Relatório 1_O Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, Pedregulho - de A. E. Reidy.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO RELATÓRIO 1 PERÍODO: 01/03/2010 a 10/08/2010

Título

O Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes – Pedregulho de Affonso Eduardo Reidy

Bolsista

Paula Garcia Jareta Santos Orientador

Prof. Dr. Joubert José Lancha

Relatório de Iniciação Científica Essa pesquisa se insere no âmbito das pesquisas desenvolvidas pelo Grupo Quadro cuja pesquisa principal é financiada pela Fapesp sob o n: 06/57683-9


2 Sumário 1. RESUMO.

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2. RESUMO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS.

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2.1.PESQUISA BIBLIOGRÁFICA. 2.2.PESQUISA ICONOGRÁFICA 2.3.PLANO DE 10 DE AGOSTO DE 2010 A 28 DE FEVEREIRO DE 2011. 2.4.CRONOGRAMA.

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3. AFFONSO EDUARDO REIDY.

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4. ANTECEDENTES.

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4.1.LE CORBUSIER. 4.1.1.POR UMA ARQUITETURA. 4.1.2.OS CIAM E A CARTA DE ATENAS. 4.1.3. PRECISÕES SOBRE UM ESTADO PRESENTE DA ARQUITETURA E DO URBANISMO. 4.1.4.UNIDADES DE HABITAÇÃO – UNITÉS D’HABITATION. 4.1.5.LE CORBUSIER NO RIO DE JANEIRO.

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5. A CONSTITUIÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA.

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6. A POLÍTICA HABITACIONAL: A TRAJETÓRIA DA QUESTÃO DA HABITAÇÃO DURANTE A PRIMEIRA REPÚBLICA E O ESTADO NOVO. 34 7. O DEPARTAMENTO DE HABITAÇÃO POPULAR DA PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL: PEDREGULHO – INSERÇÃO NO QUADRO DA ÉPOCA E DESCRIÇÃO DO PROJETO. 37 7.1.BLOCOS DE HABITAÇÃO 7.1.1.BLOCO A: 7.1.2.BLOCOS B1 E B2: 7.1.3.BLOCO C: 7.2.ESCOLA. 7.3.POSTO DE SAÚDE. 7.4.MERCADO. 7.5.LAVANDERIA MECÂNICA. 7.6.GINÁSIO, PISCINA, CAMPOS DE JOGOS AO AR LIVRE E VESTIÁRIOS. 7.7.QUESTÕES IMPORTANTES AO PROJETO.

41 41 44 45 46 47 48 48 49 49

8. PEDREGULHO – ANÁLISE DAS INFLUÊNCIAS E CONCLUSÕES.

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9. BIBLIOGRAFIA.

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10. ICONOGRAFIA.

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Foi concedido o 1º. Prêmio da Bienal de São Paulo para o conjunto residencial Prefeito Mendes de Morais(sic) (Pedregulho) como projeto de organização de grandes áreas, conferido por um júri internacional, presidido pelo prof. Sigfried Giedion, que assim se manifestou: “O júri, ao conferir o prêmio ao arquiteto Affonso Eduardo Reidy pelo Conjunto Residencial de Pedregulho, considerou essa realização como um exemplo ao Brasil e como uma audaciosa solução de habitação, onde já realizou uma obra social. Essa solução de conjunto constitui um simples exemplo de como toda cidade deveria ser formada. O júri lamenta que a obra fique isolada, surgindo entre os bairros formados anarquicamente”. (Ata do Júri da 1ª. Bienal Internacional de São Paulo, 1953)


4 O Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes – Pedregulho, de Affonso Eduardo Reidy.

1. RESUMO.

Essa pesquisa propõe-se como investigação do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes – Pedregulho, projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy, situado na cidade do Rio de Janeiro, concluído em 1950. A idéia é trabalhar na compreensão da linguagem utilizada perante a realidade de sua produção, no contexto de uma leitura onde o edifício, como objeto central, possa ser criticamente analisado em seus vários aspectos. Texto e desenhos são as grandes escrituras intelectuais da arquitetura, mas são os desenhos que modificam a obra, desenhos que podem ser aqueles que precedem a obra, aqueles do projeto, mas podem ser também aqueles que o seguem e que o comentam, e podem ser os desenhos do autor mas também os desenhos no tempo longínquos. Nessa pesquisa nos debruçaremos sobre os textos e os desenhos na tentativa de construir um panorama sobre o qual surge o edifício de

Reidy.

Compreender

os

pressupostos

e

a

lógica

adotada

no

desenvolvimento desse Conjunto, mas também identificar, através da pesquisa bibliográfica e iconográfica, as origens e recorrências dos elementos utilizados por Affonso Eduardo Reidy na composição dos edifícios do Pedregulho.

2. RESUMO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS.

2.1.Pesquisa Bibliográfica. A primeira fase da pesquisa consistiu na leitura de textos e elaboração de resumos a fim de compor uma revisão da bibliografia básica, para uma primeira compreensão e contextualização do arquiteto e da obra estudada. Dessa maneira, a bibliografia estuda até o presente momento, comparece comentada no texto que compõe este primeiro relatório, consiste nos títulos discriminados no item 9 - Bibliografia desse relatório.


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2.2.Pesquisa iconográfica Iniciou-se,

também,

uma

pesquisa

iconográfica,

a

partir

de

levantamentos de documentos e imagens, tais como plantas, cortes, elevações e fotos não só do Conjunto do Pedregulho, como também de obras que lhe serviram de referência ou com as quais identificamos determinadas afinidades. Essas imagens, contabilizadas até o presente momento em 150 itens, foram digitalizadas a fim de formarem um banco de imagens para servir à presente pesquisa e também a futuras investigações. Esse banco de imagens permite um trabalho ágil de relacionar e manipular tais imagens para uma melhor compreensão da obra analisada. A partir da leitura de textos e do levantamento de imagens, pôde-se iniciar as análises em torno do Pedregulho, que deverá tomar grande parte do próximo período de pesquisa.. Dessa maneira, foram cumpridas até agora as seguintes etapas discriminadas no plano de pesquisa inicial: Etapa 1 – Revisão bibliográfica; atualização e organização de leituras que se iniciam com a bibliografia apresentada. Etapa 2 – Revisão iconográfica: pesquisa, organização e sistematização dos documentos (plantas, cortes, vistas e imagens) do Conjunto Residencial do Pedregulho, assim como dos edifícios que identificaremos como referência. Etapa 3 – Leitura do projeto do Conjunto do Pedregulho, desenvolvimento de análise gráfica: coleta e análise de material, identificando os elementos principais, sua procedência e sua contribuição para a forma final do edifício (etapa em andamento). Etapa 4 – Elaboração do relatório parcial.

2.3.Plano de 10 de agosto de 2010 a 28 de fevereiro de 2011. A partir da finalização desse relatório parcial, as atividades de trabalho referentes à pesquisa continuam seu andamento, sendo previsto a finalização da etapa 3 e o cumprimento das seguintes etapas: Etapa 5 – Visita e levantamento fotográfico e de detalhes. Essa etapa é fundamental para a compreensão do edifício, sua implantação e organização


6 espacial, como também para dirimir eventuais dúvidas surgidas na etapa anterior (3) quando se iniciou o desenvolvimento dos modelos. Etapa 6 – Sistematização do material levantado e continuação da análise e finalização dos desenhos e modelos Etapa 7 – Elaboração do relatório final. No entanto, as etapas 1, 2 e 3, ou seja, levantamento bibliográfico, levantamento iconográfico e leitura do projeto estarão sempre em curso, sendo constantemente revisadas e atualizadas até o cumprimento da pesquisa.

2.4.Cronograma. Etapa 5 – Visita Etapa 6 – Sistematização Etapa 7 – Elaboração do relatório final

Meses Etapa 4 Etapa 5 Etapa 6 Etapa 7

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7 3. AFFONSO EDUARDO REIDY.

Affonso Eduardo Reidy (Paris, França 1909 - Rio de Janeiro, Brasil, 1964), fez parte do grupo de proa que colocou a arquitetura moderna brasileira em posição de destaque no cenário internacional. Formado com Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, é destacado pela crítica como aquele que melhor trabalhou com o enquadramento urbanístico da arquitetura e com a feição social da arquitetura e do urbanismo, presente, principalmente nos projetos do Conjunto Habitacional Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho) e no Conjunto Habitacional da Gávea. Graduado pela Escola Nacional de Belas Artes (1926-1930), teve seus trabalhos escolares marcados por uma feição acadêmica, pela simetria e pela monumentalidade, como é o caso do projeto da “Escola de Arquitetura na Serra dos Órgãos” (1929) e da “Residência para um Milionário” (1929), ambos desenvolvidos em sua graduação. Durante sua formação, inicia um trabalho com Agache no Plano Urbanístico do Rio de Janeiro, estagiando de 1929 a 1931, e, posteriormente, ocupa a função de arquiteto municipal encarregado de projetos de edifícios públicos, planos urbanísticos e conjuntos residenciais coletivos; exercendo atividade na prefeitura de 1929 a 1964. Essa formação já indica uma trajetória marcada pela preocupação social seguida pelo arquiteto ao longo de sua carreira. Reidy foi muito influenciado por Le Corbusier, com quem teve a oportunidade de conviver; por Gropius, com sua sobriedade formal e ausência de elementos decorativos; e por Mies Van der Hore, de quem admirava as estruturas audaciosas e a pureza. Preservou, no entanto, características próprias, marcadas por sua personalidade fantasiosa, pelo culto da forma e por sua preocupação com as necessidades da sociedade da época, principalmente com a classe trabalhadora. Seu trabalho está situado nos anos entre a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, e o Golpe Militar, em 1964; período em que a arquitetura brasileira pôde contribuir para o projeto de desenvolvimento nacional que buscava compatibilizar a industrialização e a modernização do país, marcado por uma preocupação de ampliação do acesso à cultura e à


8 educação. Desse modo, sua obra deve ser vista como parte de um esforço coletivo para edificar um país novo. Ainda, foi buscar complementos para conseguir melhor se inserir na realidade brasileira e na arquitetura moderna, tendo seu primeiro contato com a arquitetura racionalista através da leitura do livro “Por uma Arquitetura”, de Le Corbusier. Trabalhou como assistente de Gregory Warchavchik, “contratado para dar nova orientação ao curso de Arquitetura da ENBA 1 ” (BONDUKI, 2000, p.27) entre os anos de1931 e 1933. Embora tenha havido a reação acadêmica que destituiu tanto Lúcio Costa do cargo de Diretor da Escola Nacional de Belas Artes quanto o próprio Warchavchik, Reidy permaneceu como docente no período de 1931 a 1933, assumindo a Cadeira de Pequenas Composições. Obteve sua posição na Prefeitura do Distrito Federal (àquela época, o Rio de Janeiro) através de concurso público, onde conheceu a engenheira Carmen Portinho, que se tornaria, então, sua esposa e companheira de trabalho. No sentido da arquitetura com feição social, Reidy desenvolveu dois trabalhos de grande importância e repercussão não apenas no Brasil, mas também no cenário internacional: o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho) e o Conjunto Residencial Marquês de São Vicente, sendo pioneiro na original experiência da habitação social. Em 11 de março de 1961, em entrevista realizada por Ferreira Gullar e Alfredo Brito, para o Jornal do Brasil, ao ser indagado sobre o papel do arquiteto brasileiro naquele momento sócio-econômico do país, responde:

O arquiteto tem um papel importantíssimo a desempenhar. Deverá intervir em um planejamento, influenciando decisivamente na solução dos problemas vinculados ao bem-estar social. O elemento humano deverá ser o centro de todas as preocupações e o módulo a que deverá se referir todas as medidas. Compete ao arquiteto criar ambientes físicos que facilitem o pleno desenrolar das atividades relacionadas à vida comunitária, proporcionando condições adequadas para habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito e recrear-se. (REIDY. 2003, p.6, a tradução é nossa).

1

Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), no Rio de Janeiro, efetivada em 8 de novembro de 1980.


