COMO DEVE CRESCER O CURSILHISTA 1. A COLOCAÇÃO DO PROBLEMA Comecemos, então, por colocar o problema. Creio que em parte alguma se discute já a capacidade dos Cursilhos para provocar no individuo um início de conversão. Os frutos dos três dias do Cursilho são algo de inegável e todos somos testemunhas e testemunhos disso mesmo. O que podemos discutir é se as estruturas do pós-cursilho são aptas ou suficientes para levar o cursilhista a uma progressiva conversão integral. Às vezes nem sequer se ouve falar de crescimento. Fala-se apenas de perseverança; mesmo a nível de rolhos, apresentam-se as estruturas do pós-Cursilho como instrumentos de perseverança. Tudo parece estar centrado em enterrar os talentos para que não se percam, embora também não rendam. A máxima aspiração do Responsável parece ser que o cursilhista não regresse à sua vida passada. A Clausura do Cursilho marca, então, o ponto culminante da vida cristã, que deve conservar-se a todo o custo. Tudo parece centrar-se em que o cursilhista sobreviva em situação de clausura permanente: nem para cima, nem para baixo. A progressiva cristianização de todas as áreas da sua vida é algo demasiado remoto, com o qual se minimiza o plano de Deus e a finalidade dos Cursilhos de Cristandade. Nos Cursilhos, definimos a Piedade como a nossa vida toda orientada para Deus à luz do Evangelho: Todo o meu conhecer, querer e actuar em todas as circunstâncias da minha vida. Porque no rolho do “Estudo”, falamos da configuração de toda a nossa personalidade com Cristo. E porque no “Militantes” falamos de ir dando a Deus tudo o que se tem, à medida que se vai tendo, e de pôr ao serviço de Deus e dos homens todas as nossas qualidades humanas e sobrenaturais. A finalidade dos Cursilhos define-se como “vivência autêntica, contínua e progressiva do fundamental cristão “ que depois substituímos por uma formulação, talvez mais clara, dizendo que aquilo que os Cursilhos pretendem, de forma imediata, é a “progressiva conversão integral da pessoa”. Dito por outras palavras, nos Cursilhos a única coisa que se pede é tudo. Os Cursilhos devem integrar-se plenamente na Pastoral global diocesana, raras vezes acontece que o estejam de facto. Os Cursilhos podem e devem levar o cursilhista a uma progressiva conversão integral, à vivência autêntica, contínua e progressiva do fundamental cristão. Como deve crescer o Cursilhista. Pretende apresentar o que cada uma das estruturas do pós-Cursilho pode e deve trazer a este crescimento. Analisemos, pois, individualmente as funções e limitações de cada uma destas estruturas face ao crescimento, face à progressiva conversão integral do individuo. Antes, no entanto quereria situar as estruturas dentro do contexto da nossa estratégia. 2. AS ESTRUTURAS DO MOVIMENTO Já na primeira literatura dos Cursilhos, ao pretender situar a sua estratégia se falava de três passos: de “buscar e forjar as peças, de situá-las no seu justo lugar e vinculá-las organicamente entre si”. Paralelamente, quando E, Bonnin, no primeiro rolho que se conhece de “Essência e Finalidade dos Cursilhos” tratava de definir a vivência do fundamental cristão, exprimia-o em termos de” orientação Página | 1
de toda a vida à luz do Evangelho, de projecção apostólica e de santificação comum, ou vida comunitária”. Mas acrescentava algo de muito significativo: dizia, que quando se dá a terceira parte, quer dizer, a santificação em comum ou vida comunitária, então – e somente então – se dão as outras duas. Compreendemos hoje, a partir da vivência, que isto também está certo face à estratégia: É o vincular as peças organicamente entre si que possibilita forjá-las e situá-las no seu lugar. Nesta vinculação orgânica está a resposta ao como deve crescer o cursilhista. Os Cursilhos definiram-se como “ a vivência e a convivência do fundamental cristão”. Creio que podemos afirmar igualmente que, sem convivência, não pode falar-se de uma verdadeira vivência do fundamental cristão. Convivência é comunhão (comum união koinonia) e comunhão de vida, e nesta mútua comunicação de vida, tornada possível pela convivência, quer dizer, pela vinculação orgânica dos seus membros, radica o segredo do nosso crescimento cristão. 3. O GRUPO Falar de vinculação orgânica é falar de vasos comunicantes e com isto abordamos o primeiro nível: o nível do grupo. A reunião de Grupo é, sem dúvida, o instrumento mais poderoso do Cursilho. É onde a vida se compartilha a um nível mais profundo, e compartilhar não é “dizer coisas”. É conviver, partir e repartir. E acrescento: contagiar aquilo que se é, o que se faz e o que se fará. Sei que o difícil não é que o Grupo funcione, mas que o Grupo exista (…). Primeiro, começa por ser difícil que se reúna, mas mais tarde o difícil é que deixe de ser só uma reunião, para converter-se automaticamente num Grupo que convive e partilha. O segundo problema é que continue existindo. Mas a sua simples existência não garante o crescimento. O segredo do Grupo radica nos vasos comunicantes: Exemplo – seis vasos cheios comunicam entre si; seis vasos secos nada comunicam. O mesmo sucede com seis vasos cheios do mesmo, que pouco ou nada comunicam. Igualmente se o que temos é um vaso e cinco esponjas. A experiência diz-nos que o crescimento no Grupo não depende, em grande parte, da sua composição. O Grupo requer uma certa heterogeneidade para poder crescer, de uma variedade de personalidades, de gostos, de interesses, de vocações e carismas: quando falta esta heterogeneidade (diversidade – para a complementaridade), o crescimento é díspar. Diz E. Bonnin que fomos feitos para conhecer, amar e servir a Deus; mas que uns estamos mais na linha do conhecer, outros na linha do amar e outros na linha do servir (Piedade-Estudo-Acção). Quando no Grupo estamos todos na linha do conhecer (Estudo), facilmente este se converte num círculo de intelectuais(…); quando estamos todos na linha do amor (Piedade), é natural que sobre espírito mas falte critério (…); quando estamos todos na linha do servir (Acção), facilmente se deriva para o activismo (…).
