PARA AMAR OS AMADORES P R O D U Z I D O
P O R
A R T H U R
C A R I A
paraamarosamadores.wordpress.com
JUL 2021
PARA AMAR OS AMADORES P R O D U Z I D O
Os anos finais da década de 1880 testemunharam, principalmente na França, Inglaterra e Estados Unidos da América, os primeiros momentos da Cinematografia.
P O R
A R T H U R
C A R I A
JUL 2021
No tecido da Cinematografia estará marcada para sempre - como um traço indelével na sua memória (Freud) - a assinatura da sua herança poética, como bem reflete a busca dos primeiros filmmakers pelas “ilimitadas possibilidades para o uso do filme enquanto poesia visual e beleza formal” (Rudolf Steiner).
Surgia a possibilidade de se captar uma sequência de imagens sucessivas numa película e depois apresentá-las para uma platéia.
E é refletida também pelos numerosos círculos de adeptos, entusiastas desta mesma busca, que ao longo das décadas de vanguardas e movimentos organizados têm sustentado a natureza do fazer cinematográfico como eminentemente artística, apoiada no ímpeto pela liberdade de criar - condição primordial e inegociável para quem a exerce.
Naquele momento, os equipamentos destes pioneiros e os assuntos por eles captados ainda eram basicamente os mesmos: pessoas caminhando, paisagens, a vida nos centros urbanos e cenas domésticas.
A cinematografia amadora é um fazer individual por filosofia. Os seus filmes são realizações de uma prática artesanal, “essencial e literalmente o trabalho de um autor” (Curtis and Francis). Esta é a chave para a compreensão do filme amador como objeto artístico.
Entusiasmo e assombro eram as palavras de ordem naqueles primeiros dias.
Deste muito cedo estava estabelecida então uma linhagem de realizadores de filmes amadores artísticos que tem arregimentado adeptos até os dias de hoje.
O que já vinha sendo alvo de estudos e testes em diversos lugares finalmente tinha dado frutos para além das tímidas conquistas dos experimentos ópticos realizados até então.
Ao invés de captar um só fotograma por vez (fotografar), a Cinematografia usará uma câmera modificada para captar desta feita uma sequência de fotogramas. E esta sequência de fotografias, quando projetadas na tela, uma após a outra, irá criar a ilusão de movimento para os olhos de quem a assiste. Finalmente, como na crença indígena, teria desta vez a alma humana sido capturada pelo aparelho do homem branco? Era uma arte dando os seus primeiros passos a partir de sua progenitora: a Fotografia. Durante os seus momentos iniciais, as primeiras filmagens eram assistidas sob a recepção de um público ainda fortemente acostumado com a maneira como se apreciava a Fotografia. E a recepção da Fotografia, por sua vez, já então com as suas seis décadas de existência, estava ainda vinculada à lógica da realização e apreciação das obras de Artes Plásticas. Escultores e pintores têm seus trabalhos expostos em locais reservados à finalidade contemplativa, num ambiente silencioso de uma galeria ou museu, o que proporciona ao público a possibilidade de experimentar individualmente a apreciação da obra. Inevitavelmente, a aura das Belas Artes ainda era a atmosfera estética de referência tanto para quem assistia, quanto para quem criava os primeiros trabalhos cinematográficos. O público que vislumbrou as primeiras fotografias o fez com o filtro das Belas Artes em seu olhar. De uma maneira semelhante, o público que assistiu às primeiras filmagens projetadas numa tela o fez com o filtro da Fotografia em seu olhar. O espírito pioneiro da Cinematografia foi gestado, portanto, com o influxo das Belas Artes nas entranhas da Fotografia.
Aquelas primeiras gerações de filmmakers artísticos testemunharam o surgimento de variadas aplicações para a cinematografia que abriram caminho para o uso do filme nas esferas jornalísticas, educativas, religiosas e, principalmente, para o entretenimento cinematográfico de massa. O sistema que instituiu o filme como um produto predominantemente comercial, já havia se espalhado com muita rapidez pelo mundo na primeira década do século XX, mas terminou se consolidando e prosperando com grande intensidade nos Estados Unidos da América, durante e depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), uma vez que a Europa se recuperava lentamente das altíssimas perdas humanas e materiais advindas tanto deste conflito quanto da pandemia da Gripe Espanhola (1918-1920). A consolidação do chamado cinema mainstream, provocou nos filmmakers artísticos amadores o recrudescimento dos princípios e das temáticas essencialmente artísticas nos seus trabalhos. Essa força de reafirmação, junto a outras, ajudará a empurrar as vanguardas e os movimentos artísticos que se estenderam pelo mundo a partir da Europa na década de 1920. Diante da predominância avassaladora do grande cinema, que reivindica para si o nome daquela arte das imagens em movimento, que recruta legiões de artistas-empregados assalariados em suas indústrias, e que passa a ditar modas em todo o espectro da estética cinematográfica, coube ao filme artístico amador acentuar ainda mais a sua identidade, continuar ser o que sempre foi e tem sido: prática artesanal, essencialmente o trabalho de um só autor. Mais do que nunca: um cinema que não quer ser cinema. [A.C.]