9 Outro aspecto marcante na sua carreira foi sua participação em concursos, nos quais teve suas primeiras grandes oportunidades de trabalho, sendo vencedor , em 1931, no concurso para o “Albergue da Boa Vontade” em parceria com o colega de Escola, Gerson Pinheiro; participou, ainda, do famoso concurso para o MEC, do qual não saiu ganhador, mas, no entanto, foi convidado por Lúcio Costa a fazer parte do grupo que, posteriormente, realizou o projeto definitivo. Passou por diversas fases, diversos concursos e cargos públicos, como o de chefe do setor de planejamento do Departamento de Habitação Popular, dirigido por Carmen Portinho, mostrando sempre sua preocupação com o social e tentando levar as questões da habitação digna para trabalhadores ao cenário nacional. Ele acreditava que a arquitetura existe em função do homem. Ele é o centro de todas as preocupações e o módulo de todas as medidas. Seu passo determina relações de tempo e de espaço nos locais onde vivemos. Suas necessidades físicas e espirituais geram os programas que os arquitetos devem atender (REIDY. 1955)

e essa visão foi estendida para todos os seus projetos, fossem eles privados ou de habitação social. Afinal, embora sua carreira tenha sido marcada pela participação no serviço público, não se absteve de realizar encomendas privadas como residências, sendo sua maneira de trabalhar marcada, sempre, pelo minucioso estudo do sítio, do meio urbano e da paisagem, pelo rigor construtivo e pela preocupação com detalhes e conforto. Houve o episódio do concurso para a construção de Brasília, do qual não participou por não concordar com o edital apresentado, embora fosse considerado, pelos próprios arquitetos da época, o mais qualificado para a função devido a seu longo contato com urbanismo. A última tarefa pública da qual participou foi a de Urbanização do Aterro da Glória-Flamengo, para o qual projetou o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), marcando o momento auge de sua carreira com um projeto considerado pela crítica como audacioso e monumental. Reidy morreu aos 55 anos, em 1964, antes do término da construção do MAM, que projetou com tanta paixão e lucidez. Mas


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O homem ficará sempre na lembrança dos que o conheceram, trataram com ele, com ele colaboraram. Correção, cavalheirismo, finura e sensibilidade – e tudo com uma franqueza de palavras e gestos, uma contida maneira de estar sempre entre os humildes e os poderosos, sem causar ressentimentos a uns ou demonstrar submissão a outros. O gentil-homem da arquitetura brasileira, eis o que ele era. (FERRAZ. 1964)

4. ANTECEDENTES.

4.1.Le Corbusier.

4.1.1.Por uma arquitetura. O livro “Por Uma Arquitetura” (Vers Une Architecture), nasceu da reunião, em 1920, de alguns artigos sob a assinatura de Le Corbusier, desde o primeiro número da revista l’Esprit Nouveau. Foi publicado em 1923, abrindo a coleção “Collection de l’Espirit Nouveau”, da qual várias outras obras de Le Corbusier fazem parte, tais como Urbanisme (1924), Une Maison – Um Palais (1928), Précisions sur um Etat Présent de l’Architecture et de Urbanisme (1930), entre outras. Ele é tido (por Le Corbusier) como um livro-manifesto, que “testemunha um espírito próprio” (LE CORBUSIER, 1973). Naquela época, arquitetos estavam ocupados em pesquisar uma arquitetura, um urbanismo, um quadro de vida, uma ética e uma estética da arte de construir, em reconhecer tecnicidades novas e as expressões válidas dessas técnicas animadas de espírito novo, uma coisa excluindo a outra, a ameaça hitleriana emergindo, a guerra chegando, as batalhas da reconstrução começando, uma lenda se estabelecia, sem base sólida, em torno da obra empreendida, deformando talvez seu princípio e seu espírito... 1923/1958 ou 1931/1958, trinta e cinco ou vinte e sete anos tinham se passado, - o ante-guerra, a guerra e o pós-guerra [...]. Durante tão longo silêncio, a execução de uma arquitetura de espírito novo se tornava um fato graças ao esforço surgido no mundo inteiro [...]. (LE CORBUSIER. 1973, p.XX)

Dessa maneira, era necessário estudar a casa e as cidades para o novo homem. Uma nova maneira de habitar uma casa, que, para Le Corbusier, era


11 uma “máquina de morar”, e de habitar todo um espaço. Era necessário encontrar “a escala humana, a necessidade-tipo, a função-tipo, a emoção-tipo” (LE CORBUSIER, 1973, p.XVII). Mas seria “algo diferente de ‘estudar a casa para o homem comum’, ‘qualquer um’, será algo mais que reencontrar as bases humanas, a escala humana, a necessidade-tipo, será outra coisa que reencontrar a emoção-tipo? A emoção arquitetural ‘é o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes sob a luz’”(LE CORBUSIER,1973, p. XXVII). Afinal, a sociedade moderna estava em constante transformação, numa evolução movida pela máquina que seguia em ritmo alucinante. Assim, passado o tempo, “Por Uma Arquitetura” continuava seu trabalho, para o espanto de seu próprio mestre “Este manifesto, ai de mim! ainda é atual.” (LE CORBUSIER, 1973, XXVIII) O livro segue um roteiro, constituído por capítulos e sub-capítulos, a saber: “Estética do Engenheiro, Arquitetura”; “Três Lembretes aos Senhores Arquitetos: o Volume, a Superfície, a Planta”; “Os Traçados Reguladores”; “Olhos que não Vêem: os Transatlânticos, os Aviões, os Carros”; “Arquitetura: A Lição de Roma, A Ilusão das Plantas, Pura Criação do Espírito”; “Casas em Série”; “Arquitetura ou Revolução”. Desses, discorreremos sobre os mais importantes para os objetivos da presente pesquisa.

TRÊS LEMBRETES AOS SENHORES ARQUITETOS Essa parte do “Por Uma Arquitetura” diz respeito àquilo que devia ser levado em consideração no momento do projeto, com relação a três pontos fundamentais da arquitetura: o volume, a superfície e a planta. “Nossos olhos são feitos para ver as formas sob a luz” (LE CORBUSIER, 1973, p.11). O volume e a superfície são os elementos através do qual a arquitetura se manifesta, determinada pela planta, que é geradora.

O Volume. Para Le Corbusier, as formas primárias seriam as mais belas, na medida em que se deixariam ler claramente. Os claros e as sombras revelariam tais formas geométricas, “que satisfazem nossos olhos pela geometria e nosso espírito pela matemática” (LE CORBUSIER, 1973, p.11). Portanto, cubos, cones, esferas, cilindros, pirâmides, seriam as mais belas formas primárias


12 reveladas pela luz. Dessa maneira, “elementos primários, coordenados segundo regras, provocam em nós emoções arquiteturais, fazendo ressoar a obra humana com a ordem universal” (LE CORBUSIER, 1973, p.17).

A Superfície. “Um volume é envolvido por uma superfície, uma superfície que é dividida conforme as diretrizes e as geratrizes do volume, marcando a individualidade desse volume [...] Os grandes problemas da construção moderna serão realizados sobre a geometria”. (LE CORBUSIER, 1973, p.19) Assim, era necessário dar vida às superfícies que envolveriam os volumes, de maneira que não se tornassem parasitas que devorariam o próprio volume. Afinal, as superfícies não poderiam encobrir as linhas reveladoras que geram as formas. Tais observações sobre as superfícies deveriam ser situadas no terreno das necessidades da época, tais como a necessidade de cidades com espírito utilitário e cujo volume seja belo [...] ruas onde a limpeza, a adequação às necessidades da habitação, a aplicação do espírito de série na organização das obras, a grandeza da intenção, a serenidade do conjunto encantam o espírito e proporcionam o charme das coisas nascidas com a felicidade (LE CORBUSIER, 1973, p.21).

Portanto, Modelar a superfície contínua com uma forma primária simples é fazer surgir automaticamente a própria concorrência do volume: contradição de intenção [...] Modelar a superfície com volumes complicados e posto em sinfonia é modular e permanecer no volume: problema raro [...] A superfície fendida pelas necessidades de destinação, deve seguir as geratrizes reveladoras dessas formas simples. Essas linhas reveladoras são na prática o xadrez ou reticulado – fábricas americanas. (LE CORBUSIER, 1973, p.24)

As fábricas americanas eram, para Le Corbusier, as primícias reconfortantes daqueles novos tempos.

A Planta. “A planta é a geradora. Sem planta há desordem, arbitrário. A planta traz em si a essência da sensação [...] A vida moderna pede, espera uma nova planta, para a casa e para a cidade”. (LE CORBUSIER, 1973, p.25)


13 Segundo Le Corbusier, ao se mover pelo espaço de ruas e casas, o olho do espectador receberia o choque dos volumes elevados. Se esses volumes fossem formais, se a ordenação que os agrupasse exprimisse um ritmo claro, e não incoerente, se as relações entre os volumes e o espaço fossem de proporções justas, o olho transmitiria ao cérebro sensações coordenadas e o espírito retiraria delas satisfações de ordem superior. Isso seria a arquitetura. A planta seria a base, coordenando tudo: ritmo, volume, coerência. Seria o momento decisivo da determinação do todo. Seria um tipo de “lei da boa planta”, uma lei simples, infinitamente modulável. A planta traria consigo um ritmo primário determinado, a partir da qual a obra se desenvolveria em extensão e altura. A unidade de objetivo seria o ritmo: “estado de equilíbrio procedente de simetrias simples ou complexas ou procedente de sábias compensações. O ritmo é uma equação: igualação, [...] compensação, [...] modulação, [...]”. (LE CORBUSIER, 1973, p.32) Portanto, para Le Corbusier, a planta traria consigo a própria essência da sensação. Assim, as reformas necessárias reclamariam novas plantas e o concreto

armado

permitiria

conduzir

essa

nova

estética

da

planta,

desconhecida até então.

CASAS EM SÉRIE. Dizia Le Corbusier (1973): “O problema da casa é um problema de época. O equilíbrio das sociedades hoje depende dele”. Para ele, a arquitetura deveria operar na revisão dos valores e dos elementos constitutivos da casa. Dessa maneira, a grande indústria se ocuparia do estabelecimento em série dos elementos da casa. É preciso criar o estado de espírito da série. O estado de espírito de construir casas em série. O estado de espírito de residir casas em série. O estado de espírito de conceber casas em série. (LE CORBUSIER, 1973, p.159 – o grifo é nosso)

As casas em série deveriam ser feitas a partir dos novos materiais, tais como: cimento e cal, ferros perfilados, cerâmica, materiais isolantes, canos, utensílios metálicos, produtos impermeáveis, etc. O material artificial, com


14 comportamento fixo, substituiria o natural, variável ao infinito. Assim, a pedra natural de 1m de espessura seria superada por paredes leves e duplas, feitas com escória de ferro e etc, conseguir-se-iam paredes “delgadas como membranas”(LE CORBUSIER, 1973, p.165). Os telhados não mais precisariam ser pontiagudos, uma vez que novas soluções para o escoamento de água estavam sendo elaboradas. Mas a casa em série implica traçados automaticamente amplos e grandes. Porque a casa em série necessita o estudo aprofundado de todos os objetos da casa e a busca do padrão, do tipo [...] a casa em série imporá a unidade dos elementos, janelas, portas, procedimentos construtivos, matérias. Unidade de detalhes e grandes traçados de conjunto [...] (LE CORBUSIER, 1973, p.168).

Dessa maneira, o espírito daquele momento seria o espírito das casas produzidas em série. Outra grande inovação que permitiria esse “espírito da produção em série” foi, a partir de 1915, o importante emprego do concreto armado. Assim, Le Corbusier discutiu o tema das casas em série, a partir de um grande conjunto de projetos: •

Ossatura dominó/ casas dominó/ loteamento dominó (1915): procedimento construtivo que autorizaria disposições largas e ritmadas, a partir do qual uma casa para um rico seria concebida ao preço do cubo da casa simples operária. Esse era o valor moral das casas em série: um ponto de encontro entre a habitação do rico e a do pobre. Nesse momento, também desaparecem as paredes de sustentação, o que permite o emprego de grandes panos de vidro. Forte presença dos elementos em série, módulo e proporção.

Casas

em

concreto

líquido

(1920):

tais

casas

seriam

“derramadas” no local de sua implantação, como um líquido cai de uma garrafa; dessa maneira, seriam construídas em três dias.


15 •

Casa de artista (1922): tal casa foi concebida a partir de uma ossatura de cimento armado e paredes em dupla separação de cemente-gun.

