, jornalistas destemidos, que enfrentam perigos atrás da informação. No ranking de jornalistas assassinados no mundo, o Brasil ocupa o 4ª lugar com sete mortes no primeiro semestre de 2012, segundo os dados da ONG suíça “Campanha por um Emblema de Imprensa” (PEC). Esse número representa o alto grau de periculosidade de exercer a profissão de repórter se comparado aos países que estão em guerra atualmente, como a Síria, que ocupa o primeiro lugar. Klester Cavalcanti é autor do “O nome da morte” (Planeta), que é a biografia de Júlio Santana, um assassino de aluguel que da década de 70. O pistoleiro já matou cerca de 500 pessoas e está solto até hoje. Todas as vítimas que constam no livro têm seus verdadeiros nomes listados e apurados, resultado de um trabalho que se prolongou por sete anos. Para isso, Klester teve que conquistar a confiança de Júlio aos poucos, foram
diversas conversas por telefone até que o pistoleiro concordasse com um encontro em sua casa, onde hospedou o jornalista por três dias. Todas as vítimas listadas foram apuradas por Klester com os familiares. “A maior parte das pessoas que entrevistei foram vítimas de Júlio há muito tempo atrás e não era esse o motivo pelo qual não alimentavam repulsa por ele. O ódio que sentiam era pelos mandantes dos crimes, pois sabiam que Júlio não tinha nada a ver com a história. Em alguns casos, ele nem sabia por que estava matando, ele apenas matava. Se não fosse ele o responsável pelo crime, o mandante faria através de outro”, lembra o jornalista. Entre suas vítimas, está a estudante Julia Petit, morta em 1972 durante a ditadura militar. Com ela estava o ex-presidente do PT, José Genuíno, que antes de ser algemado levou um tiro no braço. Anos mais tarde, Júlio descobriu a verdadeira identidade daquele homem. Klester foi ao encontro de Genuíno e confirmou toda a história. Ele revelou que a pessoa que havia lhe contado realmente estava presente, pois se lembrou de detalhes que nunca havia dito a ninguém.
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CAPA Não existem relatos de alguém que tenha matado, comprovadamente, tantas pessoas no mundo. Ao todo foram 492 vidas tiradas por Júlio Santana.
Uma incógnita condenada
Na foto, José Genuíno xar que aquilo influenciasminutos após ser alvejado se a minha relação com Júcom um tiro de Júlio San- lio. Jornalismo tem que ser tana durante a guerrilha do comprovável. Qualquer leiAraguaia. “Como Como jornalista eu jornalista, eu consi- considero todas as pessoas dero todas iguais. Independente do lado as pessoas iguais. que ocupam na história. Se I n d e p e n - me servem de fonte, vou tratar dente do com o mesmo respeito[...] lado que ocupam na Klester Cavalcanti história. Sempre tratei com tor tem o direito de checar o mesmo respeito todas as as notícias para ter certeza minhas fontes. Eu ouvia as da veracidade das informavítimas e sentia a tristeza ções.”, conclui Klester. delas, mas não podia dei40
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Entre 1986 e 1989, simultânea à epidemia de AIDS que assolava o país, uma série de assassinatos chocou a sociedade paulistana. Os primeiros indícios, para que as investigações considerassem a possibilidade dos crimes terem sido cometidos por um serial killer, foram suas características homônimas. Em bairros nobres da capital, homens com idade entre 30 e 60 anos, independentes financeiramente, solitários e homossexuais eram cruelmente assassinados dentro de suas casas. Desde os primeiros momentos da investigação, através dos resquícios de crueldade e da forma como os crimes ultrapassavam a figura habitual de homicídios, a polícia já considerava não se tratar apenas de uma mente assassina, mas também, psicopática. O acusado, Fortunato Botton Neto, ganhava a vida como garoto de programa nos arredores do Parque Trianon, local onde até hoje a prostituição é praticada. Conhecido como o maníaco do Tria-
non, foi preso em flagrante através de uma emboscada feita pela polícia. O tema exaustivamente veiculado na época deixou clara a influência que o imediatismo jornalístico influi na credibilidade da notícia. Quando a bomba estourou, todos os veículos estavam lá para cobrir. Depois que a notícia esfriou, o caso foi esquecido. O jornalista e repórter do jornal Estado de São Paulo, Roldão Arruda, acompanhou esse caso de perto e constatou que o problema foi muito além de crimes hediondos. O processo de apuração foi muito complicado. Na época em que para a ciência a AIDS era uma incógnita a ser descoberta, para a sociedade ela significava uma herança das práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo. O fato das vítimas serem homossexuais e pagarem por relações esporádicas já criava uma ideia de que o crime foi consequência de um ato promíscuo, sendo que o ser humano tem livre arbítrio para escolher suas formas de se relacionar. “Imagine como deve ter sido lidar com um caso em que as famílias não autorizaram nem que a polícia o investigasse a fundo. O raciocínio das pessoas eram o seguinte: se eu falo para um jornalista
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sobre o caso, ele publica no vel pelos assassinatos. Taljornal, o vizinho lê e descobre vez nem tenha sido ele que que meu fimatou todos. lho é gay”, O compromisso Foi criada afirma o esuma situação da apuração, critor. para fantasiar As mais evidencia o papel um período de 10000 de violência social que o páginas de vivido pelos jornalismo deve inquéritos homossexuque foram exercer em suas ais na época.” lidas, soFortunato madas a discussões. foi condenaentrevistas Roldão Arruda do a três dos com conhecrimes que foi cidos e amigos, possibilita- acusado. Cumpriu sua pena ram que Roldão montasse o na extinta casa de detenção perfil das vítimas. de São Paulo, o Carandiru, “Era uma surpresa atrás onde morreu em fevereiro da outra. Dentre muitas, a de 1997 de uma broncopque mais me espantou foi a neumonia decorrente da de que o serial killer que eu AIDS. Até hoje, não existem buscava, nunca existiu. For- informações de indenização tunato foi acusado de treze às famílias das vítimas. crimes, mas o único que ele Prestação de confessou foi o do psiquiatra serviço exilada Antônio Carlos Di Giacomo, morto em Agosto de 1987. André Caramante, além Coincidentemente, esse foi o de ter uma coluna sobre hip único caso em que as provas hop no Jornal Agora desde apontam a autoria de Fortu- 2002, é repórter da Folha de nato”, lembra o escritor. São Paulo, em que atua no Com orgulho, o jorna- segmento de segurança púlista conclui os resultados blica há 13 anos. alcançados em seu trabalho: Vindo da periferia, ele “o compromisso da apura- conhece de perto o preconção evidenciou em um livro ceito que os jovens de bairo papel social que o jornalis- ros pobres sofrem na mão da mo deve exercer em suas dis- polícia. Suas investigações e cussões. Mais do que contar denúncias de crimes comeuma história, as evidências tidos pelos homens da lei já comprovaram que o proble- lhe renderam o Prêmio de dima não foi resolvido quando a reitos humanos e Prêmio Fopolícia capturou o responsá- lha de jornalismo. Sua tarefa