Página | 2
Um Grupo também pode ter outras derivações: Pode derivar para o verticalismo (apenas Deus); para o horizontalismo (só os homens); para o sacramentalismo (só o sagrado) (…); ou para o alcoolismo, de acordo com a composição dos seus membros. O Grupo, se bem que garanta um crescimento, não garante um crescimento equilibrado. Este só se pode obter através da heterogeneidade dos seus membros (diversidade). Outro problema do Grupo é o seu crescimento errático e fragmentado: Uma semana crescemos numa área; outra noutra; sem que necessariamente se consolide nenhuma delas. Porque a área de crescimento está sujeita a acontecimentos ou vivências que podem partilhar-se no Grupo, e esta semana um dos irmãos compartilhou algo acerca da oração, e na semana seguinte outro compartilhou algo acerca da pobreza, e na outra outro acerca do apostolado. Por isso creio que também podemos afirmar que os frutos do crescimento que o Grupo provoca são, muitas vezes um processo de anos. Mas o principal problema não foi ainda colocado. Antes de tudo, o senso comum diz-nos que vasos comunicantes terminam por estabilizar-se ou estancar-se. Em muitos Grupos isso acontece: com sorte, a nível do mais santo; sem ela, a nível do mínimo múltiplo comum. Um Grupo pode converter-se facilmente em mediocridade institucionalizada. 4. A ULTREIA Podemos perguntar-nos se isto supõe que seja sempre assim e se é este o destino irremediável do Grupo. A resposta evidente é: Não! Tudo o que falámos para o Grupo se aplica à Ultreia. O sistema de vasos comunicantes supõe-se também a este nível. A Ultreia poderá ser a solução: o lago onde desaguam os rios (Grupos), o supermercado de vidas onde todos encontram tudo o que necessitam sob um mesmo tecto, a central telefónica de todos com todos. 1) Como vejo a Ultreia - Nela devem existir sempre “ressonâncias”, testemunhos ou vivências que reflictam a normalidade e heterogeneidade dos participantes e da sua maneira de ser cristã: Piedade, estudo e projecção apostólica. - Pode e deve funcionar como complemento do Grupo. Consegui-lo-á quando for da responsabilidade de todos e trabalho de uns quantos. Esses “uns quantos” são: Todos os elementos da Escola de Responsáveis; e a planificação séria, cuidada e profunda do Secretariado Diocesano e do centro de Ultreia. - Estes, mas sobretudo o de Ultreia, devem estar dispostos a experimentar continuamente (sempre que necessário) novas formas de Ultreia que, de forma planificada e tendo em conta as tentativas anteriores, possam revestir de uma maneira equilibrada e heterogenia a vida, os entusiasmos, a entrega e o espírito de caridade dos mais entregues, de modo que cada Ultreia ofereça um leque de possibilidades sem limite a todas as vocações e carismas, convidando cada um, porque a vida, a vivência, compromete para “ ir e fazer outro tanto”. (Como nos diz Jesus no Evangelho). 2) Como a Ultreia não deve ser Página | 3
- Não deve (pode) ser uma cátedra de ensino (…). Sê-lo-á se não houver testemunhos ou ressonâncias, porque este assunto diz respeito e confronta-nos a todos. - Também não pode ser uma assembleia puramente orante. Que seria então do Estudo e da Acção? - Participar não é só assistir. Não pode haver cinco vasos cheios e cinquenta esponjas, nem vinte cheios do mesmo. Todos somos vasos e esponjas. Damos e consumimos o que produzimos e gastamos entre nós. Os carismas são para o serviço da comunidade (2 Cor). 5. A ESCOLA DE RESPONSÁVEIS O crescimento do cursilhista requer também a Escola de Responsáveis que recolhe as Ideias Fundamentais, e que reflecte a mentalidade dos Cursilhos de sempre. Falo da Escola como “ um Grupo de Responsáveis que, em clima de Reunião de Grupo, procuram estar mais centrados, mais comprometidos e mais ordenados, para acelerar, em si mesmo e nos outros, a vivência do fundamental cristão”; tando mais centrados podem, estando mais unidos e comprometidos conseguem elevar o “standard” da vida cristã dos membros da Ultreia. E com isto chegamos ao que considero a parte essencial deste rolho. Diz-nos o “Ideias Fundamentais” que as funções do Responsável são: Conhecer, situar, iluminar e acompanhar. E nós perguntamos: Conhecer, situar, iluminar e acompanhar quem? A Pessoa. •
É preciso conhecer cada pessoa concreta.