Casa operária em série (1922): tais casas poderiam se apresentar sob diversos ângulos, tendo colunas de concreto e paredes em cement-gun. “Estética? A arquitetura é assunto de plástica, e não de romanstismo”. (LE CORBUSIER, 1973, p. 169)

Casas em concreto grosso (1919): num terreno formado por camadas de cascalho seria instalada uma pedreira diretamente no solo, a partir da qual o cascalho seria derramado com a cal em uma armação de 10cm de espessura, tendo o piso em cimento armado. “É preciso limpar de nossos espíritos as aranhas românticas” (LE CORBUSIER, 1973, p.169)

Casas em série “Citrohan” (1921): a casa seria concebida e organizada como um automóvel, um ônibus ou uma cabine de navio. As casas não mais poderiam organizar mal o espaço, portanto, a disposição dos lugares seria conforme a utilização das famílias, sendo a higiene favorecida e os domésticos cuidados respeitosamente. Sendo a questão em voga o preço de custo, a casa deveria ser tida como uma “máquina de morar”. “O coração só será tocado se a razão estiver satisfeita e isto pode ocorrer quando as coisas são calculadas. [...] o que pode nos deixar orgulhoso é ter uma casa prática como sua máquina de escrever” (LE CORBUSIER, 1973, p. 170). As casas “Citrohan” teriam a ossatura em placas de concreto fundidas no momento e levantadas por guindastes; dessa maneira, as paredes seriam membranas de 3cm em cimento projetado sobre folha de zinco estendida, que deixaria um vazio de 20cm; lajes e pisos seriam feitos sobre o mesmo módulo, bem como as aberturas úteis, tendo seus caixilhos projetados em série.

Casas em série, 72m2 (1922): ossatura em cimento e cement-gun.

Casa “Monol” (1919): Foi colocado um problema da casa ordinária fabricada: seu peso, demasiado para ser transportado. Dessa


16 maneira, a casa deveria ser pensada de modo que fosse feita com o mínimo necessário de corporações profissionais e de transporte de materiais. Também, a questão das casas em série era uma questão de loteamento. Se a unidade dos elementos construtivos seria uma garantia de beleza, um conjunto bem loteado e construído em série deveria passar uma impressão de ordem e limpeza, que imporia uma certa disciplina aos seus moradores; a supressão de muros, o respeito pela propriedade de outrem. Dessa maneira, para Le Corbusier (1973), tudo ganharia “sol e liberdade”. •

Casa à beira- mar, construída com elementos de série (1921): Essa casa teria uma ossatura como as dos edifícios industriais, com planta de disposição fácil e divisões leves, a partir vigas espaçadas regularmente, de colunas de concreto armado dispostas de 5 em 5 metros em ambos os sentidos e forros em abóbodas chatas de cimento armado. Dessa maneira, a partir de uma unidade modular de primeira importância, a estética sairia privilegiada.

Grande edifício de aluguel (1922): tais edifícios consistiriam na disposição de cem casas de dois andares, cada qual possuindo seu jardim, superpostas em cinco alturas. Uma organização hoteleira geriria os serviços. Os “edifícios-casas” surgiriam a partir da construção em série de lajes e colunas e do emprego de paredes em dupla separação.

“Novos bairros Frugès”, em Bordeaux.

Loteamento em “alvéolos” para cidades-jardins.

“Bairros modernos Frugès” (1924): aqui, fixou-se minuciosamente um tipo de elemento, o qual se multiplicou e se combinou das maneiras

mais

variadas,

constituindo

uma

verdadeira

industrialização da construção. •

Casas em série para artesãos (1924): nesse caso, um problema havia sido fixado, o de alojar artesãos em uma grande oficina bem iluminada. Os gastos foram diminuídos a partir da supressão de


17 portas e divisões, a partir da redução das superfícies e alturas habituais dos quartos. Por fim, toda a casa seria, então, apoiada sobre uma única coluna oca, em cimento armado. As paredes seriam isotérmicas, a partir da utilização de “solomite” 2 , revestida em seu exterior por uma camada de 5cm de cimento projetado, com gesso em seu interior. •

Loteamento ortogonal (1924): projeto em parceira de Le Corbusier e Pierre Jeanneret. Nesse loteamento, foram propostas casas construídas, todas, a partir de elementos-padrões, constituindo uma “célula-tipo”. A ordenação seria regular, para os lotes que seriam iguais. Dessa maneira, a arquitetura poderia se exprimir com toda a precisão e facilidade.

Casa de Bourdeaux (1925): projeto em parceira de Le Corbusier e Pierre Jeanneret. As casas seriam construídas em série, pois seria ela que daria a unidade e a perfeição aos detalhes, propondo a variedade dos conjuntos.

Cidade Universitária (1925): projeto em parceira de Le Corbusier e Pierre Jeanneret. Todos os estudantes, ricos ou pobres, teriam direito ao mesmo tipo de célula no alojamento da Universidade. Sendo que cada célula teria a sua cozinha, o seu banheiro, a sua sala, o seu espaço para dormir e, também um jardim suspenso próprio. Os estudantes seriam isolados por paredes, mas se reencontrariam nas salas comuns ou nos terrenos de esporte. A cidade universitária seria, ainda, construía em “shed”, o que garantiria uma iluminação ideal, mesmo a partir de extensões indefinidas, suprimindo as massas de sustentação.

Assim, estavam postas as idéias de Le Corbusier para o habitar moderno. As casas deveriam ser feitas a partir dos novos materiais industrializados, seguindo assim a lógica da indústria e sendo consideradas “máquinas de morar”. Os gastos deveriam ser reduzidos, e tanto as casas dos ricos quanto as dos pobres deveriam ser concebidas a partir dos mesmos

2

Palha comprimida, servindo como isolante térmico.


18 preceitos. A série e a modulação permitiriam a ordem e a limpeza necessária para os olhos e o espírito humano, a partir dos cálculos matemáticos e das geometrias puras. Não seriam tolerados exageros. Dessa maneira, o mestre suíço criou suas células de habitação, partindo de um minucioso estudo dos claustros e das células das cartuxas dos monges - habitações mínimas e no entanto confortáveis, onde, ainda, era possível um equilíbrio entre o viver individual e o coletivo. Essas questões não estavam presentes apenas nas casas, mas também em grandes loteamentos e cidades inteiras. Eram necessários traçados reguladores, clareza, limpeza e higiene. E isso tudo seria possível através do estudo, compreensão e perfeita manipulação dos volumes, das superfícies e da planta. Após toda a trajetória do livro “Por Uma Arquitetura”, pode-se, então, compreender o capítulo final e a inevitável conclusão de que o equilíbrio da sociedade seria encontrado a partir da questão da construção. Seria necessário, portanto, “arquitetura ou revolução” (LE CORBUSIER, 1973, p.168) Esse “livro-manifesto” foi de extrema influência para o desenvolvimento de um pensamento e de um modo de projetar dos arquitetos do Modernismo, não apenas internacionais, mas também (e em grande escala) os brasileiros , sendo para muitos o momento decisivo da mudança de ideário ou o primeiro contato com as questões nele impostas. Entre os grandes nomes da arquitetura moderna brasileira que, em seus depoimentos, apontam a importância da leitura de “Por Uma Arquitetura” para a sua formação, podemos citar Affonso Eduardo Reidy e Lúcio Costa.

4.1.2.Os CIAM e a Carta de Atenas. O “Congresso Nacional de Arquitetura Moderna” teve sua fundação em 1928, quando um grupo de arquitetos se reuniu na Suíça a fim de colocar a arquitetura diante da sua verdadeira tarefa, a partir da firmação de um ponto de vista comum e sólido. Dessa maneira, os CIAM tinham como objetivo a formulação dos problemas arquitetônicos da época, a apresentação da ideia do que seria a arquitetura moderna e a penetração da mesma nos círculos técnicos, econômicos e sociais, bem como a intenção de zelar pelas soluções dos problemas da arquitetura. Essas reuniões sempre foram assembléias de


19 trabalho, em diferentes países, animadas a cada vez por novas questões, a partir das quais a arquitetura avançou pelo caminho das realizações práticas. Ao todo, foram 10 os encontros. A Carta de Atenas foi um dos produtos do IV CIAM (Congresso Nacional de Arquitetura Moderna), em novembro de 1933, o qual tratava da questão da habitação popular. Naquele momento, as cidades não estavam preparadas para abrigar a grande massa de trabalhadores que chegava, movidos pelas novas perspectivas de emprego que o desenvolvimento da indústria trazia. Com isso, consolidou-se um quadro de profunda insalubridade nas cidades, devido ao aglomeramento humano em locais sem o mínimo de insolação e ventilação. Nesse sentido, a Carta de Atenas é uma espécie de ata do que foi discutido no Congresso. Escrita por Le Corbusier, foi dividida em três partes: Primeira Parte – Generalidades, A Cidade e sua Região; Segunda Parte – Estado Atual Crítico das Cidades, Habitação – Observações, Lazer – Observações, Trabalho – Observações, Circulação – Observações, Patrimônio Histórico das Cidades; Terceira Parte – Conclusões, Pontos de Doutrina, Notas – Sobre os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, Declaração de La Sarraz, Economia Geral, Urbanismo, A Arquitetura e a opinião pública, A Arquitetura e o Estado, Objetivos do CIAM, Os Congressos do CIAM.

Habitação – Observações. Estava posta uma questão muito própria daquele momento, a questão da densidade populacional. “A densidade, relação entre as cifras da população, e a superfície que ela ocupa, pode ser totalmente modificada pela altura dos edifícios” (LE CORBUSIER, 1933). A densidade admissível era de 250 a 300 habitantes por hectare. No entanto, em vários bairros, essa cifra chegava até a 1000 habitantes por hectare – era o problema dos cortiços. Esses locais eram incapazes de oferecer um tanto aceitável de superfície habitável por pessoa, bem como não dispunham de uma quantidade adequada de janelas para a ventilação e de instalações sanitárias. Isso, somado à ausência de insolação adequada, fazia com que a presença de doenças fosse constante, principalmente da tuberculose. Ainda, as disposições internas, a vizinhança desagradável e a má orientação da moradia, acarretava a presença da


20 promiscuidade no local. Ou seja, estava posto que “altas densidades significam o mal-estar e a doença em estado permanente” (LE CORBUSIER, 1933). Mas era o estado interior da habitação, com sua miséria, que constituía o cortiço, uma vez que essa situação era prolongada ao exterior para as ruas sombrias e sem vegetação. Infelizmente, a legislação permitia a imposição de tais moradias às populações pobres. Há uma série de “condições naturais” que deveriam ser respeitadas não apenas nas moradias, mas também nas cidades. São uma série de elementos indispensáveis aos seres vivos, tanto para a ordem psicológica quanto para a fisiológica: o sol, o espaço e a vegetação. No entanto, quanto mais a cidade crescia, menos essas condições naturais eram respeitadas. Dessa maneira, o primeiro dever do Urbanismo seria recolocar o homem em contato com esses elementos. O sol deveria penetrar o interior de cada moradia, espalhando seu calor, sem o qual não há vida. O ar teria sua qualidade assegurada pela presença da vegetação. O espaço deveria ser distribuído com liberdade. Dessa maneira, o IV CIAM, em Atenas, “chegou ao seguinte postulado: o sol, a vegetação, o espaço são as três matérias-primas do urbanismo”. (LE CORBUSIER, 1933 – o grifo é nosso). Deveria ser feito, então, o zoneamento, a “operação feita sobre um plano de cidade com o objetivo de atribuir a cada função e a cada indivíduo o seu justo lugar” (LE CORBUSIER,1933). Dessa maneira, deveria ser acessível para todos, através da legislação, e independente de qualquer questão de dinheiro, uma determinada parcela de bem-estar, impedindo que famílias inteiras fossem privadas de sol, de ar e de espaço. A circulação deveria ser dividida em duas vias, uma de percurso lento para uso do pedestre e outra de percurso rápido para os veículos. Outras necessidades das famílias deveriam, ainda, ser levadas em consideração: “centros de abastecimento, serviços médicos, creches, jardins de infância, escolas, às quais se somariam organizações intelectuais e esportivas destinadas a proporcionar aos adolescentes a possibilidade de trabalhos ou de jogos adequedos à satisfação das aspirações próprias de tal idade e, ainda, ‘equipamentos de saúde’, as áreas próprias à cultura física e ao esporte cotidiano de cada um”. Dessa maneira, as proximidades deveriam ser um verdadeiro prolongamento da moradia. A situação das escolas era a mais