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CAPA não é nada fácil de cumprir, pel, fazer o seu trabalho sem já que luta contra a seguran- abusos de poder”, afirma. ça geradora da violência. Inúmeras ameaças já foEm uma planilha ele ram feitas contra o jornalismantém números atualiza- ta e sua família, e devido a dos de mortos pela polícia uma denúncia feita contra o do Estado de São Paulo. que Coronel Telhada, de que intotaliza cerca de quatro mil citaria a morte de suspeitos assassinatos de em uma pá2005 até o prigina de relaMeu trabalho cionamento meiro semestre de 2012, dados é dar luz às áreas na internet, que divergem Caramante periféricas de com os que saiu do Brasão divulgados São Paulo sil com sua pela Secretaria família por André Camarante de Segurança. segurança. O jornalista A relaanalisa que fora do centro ção de bem e mau com a expandido, a atuação dos polícia é tratada de maneipolicias mudam completa- ra cautelosa por Leandro mente, tanto na brutalidade Calixto, que é jornalista da aplicada, quanto na eficiên- área criminal e atualmente cia de ocorrências, deixando trabalha na Rede Bandeiclaro um contraste social. rantes. Ele ressalta a imAlém disso, a polícia utiliza portância de deixar em evida máxima de que a resis- dência o interesse de que o tência à prisão ocasiona em importante é a prestação de uma abordagem mais dura. serviço para a sociedade. “Meu trabalho é dar luz às áreas periféricas de São Paulo, tento mostrar para a sociedade que pessoas inocentes também são mortas por maus policiais e essa violência deve ser discutida.” André é tachado por algumas pessoas de “defensor de bandidos” por proteger os direitos humanos. Mas deixa claro que não generaliza a classe policial. “Assim como o cidadão deve andar dentro da lei, a PM deve cumprir o seu pa42
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“É necessário muito discernimento e independência. Mostrar o interesse no âmbito benéfico da sociedade. Se você fizer assim, afasta o cunho acusador e propicia uma relação de confiança com as fontes, pois elas entenderão o seu trabalho.” Leandro já fez diversas matérias relacionadas à violência e ao tráfico, o que contribuiu para a sua experiência no assunto. Ele alerta para os perigos de se infiltrar entre os viciados. “Eu e um cinegrafista estávamos na Cracolândia cobrindo a feira do comércio de drogas, quando um homem veio oferecer crack. Nós não aceitamos e ele saiu correndo com nossa mochila que estava com a câmera dentro. Ou seja, não tomamos o cuidado necessário. É bom se atentar a isso com antecedência, pois, acima
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de tudo, o mais importante é a nossa segurança”, relembra Leandro. Fernando Molica, jornalista e diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), frisa a importância de se colocar no lugar do leitor. “É de extrema importância saber trabalhar a fonte, desconfiar das afirmações extraídas delas e, principalmente, saber olhar o ponto de vista do receptor dessas informações que serão transmitidas, ou seja, saber o que será de interesse público”, conclui Molica.
O crime
vai,
o crime
vem Estatísticas traçam um paralelo entre o índice de homicídios dos anos 90, sua diminuição em 2000 e o crescimento em 2012. De 1960 a 1999, o número de homicídios era de 63,5% para cada 100 mil habitantes na cidade de São
Paulo. A partir de 2000, esse número despencou 77%, mas ainda assim não foi o bastante para que os crimes acabassem. Esses dados foram coletados durante 13 anos de investigação em que, através de entrevistas com assassinos, o repórter do Jornal Estado de São Paulo, Bruno Paes Manso, tentou entender esse fenômeno que resultou em sua tese de Doutorado no Departamento de Ciência e Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). No começo dos anos 60, a cidade era bem menor e grande parte dos crimes eram por motivos passionais. Um pai que matava a esposa, por exemplo. Esses acontecimentos fizeram com que criminosos fossem vistos como monstros inimigos da sociedade, ignorando a hipótese de ressocialização desses indivíduos. A população foi aumentando e, como consequência, a criminalidade acompanhou esse ritmo. A partir de então, o grande número de furtos que assolava as pessoas era resolvido exterminando quem os prejudicava. A justificativa era resistência seguida de morte, mas o objetivo era limpar a sociedade de quem a ame-
açava. Eram estabelecidos núcleos de apoio entre polícia, comerciantes de determinadas regiões e os justiceiros. Esse mecanismo estabeleceu nas pessoas que vivem essa realidade a ideia de homicídio como solução. Foi assim que os anos 90 bateram todos os recordes de violência na história. Foram registradas seis chacinas por ano. No auge do caos, uma morte levava até 150 outros assassinatos, criando assim um ciclo que reflete traços dessa época violenta nos dias de hoje. A realidade só começou a mudar em meados 2003, com a criação do estatuto do desarmamento. As pessoas que até então andavam armadas, poderiam ser presas, pois o crime é inafiançável. Essa situação pacificou parcialmente esses conflitos, porém a diminuição do número de homicídios não quer dizer que a criminalidade também se esvaiu. “Se tomarmos como exemplo o PCC: o objeto deles é lucrar facilmente. Eles podem fazer isso roubando, mas o ciclo do “mata mata”, gera um déficit dos seus aliados, o que não é vantagem para eles”, afirma Bruno.
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Coluna
Por Raquel Fagundes
À Moda... ... Do sertão Um passeio histórico
Mais do que um acontecimento memorável, o Cangaço foi um fenômeno social e um grande marco da cultura brasileira. A palavra é derivada de canga, uma peça que era colocada na parte posterior do pescoço dos bois. Originou-se no nordeste, do século XIX até o início do século XX, quando a sociedade sertaneja era patriarcal e autoritária, fato que permitiu que as terras pertencessem a um pequeno grupo de pessoas, os coronéis. Eles tinham um poder de vida e de morte sobre a população carente. A terra se tornou tão valiosa que passou a ser a principal razão da existência de guerras e pactos. Foi nesse período, de lutas sociais que surgiram os primeiros grupos de cangaceiros.