•
É preciso situar cada pessoa concreta.
•
É preciso iluminar cada pessoa concreta.
•
É preciso acompanhar cada pessoa concreta.
Interroguemo-nos sobre o que discutem hoje os responsáveis. •
No calendário de actividades.
•
Nas Finanças do Secretariado.
•
Nas publicações.
•
Na ida ao próximo curso.
E se pensássemos fundamentalmente: •
Na qualidade das nossas vivências na Ultreia.
•
No centrar a Ultreia.
•
No conteúdo do curso.
•
Nas verdades, técnica e rolhos. Página | 4
•
No rolho que nos foi entregue para que tenha a nossa marca.
•
Naquilo que diremos na visita ao S.S., no Sacrário.
6. O QUE INTERESSA É A PESSOA É necessária uma mudança de mentalidade em direcção à verdadeira mentalidade dos Cursilhos; é urgente que passemos de uma mentalidade funcional, onde aquilo que interessa são as estruturas e os sistemas, as actividades e as funções, para uma mentalidade Pastoral, onde o que interessa é a pessoa – cada pessoa concreta. Ao falar da finalidade dos cursilhos, dizemos que estes não apontam directamente para a estrutura, mas que se centram primariamente na pessoa (no ser). No pré-Cursilho interessa a pessoa: a sua personalidade, a sua posição e a sua circunstância. No Cursilho interessa a pessoa: daí o chamado trabalho de corredor. Quando definimos um ambiente, definimo-lo como um grupo de pessoas que convergem num determinado tempo e lugar. O Grupo é constituído por pessoas; o importante não é a reunião mas as pessoas que se reúnem. O importante da Ultreia também são as pessoas: “ Interessa que o acto saia bem, mas ainda interessa mais que as pessoas saiam agradadas”. A Escola não é o lugar nem a reunião, mas as pessoas que a integram. O Secretariado (local e diocesano) também são Grupo, com reunião de Grupo no cimo, reunião de pessoas ao serviço de pessoas. Como sabemos, a Cristo não interessa o mundo, mas cada pessoa concreta, porque o mundo acabará, mas as pessoas, não. Desde sempre, nos Cursilhos, ouvi este “slogan” – que para ensinar latim ao João, o importante não é saber latim, mas conhecer o João. A literatura cursilhista oferece à pessoa – a cada pessoa – dois elementos necessários para o seu crescimento: 1º. As funções que cada Responsável deve realizar com cada pessoa que faz o Cursilho. 2º. As verdades que o Responsável deve consolidar na sua vida e na dos outros. As funções, como dissemos anteriormente são: Conhecer, situar, iluminar e acompanhar. Quanto ao segundo ponto, o que quero assinalar é simplesmente que o responsável, para realizar as funções de conhecer, situar, iluminar e acompanhar necessita de uma visão, um plano de crescimento, para levar o Cursilhista desde onde está, até onde Deus quer que esteja. Na missão do M.C.C. e da Igreja todos somos responsáveis. É nossa obrigação que, mediante as nossas funções e os nossos carismas, de acordo com uma visão global daquilo que o crescimento supõe, levar os novos cursilhista a uma autêntica maturidade cristã, situando e iluminando o seu caminho no mundo e na Igreja. Página | 5
Sintetizando o que disse: 1º. Não podemos (devemos) iludir, com risco de ser incongruentes, a responsabilidade ou obrigação dos Cursilhos de cumprir a sua própria finalidade o “procurar a progressiva conversão integral da pessoa”. 2º. Para este crescimento progressivo, cada uma das estruturas (Grupo, Ultreia, Escola e Secretariados) através das pessoas que as compõem, tem um papel complementar, de modo quer não podemos prescindir de nenhuma delas sem pôr em perigo o objectivo global. 3º. Ao mesmo tempo, em cada estrutura, são os Responsáveis (nós) quem deve ensinar latim ao João, porque conhecem o João e pretendem iluminá-lo de acordo com o conteúdo, com um plano concreto de desenvolvimento, acompanhando-o neste peregrinar, até deixá-lo situado no lugar do mundo e da Igreja que Deus Nosso Senhor, com entusiasmo infinito, arranjou um dia para ele.
Página | 6