21 problemática, uma vez que, devido à grande distância das casas, as crianças seriam colocadas em contato com os perigos da rua. Os subúrbios eram constituídos de casebres mal construídos, barracos e galpões, misturando os materiais mais imprevistos, domínio dos pobres que oscilavam no turbilhão de uma vida sem disciplina. A feiúra e a tristeza eram a vergonha da cidade que circundavam. Era preciso exigir. Assim, os bairros habitacionais deveriam ocupar as melhores localizações no espaço urbano, observando-se o clima e aproveitando-se da topografia, utilizando-se da insolação mais favorável e de superfícies verdes adequadas. O problema da habitação, da moradia, prevalece sobre todos. Dessa maneira, era “preciso buscar, para as moradias, as mais belas paisagens, o ar mais saudável, levando em consideração os ventos e a neblina, os declives melhor expostos, e, enfim, utilizar as superfícies verdes existentes, criá-las, se não existem, ou recuperá-las, se foram destruídas”. Ainda, não bastava sanear a moradia; era preciso, também, criar e administrar os prolongamentos exteriores, os diversos locais para esporte, inserindo, no plano geral, as áreas que lhes seriam reservadas. Do mais, o sol deveria penetrar em toda moradia suficientes horas por dia, pois a tuberculose se instalava onde o sol não penetrava. Assim, o novo dever do arquiteto era o de “introduzir o sol”. A questão da densidade poderia ser resolvida através da verticalização, o que começou a ser possível a partir do século XX, através das construções homogêneas de aço ou cimento armado, o que permitiu erguer prédios de mais de seis pavimentos. Mas as novas construções, mais altas, deveriam, ainda, ser situadas a distâncias adequadas umas das outras, para que sua altura não agravasse ainda mais o mal existente. Portanto, construir cidades seria decidir a maneira como o solo seria ocupado, estabelecendo relações entre as superfícies livres e construídas, dividindo o terreno necessário tanto para as moradias particulares quanto para seus diversos prolongamentos, fixando uma superfície para a cidade que não poderia ser ultrapassada, constituindo essa grave operação, inerente à autoridade: a promulgação do “estatuto do sol”.

Lazer – Observações.


22 “O Urbanismo é chamado para conceber as regras necessárias a assegurar aos citadinos as condições morais de vida que salvaguardem não somente sua saúde física mas, também, sua saúde moral e a alegria de viver delas decorrente”. Dessa maneira, as horas de trabalho deveriam ser seguidas por um número suficiente de horas de lazer, todos os dias. São essas horas que constituiriam uma reconfortante permanência junto aos elementos naturais. Assim, dever-se-ia existir uma justa proporção entre volumes edificados e espaços livres, cuja manutenção seria, portanto, uma necessidade e questão de saúde pública para o homem. Devia-se classificar as horas livres em três categorias: cotidianas, semanais ou anuais. As horas de lazer cotidianas deveriam ser passadas nas proximidades da moradia. As semanas permitiriam a saída da cidade e deslocamentos regionais. Já as anuais, ou seja, as férias, permitiriam verdadeiras viagens. Com isso, estabelecia-se a necessidade da criação de áreas verdes ao redor das moradias, na região e no país. Sendo que todo bairro residencial deveria compreender uma superfície verde necessária para a prática de jogos e esportes, distribuída levando-se em consideração o tempo necessário para o deslocamento entre elas e as áreas edificadas. Ainda, os antigos quarteirões insalubres deveriam ser demolidos e substituídos por áreas verdes e parques, sendo os bairros limítrofes saneados. As novas superfícies verdes devem, ainda, ter objetivos claramente definidos: “acolher jardins da infância, escolas, centros juvenis ou todas as construções de uso comunitário ligadas intimamente à habitação”. Elas teriam um papel útil, uma vez que instalações de caráter coletivo ocupariam seu espaço. Dessa maneira, seriam como um prolongamento da habitação, estando subordinas ao estatuto do solo e seguindo um programa estabelecido de entretenimento abrangendo atividades diversas. “Uma destinação fecunda nas horas livres forjará uma saúde e um coração para os habitantes da cidade” (LE CORBUSIER, 1933).

Trabalho – Observações


23 Outrora, a moradia e a oficina estavam unidas por vínculos permanentes, e situadas uma perto da outra. Naquele momento, os locais de trabalho não estavam mais dispostos racionalmente no complexo urbano, sendo instalados nas periferias, longe dos bairros. Sendo assim, condenavam os trabalhadores a percorrer longas distâncias diariamente, em condições cansativas de pressa e agitação, prejudicando inutilmente suas horas de lazer.

Terceira Parte – Conclusões. Pontos de doutrina. No jogo da vida, liberdade individual e ação coletiva são os dois pólos nos quais as ações se desenrolam. A escala do homem, sua medida natural, deve servir de base a todas as outras escalas que estejam relacionadas à vida e às diversas funções do ser. Essa escala de medidas deve se aplicar às superfícies e às distâncias, que serão consideradas em sua relação com o ritmo natural do homem, que deve ser determinado levando-se em consideração o trajeto cotidiano do sol. “As chaves do urbanismo estão nas quatro funções: habitar, trabalhar, recrear-se (nas horas livres), circular” (LE CORBUSIER, 1933). Dessa maneira, o urbanismo tem quatro funções principais, que são: primeiramente, assegurar aos homens moradias saudáveis, isto é, locais onde o espaço, o ar puro e o sol. Essas três, condições essenciais da natureza, lhe sejam largamente asseguradas; em segundo lugar, organizar os locais de trabalho, de tal modo que, ao invés de serem uma sujeição penosa, eles retomem seu caráter de atividade humana natural; em terceiro lugar, prever as instalações necessárias à boa utilização das horas livres, tornando-as benéficas e fecundas; em quarto lugar, estabelecer o contato entre essas diversas organizações mediante uma rede circulatória que assegure as trocas, respeitando as prerrogativas de cada uma. (LE CORBUSIER. 1933)

Portando, esse ciclo das funções cotidianas seria regulamentado pelo Urbanismo, visando-se a mais rigorosa economia de tempo e tendo a habitação como o centro das preocupações urbanísticas e ponto de articulação de todas as medidas. O zoneamento ordenaria o território urbano. A circulação deveria estabelecer uma comunicação favorecida entre o habitar, o trabalhar e o recrear-se, sendo regulamentadora e não impondo incômodos às estruturas


24 de habitação ou dos locais de trabalho. Ainda, o urbanismo intervindo no elemento altura, dar-se-á uma solução para a circulação moderna e, também, para os lazeres, através da exploração de espaços livres assim criados. As quatro chaves do Urbanismo Moderno, deveriam de desenvolver, portanto, no interior de volumes submetidos

às três mais importantes necessidades:

espaço suficiente, sol e ventilação. Ainda, o número inicial do Urbanismo é uma “célula habitacional” (moradia) e como se dá sua inserção num grupo onde se forma uma unidade habitacional de proporções adequadas. Dessa maneira, a casa constituiria uma célula social. Com isso, seria a partir dessa unidade-moradia que as relações entre a habitação, os locais de trabalho e os locais destinados às horas livres se articularia. Assim, o papel do arquiteto urbanista naquele momento seria proporcionar uma boa maneira de habitar o espaço, a partir da escala humana, das condições naturais e das quatro funções básicas necessárias na cidade, numa junção de espaço suficiente, insolação adequada, ar puro, habitações decentes, espaços para a recreação, a fim de se cultivar corpo e espírito, circulações satisfatórias e seguras e proximidades das moradias com os locais de trabalho. Tudo isso numa perfeita harmonia e na melhor articulação do espaço com o tempo, num ambiente onde o interesse privado estaria subordinado ao interesse coletivo. Afinal, era a arquitetura que presidiria os destinos da cidade e que ordenaria as células habitacionais, a fim de proporcionar, para cada indivíduo, os acessos ao bem-estar da moradia e às belezas da cidade: a arquitetura seria a chave de tudo.

4.1.3. Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. Esse livro, originalmente sob o título de “Précisions sur um Etat Présent de l’Architecture et de l’Urbanisme”, foi publicado em 1930 e reúne a série de palestras que Le Corbusier ministra ao chegar em Buenos Aires, trazendo as bases do que seria a nova arquitetura para o novo homem naquele momento de transformações. Sob diversos títulos e temáticas que o mestre suíço vai, então, introduzindo o novo ideário aos novos arquitetos.


25 Quinta Conferência. Sexta-feira, 11 de outubro de 1919. Amigos da Arte.

“O Plano da Casa Moderna” Nessa conferência, Le Corbusier expôs as soluções para o novo plano a casa moderna, superando o plano “paralisado” da casa feita de pedra, através da casa feita em ferro ou concreto armado. Dessa maneira, estavam impostos os chamados “cinco pontos da arquitetura moderna”: •

Planta livre e fachada livre;

Esqueleto independente;

Janelas corridas ou pano de vidro;

Pilotis;

Teto-jardim. Ao fazer uma analogia com a biologia, o esqueleto seria “para sustentar,

enchimentos musculares para agir e vísceras para alimentar e fazer funcionar”. (LE CORBUSIER, 2004, p.127) Na ossificação das casas feitas em pedra, os elementos seriam todos superpostos de um andar para o outro. Já, na casa com esqueleto independente, a disposição interna seria livre, independente de um andar para o outro. Dessa maneira, seria preciso tirar partido dessas novas liberdades, beneficiando a economia, a eficiência, a resolução das várias funções modernas e a beleza. Assim, a revolução arquitetônica implica diversos fatores: •

Classificação;

Dimensionamento;

Circulação;

Composição;

Proporcionamento.

I. Classificação. Há

dois

fatores

que

se

encontram

presentes,

simultâneos

e

inseparáveis: um fenômeno biológico, o objetivo proposto ou o problema


26 apresentado, e um fenômeno plástico, ou a sensação fisiológica, uma “impressão”. O biológico diria respeito ao nosso bom senso e o plástico afetaria nossa sensibilidade e razão. Reunidos, el es realizaria a emoção arquitetônica, seja ela boa ou má.

II. Dimensionamento [dos cômodos de uma residência]. As construções de pedra impediam inovações, opondo-se à busca da economia que, naquele momento, era a base fundamental. “Hoje, podemos introduzir na casa, como bem quisermos, a maior diversidade de cômodos, sem nos preocupar com a sobreposição dos andares [...]”. (LE CORBUSIER, 2004, p.130). Analisando essas dimensões dos cômodos e submetendo-as a cálculos minuciosos, teríamos uma operação racional semelhante às que distribuíam os espaços das fábricas modernas. Portanto, para a resolução do problema da habitação moderna, deverse-ia, antes de qualquer coisa, estudar o terreno para traçar um plano de acordo com ele, para a elaboração exata de uma planta. Esse seria o método corrente, ou seja, “antes de mais nada, morar segundo o encadeamento das funções razoáveis”. (LE CORBUSIER, 2004, p.131)

III. Circulação. Este era o grande termo moderno. “Tudo é circulação na arquitetura e no urbanismo”. (LE CORBUSIER, 2004, p.131) Afinal, para que serviria uma casa? Para entrarmos e nela exercermos funções metódicas. Portanto, os elementos necessários para o desenrolar dessas funções deveriam estar alinhados em um circuito. Já, as janelas corridas seriam os elementos que fariam entrar a grandiosidade da paisagem na casa, numa ligação do interior com o exterior.

IV. Composição. O homem, ao entrar na casa, vai descobrindo tamanhos, formas, luz. Há um “ritmo, devido ao volume e à luz [...] faço uso abundante da luz [...] base


27 fundamental da arquitetura. Componho com a luz”. (LE CORBUSIER, 2004, p.135) O pano de vidro seria feito de cristais ou vidros especiais, com valor isotérmico de paredes espessas que quebrariam os raios solares; vidros armados, foscos ou tijolos de vidro. Os panos de vidro ou diafragmas seriam os novos termos que passariam a fazer parte da linguagem arquitetônica.