Entre mitos e pré-conceitos
Lampião segurando uma garrafa de cerveja.
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Ao contrário do que muitos pensam, os cangaceiros não podem ser generalizados de forma absoluta. José Vieira Camelo Filho, pesquisador, e escritor do livro ‘Lampião, o sertão e sua gente’, garante que “eles agiam em função da sociedade, como um simples produto social.” De um lado os coronéis que brigavam por terras, do outro a desigualdade social. Neste cenário, dois grupos se dividiam; os aliados, que eram recrutados a mando dos coronéis, e os independentes, que agiam por si sós, sem a obrigação de seguir ou respeitar ordens. “Ao mesmo tempo em que eles poderiam reagir, podiam também se aliar” – esclarece o professor José. O segundo grupo apresentado, dos independentes, era visto como sinônimo de banditismo por boa parte da sociedade, principalmente por volantes (grupo policial). Fato que explica a razão de nunca permanecerem no mesmo local durante muito tempo. Porém, viver andando de um lugar para outro não era uma tarefa difícil, pois conheciam bem a Caatinga, estavam sempre preparados para situações inusitadas; tinham conhecimento sobre diversas plantas medicinais, fontes de água, alimentos acessíveis e estratégias de fuga, fatores indispensáveis para a sobrevivência no sertão.
Aqui se faz, aqui se paga! Dentre tantos grupos, existiam os violentos, conhecidos por agir de forma cruel e com má fé. Responsáveis por diversos estupros, mortes, roubos e ações de vandalismo, eram perseguidos constantemente. Em alguns casos, certos coronéis estupravam mulheres pobres ou escravas e, para vingá-las, os cangaceiros repetiam o ato, mas com as filhas dos culpados. A vingança era algo comum entre os sertanejos, assim como não respeitar regras.
Cartaz que recompensa qualquer um que capturasse Lampião no estado da Bahia.
Herói ou vilão? Um dos bandos mais conhecidos é o de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Mesmo semianalfabeto, o cangaceiro foi marcado por sua inteligência nas estratégias de fuga e ataque. Simbolizava para seus inimigos uma doença que precisava ser curada. Por outro lado, algumas pessoas o consideravam um grande exemplo de bravura e heroísmo, por se negar a obedecer às ordens dos coronéis. Contudo, essa visão de herói do sertão tinha um lado conveniente. Para sua sobrevivência era necessário manter alianças, o que se trata de uma luta do ‘quem pode mais, chora menos’, e nisso, Lampião foi um grande mestre.
A moral das mortes Os vintes anos de vida no cangaço fez de Lampião um assassino. Ou por resistência dos que não colaboravam com seus planos, ou principalmente, pela aversão que tinha por informantes traidores e volantes. Nestes casos, não existia absolvição, ações como punhaladas e tiros eram frequentemente realizadas. Apesar da pobreza que a sociedade estava enfrentando, os cangaceiros faziam seus próprios negócios, não eram ricos nem pobres e conseguiam suas armas roubando dos policiais em confrontos, comprando ou negociando com vendedores.
Resgate de direitos Diversos livros, artigos e reportagens foram escritos ao longo do tempo, todos narram a passagem de vida e de morte dos cangaceiros, o que jamais excluiria a história do mais conhecido, Lampião. Dentre as publicações, se encontra o Mata Sete, de Pedro de Morais, um juiz aposentado. A obra foi censurada pela justiça em 2010 depois que Vera Ferreira, neta do cangaceiro, entrou com dois processos contra o autor que feriu a honra de sua família. Dentre as histórias contadas em seu livro, Pedro de Morais causou polêmica ao sustentar que Lampião era gay e que Maria Bonita era adúltera.
Maria Bonita conheceu Virgulino Ferreira em 1929, mas só em 1930, abandonou o marido sapateiro, José Neném, para segui-lo. Ela foi a primeira mulher a submeter-se a uma vida errante para acompanhar Lampião e seu grupo.
Após a morte de Lampião, Maria Bonita e seu bando em 27 de julho de 1938, o oficial responsável, João Bezerra, arrancou suas cabeças, salgou-as e as colocou em latas de querosene com aguardente e cal. Em seguida, percorreu os estados nordestinos atraindo multidões e exibindo seus ‘troféus’.
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Pátria Armada Por Jéssica Peixoto
O soco na
liberdade
ainda dói Décadas se passaram, pessoas foram mortas e alguns destes casos permanecem sem julgamento até hoje
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xistiu uma época em que bocas eram silenciadas e ideais eram apagados das mentes revolucionárias, onde a intolerância imperou e criou uma guerra civil. Essa é a ditadura, que se iniciou em 1961, ano conhecido como o pré-golpe, e se encerrou no ano de 1988, ano da redemocratização. Cerca de 460 mortes são registradas pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) como fruto do militarismo em nosso país. Estes números representam sindicalistas e membros dos partidos de oposição ao governo vigente da época, que foram torturados, exilados e interrogados por defensores do Estado. O número é baixo se comparado aos anos que se levaram para acabar com a ditadura, porém, “Pesquisas do SDH apontam para a existência de mais vítimas e seguem em busca de evidências destes assassinatos.”, afirma Andrea Silveira, que trabalha na assessoria da Secretaria.
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Muitos ainda hoje estão Dragão e a Caixa Pimentinha, desaparecidos, casos não foambas emitiam corrente elétriram esclarecidos e sumiços nesca para os corpos nus. A Gelasa época eram muito comuns. deira, cela pequena e baixa, não Aconteciam como um truque de permitia nem ao menos que se mágica, corpos sumiam na neblisentasse, a tortura era feita com na e aos poucos revolucionários a temperatura que passava de eram eliminados, assim como mipólo a pólo, do frio congelante litares também. ao extremo calor. O lado ditaOutros itens Cerca de torial utilizava fazem parte desse de instrumentos 460 mortes são acervo macabro, de torturas para como a palmatória registradas defender suas e elementos químicensuras, como pela Secretaria cos que resultavam o famoso pau- de Direitos em dores físicas, -de-arara, em psíquicas e com Humanos (SDH) que a pessoa certeza, a dor de era amarrada como fruto do morrer lutando por em uma barra militarismo em um ideal. de ferro para reO Partido Conosso país ceber outros timunista Brasileipos de castigos ro (PCB) e Política - choque nos órgãos sexuais, nos Operária (POLOP) foram os predentes ou na língua até que cacursores contra a luta armaísse no chão, eram utilizados na mentista. Deles surgiram outros, tentativa de obter informações. como forças estudantis, entidaAlguns aparelhos eram mais des católicas e dissidentes ligaelaborados, como a Cadeira do dos à Cuba e à União Soviética.
