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COLETIVA

Galeria Helena Fretta

Um só lugar, seis espaços, sete olhares, fotografia e múltiplas possibilidades. A fotografia como poética autoral em relação com o tempo constitui a gramática comum nos trabalhos desta mostra. O tempo nas paisagens catarinenses redesenhadas pela série litorânea de Alessandro Grutzmacher, na poesia revelada por Álvaro de Azevedo Dias e Marco Giacomelli permeando a reflexão sobre nossa experiência temporal, nas descolagens de Cláudio Brandão em paredes (des)cobertas por cartazes e traz a tona a vida da cidade em um processo de apropriação do que no contexto pode se mostrar como ruído ou obstáculos para o olhar, nos esquecidos de Cris Bierrenbach e o vazio da finitude que nos envolve no silêncio do observador de tragédias, Joyce Mussi traz as sombras que projetam uma relação provisória de uma beleza passageira e o jovem João Abreu com o olhar deslocado no tempo do observador viajante.

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Alessandro Gruetzmacher Litorânea

A série Litorâneas registra as paisagens ao longo de nosso belo litoral, utilizando longas exposições para fotografar estas paisagens, referenciando à técnica utilizada no princípio da fotografia em 1826, onde precisou-se de até 8 horas para registrar uma foto. Nesta série as longas exposições, aliadas a escolha de fotografar em dias nublados, devido a pouca luz e do belo desenho das nuvens com sua movimentação pelo vento, dão toda plasticidade à foto. Esta série de fotografias tem a função de documento e registro de um determinado momento da história, que segundo Roland Barthes, em seu livro A Câmara Clara, a fotografia atesta de que algo, alguém ou “a paisagem” existiu. Tornando assim a fotografia um recorte da realidade, daquele espaço de tempo em que a fotografia foi capturada. É importante ressaltar que, além da visão artística, as fotos possuem um espaço temporal, no qual a foto pode adquirir um valor histórico, que não possuía no momento em que foi produzida. E além de servir como documento, as fotografias tem na conscientização ecológica um segundo viés, onde em cada fotografia a paisagem provoca uma admiração por meio da linguagem utilizada, e também o alerta para a necessidade de conservação das belas paisagens de nosso litoral. Lucila Horn

coletiva

Álvaro de Azevedo Diaz e Marco Giacomelli A luz e o tempo

Quando cravamos nossos tripés na rocha dos grandes costões de pedra que delineiam os contornos da paisagem natural de Florianópolis, estranhas e lunares imagens saltaram subitamente aos olhos. Os costões aqui mostrados em fotografias em preto e branco trazem ao pensamento uma mensagem subliminar de grande relevância, ante a veloz transformação do nosso ambiente: estamos aqui de passagem. Essas mesmas pedras, caladas e inertes, nos dizem que já viram muito, e aqui entra o tempo a que me refiro no título desse texto. As formações rochosas aqui mostradas nos lembram, melhor do que qualquer outro assunto, da passagem avassaladora do tempo. Formações essas que já estiveram submersas por tempos imemoriais, que já estiveram muito acima de onde se encontram hoje e que assistiram as mais fantásticas e inimagináveis transformações. O tema não poderia ser mais apropriado. Ele diz respeito ao tempo presente, às modificações, nossa marca registrada, a que constantemente submetemos o nosso entorno. Fotografar é escrever com a luz e ao ver essas imagens, é inevitável estabelecer a correlação entre a luz e o tempo. Há um desenho a ser perscrutado em cada uma das fotografias, mas é a presença massiva desse elemento invisível, o Tempo, que invariavelmente as permeia e que lhes dá vida e alma. Optamos nesse projeto por câmeras de grande formato, de operação lenta, que exigem mais do que um simples e fortuito olhar. A morosidade imposta pelo processo vai ao encontro da necessidade de contemplação de um tema tão atemporal. A pressa simplesmente não faz parte do nosso repertório.

No final das contas, entre incontáveis idas a vários costões de pedras, apresentamos aqui um conjunto de imagens refinado e poético sobre um viés inexplorado da Ilha de Santa Catarina.

Álvaro de Azevedo Diaz

coletiva

Cláudio Brandão Descolagens

Descolagens é um trabalho movido apenas pela paixão de um fotógrafo em registrar (em filmes) o sucessivo colar e descolar de cartazes nas cidades. Como um observador que toma nota destas disputas citatinas, produz matéria para uma reflexão futura, por outros agentes sociais. O movimento de colar e descolar pode ser comparado com a própria dinâmica das cidades, como um constante renascimento, sempre trazendo neste novo, um pouco do que está embaixo. Nestes tempos de incerteza “pós-moderna”, onde tudo que é sólido se desmancha no ar, como previu Marx, o território perde seu espaço para experimentar uma relação da dimensão do tempo.