V. Proporcionamento. “Para os olhos tudo é geométrico [...] A composição arquitetônica é geométrica. É, antes de mais nada, um acontecimento de ordem visual; é um acontecimento que implica julgamentos de quantidades, relações, apreciações de proporções. Estas provocam sensações, a seqüência das sensações é como uma melodia na música”. (LE CORBUSIER, 2004, p.136) Seriam, então, criados quatro tipos de plantas, cada qual exprimindo características preocupações intelectuais: •

Auteil (primeiro tipo): “cada órgão surge ao lado de seu vizinho, de acordo com um motivo orgânico: o ‘interior alarga seu espaço e empurra o exterior, que forma diversas saliências’ [...] composição piramidal, que pode tornar-se complicada [...]”. (LE CORBUSIER, 2004, p. 138)

Garches (segundo tipo): “[...] compressão dos órgãos no interior de um envoltório rígido, absolutamente puro [...]”.(LE CORBUSIER, 2004, p. 138)

Tunis (terceiro tipo): “proporciona, como um esqueleto aparente, um envoltório simples, claro, transparente, com uma pequena rede; permite que se instalem diversamente, em cada andar, os volumes úteis dos quartos, em forma e quantidade [...] tipo engenhoso, apropriado a certos climas; composição fácil, plena de recursos”. (LE CORBUSIER, 2004, p. 138)

Poissy (quarto tipo): exteriormente, apresenta “aquela forma pura do segundo tipo; no interior, comporta as vantagens e qualidades do primeiro e do terceiro. Tipo puro, muito generoso, também repleto de qualidades”. (LE CORBUSIER, 2004, p. 138)


28 Por fim, Le Corbusier finaliza sua conferência concluindo que se deveria tirar, portanto, proveito da poesia e do lirismo proporcionados pelas novas técnicas, no que diria respeito à casa moderna.

4.1.4.Unidades de habitação – Unités d’habitation. Le Corbusier criou as chamadas “Unidades de Habitação”, a partir do estudo das necessidades do homem moderno e das células que esses abrigariam

de

maneira

boa

e

coerente.

Elas

seriam

verdadeiros

acontecimentos revolucionários, proporcionando de maneira adequada as “condições naturais” citadas na Carta de Atenas: o espaço, o sol e o ar puro proporcionado a partir das áreas verdes. Seriam locais agradáveis para as famílias, com privacidade. Seria um local que proporcionaria a solidão e o silêncio necessários no interior e, no entanto, permitiriam um contato com o exterior de maneira rápida. Ganhariam altura para vencer a densidade e, ao mesmo tempo, proporcionarem o espaço necessário para os habitantes. Ao redor, parques e locais de recreação e prática de esportes para todas as idades. Ainda, seriam providas de escolas e outros instrumentos necessários para o cotidiano, nas suas proximidades, evitando, assim, que seus habitantes tivessem que percorrer longos percursos até terem acesso ao necessário para suprirem suas necessidades. Foram várias as Unidades de Habitação propostas por Le Corbusier, tais como: •

Unité d’habitation en Marsella (1946)

Unité d’habitation de Nantes-Rezé (1952);

Unité d’habitacion de Briey-em-Firêt (1957);

Unité d’habitation en Meaux (1957);

Unité d’habitation en Berlin (1957);

Unité d’habitation en Firminy (1962); Havia um plano de “apartamentos-tipo” comum a todas as Unidades,

compreendendo: rua interna; entrada; sala com cozinha; quarto dos pais, sala de banhos; armário, roupeiros, armários embutidos, pranchas para passar, duchas para crianças; quartos de crianças; espaços disponíveis.


29 O desenvolvimento das células habitacionais e, portanto, das Unidades de Habitação, tem sem dúvida inicio a partir dos estudos que desenvolve nas visitas que realiza em 1907 e 1911 , às cartuxas de Ema e Pavia. Le Corbusier impressionado com a solução da célula e dos clautros, imagina que essa solução possa ser adotada para a casa operária. Dentre todas as Unidades de Habitação, a que mais influenciou a obra do Pedregulho, de Reidy, foi a “Unidade de Habitação de Marsella”, pois, enquanto Reidy escrevia para Le Corbusier contando dos progressos de sua obra, esse lhe respondia mandando os desenhos de tal Unidade.

4.1.5.Le corbusier no Rio de Janeiro. Le Corbusier veio duas vezes ao Brasil, aportando no Rio de Janeiro: em 1929 e em 1936. Em ambas as viagens, ministrou conferências e fez parcerias, ajudando

os

arquitetos

brasileiros

daquela

geração,

influenciando

profundamente o desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira. Na visita de 1929, teve o primeiro contato com uma série de arquitetos e estudantes de arquitetura, dentro os quais grandes nomes, como Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Affonso Eduardo Reidy. Ficou encantado com as belezas naturais da cidade do Rio e Janeiro, com a vegetação e os morros, propondo-lhe, então, um novo plano de urbanização. Tal plano propunha um grande “edifício-autovia”, uma “autoestrada habitável”: edifício que, sobre si, receberia uma via de tráfego de automóveis, acompanhando o desenho da costa ,“abraçando a paisagem [...] ‘serpente’ diante do mar” (TSIOMIS, 1998, p.13), todo sobre pilotis para não impedir a visão da paisagem pelos pedestres. Esse plano não foi levado adiante, sendo considerado uma utopia. No entanto, Le Corbusier elaborou uma série de croquis, desenhos e anotações sobre a cidade que mostravam seu profundo conhecimento sobre os lugares.


30

Figura 1: Croqui do Projeto 1 do edifício-viaduto proposto por Le Corbusier para o Rio de Janeiro em 1929, um desenho inicial de uma estrutura urbana com quatro ramificações. (FLC 30091)

Le Corbusier retorna ao Rio pela segunda vez em 1936, a fim de ministrar seis conferências (“A Civilização das Máquinas”, “A desnaturalização do fenômeno urbano e sua conseqüência: o grande desperdício”, “O lazer como a ocupação verdadeira da civilização das máquinas”, “A moradia como prolongamento dos serviços públicos”, “Os tempos novos e a vocação do arquiteto: programa de uma faculdade de arquitetura” e “Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna legislam sobre bases novas”) e dar seu parecer em dois projetos correntes: a sede do Ministério da Educação (MESP) e a Cidade Universitária da Universidade do Brasil. Ambos os projetos estavam sob a direção de Lúcio Costa e seus colaboradores, tais como “Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Jorge Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcellos no Ministério; Reidy, Firmino Saldanha, Souza Reis, Ângelo Bruhns e Paulo


31 Fragoso na Cidade Universitária, que viam em Le Corbusier o ‘Brunelleschi do século XX’”. (TSIOMIS, 1998, p.26) Conferência de 10 de agosto de 1936

“A moradia como prolongamento dos serviços públicos”. Le Corbusier inicia sua palestra dizendo que “a organização da produção industrial e o fim do desperdício” trariam como conseqüência para a vida pública, um espaço de tempo desconhecido até então: o espaço destinado ao lazer. Os serviços públicos, como eletricidade, adução de água, etc, deveriam abastecer todas as residências, chegando através de canalizações. Ainda, a isso tudo, deveriam ser acrescentados os serviços de transporte público e a rede de esgoto, responsabilidades do governo. Se isso ainda não era possível, era porque os urbanistas estavam trabalhando apenas no solo trivial, bidimensional, quando o Urbanismo era um problema que deveria ser tratado em três dimensões. Conferência de 14 de agosto de 1936

“Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna legislam sobre bases novas”. A partir daquele momento, o Urbanismo deveria estabelecer um planejamento. “[...] A razão de ser da autoridade é de legislar [...]”. (LE CORBUSIER, 1998, p.50) Le Corbusier descrevia o Rio de Janeiro que conhecera em 1929: as baías, o mar, os fenômenos topográficos, os espigões rochosos, que aos poucos se encheram de casas. Considerava o Rio uma cidade feliz, em 1929. No entanto, os privilegiados apropriaram-se dos melhores locais, enquanto os outros partiram para os subúrbios, com isso, os pobres passariam a viver em condições de extrema precariedade. Portanto, dever-se-ia salvar a cidade do Rio de Janeiro: ela estava ameaçada. Para ele, a cidade oferecia uma natureza espetacular, incomparável, com um horizonte belo e radioso, que deveria ser considerado patrimônio público. Portanto, as construções não deveriam se desenvolver como muralhas egoístas. O Urbanismo deveria desenvolver circulações que permitissem que


32 se tomassem posse daquela magnífica paisagem, “instalando em cada baía grandes viadutos, que serviriam de meio de comunicação de um ponto a outro”. (LE CORBUSIER, 1998, p.50) Dessa maneira, essa reforma que ocorreria no Rio de Janeiro poderia se expressar através de novas formas arquitetônicas, tais como: “grandes edifícios em altura, outros edifícios que casam bem com as necessidades paisagísticas, enfim, a construção das auto-estradas tomando posse da paisagem, com as habitações dando suporte à sua própria auto-estrada.” (LE CORBUSIER, 1998, p. 51)

Figura 2: Recorte do croqui desenhado por Le Corbusier na Conferência de 14 de agosto, realizada no Rio de Janeiro, na qual propunha a construção de auto-estradas projetadas a partir das imposições paisagísticas, com habitações dando suporte à própria auto-estrada, na reforma celular que deveria ocorrer no Rio de Janeiro. (Coleção P. M. Bardi, MNBA, Rio, no do inv.: 13728)

5. A CONSTITUIÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA. A partir da Revolução Francesa (1789) tiveram início as invasões napoleônicas, que acabaram por acarretar a transferência da corte lusitana para o Brasil, que trouxe consigo o estilo Neoclássico. Mais tarde, em 1850, a Revolução Industrial trouxe a desnaturalização do tempo e do espaço, a


33 introdução de novos materiais, o êxodo rural e a necessidade de adaptação a um novo estilo de vida - isso implicou a necessidade de uma nova organização da cidade a fim de atender à nova demanda. Entre 1914 e 1918, a Primeira Guerra Mundial causou uma grande destruição no território europeu, acarretando a necessidade de sua reconstrução, o que deu abertura para o desenvolvimento da arquitetura moderna européia, que viria a influenciar a arquitetura moderna brasileira. No Brasil, a Semana de Arte Moderna, em 1922, teve o intuito de mostrar a transformação modernista que estava ocorrendo na arte. Entretanto, no âmbito arquitetônico, não conseguiu apresentar uma produção moderna. No ano seguinte à primeira vinda de Le Corbusier ao Brasil, houve a Revolução de 1930, golpe de Estado por parte de Vargas, impulsionando a industrialização e a modernização do país. Mais tarde, em 1939, explode a Segunda Guerra Mundial, novamente trazendo grande destruição. Todas essas mudanças acarretaram transformações ideológicas e a nova arquitetura deveria funcionar segundo a lógica internacional da indústria. Assim, na virada do século XIX para o XX, os europeus buscavam a recuperação dos estilos históricos autênticos nacionais. Essa busca, no Brasil, apareceu na constituição da sua arquitetura moderna que, na linha nacionalista, encontrou referência nos estilos colonial, barroco e indígena. Para muitos, o arquiteto brasileiro Lúcio Costa é considerado o inaugurador da arquitetura moderna no Brasil, uma vez que foi quem primeiro tentou criar uma identidade arquitetônica no país. Nesse sentido, a aspiração era a de voltar à arquitetura colonial, trazida pela coroa lusitana e adaptada às condições próprias do território brasileiro. No entanto, naquele momento, essa escolha não seria favorável, uma vez que não conseguia se ligar ao processo corrente de industrialização. A arquitetura adotada passou a ser a arquitetura moderna, ainda nos moldes europeus. Mas assim como a arquitetura colonial, a arquitetura moderna européia, ao chegar ao Brasil, teve que sofrer


34 adaptações, devido às diferenças de clima, técnicas construtivas e nível de industrialização. Com isso, uma nova arquitetura foi criada, com feições próprias. Não obstante, houve uma aceitação muito ampla desse novo tipo de arquitetura por todo o país, chegando a ser tomada como símbolo naquela época, estando presente tanto em construções públicas quanto em privadas. Por outro lado, há uma corrente que elege Warchavchik como o pioneiro da arquitetura moderna no Brasil. Segundo Aluízio Teixeira “Warchavchik é russo e nunca tive uma impressão mais forte da casa brasileira”. Com isso, foi a partir da realização do pavilhão brasileiro na Feira Internacional de Nova York, em 1939, e a construção do edifício do MESP (Ministério de Educação e Sáude Pública), em 1942, que a arquitetura brasileira despertou o interesse internacional. Após 1937 houve uma grande demanda de construções para novos edifícios públicos, baseados nas novas linguagens arquitetônicas. Várias análises críticas foram feitas por historiadores, discutindo essa constituição

e

o

reconhecimento

da

arquitetura

moderna

brasileira,

configurando uma verdadeira trama. No entanto, algumas questões ainda se mostravam contraditórias, tais como a ausência de relação cronológica entre a arquitetura e a arte moderna no âmbito nacional; o fato de as condições encontradas no Brasil, país de base agrária e pouco industrializado, não serem aquelas consideradas necessárias para a constituição da arquitetura moderna internacional; e, ainda, a cisão da relação entre a arquitetura e a cidade, uma vez que as cidades eram muito precárias perante uma arquitetura muito elaborada.