De pai, pra filho
O filho que acompanhou o pai na empreitada libertária e sentiu na pele as consequências da censura
O lado esquerdo se organizava como podia, as reuniões sempre em lugares estratégicos para não serem descobertos. Agiam de formas leves, como divulgação de ideias comunistas, e pesadas, como sequestros de diplomatas estrangeiros em respostas aos Atos Institucionais. Muito sangue foi derramado, porém, a punição aqui não se fez, mesmo se passado mais de 20 anos após o regime militar. Muitas famílias ainda esperam uma punição ou ao menos uma explicação, como é o caso de Maria Leonor Pereira Marques, de 83 anos. Leonor, como é conhecida, é mãe de Paulo Pereira Marques, que saiu de casa diretamente para o Araguaia e nunca mais voltou. A
mãe deduz a morte pelas cartas do filho, que depois de um tempo pararam de chegar. “É muito triste, até hoje não pude enterrar o corpo do Paulinho, e para uma mãe, não existe dor maior. Meu filho lutava contra a ditadura e esses assassinos não pagaram e nem pagarão pelo fim da vida do meu filho.” Os vinte países da América Latina sofreram com os milicos, só aqui no Brasil os crimes cometidos pelo regime fechado não receberam punição, o que faz com que pessoas próximas às vítimas continuem na luta pela justiça e tenham esperança de que a Comissão da Verdade possa ser uma porta para esses julgamentos.
Muitas famílias ainda esperam uma punição ou ao menos uma explicação
Ivan Seixas, hoje presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, foi companheiro de luta com o seu pai, Joaquim Alencar de Seixas, contra a ditadura. Na época Ivan tinha apenas 16 anos de idade, ele e Joaquim faziam parte de um dos movimentos esquerdistas, o Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT, juntos foram vítimas de uma emboscada e em seguida capturados pela Operação Bandeirante, mais conhecida como Oban. “Eu estava em uma sala e meu pai em outra. Fui amarrado em uma barra de ferro e forçado a dar nosso endereço. Meu pai tentava resistir às torturas enquanto era questionado sobre suas ligações e atividades no MRT, mas ele não diria e não disse.” Durante horas de tortura, pai e filho ficaram em cativeiro por lutarem contra o Estado. Além das marcas de violência que se acumulavam pelo corpo, a casa deles foi revirada e saqueada. A resistência do pai de Ivan resultou no fim de sua vida, ele foi morto a pauladas pelo Coronel Ustra, da DOI-COD (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), um dos órgãos mais atuantes na repressão política. Ivan segue hoje tentando honrar a memória dos que pagaram com a vida a tentativa de alçar voos mais altos. Voos que deveriam soar normais para o sistema, mas que nos deixa interrogações em nossas asas. Lupa • novembro• 2012
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Criminologia
Por Alexandre Novaes
Morte e canibalismo
em ritual macabro Os detalhes dos crimes foram registrados em um livro que chegou a ser registrado em cartório.
A
s suspeitas surgiram em abril deste ano, quando a polícia da cidade de Garanhuns em Recife, investigava o desaparecimento de duas mulheres no bairro Liberdade. Elas eram Giselly da Silva, de 31 anos, e Alexandra Falcão da Silva, de 20. Seus restos mortais foram encontrados no quintal da casa onde moravam Jorge Beltrão Negromonte de 50 anos, Isabel Cristina Pires, de 51 e Bruna Cristina Oliveira, de 25. Segundo a polícia, um trio de amantes. A polícia teria chegado à localização dos corpos depois que uma conta de cartão de crédito em nome de uma das mulheres desaparecidas foi enviada para a casa dos suspeitos. Eles haviam utilizado os documentos dela para efetuar compras. Após a descoberta dos corpos, a polícia recebeu uma confissão. Isabel Cristina admitiu que utilizou partes da carne das vítimas nas empadas que vendia na cidade. Eles também consumiram a carne das mulhe-
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res. A prova foi uma espécie de diário encontrado na casa onde eram relatados vários detalhes das execuções. O livro até mesmo havia sido registrado em cartório. Na casa dos suspeitos ainda morava uma criança que também não era poupada de presenciar os crimes e comer a carne das vítimas. Ela foi usada como isca para atrair as mulheres para uma suposta vaga de babá, no caso as vítimas Giselly e Alexandra caíram na armadilha. De acordo com uma certidão encontrada na casa, a garota de 5 anos foi identificada como filha de Jéssica Pereira, outra moça desaparecida em 2008 ela seria a primeira vítima do trio. Como foi descoberto mais tarde, seu corpo havia sido enterrado no quintal de uma antiga residência dos assassinos, localizada em Rio Doce, Olinda. “A menina vai precisar de um intenso acompanhamento psicológico, já que conviveu os primeiros anos de vida com essas pessoas, durante essa fase em que a personalidade começa a ser construída. Além disso
a criança desenvolveu laços afetivos, com essa família, oque torna essa tarefa mais delicada”, comenta a psicóloga Ângela Furtado sobre o caso. Na delegacia Jorge Beltrão disse que a prática fazia parte de um ritual para purificar a alma. As mulheres eram mortas para impedir a proliferação da espécie humana. Depois que os rumores se espalharam pela cidade, os cidadãos de Liberdade atiraram fogo na casa dos criminosos. “Além do grau de violência em que os crimes foram executados, a indignação das pessoas dessa cidade se deve pelo fato dos cidadãos também terem sido expostos aos atos dessa família, que comercializou alimento feito de carne humana, isso é bastante traumático.”, completa a psicóloga.
Na delegacia Jorge Beltrão disse que a prática fazia parte de um ritual para purificar a alma. As mulheres eram mortas para impedir a proliferação da espécie humana. O caso continua a ser investigado e os advogados de defesa já solicitaram o exame de insanidade mental dos réus, mas as datas em que serão realizados continuam sob sigilo.