O objeto destas imagens são cartazes espalhados por qualquer cidade do mundo em uma mídia, ainda não dominada pelas grandes corporações, as paredes. Cada vez mais, nota-se a presença do estado, coibindo esta prática em nome de uma cidade limpa e espetacular para os visitantes. Assim parece que estamos presenciando o limiar desta forma de comunicação. Este trabalho não tem a pretensão de ineditismo, já que não é este o objetivo do Campo da Fotografia. Grandes mestres como Haas, Evans e Atget, já se dedicaram a este tema, pois sempre é possível ver nestas imagens, indícios da vida social, nesta ou naquela época. Quando o fotógrafo faz seu recorte, emite seu julgamento, mas é o observador que constrói a sua interpretação final, elaborando uma nova verdade a respeito do que vê. Está é a mágica da fotografia.

Cláudio Brandão

coletiva

Cris Bierrenbach Esquecidos

A exposição apresenta de uma série de fotografias que realizei nos dias que se seguiram ao terremoto ocorrido na cidade de Porto Príncipe, no Haiti, em janeiro de 2010. A série em questão é composta por fotos de roupas e outros artigos pessoais, que jaziam nas proximidades da grande praça central da cidade, o Champs de Mars. Logo após o terremoto o local se transformou em um imenso campo de refugiados, repleto de pessoas que haviam perdido suas casas ou tinham medo de voltar a elas em conseqüência dos tremores posteriores, os “after shakes”. São tomadas quase completamente perpendiculares ao solo e de aspecto monocromático dada a predominância de cinzas nas fotos. Estas imagens, captadas digitalmente, foram posteriormente refotografadas com o uso de uma câmera de grande formato, 8x10 polegadas, com o objetivo de produzir daguerreótipos. Com esta operação pretendi criar uma pequena subversão temporal na fotografia, partindo das técnicas atuais para a primeira de sua história. Cheguei em Porto Príncipe no dia 3 de janeiro de 2010, acompanhando um grupo do departamento de sociologia e antropologia da Unicamp. No final da tarde do dia 12, a cidade foi devastada por um terremoto. Instintivamente, após alguns minutos de completo estupor, peguei a câmera e comecei a fotografar. A situação de absoluto caos por todos os lugares parecia impossível de captar através do visor da câmera. A dimensão destrutiva do terremoto e o elevado número de mortos que iria deixar ficaram claros imediatamente. Em menos de 3 horas os corpos já haviam começado a ser depositados e se acumulavam nas calçadas. A sensação de impotência, de não conseguir ajudar aquelas pessoas, aliada à lembrança de como, nos dias anteriores, haviam demonstrado desprazer ao serem fotografadas, me colocaram em uma posição de grande desconforto e questionamento sobre a minha função como fotógrafa.

No dia seguinte a cidade começou a ser invadida pela imprensa internacional e neste momento tive a confirmação final de que não queria fazer parte daquele processo, que poderia ser resumido em uma frase que escutei de um fotógrafo norte-americano para outro: “you have to show destruction!” Por certo havia muita destruição, porém para mim isso não era o mais relevante. O que realmente me chamou a atenção foi a capacidade daquela sociedade em se reorganizar em tão pouco tempo, nas piores condições possíveis, sem qualquer tipo de ajuda externa, sem drama e com um enorme senso prático. Havia muitos corpos, portanto eles eram retirados e deixados nas calçadas para serem recolhidos por aqueles que tinham um meio de transporte e ainda podiam contar com algum diesel. As casas não eram seguras, então as pessoas se mudaram para as praças, para os espaços abertos. Os que tinham água, dividiam-na, os que podiam, recolhiam o lixo. Tudo era dividido. Preferi passar meus dias caminhando pela cidade e assistindo a este movimento de resistência, conversando com as pessoas numa tentativa de compreender aquela sociedade.

Foi em uma destas caminhadas que comecei a perceber uma quantidade enorme de roupas jogadas pelas ruas próxima ao Champs de Mars. Me pareceu bastante curioso que em um momento de escassez, artigos de utilidade, alguns deles ainda bem conservados, fossem abandonados por seus donos. Era curioso também pois os haitianos possuem um grande apreço e cuidado com suas vestimentas. Mesmo nos dias após o terremoto, nos acampamentos a céu aberto, uma cena corriqueira era ver pessoas lavando suas roupas utilizando qualquer tipo de água que estivesse disponível. Centenas de varais com roupa lavada agora enfeitavam a praça central em frente ao Palácio Nacional. Aquelas roupas abandonadas se transformaram para mim na melhor representação da perda humana e material que ocorreu naquela cidade. O indício de presença e ausência ao mesmo tempo, possuiam o aspecto e a função de ícones de cerimônias mortuárias, impossíveis naquele momento.

Este caráter de memento mori destas roupas me fez optar por apresentá-las na forma de daguerreótipo, trazendo dos primórdios da história da fotografia uma de suas utilizações mais comuns: o retrato post-mortem.

Cris Bierrenbach

coletiva

João Abreu # Ø1 (conjunto Vazio um)

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