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Amazônia Soberana
AMAZÔNIA SOBERANA atribuído ao Estado brasileiro, na formação geopolítica da Região Norte. Ele reforça que Portugal tinha duas colônias: o Brasil e o Grão-Pará. “O Grão-Pará não dialogava com o Rio de Janeiro (então capital da colônia) e era uma província totalmente ligada a Portugal, tanto é que nossa anexação ao Brasil tem exatos 197 anos, só que isso não é ensinado nas nossas escolas”, observou o Movimento pela ‘independência’ da região busca historiador. instalação de um País no norte do Brasil Por sua vez, para o sociólogo paraense, a cultura de relegar ao norte um papel seMencius Melo – Da Revista Cenarium cundário está na raiz da história. “A Amazônia e o Brasil têm histórias completaMANAUS/BELÉM – “O Brasil é uma nação invasora da Amazônia”, assim falou de Belém, no Pará, à País ‘República dos Povos da Amazônia’, cuja capital seria Santarém, no Pará, que se tornaria um distrito neutro e formaria mente diferentes e a nossa primeira luta é convencer o nosso povo sobre essa realidade”, declarou. reportagem da REVISTA CENARIUM, o uma espécie de corredor diagonal para in- ‘TENTÁCULOS’ sociólogo Ângelo Madson Tupinambá, terligar as grandes cidades de Belém (PA), Como o movimento é recente, a orgadiretor de Comunicação da “Associação Manaus (AM) e Porto Velho (RO). nização está buscando tentacular em todos Cultural dos Povos da Amazônia”, Orga- “Sempre existiu esse sentimento de os Estados da Amazônia. Com núcleo ponização Não Governamental fundada em pertencimento a uma nação que tem uma lítico em Belém e em Manaus, Ângelo informa que também já existem adeptos em
“Roraima, Rondônia, Tocantins e Amapá. O Grão-Pará era uma província totalmente “Estamos buscando aliados no Acre, ligada a Portugal, tanto é que nossa anexação que é o único Estado que ainda não conseguimos avançar”, acrescentou Ângelo ao Brasil tem exatos 197 anos, só que isso não é Tupinambá. ensinado nas escolas” Apesar de lembrar movimentos divisionistas como os que atuaram na Espanha e Julian Machado, historiador. na Irlanda até os anos 1990, a organização descarta qualquer propensão à luta arma2019 e registrada oficialmente em Manaus, história e uma cultura única e um único da e avalia no futuro tornar-se um partido no Amazonas. povo que é o povo amazônida”, destacou político. O movimento ‘independentista’ e não ‘separatista’ – como quer que seja reconhecido – segundo o historiador Julian Machado, de Manaus, é inspirado na maior revolução popular que aconteceu no norte do Brasil: a Cabanagem, revolta popular e social ocorrida entre 1835 a 1840, durante o Império no Brasil, na antiga Província do Ângelo Tupinambá. ENDOCOLONIALISMO Para o sociólogo, é preciso romper com o endocolonialismo do Estado nacional brasileiro e com as ideias que estão cristalizadas no imaginário popular e no discurso oficial. “Tudo que acontece de ruim com a nossa região tem o dedo do Brasil”, criti“Nossa organização é cultural e o plebiscito é a nossa bandeira, por isso acreditamos que nosso viés tem um papel sedutor, pois precisamos ganhar corações e mentes”, definiu Tupinambá. Como exemplo, Ângelo cita o próximo passo cultural do grupo que é lembrar, no dia 16 de outubro, o “Massacre do Brigue Palhaço*” ocorrido em Belém, no ano de Grão-Pará, hoje estado do Pará. A rebelião cou Ângelo. 1823. “Precisamos resgatar essas datas que tinha como objetivo a independência da “Vivemos subjugados ao longo da são muito importantes para a reafirmação região. Não é à toa que o movimento é história, história essa alicerçada na retóri- da nossa história”, comentou. chamado de ‘Cabanagem 2.0’. O debate sobre o movimento começou em Belém e ca demografia de que a Amazônia é um ‘grande vazio humano’, o que, obviamen“Nossa luta prioritária é conseguir fazer com que a história da Amazônia passe a o grupo foi registrado em Manaus. te, não é verdade”, observou. fazer parte da grade curricular do ensino
Entre as pautas independentistas estão Já o historiador manauara Julian Ma- básico na nossa região”, declarou Julian a adoção de uma bandeira única do futuro chado reforça que é questionável o papel Machado.
O historiador Julian Machado considera uma prioridade do movimento fazer com que a história da Amazônia seja parte da grade curricular do ensino básico na região
Apoio internacional
Com articulação na Europa, os líderes da organização possuem interlocutores em Berlin, na Alemanha. Segundo Ângelo Madson Tupinambá, os apoios europeus não estão no campo de financiamento, mas no fortalecimento da amizade e da identidade de ideias.