O Vampiro de Niterói Ele bebia o sangue de suas vítimas para ser tão puro quanto elas Marcelo Costa de Andrade cometeu 14 assassinatos entre os anos de 1991 a 1992 nas ruas do Rio de Janeiro. Quando uma de suas vítimas fugiu, todos os seus crimes foram descobertos Começou a agir aos 22 anos, atraia suas vítimas, que eram sempre meninos com propostas de dinheiro para que eles o ajudassem a realizar um suposto ritual religioso. As crianças acabavam sendo abusadas sexualmente e mortas. O assassino bebia o sangue de alguns meninos porque segundo ele em uma espécie de ritual antropofágico, poderia ter assim um pouco da pureza dos garotos. Quando uma de suas vítimas, Altair Abreu de 10 anos fugiu, depois de ver seu irmão de 6 anos, Ivan Abreu, ser abusado e morto por Marcelo, as ações do vampiro foram descobertas. Pouco preocupado o assassino foi capturado enquanto trabalhava em Copacabana. Primeiro confessou ter matado somente Ivan, com o surgimento de outras provas como o facão utilizado em um dos crimes ele logo confessou ter matado os outros 13 garotos. Foi considerado inimputável e atualmente está internado no hospital psiquiátrico Henrique Roxo No Rio de Janeiro.
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Arquivo Morto Por Pamela Pestana
Violência que mata a alma
A violência contra a mulher cresce, a sensação de impunidade persiste e os relatórios mostram que a igualdade entre homens e mulheres ainda é um sonho a ser alcançado
N
a primeira delegacia da mulher de São Paulo, na Sé, o que impera é o silêncio. No ambiente quase vazio, o som que ecoa é o da televisão ligada e a conversa dos dois funcionários atrás do balcão. Atendida pelo funcionário José Luiz Rebelo, 47 anos, a reportagem da Lupa foi surpreendida com os casos que ele acompanhou durante seus anos de trabalho. E as histórias não são poucas. Algumas são engraçadas, outras, nem tanto. Entre muitas, a que chama atenção é sobre uma mulher que gritou na delegacia, chamando pelo marido depois de ser espancada por ele. Quando o homem foi solto, ela o abraçou e os dois deixaram o local juntos, como se nada tivesse acontecido. No meio de tantos casos, o que mais choca é como a violência contra mulher é comum. O vendedor ambulante José Costa Júnior, 32 anos, conta que alguns casais já são conhecidos naquela área. “Tem uma moça que vem todo dia para a delegacia. Os dois são drogados, ele bate nela e ela vem fazer queixa. Depois de algumas horas, no mesmo dia, a menina volta com o dinheiro da fiança e os dois saem juntos do prédio”, diz.
Dados
Em todos os países do mundo, em menor e maior grau, muitas mulheres sofrem maus tratos físicos, sexuais e psicológicos. A polícia trabalha para conter as agressões, mas como agir quando a proteção da polícia e do governo não são suficientes? “Infelizmente, determinados homens botam na cabeça que a mulher é um objeto dele, que pertence a ele, que ele pode tudo sobre ela, que ele pode bater, que ele pode brigar e que ele pode até matar”, conta o delegado Adroaldo Rodrigues em entrevista concedida ao programa Fantástico, da rede Globo. O Mapa da Violência, publicado em 2012 pelo instituto Sangari, um braço da empresa de mesmo nome que cria e desenvolve metodologias e materiais educacionais para o ensino fundamental, diz que de 1980 a 2010, foram assassinadas quase 91 mil mulheres no Brasil e o número de mortes subiu de 1353 para 4297. Seis em cada dez brasileiros conhecem alguma mulher vítima de violência. Mulheres de 15 a 44 anos correm mais riscos de sofrer estupro e violência do que câncer e acidentes de carro. Duas em cada três pessoas atendidas no SUS em razão de violência doméstica ou sexual são mulheres e em mais da metade dos casos foi registrada a reincidência.
Em todos os países do mundo muitas mulheres sofrem maus tratos físicos, sexuais e psicológicos
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Impunidade
e mĂŁe da atriz, estava diminuindo a importância de seu personagem. O ator, condenado a 19 anos de prisĂŁo, e Paula, condenada a 18 anos e seis meObservando os dados e lendo sobre os cases, sĂł passaram setes anos na cadeia e cumpriram sos, ĂŠ difĂcil acreditar que algo esteja sendo feito o restante da pena em liberdade. a respeito. Pelo menos uma mulher ĂŠ agredida a Raul Gazolla, marido de Daniela contou, em cada cinco minutos no Brasil e em 70% do casos, o entrevista a revista IstoĂŠ, como se sentiu diante da agressor ĂŠ o namorado, marido ou ex-marido. Apeimpunidade dos assassinos. “Sofri com a criminasar das condenaçþes, o vazio pela perda de uma lidade como milhares de pessoas tambĂŠm jĂĄ sopessoa querida permanece na famĂlia. Resta saber freram, mas agora sofro ĂŠ com a impunidadeâ€?, diz. se a violĂŞncia contra a mulher pode ser extinta ou â€œĂ‰ um absurdo saber que as pessoas que mataram se teremos que nos habituar a ela. minha mulher com 18 facadas, que deveriam ficar 19 anos na prisĂŁo, estĂŁo na rua, livresâ€?. Foi GlĂłria, comandando uma campanha que angariou mais Em 1996, as taxas de homicĂdio duplicaram de 1,3 milhĂŁo de assinaturas, que conseguiu transno Brasil. A partir