Os meus personagens
Paulo Calhau
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Lucrécia Sou Lucrécia! A grande Mulher. A melhor mulher que este mundo já conheceu. Mãe, mulher, senhora, puta. A tua puta. Passei a vida bêbada, drogada e sempre de pernas abertas. Quando não era por prazer, era para parir os bastardos a quem dei vida mas, nunca nome. Nasci no tempo em que as “boas meninas” casavam cedo e viviam felizes para sempre. Tenho mais de mil anos ou dois mil. Já nem sei. Sou mãe, escrava, senhora, amiga, puta. Filhos...tive mais de cem.Todos bastardos! Cada um diferente do outro, à excepção dos gémeos. Esses filhos da puta que me rasgaram toda na hora de os expelir. Bastardinhos!!! De todos os seres que pari é dificil saber qual mais odeio. Seres miseráveis que me moldaram e remoldaram para ganharem vida. Como os odeio! Esses estupores, filhos do demónio e dos homens que em mim se perderam. Quantos foram não sei. Nunca tive tempo para contar todos os cabrões a quem me entreguei. Houve de tudo. Marinheiros, políticos, artistas, proxenetas, coxos e cegos. Cheguei a ter jovens no inicio da puberdade. Alguns nem pêlos tinham. Só tesão! Pequeninos e cheios de tesão.
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Secam-me as tetas a cada dia. Cansadas, vazias, prisioneiras do teu vĂcio.
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Vil Cão de Hades Saltam-me as rugas marcadas de ódio Vil cão de Hades assassino! Cobres com véu de sangue o caminho certo da esperança. Quem te roubou o prazer? Quem em ti cresceu solidão? Cresce-me o rancor do passado partilhado. O intenso fel de doce boca, de palavras nefastas. Roubaste o sabor das horas dos lençóis molhados de embriagada tortura. Neste leito feminil de esperma anónimo deixas de novo o tempo suspenso. Seco de ti mesmo partes em chama acesa. Vil cão de Hades! Lucrécia P.C 2013
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Fumava os homens como os cigarros. De um trago, atĂŠ sentir a chama na boca. De alguns roubava prazer.
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Javier Nasceu num tempo em que as palavras não tinham idioma. Espírito livre. Sonha um dia pousar do seu voo eterno e sentir a terra nos pés. Dorme contigo e acorda ao teu lado sem que o vejas. Pela noite é Ulisses a guiar-te na sua Odisseia. Alimenta-se de corpos, de desejos e de sonhos. Alimenta-se de ti. Chega com o cansaço. Quando os teus olhos se fecham conduz-te, em braços, no sonho. É o capitão de Argos. Abraça-te durante noite, alimenta-se de ti e dos teus sonhos. Abandona-te ao acordares para a cada noite voltar.
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Trago o veneno quente Que te mata. É o teu corpo frio que, resgata e pede para beber de mim. É sentir errado o presente. Morrer é viver até ao fim. Javier P.C.2012
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E nos teus sonhos entrarei em silĂŞncio para neles me saciar. Sentes-me no teu corpo quando te banhas em Lethe atĂŠ de manhĂŁ. Ao teu corpo voltarei, no teu sono.
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António Vive no lado mudo das palavras, no lado baço das sombras. Escreve no corpo a tua história, todos os dias até anoitecer. Quando adormeces apaga-a para reescrevê-la na manhã seguinte. A sua pele tem todas as histórias do mundo, todas as caligrafias.
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Valquíria Tímida e solitária. faz tanto tempo que não fala com alguém que se esqueceu como se faz. Alimenta-se dos teus pecados, literalmente. É ela que te empurra na hora da decisão. Usa roupas compridas que lhe cobrem o torso, porque a cada pecado que come, saltam-lhe marcas no corpo como tatuagens. Sacia-se nos teus segredos, nos teus desejos, nas tuas fraquezas. Marca-se do teu prazer pecaminoso para te deixar com a dor, só a dor.
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Como o teu pecado Sinto-te a cada dentada, enrolo o teu segredo na língua, chupo-lhe o sabor. Dele trago o prazer, marca-me o corpo. Deixo-te a dor e, a insípida lembrança.
Valquíria PC 2013
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El hombre del sombrero negro y sin zapatos Encontrei-o um dia por acaso nas ruas vivas da cidade. Descalço para sentir o chão e a energia de quem o pisa. Um homem magro, vestido de negro com mãos compridas e dedos delgados. Trazia com ele uma caixa preta cheia de frascos de vidro com areias coloridas. Fiquei a observá-lo. Espalhava as areias pelo ar que, ao tocarem o chão, construíam cenários oníricos. Voltava a abrir os frascos e recolhia os cenários como quem tira fotografias. Nunca lhe vi o rosto. Sei que tem um e que o esconde debaixo do chapéu preto. Quando me aproximei para ver o seu rosto, abriu umas asas enormes que apagaram os céus e subiu veloz com a sua caixa de frascos de cenários coloridos. Sei que tem um nome mas, gosto de pensar que se chama Angel F.
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e mais vir達o... Paulo Calhau 2013
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