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Rio da Morte
REVISTA CENARIUM foi a primeira a visitar a região de conflito, o Rio Abacaxis, no AM; Procuradoria-Geral da República abre investigação Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium
MANAUS – Os conflitos envolvendo ribeirinhos, indígenas e policiais no Rio Abacaxis, em Nova Olinda do Norte, no Amazonas, deixaram ao menos oito mortos em agosto deste ano e reflexos trágicos para a população da região. Dias após o incidente, a REVISTA CENARIUM foi a primeira a enviar uma equipe de reportagem ao local do incidente, para produzir uma série de reportagens que mostraram o trauma da violência. O caso ganhou repercussão nacional e a Procuradoria-Geral da República (PGR) criou, no início de novembro, uma força-tarefa para investigar os conflitos, o que deve gerar ecos sobre a possível violação de direitos.
Para entidades ligadas aos direitos humanos e à proteção dos povos indígenas e comunidades tradicionais, a força-tarefa surge como uma notícia de esperança, pois irá reforçar a segurança no local e dar celeridade ao processo. Para Dione Torquatto, membro do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), ao longo dos confrontos, houve uma constatação clara de que houve a violação dos direitos humanos.
“A força-tarefa chega como uma notícia de esperança, haja vista a complexidade do caso. É uma medida extremamente importante, porque mostra que o caso não vai ficar à mercê. Lembramos que a intenção principal da investigação é trazer a resolução e um esclarecimento para a sociedade. Para nós, há uma constatação clara de que houve a violação dos direitos humanos”, salientou Torquato.
Crédito: Ricardo Oliveira
Seis moradores da região foram mortos durante os conflitos na região do Rio Abacaxis
A medida, estendida para a Terra Indígena Coatá Laranjal, no município de Borba, foi determinada pelo procurador-geral Augusto Aras, em atendimento ao pedido das Câmaras Criminal e de Populações Indígenas e Comunidades dos Tradicionais do Ministério Público Federal.
Aras designou uma lista de procuradores para atuar em conjunto aos promotores regionais Fernando Merloto Soave e Lauro Cardoso Neto em processos sobre o caso, entre inquéritos civis públicos, policiais e representações. De acordo com a Procuradoria da República no Amazonas (PR-AM), a força-tarefa vai investigar se houve violação a direitos humanos fundamentais. As investigações apontam que foram coletados graves abusos de direitos cometidos durante e após atuação policial.
MORTES COMPROVADAS
Em entrevista à REVISTA CENARIUM, o representante da Comissão Pas-
Conflitos
Os conflitos na região ocorreram em julho e agosto deste ano. Nos dias 23 e 24 de julho, o secretário-executivo do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Rezende, fazia pesca esportiva no Rio Abacaxis sem licença ambiental e, após desentendimento com os comunitários, foi ferido com um tiro no ombro. A PR-AM argumenta que o secretário-executivo usava uma embarcação particular. No dia do conflito, Saulo disse aos policiais que os suspeitos ameaçaram queimar a embarcação dele caso insistisse em seguir a viagem.
No dia 3 de agosto, a Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-AM) enviou policiais do COE (Comando de Operações Especiais) e do Batalhão Ambiental da Polícia Militar para realizar ação com a alegação de coibir o tráfico de drogas na região após o incidente. Segundo o MPF, os agentes não se identificaram mesmo após horas de atuação e abordagem inicial de lideranças extrativistas.
Ainda de acordo com a PR-AM, os policiais não usavam uniforme ou outra identificação e estavam em uma embarcação particular, a mesma que motivou, nos dias 23 e 24 de julho, conflito grave com os comunitários, por conta do uso do Rio Abacaxis para pesca esportiva sem licença ambiental e culminou no conflito envolvendo Saulo Rezende.
Para a PR-AM, como os policiais estavam em embarcação particular e sem toral da Terra, Maiká Schwade, salientou que a atuação da PGR é fundamental para que as investigações cheguem aos reais autores e mandantes dos assassinatos e torturas que foram registrados no local pelas entidades.
“Não estamos falando meramente em violações simples, estamos falando em mortes comprovadas. A participação federal é fundamental para que a gente tenha essa investigação isenta e para que chegue aos reais autores e mandantes das atrocidades que de fato aconteceram”, pontuou Maiká Schwade. identificação, os ribeirinhos pensaram se tratar de uma vingança e houve pânico nas comunidades e aldeias da região, que reagiram. Durante o conflito armado entre policiais e comunitários, o 3° sargento Manoel Wagner Silva Souza e o cabo Márcio Carlos de Souza foram assassinados e outros dois ficaram feridos.
Após a morte dos policiais, a SSP-AM enviou reforço de 50 policiais em uma nova operação na região, no dia 4 de agosto. Há relatos de execução de seis pessoas, tortura, agressões, invasão a residências e destruição de bens dos ribeirinhos. Na ocasião, familiares de um traficante de Nova Olinda do Norte, apontado como líder de uma organização criminosa que atua na região e suspeito de matar dois policiais militares, chegaram a ser presos.
Conforme as informações apuradas pela PR-AM, as tensões se agravaram após abusos e ilegalidades relatados por indígenas e moradores dos assentamentos em relação à conduta dos policiais que participaram de operação na área. A Justiça chegou a determinar a suspensão imediata da operação policial.
Nove suspeitos foram indiciados em setembro deste ano, acusados de envolvimento nas mortes dos policiais.
Quando esteve em Nova Olinda, a REVISTA CENARIUM acompanhou a situação de moradores de comunidades ribeirinhas e lançou uma série de reportagens sobre a região, as consequências dos
conflitos e o cotidiano das populações.
A representante da assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Carla Cetina Castro, reforçou que a medida irá garantir e evitar, também, toda e qualquer futura violação aos povos existentes na região.
Segundo ela, mesmo com a instalação de medidas protetivas para as comunidades ribeirinhas e indígenas, as entidades continuam a receber denúncias. “As comunidades não estão sozinhas. Enquanto sociedade civil, estamos fiscalizando, não podemos permitir que as violações sejam aceitas, pois vivemos um estado de direito”, frizou.