6. A POLÍTICA HABITACIONAL: A TRAJETÓRIA DA QUESTÃO DA HABITAÇÃO DURANTE A PRIMEIRA REPÚBLICA E O ESTADO NOVO. Em meados do século XIX, com o florescimento das atividades urbanas associadas ao complexo cafeeiro e à indústria, observou-se uma extraordinária expansão do mercado de trabalho e, com isso, uma grande leva de trabalhadores chegou às cidades, que não contavam com infra-estrutura


35 necessária para recebê-los e abrigá-los adequadamente. Em 1880, essa situação culminou num grande problema de saúde pública, devido à aglomeração e à insalubridade gerada nas cidades, principalmente pela construção de cortiços sem qualquer estrutura, quase sempre desprovidos de condições adequadas de ventilação e insolação, e com precária rede de serviços de água e esgoto. Foi nesse primeiro contexto que o autoritarismo de ordem sanitária apareceu pela primeira vez, fazendo com que a questão da habitação social viesse à tona. A partir de então, essa questão passou a receber tratamento primordial do Estado, e a ação estatal na Primeira República permaneceu quase sempre voltada para esse problema, já que a situação problemática os levou a agir de forma rigorosa, uma vez que houve a atuação intensiva de higienistas, médicos e engenheiros clamando, nos últimos anos do século XIX, pela criação de leis sanitárias. Assim, “O poder público atacou em três frentes: a do controle sanitário das habitações; a da legislação e código de posturas e a da participação direta de obras de saneamento das baixadas, urbanização da área central e implantação da rede de água e esgoto” (BONDUKI. 1998, p.29). Para o controle das epidemias e manutenção da salubridade, várias medidas governamentais foram tomadas, tais como a criação da Diretoria de Higiene e a promulgação de vasta legislação de controle sanitário, bem como obras de saneamento e abastecimento de água potável. A epidemia do cólera foi uma grande oportunidade para os higienistas aplicarem todo o seu arsenal de esquadrinhamento de disciplina nas cidades. Portanto, já nessa época, iniciou-se a intenção de eliminar os cortiços – ou, ao menos, regulamentar sua construção. O ideal a ser atingido passou a se basear nas vilas operárias (vilas muitas vezes promovidas pelas próprias indústrias para abrigar seus trabalhadores), de casas unifamiliares: modelos de habitação econômica e higiênica. Sendo assim, do final do século XIX até 1930, o Estado, então liberal-oligárquico, passou a tratar a questão de maneira repressiva, utilizando-se da ordem sanitária, num período em que surgiram várias modalidades de moradia por parte da iniciativa privada, para alojar os setores sociais de baixa e média renda – quase todas, moradias de aluguel, com muito pouca infra-estrutura e conforto.


36 Em 1930, com a Revolução na qual Getúlio Vargas assumiu a presidência, consolidou-se uma situação em que o poder do mercado passou a impregnar a política. Isso fez com que, em 1937, fosse estabelecida uma situação perfeita para que Vargas implantasse o Estado Novo e governasse de maneira

ditatorial.

Nesse

período,

ocorreram

muitas

transformações

econômicas e o desenvolvimento industrial foi incrementado. Ainda, foi em tal conjuntura que houve o surgimento das favelas em São Paulo e o adensamento das do Rio de Janeiro, enquanto a habitação social estava nas mãos dos empregadores, que transformavam a terra em mercadoria. Getúlio Vargas, então, transformou a habitação social em instrumento do Estado; afinal, ele percebeu que precisava de mais apoio social, e a construção de habitações mais dignas elevaria sua popularidade entre as classes menos abastadas. É importante ressaltar que Vargas foi conhecido, nessa época, como o “pai dos pobres”. Assim, desenvolveu até 1946 uma estratégia para que o Estado produzisse habitação social, começando, a partir de 1931, com o congelamento dos aluguéis – o que já significou um apoio popular intenso – passando pela autoconstrução da casa própria em loteamentos periféricos – solução funcional, uma vez que a produção estatal não seria suficiente para todos. Naquele momento, tínhamos um país que estava crescendo muito no sentido urbano, o que podia ser mais observado nas cidades capitais e, também, iniciava-se a formação de pólos políticos, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro. A política de habitação se tornou uma política pública, muito controversa e complexa, contando com a criação de órgãos como a Fundação da Casa Própria e os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) – com isso, Vargas conseguiu o apoio popular que almejava. Os operários dessa época se organizavam em sindicatos, os quais tinham seus próprios IAPs. Vargas obrigou que todos fossem sindicalizados, pois o imposto sindical recolhido geraria uma manutenção permanente para o sindicato, e iria para diversas direções; assim, os IAPs puderam promover a habitação e fortaleceram-se. Por outro lado, a produção dos IAPs foi desigual, uma vez que contou com projetos de grande qualidade ao lado de empreendimentos bastante ruins.


37 7. O DEPARTAMENTO DE HABITAÇÃO POPULAR DA PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL: PEDREGULHO – INSERÇÃO NO QUADRO DA ÉPOCA E DESCRIÇÃO DO PROJETO. Até hoje, na história da arquitetura moderna brasileira, é possível dizer que apenas dois conjuntos habitacionais se destacaram por suas qualidades: o Conjunto Residencial do Pedregulho e o Conjunto Habitacional da Gávea, situados no Rio de Janeiro. Ambos foram projetados pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy, sob a direção da engenheira Carmen Portinho, para o Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal, à época o Rio de Janeiro, com o objetivo de abrigar funcionários municipais. Claramente, Pedregulho foi o de maior destaque nacional e internacional, por uma série de razões, acabando por mandar para segundo plano outras realizações importantes no campo da habitação social da época, conhecida como “ciclo de projetos habitacionais”, do qual Pedregulho não foi nem obra isolada, nem ponto de partida. Grande parte dos arquitetos que estavam trabalhando nessa época para os IAPs ou para o Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal vincularam-se aos procedimentos da arquitetura moderna, que nos anos de 1920 estava muito preocupada com uma produção em larga escala de moradias para trabalhadores, tentando compatibilizar “economia, prática, técnica e estética” (BONDUKI, 1998). No entanto, a incorporação dos princípios da arquitetura moderna foi apenas parcial, perdendo-se os desafiadores horizontes sociais, onde “o resultado econômico não deveria se desligar da busca de qualidade arquitetônica e urbanística, e da renovação do modo de morar, com a valorização do espaço público” (BONDUKI, 1998, p.134), o que acabou por empobrecer os projetos de habitação social. A busca de métodos de produção em grande escala para a habitação social acabou sendo tema do segundo CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), em 1929, uma vez que a arquitetura moderna do pós-guerra estava preocupada com a problemática desse tipo de moradia, uma das questões centrais dos anos 20, onde era concebida uma arquitetura como arte social. Em 1933, no quarto CIAM, Le Corbusier publica a Carta de Atenas, um relatório das necessidades básicas que deveriam ser respeitadas a fim de garantir dignidade às habitações


38 dos trabalhadores e das quatro funções principais que deveriam ser permitidas a partir do urbanismo: habitar bem, circular com segurança, trabalhar em locais próximos à habitação e recrear-se, cultuando o corpo e o espírito nas horas vagas. Na produção habitacional dos anos 30 a 50, permeava a ideia européia dos anos 20 e 30, que pregava que a arquitetura não deveria ser apenas técnica, mas deveria, sobretudo, tentar participar da transformação da sociedade a partir da construção do ambiente. O problema da moradia tornouse tamanho que, logo após a Revolução de 30 ocorreram transformações na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), do Rio de Janeiro, que surgiu como um símbolo de mudança. Já na década de 40, predominava a ideia de que a principal tarefa da arquitetura seria a de levar adiante a modernização, num projeto de “modernização social”, por meio de um espaço racionalizado e de um novo modo de morar – eram esses os desafios enfrentados ao construírem habitações sociais. A influência da arquitetura moderna nas origens da habitação social no Brasil foi muito importante e expressiva, contribuindo em diversas áreas, como a renovação da tipologia de projeto, do processo construtivo e da implantação urbanística. No entanto, muito mais poderia ter sido feito em habitação social àquela época, mas a recusa em pesquisar, analisar e incluir essas obras, predominantes na arquitetura moderna brasileira, contribuiu para reforçar a separação entre arquitetura e habitação social que aconteceu a partir de 1964. Nessa conjuntura, foi em Reidy e Portinho, na obra do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes - Pedregulho (viabilizada pelo Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal), que a relação entre habitação social, modernização, educação popular e transformação da sociedade, aparece mais bem articulada e resolvida. O Conjunto dispunha de serviços que lhe permitiam certa autonomia e o diferenciavam dos demais, tais como: escola primária; ginásio, piscina, vestiários e campos de jogos ao ar livre; posto de saúde, mercado e assistência social. Os autores defendiam que,


39 sem esses recursos, o Conjunto tenderia a transformar-se em uma favela; afinal, pontuavam que a função de habitar não se resumia apenas à vida dentro de casa, devendo ser estendida às atividades externas. Assim, da mesma maneira como deveriam ser previstos o abastecimento de água, o sistema de esgoto,

a

iluminação

e

etc,

também

deveriam

ser

considerados

o

abastecimento de gêneros alimentícios, ensino, lazer, assistência médica e esportes, seguindo àquilo que foi colocado por Le Corbusier na sua Carta de Atenas. É importante citar que a origem da criação do Pedregulho data de 1945, ano em que a engenheira Carmen Portinho regressou da Inglaterra, onde havia colaborado com arquitetos e engenheiros britânicos na reconstrução das cidades no pós-Guerra. Foi ela que propôs ao secretário de Obras e Viação da Prefeitura do Distrito Federal a criação do Departamento de Habitação Popular, uma vez que o problema da moradia no Brasil era de tão difícil solução quanto na Europa (embora estivessem em situações diferentes), sendo a idealizadora do projeto do Conjunto do Pedregulho. A ideia era a de construir um novo tipo de moradia, direcionada à população de baixa renda: habitações localizadas próximas aos locais de trabalho, o que diminuiria o tempo excessivo e desgastante de deslocamento entre a moradia e o trabalho, onde os moradores vivessem com dignidade, em habitações de dimensões mínimas, mas razoáveis, com ventilação, insolação e áreas verdes suficientes para a proteção contra a proliferação de doenças, onde pudessem desfrutar das comodidades da vida moderna (no caso do Pedregulho, a grande inovação foi a instalação da lavanderia com lavadoras de roupa mecânicas) e praticar esportes ou atividades de recreação, tendo, ainda, acesso às artes, como contato com painéis e murais feitos por artistas da época. Sendo assim, Pedregulho está localizado no bairro industrial de São Cristóvão, projetado para proporcionar aos servidores municipais de baixa renda habitação barata próxima ao trabalho. Devido ao exagerado crescimento linear que a cidade do Rio de Janeiro sofreu, agravado pela deficiência das vias de circulação e precário sistema de transportes, os deslocamentos diários da população eram penosos e tomavam muito tempo. A localização da habitação próxima ao


40 trabalho era sinônimo de conforto, economia e uma melhor qualidade de vida para o trabalhador. O terreno onde o Conjunto foi implantado contava com área total de 52.142m2, situado na encosta oeste do morro do Pedregulho, onde se localizavam os reservatórios de distribuição de água da cidade. A topografia do terreno era irregular e muito acidentada, sofrendo um desnível de 50m. O local contava com uma vista magnífica da Baía de Guanabara, no sentido da Avenida Brasil, principal rodovia da cidade, que o ligava ao centro.

Figura 3: Corte do terreno.