“Não temos financiamento ou qualquer outro tipo de apoio material vindo de fora e isso eu bem que gostaria de ter, mas o que temos é um amigo na Alemanha, por exemplo, que torce pelo trabalho de conscientização que estamos realizando junto aos povos da região”, declarou Madson.
Em recente viagem denominada ‘Expedição Tupinambá no Alto Rio Guamá’, Ângelo levou cestas básicas aos indígenas daquela região. “Foi uma iniciativa que tivemos e nisso quero agradecer à Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, pela doação de 17 cestas básicas”, declarou.
Para o professor de Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio Nascimento, a proposta de independência da Amazônia não tem amparo na realidade.
“É até romântica, bonita, motivacional, folclórica, mas é completamente irreal. É uma aventura”, sintetizou.
Segundo o sociólogo, é possível entender a revolta, mas é preciso compreender que estar no ‘centro’ das decisões não significa ter melhor qualidade de vida.
“Se fosse esse o caso, bairros periféricos de Manaus, que abrigaram o palácio
Governo federal se pronuncia
Após a reportagem sobre o movimento independentista da Amazônia, ficar entre as matérias mais lidas em Brasília e São Paulo na versão on-line da REVISTA CENARIUM, a representante do Ministério das Relações Exteriores na Região Norte, Maria Deize Camilo, entrou em contato com a redação da CENARIUM para obter informações sobre o movimento Cabanagem 2.0.
À representante do governo federal, foi dito que a equipe de reportagem não tinha autorização dos membros do movimento para o repasse de informações pessoais e que a CENARIUM estava amparada legalmente no resguardo do sigilo da fonte da notícia.
Questionada sobre qual avaliação a representante do Ministério das Relações Exteriores na Região Norte fazia da ideia dos membros da Associação Cultural dos do governo como o Santa Etelvina (periferia da Zona Norte de Manaus), seriam uma maravilha. Aliás, o bairro da Compensa (Zona Oeste de Manaus) abriga hoje as sedes do governo e da prefeitura da cidade, nem por isso a Compensa é um brinco, pelo contrário…”, realçou.
Ainda segundo Luiz Antônio, não é preciso se descolar de Brasília para obter ganhos. “A questão é que precisamos ter robustas políticas nacionais, por exemplo: antes do governo Lula, tínhamos poucas escolas técnicas, ao final de seu governo, foram construídas 400 escolas
Luiz Antônio Nascimento, sociólogo.
Povos da Amazônia”, Deize limitou-se a dizer que considerava o caso “bizarro”.
Procurada para uma entrevista mais aprofundada sobre o assunto, Maria Deize Camilo justificou que não poderia falar com a equipe de reportagem, porque estava com o marido internado para fa-
zer uma cirurgia. espalhadas por todo o Brasil, inclusive nos Estados da Amazônia”, observou.
“Um desligamento do Brasil nos forçaria a construir o Poder Judiciário, Legislativo, Executivo, a estrutura de saúde, educação, segurança, alimentação, fora que, para se configurar em realidade nacional, teríamos também que ter uma base de ciência, tecnologia, comércio e indústria. Não é simples”, observou.
Para concluir, o acadêmico considerou: “É muito mais sofisticado que essas pessoas lutem para fazer política de qualidade”, finalizou.
O sociólogo Ângelo Madson Tupinambá é diretor de Comunicação da “Associação Cultural dos Povos da Amazônia” e defende que o movimento é ‘independentista’ e não ‘separatista’
Crédito: Divulgação acervo pessoal
Ângelo Tupinambá, sociólogo membro da diretoria do movimento.
A Cabanagem não sustenta discurso independentista
O cientista político e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Cauby Soares, tem um ponto de vista contundente sobre a proposta. Para ele, a Cabanagem não pode ser usada como justificativa para sustentar o discurso do movimento criando em Belém e em Manaus. “Os líderes cabanos eram extremamente nacionalistas brasileiros e isso é provado em documentações existentes em Belém e no Rio de Janeiro, inclusive a Inglaterra chegou a propor apoio militar ao movimento, mas Angelim declinou e isso está registrado em um documento que se encontra em Londres”, afirmou Cauby.
O cientista continua as observações. “Não há na cabanagem sustentação ideológica para se propor a independência do Brasil, porém, se pode, a partir da cabanagem, criar uma ideologia contra o colonialismo brasileiro na região amazônica”, ponderou.