desse ano, a taxa de mortes foi formar a primeira iniciativa popular de projeto de estabilizada. JĂĄ no primeiro ano de vigĂŞncia da lei lei em lei efetiva na histĂłria do Brasil. Ela lutou Maria da Penha, as taxas caĂram e voltaram a subir ATUALIZAĂ‡ĂƒO: HOMICĂ?DIO DE MULHERES BRASIL paraNO conseguir a aprovação de um projeto para atĂŠ o ano de 2010, alcançando, novamente, o nĂvel que o homicĂdio qualificado tivesse uma punição mais alto jĂĄ visto no paĂs: o de 1996. *UiÂżFR (YROXomR GDV WD[DV GH KRPLFtGLR IHPLQLQR HP PLO PXOKHUHV %UDVLO mais severa e fosse incluĂdo no rol de crimes he5,0 diondos, e apesar de ter alcançado seu objetivo, 1996; 4,6 2010; 4,6 como o julgamento do casal aconteceu antes da 4,5 nova lei, Paula e Guilherme puderam cumprir a pena fora da cadeia. 4,0 7D[D HP PLO PXOKHUHV
GrĂĄfico
2007; 3,9 3,5 3,0 2,5 2,0
1980; 2,3 1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
Fonte: SIM/SVS/MS
Casos famosos
ƒÂ?„¹Â? ’‘†‡Â?‘• ‘„•‡”˜ƒ” ’‡Ž‘ ‰”žĎ?‹…‘ “—‡ ‘ …”‡•…‹Â?‡Â?–‘ ‡ˆ‡–‹˜‘ ƒ…‘Â?–‡…‡ ÂƒÂ–Âą ‘ ƒÂ?‘ †‡ ͳ͝͝͸ǥ ’‡”À‘†‘ “—‡ ĥ –ƒšƒ• †‡ Š‘Â?‹…À†‹‘ ˆ‡Â?‹Â?‹Â?‘ †—’Ž‹…ƒÂ?ÇĄ ’ƒ••ƒÂ?†‘ †‡ Í´ÇĄÍľ ’ƒ”ƒ ͜ǥ͸ Š‘Â?‹…Àdios para cada 100 mil mulheres. A partir desse ano, e atĂŠ 2006, as taxas permanecem estabiÂŽÂ‹ÂœÂƒÂ†ÂƒÂ•ÇĄ …‘Â? –‡Â?†²Â?…‹ƒ †‡ Â“Â—Â‡Â†ÂƒÇĄ ‡Â? –‘”Â?‘ †‡ ͜ǥ͡ Š‘Â?‹…À†‹‘• ’ƒ”ƒ …ƒ†ƒ ͳͲͲ Â?‹Ž Â?—ŽŠ‡”‡•Ǥ ‘ TrĂŞs dias antes da virada do ano de 1993, o primeiro ano de vigĂŞncia efetiva da lei Maria da Penha3, 2007, as taxas experimentam um leve decrĂŠscimo, imediatamente crescer de rĂĄpida atĂŠ o ano corpo voltando da atriz Daniela aPerez foiforma encontrado em2010, Ăşltimo dado atualmente disponĂvel, igualando o mĂĄximo patamar jĂĄ observado no paĂs: o de 1996.
um matagal no Rio de Janeiro, com 18 golpes de tesoura, divididos em quatro perfuraçþes no pescoço, oito no peito e mais seis que atingiram pulmþes e outras regiþes. Daniela foi assassinada pelo ator Guilherme de Pådua, que contracenava com ela na novela da rede Globo De Corpo e Alma, e por sua mulher, Paula Thomaz. Paula, na Êpoca, estava gråvida de quatro meses. O crime foi motivado pela inveja de Guilherme, que acreditava que Glória Perez, autora da novela
Íľ ‡‹ “—‡ǥ ‡Â?–”‡ ‘—–”ƒ• †‹•’‘•‹Âه•ǥ ƒ—Â?‡Â?–ƒ ‘ ”‹‰‘” †ƒ• ’—Â?‹Âه• †ƒ• ÂƒÂ‰Â”Â‡Â•Â•Ă™Â‡Â• Â?‘ Â&#x;Â?„‹–‘ †‘Â?¹•–‹…‘Ǥ Ž‡‹ entrou em vigor em 22 de setembro de 2006.
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La Cam
Sedutor, perturbador e surpreendente. Por Paula Costa
Ficha Técnica: Título Original: Hannibal Diretor: Ridley Scott Gênero: Suspense Origem: Reino Unido/EUA. Lançamento: 2001 Estúdio: MGM e Universal Duração: 131 min
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Primeiramente Precisamos falar sobre Kevin (em inglês We Need to Talk About Kevin), apesar de confuso é chamativo e sedutor e com uma história pouco comum. O longa é construido sob as lembranças do passado de Eva Khatchadourian, uma mulher triste e atormentada que é mãe de Kevin, na adolescência interpretado pelo ator Ezra Miller. A trama apresenta ao espectador uma relação complexa entre mãe e filho. Kevin, desde pequeno, se mostra como uma criança diferente, manipuladora e perversa, uma incógnita. A direção de Lynne Ramsay cria um suspense constante, em muitos momentos exclui diálogos e opta por uma iluminação fria. Cria sequências carregadas de flashs das memórias de Eva (Tilda Swinton) para construir o passado e as inúmeras tentativas que ela fez para se aproximar do filho e em mostrar ao marido Franklin (John C. Reilly) que existe algo de errado com o garoto. Precisamos falar sobre Kevin leva o espectador a uma dúvida peculiar: uma criança pode nascer como Kevin ou sua mãe tem total culpa sobre sua personalidade? Optando por não estragar este questionamento a revista Lupa deixa como sugestão este longa tão perturbador quanto fascinante.
Imortalizado nos cinemas por Anthony Hopkins, Hannibal conta com a direção de Ridley Scott. Os toques refinados do personagem são claramente percebidos quando nos damos conta de seu paladar extravagante, culinária essa realizada muitas vezes com alguns ingredientes humanos. Medico formado, o Dr. Lecter revela sua astúcia ao praticar seus crimes e realizar suas fugas sem nenhum tipo de problema, o que começou com um trauma por sua irmã morta no passado virou um prazer para ele. É um homem charmoso e engraçado que sabe se comportar de forma brilhante e obter o que deseja. Um personagem no mínimo inesperado. Hannibal Lecter é um personagem do livro Dragão Vermelho do escritor Thomas Harris e graças ao seu sucesso conseguiu ir para outras áreas como cinema, ganhou diversas adaptações. Um típico filme de suspense americano, rico em sustos e sangue com um toque sutil de crueldade, entra de cabeça no trauma psicológico que uma guerra pode criar na personalidade de alguém.
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Ficha Técnica: Nome: Precisamos Falar sobre o Kevin. Nome original: We Need Talk About Kevin.. Direção: Lynne Ramsay. Origem: Reino Unido/EUA. Ano de produção: 2011. Gênero: Drama. Duração: 110min. Distribuidora: Paris Filmes. Classificação: Livre.