O início da configuração do programa para o Pedregulho se deu a partir de um censo dos futuros moradores e um levantamento minucioso das condições existentes, realizado pelo Departamento de Habitação Popular. Houve a inscrição de 570 famílias, cujas condições sociais e econômicas foram analisadas, incluindo a visita de uma assistente social às famílias a fim de verificar a veracidade das informações, para, então, constituir-se a base de elaboração do projeto. A partir de um estudo de dados, verificou-se a necessidade de lançar mão de diversos tipos de apartamentos, dadas as diferenças existentes entre as famílias. Por fim, a densidade demográfica atingida foi de 500 habitantes por hectare, bem acomodados O censo também permitiu que a criação do programa de serviços complementares fosse feita com mais cuidado, proporcionando, também, a divisão da capacidade dos estabelecimentos de assistência à infância de acordo com as diferentes idades, sendo: creche (0 a 2 anos), escola materna (2 a 4 anos), jardim de infância (4 a 7 anos) e escola primária (7 a 11 anos).


41

Figura 4: Vista aérea do conjunto.

7.1.Blocos de habitação Quanto aos apartamentos, o projeto compreendia quatro blocos, todos com estacionamento, divididos em: 7.1.1.Bloco A: Tal bloco atingia a extensão de 250 metros, contando com 272 apartamentos, estando situado na parte mais alta do terreno, seguindo a forma sinuosa da encosta do morro, numa curva de nível mediana do talude.


42 Essa implantação tinha o sentido de reconhecer e enfatizar a característica natural existente, dando origem ao prédio curvo e serpenteante, numa relação de complementação entre edificação e natureza. Assim, a natureza ganhava status de elemento de composição de projeto.

Sem dúvida, a imagem mais forte e representativa relacionada com o projeto é a desse edifício. O seu valor arquitetônico está presente tanto de maneira isolada, quanto perante o conjunto edificado, criando, assim, uma espécie de dualidade nas relações compositivas com as demais edificações. Analisando-se as plantas de implantação do conjunto, fica evidente o protagonismo exercido pelo grande edifício curvo em relação aos demais objetos. O caráter monumental aliado à originalidade do seu desenho conferem ao bloco A um destaque formal que não vislumbramos nas demais edificações. Por outro lado, ao analisarmos o conjunto a partir de sua volumetria, centrando nossa atenção nos edifícios que complementam o programa, a barra ondulada adquire uma importância compositiva secundária, transformando-se num grande pano de fundo e transmitindo seu protagonismo aos objetos estudados. Reidy busca com essa ação o típico efeito dos espaços barrocos dos santuários religiosos do Brasil colonial, onde objetos menores e de cota inferior vão mudando de proporção em relação aos objetos mais distantes e mais altos, à medida que nos aproximamos na subida, proporcionando um inteligente jogo de hierarquias tipológicas que muda constantemente de acordo com o ponto de vista do espectador. (SILVA, 2005, pág.80)

O acesso aos diversos pavimentos era feito por escadas, dispostas de 50 em 50 metros, sendo que, nos dois pavimentos inferiores (1o e 2o pavimentos) situavam-se apartamentos de apenas um quarto, enquanto os superiores (4º, 5º, 6º e 7º pavimentos) abrigavam apartamentos duplex de um a quatro dormitórios (a solução do apartamento duplex foi escolhida por apresentar um melhor rendimento e, portanto, viabilizar um maior número de unidades no bloco). Entre os pavimentos de apartamentos, o terceiro andar era livre, abrigando os equipamentos sociais como a creche e o serviço social. Era, ainda, através desse andar que se dava o acesso ao conjunto, dispensando, assim, a necessidade de elevadores e tirando proveito do desnível natural do terreno.


43

Figura 5: corte e vista parcial do Bloco A.


44

Figura 6: Planta geral dos diversos pavimentos do Bloco A.

Com o objetivo de facilitar a higiene, a solução de banheiros e corredores internos foi abolida, com a opção por corredores de circulação externos, por onde as cozinhas eram iluminadas e ventiladas, enquanto os banheiros tinham janelas com abertura direta para o exterior.

7.1.2.Blocos B1 e B2: São

dois

blocos

em

lâminas

retangulares

paralelos

entre

si,

apresentando duas ordens de apartamentos duplex, de dois, três ou quatro dormitórios, com plantas flexíveis (os apartamentos de três dormitórios poderiam se tornar apartamentos de quatro dormitórios se o apartamento


45 vizinho de três dormitórios perdesse um dormitório e ficasse apenas com dois), somando 56 apartamentos, atingindo cerca de 80 metros de comprimento.

Figura 7: Planta geral dos diversos apartamentos do Bloco B.

Figura 8: Vista parcial do Bloco B.

7.1.3.Bloco C: Esse bloco é apenas um projeto e não foi iniciado, mas previa 12 pavimentos, contando com apartamentos de dois, três ou quatro dormitórios, sendo necessária a instalação de um elevador.


46

7.2.Escola. É fato que a escola primária é um dos elementos mais importantes da comunidade, considerada um “centro de influência atuando na formação do caráter e das personalidades das gerações futuras” (REIDY, 1955). A presença da escola no Conjunto foi, também, de extrema importância para que os adultos também pudessem estudar, devido à aproximação com os professores e o ensino. Isso fazia parte da ideia de que, uma vez que se mostrava à sociedade um novo modo de morar no mundo moderno, era necessário reeducá-la para essa nova maneira de viver. No caso, as crianças estavam aprendendo, além de tudo, a se portarem em comunidade. O ensino havia passado por transformações radicais, acarretando a necessidade de novos planos de edifícios escolares. Surgiram as salas de classe, unidades individuais, que permitiam uma maior proximidade entre mestres e alunos, uma maior flexibilidade na disposição do mobiliário e maior contato com o exterior, o que fazia dessas salas os elementos mais básicos de uma escola moderna. No terreno, o lado de sombra era o Sul, portanto as salas de classe deveriam estar orientadas nessa direção, sendo projetadas na forma quadrada. O norte abrigava o corredor de circulação, tratado com cobogós de terracota, a fim de amenizar a insolação direta mas permitir constante ventilação cruzada, propiciada pelas aberturas altas nas paredes das classes. Ainda, essas salas se prolongavam até terraços ao ar livre, que poderiam ser utilizados para a realização de trabalhos escolares. A escola contava, por fim, com: cinco salas de classes, realizadas em um bloco sobre pilotis (o que propiciava um local para recreação coberto); instalações sanitárias; vestiário; administração; biblioteca; sala de estar; cantina e uma pequena cozinha; sendo o acesso às salas de classes feito por meio de uma rampa coberta.


47

Figura 9: Vistas e planta da escola, ginásio e vestiários.

Para a escola, Burle Marx produziu um mosaico para o pátio e um mural para a Diretoria, sendo que Portinari realizou um painel de azulejos na fachada do ginásio, utilizando-se de azulejos desenhados por ele e encomendados apenas para a obra do Pedregulho, chamados de “crianças pulando carniça”.

7.3.Posto de saúde. Como apoio às famílias, também foi construído um posto de saúde, destinando-se, principalmente, à profilaxia do conjunto, contando com assistência médica, dentária e pronto socorro. Através do controle sanitário, muitas doenças seriam evitadas ou, então, poderiam ser tratadas. O posto


48 contava com um sistema completo, apresentando: serviço de matrícula, triagem, salas médicas, farmácia, salas de repouso e curta internação, sala para pequenas intervenções cirúrgicas, pequeno laboratório de análises; sala de esterilização; consultório dentário com sala de prótese e câmara escura; cozinha; rouparia; despejo; instalações sanitárias; sala dos médicos; posto de enfermaria e sala de administração.

7.4.Mercado. Havia um pequeno mercado, cujo eixo de direção maior era no sentido leste-oeste, com acesso ao público pela face norte, parcialmente protegida por brises-soleil móveis, de eixo horizontal. Além do local de vendas, o mercado dispunha de boxes para armazém, açougue, peixaria, quitanda e laticínios, além de uma padaria equipada com forno elétrico. Assim, abasteceria não apenas o conjunto, mas também os bairros vizinhos.

7.5.Lavanderia mecânica. A lavanderia mecânica, outra facilidade proporcionada aos habitantes, se encarregava da lavagem de toda a roupa dos moradores, sem qualquer outra despesa além do aluguel do próprio apartamento. Esse foi um modo de tentar proporcionar às donas de casa mais tempo para a realização de outras atividades. A construção da lavanderia mecânica também diminuiu o custo da construção dos apartamentos, uma vez que não foi necessária a introdução da área de serviço interna, evitando, também, o desfile de roupas penduradas encharcando as fachadas – o que era encontrado até em habitações de luxo. A lavanderia dispunha de locais para a marcação das roupas (a fim de evitar que se

misturassem),

desinfecção,

lavagem,

secagem,

passagem

e

armazenamento – tudo feito por serviço mecanizado. Essa lavagem coletiva de roupas, que a princípio causou constrangimento nas famílias que não queriam expor sua pobreza, explícita nas vestimentas, acabou sendo considerada uma das maiores conquistas que o Departamento de Habitação conseguiu ao implementar o Conjunto. Isso porque a lavanderia se tornou um valioso auxiliar no serviço social, produzindo uma sensível modificação no aspecto e modo de


49 vida dos moradores, que passaram a se apresentar mais limpos e bem vestidos, principalmente as crianças, cujas mães, antes, não dispunham de tempo para lavar e passar com freqüência suas roupas, além de fazerem todo o serviço doméstico.

7.6.Ginásio, piscina, campos de jogos ao ar livre e vestiários. Junto à escola, encontravam-se o ginásio, a piscina, os vestiários e campos de jogos ao ar livre: um conjunto completo para a prática da cultura física, uma das necessidades básicas do homem, enfatizada na Carta de Atenas, de Le Corbusier, que contava com instrutores para dirigirem as atividades esportivas. O fato de o bairro ser quente e afastado das praias fez necessária a construção de uma piscina de 12m por 25m. Ainda, o lado do ginásio que dava para a piscina recebeu portas basculantes que, quando abertas, viravam marquises transformando toda a área em um só ambiente, provido de uma área de sobra.

7.7.Questões importantes ao projeto. As questão da ventilação e da insolação foram muito importantes no projeto e estiveram em pauta a todo momento, uma vez que o terreno se encontrava em uma orientação desfavorável. Assim, para conter o excesso de incidência solar foram usados diversos dispositivos, inclusive o brise-soleil, tipicamente moderno, sendo móvel de eixo horizontal ou de eixo vertical, conforme a fachada (norte ou oeste); também, cobogós de terracota de diferentes tipos e, ainda, blocos de cimento auxiliavam nessa função. Já, “para corrigir o excesso de insolação dos compartimentos situados na face oeste dos blocos A e B, foram usadas venezianas de madeira, tipo guilhotina equilibrada, no bloco A, e basculante no bloco B1 e B2” (REIDY, 1955). No sentido da ventilação, a escolha da construção sobre pilotis, além de propiciar espaços cobertos para a recreação das crianças e estares protegidos para os moradores, assegurava uma boa circulação de ar para o conjunto. A ventilação cruzada foi sempre observada. Na circulação, a ideia era a separação dos caminhos de pedestres e automóveis, fazendo com que os moradores não


50 precisassem atravessar as ruas de tráfego de veículos, proporcionando-lhes uma maior segurança. Um aspecto muito importante presente no Pedregulho era a vontade de uma integração entre a pintura, a arte, os jardins e a arquitetura, a chamada “síntese das artes”, propiciando um incremento à vida dos moradores. Assim, foi confiado a Burle Marx o paisagismo da área, e a Anísio Medeiros e Cândido Portinari, os desenhos dos azulejos que revestem as paredes dos vestiários, do posto de saúde e do ginásio, e do mosaico de vidro da escola. O Conjunto ainda contava com uma regulamentação, que estabelecia que os apartamentos seriam alugados e destinados exclusivamente a servidores municipais de baixa renda e suas famílias, cujo aluguel seria pago através de folha de pagamento. Os futuros moradores deveriam ser submetidos a exames no Serviço de Biometria Médica da Prefeitura – sendo vetados aqueles que apresentassem doenças infecto-contagiosas. Ainda, ao assinar o contrato de locação, o locatário se comprometia a, periodicamente, permitir a visita de funcionários do Departamento de Habitação Social, para uma vistoria em todas as dependências de seus apartamentos; além das regras de uso da lavanderia e da coleta de lixo, enquanto o Serviço Social se incumbia da recuperação dos problemas individuais, familiares, médicos e sociais.