De acordo com Cauby, pensamentos como o movimento independentista tem suas razões na prática histórica de como o Brasil, a partir de Brasília, o Sul e o Sudeste tratam as regiões Norte e Nordeste do País e também no lamentável fato de que o Brasil não sabe o que fazer com a Amazônia.
“Mais da metade do país é uma incógnita para o próprio País. E para piorar, as articulações político-econômicas das elites brasileiras visam manter subalternas determinadas regiões do Brasil, em especial o Norte e o Nordeste. A questão é que o Nordeste resiste, mas o Norte é fragmentado historicamente”, lamentou.
Para exemplificar, ele cita os governos militares da ditadura de 1964. “Tirando a Zona Franca de Manaus, com seus erros e acertos, projetos coloniais como a Transamazônica e outros em caráter de ocupação, foram um verdadeiro fracasso”, criticou.
Com certo pessimismo, Cauby Soares faz uma previsão. “Por tudo isso, movimentos de separação surgem com ideias no mínimo provocadoras, mas, eu sinceramente não acredito que politicamente vamos nos irmanar, acredito mais que a causa ambiental pode ser um fator a nos unir”, finalizou.
Para a deputada estadual Alessandra Campêlo, o movimento fere os preceitos da Constituição Federal
Políticos nortistas são contrários
Para políticos do Norte, entrevistados pela reportagem da REVISTA CENARIUM, a ideia de independência da Amazônia não pode ser levada a sério. “Passamos por tantas dificuldades, tantas lutas, para criar um País unido, para criar uma unicidade de nação e aí me vem essa proposta que não pode ser levada a sério”, criticou o deputado federal Marcelo Ramos (PL).
A deputada estadual do Amazonas, Alessandra Campêlo (MDB) também rechaçou a proposta. “Mesmo sem saber mais detalhes sobre isso, sou totalmente contrária. A proposta é inconstitucional! E isso é cláusula pétrea da Constituição Federal. Nem Emenda Constitucional pode mudar isso”, sentenciou.
Para Alessandra, as razões do movimento não são bem compreendidas. “Me parece mais uma retaliação ao resto do País do que uma proposta baseada em fatores culturais, sociais ou étnicos que nos colocassem à parte do resto do País. Nosso País é uno e inseparável. Não consigo levar a sério um movimento desses”, declarou a parlamentar.
GOVERNO FEDERAL NÃO AJUDA…
Nascido no Rio Grande do Sul, mas amazonense de paixão e identidade, o deputado federal José Ricardo (PT) avalia que atualmente o povo da região Norte não tem muito o que comemorar com o governo Bolsonaro. “A gente lamenta que o governo federal está entregando as riquezas do País e o patrimônio estratégico para a iniciativa privada e também aos interesses estrangeiros”, criticou.
De acordo com o parlamentar, o entreguismo é marca do atual governo. “O governo falou em desenvolver a Amazônia com parcerias com os Estados Unidos, quer dizer, eles (os EUA) só têm interesses econômicos, de exploração, de retirada das riquezas, não de desenvolver o País”, denunciou.
Segundo o petista, é preciso outro direcionamento. “O Brasil tem que cuidar do Brasil, das fronteiras, da soberania, das riquezas em favor da população, do desenvolvimento que leva em consideração os direitos dos povos indígenas, povos ribeirinhos, povos tradicionais, cuidar das cidades, investir no saneamento, cuidar também da questão ambiental e da saúde da população. Essa é que tem que ser a prioridade”, estimulou. “Temos que lutar pelo desenvolvimento da Amazônia, dividido, o País enfraquece”, atestou.
SEPARAR NÃO! DIVIDIR SIM…
Paraense de Santarém, o deputado estadual do Amazonas, Sinésio Campos (PT), é contra qualquer proposta de independência da região amazônica do restante do País, mas é patente sua luta para emancipar a região onde nasceu, no Pará. “Não concordo com o movimento separatista, porém, sempre fiz a defesa da criação do Estado do Tapajós tendo como capital Santarém”, defendeu o parlamentar.
Para Sinésio Campos, essa é uma luta que encontra eco e amparo nas populações do Oeste do Pará, que lutam para que seja criado o Estado do Tapajós, cuja capital seria Santarém. “Essa é uma luta centenária do povo do Tapajós”, acrescentou o deputado.
De acordo com ele, a proposta de dividir objetiva dinamizar recursos e otimizar a administração pública. “Dividir Estados da Amazônia para melhorar a governança e assegurar ao povo amazônida mais dignidade com políticas públicas com apelo social respeitando as nossas peculiaridades Amazônicas!”, inflamou.
Quanto à ideia de separar, ele foi taxativo. “Somos todos e todas filhos de uma só nação que se chama Brasil”, finalizou o deputado.
Alessandra Campêlo, deputada estadual.