Refinado, inteligente e
interessante Por Phillip Silva
Amado, corajoso e engraçado Por Phillip Silva
Ficha Técnica: Autor: Ilana Casoy Editora: Ediouro Publicação original: 2002 Páginas: 299
Dexter é o filho adotivo de uma dona de casa e um policial. Após a morte de seus pais passa a viver com sua irmã em Miami, onde leva uma vida calma até a segunda página. Um trabalho normal e vários disfarces convenientes para preservar sua identidade, como uma namorada e uma vida social. É um livro que fica difícil não expressar seus sentimentos pelo personagem principal, já que do inicio ao fim você está dentro de sua cabeça, convivendo com seus pensamentos mais sujos. Dexter se reserva o direito de matar apenas por prazer, mas matar com a consciência de que está colocando para fora pessoas que não merecem viver, como assassinos, que de fato são suas únicas presas. Lindsay conseguiu mesclar o desejo de justiça da sociedade, o humor esperado por quem não suporta um tema pesado em um único personagem, Dexter, um serial killer, que consegue ser amado muito mais do que pacifistas ou gênios. Com uma leitura leve e envolvente é capaz de nos fisgar do inicio ao fim e nos deixar em um universo onde tudo pelo que se espera é o mocinho sair livre, o livro deu inicio a série de televisão que leva o mesmo nome na Showtime e que também foi muito bem aceita pelo público.
O livro Serial Killer – Louco ou Cruel? de Ilana Casoy é uma obra extremamente reveladora. Em primeiro momento a autora leva o leitor a compreender como são definidos serial killers e como funciona o universo e a atuação da polícia que trabalha em ivestigações de crimes deste gênero. A linguagem utilizada por Ilana busca deixar o leitor familiarizado com o assunto, pois esclarece os temos utilizados pela policia até mesmo citando exemplos para compreensão das definições. Em segundo momento, ela reúne casos reais de famosos serial killers do mundo. Busca apresentar detalhadamente a história e como ocorriam as mortes, mas possui um diferencial que é trazer um esclarecimento de como a polícia atuou na investigação de cada crime e na construção do perfil psicológico do assassino. Trata-se de uma obra chocante, mas evidentemente destinada a leitores curiosos. A revista Lupa convida nossos leitores mais curiosos e corajosos a encararem estas histórias que mostram o lado real de um assassinato cometido por um psicopata.
Ficha Técnica: Título Original: Darkly Dreaming Dexter Autor: Jeff Lindsay Ano de lançamento: 2004 Editora: Planeta (BR) Páginas: 271 Ano de lançamento (Brasil): 2008
Detalhista, real e assustador Por Paula Costa
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Coluna
Por Pamella Pestana
Um retrato da vida de
John Lennon Tatiana B.
Na noite de 8 de dezembro de 1980, um homem e sua esposa voltavam para seu apartamento em Nova Iorque, no edifício Dakota, em frente ao Central Park. Abordado por um garoto com quem havia conversado pela manhã, ele parou e acabou atingido por quatro dos cinco tiros disparados de um revólver calibre 38 que o rapaz segurava. O homem morreu. Esse episódio poderia ter sido mais um caso de assaltou que acabou em tragédia, poderia ter sido mais um caso de assassinato esquecido pelo tempo se o homem não fosse John Lennon. O músico faleceu aos quarenta anos de idade após perder cerca de 80% do seu sangue. É no mínimo estranho pensar que um artista que tenha pregado a paz e a igualdade tenha tido esse fim trágico. Ele já estaria imortalizado no mundo da música se tivesse sido apenas um dos Beatles, mas
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ele foi além disso: a carreira e a vida de John foram marcadas por controvérsias, polêmicas e protestos. No dia em que foi morto, o mundo perdeu um músico de primeira linha, um ativista incansável e um inegável anarquista.
Infância John Winston Lennon nasceu no dia 9 de outubro de 1940. Filho único de Alfred Lennon e de Julia Lennon, teve uma infância marcada pela ausência dos pais. Foi a mãe quem deu a John sua primeira guitarra. Ela o ensinou a tocar usando um ukelele e um banjo, instrumentos bem mais simples, já que o menino tinha dificuldade para aprender os acordes. Julia morreu em 1958, atropelada por um policial que dirigia bêbado. Isso o aproximou de Paul McCartney, pois o amigo também havia perdido a mãe bem cedo, aos 14 anos de idade.
Adolescência Quando fez 16 anos, John formou sua primeira banda, a The Quarryman. O grupo era formado por Lennon e seu melhor amigo Pete Shotton. Em junho de 1956, John conheceu Paul depois que esse último assistiu uma apresentação da Quarryman na igreja de St. Peter, e foi convidado para entrar na banda. Em 1958, John passou a se interessar pelo Rock. Logo depois, George Harrison entrou para o grupo. Em 1960, a banda trocou de nome cinco vezes até se decidirem por The Beatles.
Os Besouros Em 1961, os Beatles fizeram sua primeira apresentação em sua cidade natal. Foi nesse ano, também, que Paul assumiu definitivamente o posto de baixista. Em novembro do mesmo ano, Brian Epstein viu os Beatles tocando e se tornou o empresá-
chaka-boom.deviantart
rio da banda. Em 1962, o produtor musical sugeriu que eles trocassem de baterista. A posição foi então assumida por Ringo Starr, completando a formação da banda como ela ficou conhecida no mundo todo.
John compôs grande parte das músicas do Beatles. Ele se desenvolveu como letrista e foi responsável por grandes sucessos do grupo como “All You Need Is Love”. Em 1966, John fez uma declaração que chocou a todos, dizendo que os Beatles eram mais populares que Jesus Cristo. Muitos jovens religiosos queimaram discos da banda em locais públicos. No mesmo ano, o cantor conheceu a artista plástica japonesa Yoko Ono, mas só em 1968 eles começaram um relacionamento amoroso. Cynthia, a primeira esposa do músico, estava viajando e pediu o divorcio assim que descobriu o caso. Depois da separação, John levou Yoko as gravações do White Album dos Beatles, o que causou um desconforto entre os membros da banda. Apontada
por alguns como uma das responsáveis pelo fim do grupo, Yoko é considerada um divisora de águas. Anos depois do fim dos Beatles, John lançou o albúm Imagine, que continha a música de mesmo título.Essa faixa se tornou um hino para os pacifistas do mundo todo. Depois de atirar no cantor, Mark David Chapman foi preso e ao entrar na viatura chegou a pedir desculpas pelo transtorno que havia causado. Naquela manhã, Mark, que se dizia fã de John, havia pedido um autográfo para o músico. O motivo do assassinato? Chapman considerou como blasfêmia algumas declarações do cantor. Ele foi condenado a prisão perpétua.
De pai para filha:
o homem que me apresentou aos Beatles. Hoje, depois de escrever mais um pouco e consultar mais algumas histórias sobre a vida de John Lennon, eu resolvi que era hora de consultar alguém que estava vivo quando o cantor morreu. A primeira pessoa que veio na minha cabeça quando eu pensei nisso foi meu pai.