8. PEDREGULHO – ANÁLISE DAS INFLUÊNCIAS E CONCLUSÕES. A Arquitetura Moderna Brasileira é muito marcada pela doutrina funcionalista européia, dos anos 1910 a 1930, trazida principalmente por Le Corbusier, difundida em sua visitas ao Brasil (1929 e 1936). Dentre os jovens arquitetos que se formavam naquele momento, tais como Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, Reidy foi o mais fiel ao espírito de Le Corbusier, e provavelmente o que mais foi influenciado pelo mestre francosuíço. O ano de 1950 foi um marco na carreira do arquiteto, pois foi quando a crítica internacional se debruçou sobre seu trabalhou, graças à sua realização do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como


51 Pedregulho. Nesse Conjunto, revelam-se influências variadas, que também moldaram sua formação. O contato direto com Le Corbusier, bem como a leitura de seu livro Por Uma Arquitetura, permitiram que seu trabalho sofresse uma mudança significativa, revertendo o aspecto plasticamente uniforme e monótono que marcavam seus projetos até 1936 - tal reversão pode ser observada, por exemplo, nas três propostas que elaborou para a Sede da Prefeitura do Distrito Federal: a primeira, de 1932, apresenta uma planta simétrica e fachadas monótonas; a segunda, de 1934 já apresenta mudanças na planta, mas no tratamento das fachadas permanece um aspecto monótono; já a terceira, de 1938, apresenta nitidamente influências de Le Corbusier e um maior dinamismo tanto na organização do espaço quanto no tratamento dado às fachadas. Essa presença de Le Corbusier pode ser observada também na minúcia com que foram realizados os estudos preliminares do projeto. A obra foi definida por uma série de volumes simples e bem articulados, a partir de uma regra compositiva simples, cujo aspecto formal acusava as funções: o paralelepípedo para prédios residenciais; o prisma trapezoidal, simples ou composto, aos edifícios públicos essenciais e a utilização de abóbada para as construções esportivas, faziam parte de uma definição formal bastante próxima a Le Corbusier. Essa regra compositiva previa também a implantação dos blocos residenciais paralelos entre si e dos blocos de demais funções implantados perperdicularmente entre si (exceto o posto de saúde que resultou numa planta quadrada). Entre os edifícios residenciais, a escola e o posto de saúde, formou-se o local de implantação da principal praça e local de recreação do Conjunto. Ainda, ao lado de tal racionalismo, muito lhe agradava a plasticidade alcançada por Niemeyer e, portanto, as descobertas desse arquiteto, no momento da construção do Conjunto da Pampulha, e ele as retoma, adaptando-as para aplicá-las, por exemplo, nos edifícios de serviços comuns (a ideia era a de proporcionar a eles uma maior plasticidade, por serem o ponto que distinguia Pedregulho de outros conjuntos habitacionais); no entanto, seu emprego foi mais dosado de dinamismo e, portanto, mais discreto. A obra também continha sutis significados, como por exemplo o fato de a escola e suas dependências ocuparem uma posição central na implantação do conjunto, destacando, assim, a sua importância. Além de ser a obra mais


52 original, para o arquiteto ela era o símbolo do progresso, num país onde quase metade da população era analfabeta - e foi devido a isso tanto cuidado no projeto desse edifício. Afinal, as crianças que tivessem a capacidade de freqüentar essa escola, ocupariam, mais tarde, um lugar mais digno na sociedade. Juntando-se isso ao ganho que os pais também tiveram, ao terem contato direto com os professores e com a educação, que era recebida pelos filhos, era conveniente dar à construção uma profunda riqueza plástica e decorativa, para que ela se destacasse das demais e, assim, fizesse com que os moradores tivessem por ela um profundo respeito. No âmbito arquitetônico, a escola estava diretamente ligada às dependências esportivas, sendo tal fusão marcada materialmente pelo jogo de rampas e marquises, que eram os acessos comuns às duas obras e, no plano estético, por um equilíbrio baseado numa série de oposições: os arcos tensos do ginásio e seu aspecto enclausurante se contrapõem ao traçado retilíneo e transparente – ou semitransparente – da escola. Apesar disso, esses contrastes não assumem o caráter dramático das obras de Niemeyer. Foi assim que, nos edifícios públicos, Reidy realizou uma síntese brilhante, assimilando o vocabulário plástico de Niemeyer e o ideal racionalista de Le Corbusier, onde a distinção entre razão funcional e estética se dissolviam e se misturavam. Também, o diálogo com Lúcio Costa, que acabava de construir um conjunto residencial no Parque Guinle 3 , onde implantou um novo modelo de fachada que casava admiravelmente com seu programa, a partir da utilização de alguns tipos de elementos vazados, recortados por janelas nos corredores de circulação e de brises-soleil para a contenção da insolação. No entanto, embora as fachadas de Pedregulho devam muito ao modelo de Lúcio Costa, o Conjunto Habitacional se abstém do requinte do Parque Guinle. Reidy evitou motivos complicados para o desenho das grandes proteções e preferiu um material mais bruto, o cimento, à elaboração da cerâmica, ainda limitando-se às três cores primárias: azul, amarelo e vermelho. Essa adaptação indica o

3

O Parque Eduardo Guinle é um parque público localizado no Bairro das Laranjeiras, na zona sul do Rio de Janeiro, para onde Lúcio Costa projetou um conjunto de edifícios residenciais, construídos de 1948 a 1954.


53 encontro de uma linguagem adequada a um programa popular, que muito conta a favor de Reidy. Desse modo, nas grandes fachadas dos dois blocos B, do Conjunto do Pedregulho,

ocorre

uma

feliz

alternância

entre

terraços

ou

galerias

parcialmente protegidos por brises-soleil móveis de um lado e, de outro, faixas contínuas de janelas de venezianas corrediças e peitoris, resultando numa multiplicação de planos pela sobreposição cuidadosamente estudada de cheios e vazios, juntamente com a oposição entre cores quentes e cores vivas, que permitiam, ao conjunto, um aspecto alegre, atenuando a dureza dos volumes em paralelepípedo e até sua aparência um pouco tosca – vestígio da forte influência de Le Corbusier. Nesse bloco, havia uma maior simplicidade aliada a uma maior plasticidade. Mas, sem dúvida, o marco de Pedregulho é o bloco residencial A, o grande edifício serpenteante construído na parte mais alta do terreno. Embora cronologicamente não se possa afirmar a prioridade de Reidy à invenção desse tipo de construção – ela pode ser encontrada no pavilhão universitário do Massachussets Institute of Technology, mas também é fato que o arquiteto só teve conhecimento de tal obra depois de haver elaborado o seu projeto. No entanto, as realizações são tão diferentes entre si que apresentam apenas esse ponto em comum. No entanto, se quisermos uma verdadeira fonte de inspiração do traçado do bloco A de Pedregulho, precisamos retornar muito mais longe no tempo, na Inglaterra do século XVIII, nos “Crescentes” de Bath. Ambos os locais apresentavam semelhanças, como as colinas dominando um vasto panorama desimpedido, formando um pano de fundo. Ainda, sua curva encontra um parentesco com o edifício-viaduto projeto por Le Corbusier para o Rio de Janeiro, por exemplo Mas, afinal, o que era almejado no projeto de Pedregulho? Nele, motivos funcionais e estéticos estavam tão intimamente ligados que é difícil dissociálos. Manteve-se, sempre, a vontade de preservar a magnífica vista da Baía de Guanabara, o que resultou no projeto de um prédio colocado no flanco do declive, seguindo o contorno do mesmo, enquanto a adoção de pilotis permitiu que se evitasse a necessidade de movimentação de terra para a contrução de platôs. Já, uma entrada pelo terceiro andar do edifício, através de uma avenida


54 que corria ao longo de sua fachada posterior, no topo da colina, permitiu a construção de um edifício de sete andares sem ser necessária a instalação de elevadores. Portanto, a planta serpenteante, de uma certa maneira, foi uma aposta ao arquiteto através da exploração inteligente das condições naturais que, a partir da integração de uma visão plástica, determinou o desenho de uma curva elegante e equilibrada. O volume era, portanto, único e límpido, e a constituição de zonas transparentes reforçava a sensação física de tridimensionalidade. Nas suas enormes fachadas, que se estendiam por 250m, apresentava-se uma superposição de longas faixas longitudinais, cada uma correspondendo a um andar, tendo as diferenças de nível do chão compensadas pelo emprego de pilotis. As imensas fachadas recebiam uma quadriculação rigorosa, enquanto as divisões horizontais prevaleciam sobre as verticais, conseqüência do imenso alongamento da obra, e o maior problema era, portanto, lidar com a monotonia que resultaria da repetição dos mesmos motivos de fechamento em cada andar devido à racionalização, visando a economia. Assim, havia uma desigualdade entre as fachadas; a principal, voltada para a Baía, não conseguiu escapar de uma sensação de tédio, devido à semelhança muito acentuada; no entanto, a fachada posterior apresentavase resolvida de maneira brilhante, onde a curva se harmonizava perfeitamente com a natureza, e a construção era cortada por grandes árvores em uma série de vistas parciais muito felizes. Portanto, em Reidy encontrava-se uma síntese muito segura de preocupações estéticas e funcionais, aliadas ao desejo de uma pureza clássica, e da pesquisa de efeitos de massa e continuidade espacial, embalados por influências de alto grau, principalmente de Le Corbusier, e pela preocupação social do arquiteto, no magnífico projeto do Conjunto Habitacional do Pedregulho. Assim, Lúcio Costa escreveu sobre a obra, deixando-nos um valioso depoimento:

[...] Construído em espaço restrito, de topografia ingrata e numa vizinhança arquitetônica desvalida, ele surge de repente à vista como uma revelação. Dominados pela linha sinuosa do corpo principal que se estende à feição da encosta, vazado a meia altura


55 (tal como sugeria Le Corbusier, em 1931, para Alger), os demais elementos do conjunto foram sabiamente dispostos no espaço arborizado, entabolando-se assim entre as várias formas desiguais que o constituem, o diálogo plástico necessário ao convívio harmonioso, - que a isto se reduz a arquitetura, por cuja graça o programa estritamente utilitário e funcional da habitação popular se transmuda em beleza, adquirindo sentido urbanístico e monumental. Monumentalidade prenunciadora de uma nova era, de maior equilíbrio, mais senso comum e lucidez. O Pedregulho é, pois, simbólico – o seu próprio nome agreste atesta a vitória do amor e do empenho num meio hostil, e a sua existência mesma é uma interpelação e um desafio, pois o dinheiro do povo não foi gasto em vão: em vez de se diluir ao deusdará, sem plano, foi concentrado, foi objetivado, foi humanizado ali para mostrar-nos como poderia morar a população trabalhadora. Se tal não ocorre, nem parece tão cedo tornar-se possível, cabe-nos então perguntar – por quê? Sim, por quê? (COSTA. 1985, p.17)


56 9. BIBLIOGRAFIA.

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7.CORBUSIER, Le. Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

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57

11.http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq040/arq040_03.asp, acesso em 11/12/2009

12.http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc238/mc238.asp,

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18.Solar Grandjean de Montigny – Centro Cultural da Pontifícia Universidade Católica do Rid e Janeiro, Affonso Eduardo Reidy. Rio de Janeiro: Index Promoções Culturais, 1985. – Catálogo da exposição realizada de 20 de agosto a 21 de setembro de 1985.


58 19.www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp318.asp,

acesso

em

11/12/2009

20.YANNIS, Tsiomis. Le Corbusier – Rio de Janeiro: 1929, 1936. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de urbanismo/Centro de Arquitetura e Urbanismo. 1998.

10. ICONOGRAFIA.

Figura 1: YANNIS, Tsiomis. Le Corbusier – Rio de Janeiro: 1929, 1936. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de urbanismo/Centro de Arquitetura e Urbanismo. 1998, pág.73

Figura 2: YANNIS, Tsiomis. Le Corbusier – Rio de Janeiro: 1929, 1936. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de urbanismo/Centro de Arquitetura e Urbanismo. 1998, pág 51

Figura 3: BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Blau, 2000, pág.

Figura 4: DPA: Documents de Projects d’Architectura. Barcelona, Edicions UPC, 2003 – abril, mensal, pág.28.

Figura 5: BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Blau, 2000, pág.90.

Figura 6: BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Blau, 2000, pág.90.

Figura 7: BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Blau, 2000, pág.94.


59 Figura 8: BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Blau, 2000, pág.94.

Figura 9: DPA: Documents de Projects d’Architectura. Barcelona, Edicions UPC, 2003 – abril, mensal, pág.33.


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