Na verdade, nos últimos vinte anos, eu nunca tinha visto ninguém cantar “Lucy in the Sky with Diamonds” com tanta vontade quanto ele. E cantava tão alto a ponto de deixar minha mãe irritada. De qualquer forma, eu me arrependo por ter esperado tanto tempo para fazer algumas perguntas ao homem que me apresentou aos Beatles. Como você ficou sabendo sobre o que tinha acontecido com John Lennon? Carlos: Eu ouvi no rádio de manhã. A programação parou e eu escutei o locutor dizer: “ John Lennon foi alvejado por cinco tiros em Nova Iorque”. Foi um momento que marcou. Qual foi sua reação quando você ouviu a notícia? Carlos: Eu fiquei muito triste. John era um ótimo músico e eu sempre escutei as músicas do Beatles. Sempre fui fã. Você tem alguma outra lembrança desse dia? Carlos: Sim, tenho uma lembrança que ficou muito gravada em minha mente. Eu estudava em um cursinho pré-vestibular e tinha um professor de inglês que sempre cantava as músicas do Beatles e do John. Naquele dia, ele entrou na sala calado. Eu lembro de estar comentando a notícia quando ele passou por mim e pelos meus amigos. Ele subiu na plataforma e se virou para turma e disse: “Hoje é um dos dias mais tristes da minha vida. Estou dando aula por que sou obrigado. John Lennon morreu depois de ser baleado por um idiota em Nova Iorque”. Ele era mais fã até do que eu.
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É Freud
Dias em
Por Gabriela
Estocolm
E
u caminhava pelas ruas da cidade, vagando sem rumo e nem identidade. Foi quando eu a avistei, uma mulher madura que cabia na moldura do meu quarto.
Os olhos brilhando como diamantes me deram a certeza de que seríamos grandes amantes.
Apesar de velha conseguia ver suas veias verdes na luz.
A levei para casa, como se fosse uma andorinha sem asa.
Tinha um aroma que me fazia flutuar, me enchia a boca o seu cheiro de amora. Seu rosto pálido refletia em seus sapatos polidos. Não seria possível relatar tal beleza, nem pela ciência, nem pela mais bela arte. Uma experiência que faz parte. Roubar-lhe do mundo seria como arrancar uma flor do deserto. Mas há pensamentos tão imundos quando se quer alguém por perto. A tomei em minhas mãos como se virasse um copo d’água. Afogada em meus dedos eu via nascer a mágoa.
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Dentre tanto ódio que nutria podia ver que ali algum desejo nascia.
Afoita pôs-se a chorar. Como podia ser triste tão bela criatura de se admirar? Fiz de minha casa sua prisão, a mantinha em minha cama presa ao chão.
O rosto da velha não brilhava mais, seu corpo cansado não ficava atrás. Minha paixão se esvaiu, como café com muita água, meu amor se diluiu. Com o tempo a repulsa saltava em minhas veias, não conseguia mais ver beleza em suas pernas feias. Ela não queria me deixar, vivia dizendo que se esqueceu do mundo e aprendeu a me amar. Tentei fugir, largá-la aos prantos e sumir.
Era triste negar sua maior vontade, mas não podia devolver sua liberdade.
A velha me fizera uma armadilha, me prendeu como se estivéssemos numa ilha.
Os dias se foram e as noites também, ela parecia não entender que eu lhe queria bem.
Ira foi o que comecei a sentir, tirava seus braços de mim e parava de sorrir.
Atordoado, passei a pensar o que fizera quando a prendi em meu lar.
Suas veias pulsantes no pescoço gritavam como se houvesse um grande alvoroço.
Passaram-se 4 meses e 3 sacos de café, a alegria fugiu e eu perdi a minha fé.
Eu podia ver em seus olhos a vontade de conseguir me segurar pela eternidade.
mo O feitiço virou-se contra o feiticeiro, se eu pudesse prever, meu suspiro não seria derradeiro. Como se fosse minha última carta, na calada da noite, tentei escapar. Passos mansos para ela não acordar. Ao abrir a porta pude respirar, a noite era clara por causa do luar. Um passo para fora e lançado ao chão me sentir desmaiar. Como uma névoa vermelha vi meu sangue jorrar. Avistei seus olhos pela última vez, me pegou em seus braços perguntando o que você fez. Enfim liberdade da prisão que escolhi, novamente sozinho eu refleti. Era meu adeus final, ela era velha demais para a nova moldura do meu quarto, era um sinal.
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Artigo
Aborto
Por que homicídio?
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m dos mais debatidos temas sobre ética prática, desde o século XX, é sem sombra de dúvidas a questão do aborto. Contudo, a falta de reflexão racional sobre tal problema acaba atravancando um debate que é de extrema relevância para a sociedade e para a qualidade de vida dos cidadãos. A grande crítica à prática do aborto é, indubitavelmente, de cunho religioso. Mais especificamente, a grande crítica vem da ala cristã. Estes afirmam que tal prática é contrária aos ensinamentos das escrituras, base de sua moralidade. Mas será que a Bíblia contém direções específicas sobre esse tema? A resposta é não. A única passagem que faz alguma menção a tal assunto se encontra no livro do Êxodo, capítulo 21, e diz que um homicídio deve ser punido com a morte, porém o aborto deve ser penalizado com a aplicação de uma multa, que a mulher deve pagar ao seu marido. Não há outra passagem, não há uma direção específica por parte de Deus que determine a analogia entre aborto e homicídio. Então, como essa relação se deu historicamente? Em algum momento da história humana, o aborto passou a ser condenado, e podemos identificar exatamente essa origem. No século XVII, cientistas equipados com uma invenção recente, os microscópios rudimentares, acreditaram terem visto no desenvolvimento de um óvulo fertilizado pequenos homens já formados, ao qual deram o nome de “homúnculos”. Isso permitiu que a teologia se apropriasse do conceito de que fetos já são homens formados e por isso dotados de alma. Portanto matá-los seria homicídio. Eis a genealogia de tal moral. A ciência sofisticou-se, e pensar de tal forma é absurdo. Já sabemos que fetos nas primeiras semanas não são homens completos, são bem menos que isso, sendo um amontoado de células
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ainda em desenvolvimento. Tal pensamento não pode mais servir de argumento por parte da ala religiosa. Logo, aborto não pode ser sinônimo de homicídio, tal como os religiosos pensam e se tal relação deve ser feita, outro fundamento deve ser colocado, mas pela razão, nunca pela fé.
Diego AZizi é mestre em filosofia pela PUC.
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