Colecionismo - uma paixão que preserva o passado para o futuro

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Colecionismo Uma paixão que preserva o passado para o futuro por Paula Craveiro Antropofagia (1929), de Tarsila do Amaral

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erta vez, um filósofo alemão chamado Walter Benjamin afirmou que a arte de colecionar dizia respeito ao desejo pela vida, pela permanência, pela imortalidade. “Bem-aventurado o colecionador! Pois dentro dele se domiciliaram espíritos ou geniozinhos que fazem com que, para o colecionador, a posse seja a mais íntima relação que se pode ter com as coisas: não são as coisas que vivem dentro do colecionador; é ele que vive dentro das coisas”. Fazer uma coleção, segundo Benjamin, independente do artigo que se coleciona, é uma maneira de tentar se apossar do mundo: não se possui apenas um objeto, mas todo um emaranhado de significados, práticas e vivências a ele intimamente relacionados. Assim, o ato de colecionar é, ainda, um meio de apoderar-se do passado e da memória. Para o ginecologista José Nemirovsky, falecido em 1987, colecionar representava mais do que o simples anseio de preservar o passado. Significava vivenciar bem de perto uma paixão, incorporá-la ao seu cotidiano. Ele foi considerado o proprietário do maior acervo particular de obras de arte do Brasil – posteriormente transformado na Fundação Nemirovsky, em exposição permanente na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Sua extensa e valiosa coleção foi iniciada em 1958, com a aquisição de um busto de madeira que, então, era atribuído ao artista mineiro Aleijadinho. Porém, após algumas análises do material, descobriu-se que não tinha qualquer relação com a cidade de Ouro Preto, onde vivia o artista. Mas, por ser uma peça muito bonita, acabou sendo a primeira do acervo. A Fundação Nemirovsky reúne em média 200 obras de arte, entre elas algumas das obras-primas do modernismo brasileiro, como Carnaval em Madureira (1924) e Antropofagia (1929) – avaliada em US$ 3 milhões –, de Tarsila do Amaral; Bordel (1940) e Mulheres na janela (1926), de Di Cavalcanti; Mogi das Cruzes (1935) e Fachada (1970), de Alfredo Volpi, além de obras de Cândido Portinari, Anita Malfatti, Ismael Nery, Victor Brecheret, Lasar Segall, Lygia Clark, Chagall, Léger, Braque e Grosz, e tantos outros. Outro exemplo de colecionador bem-sucedido e portador de uma coletânea bastante representativa é o cirurgião vascular e professor titular da Faculdade Santa Casa de São Paulo, Roberto Augusto Caffaro, que desde 1985 coleciona canetas-tinteiro, fabricadas antes da Segunda Guerra Mundial (1938-1944). Atual-

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Jornal da FEBRASGO – maio 2007

mente, ele possui mais de 3.000 canetas de diversas marcas. Mas o destaque fica para sua coleção de cerca de 460 canetas Montblanc, a verdadeira paixão do médico. Isso, claro, sem contar as outras peças que estão aguardando algum tipo de reparo. O interesse por canetas começou na época de estudante, quando seu padrinho o presenteou com uma caneta-tinteiro, uma Parker 21, em sua formatura do ginásio. A maneira de escrever, os traços e o design da caneta cativaram o jovem, a ponto de torná-lo um dos maiores colecionadores de Montblanc do mundo – ou melhor, o maior colecionador, tendo sido nomeado Mr. Montblanc durante o evento Pen Show, realizado em 1992, em Chicago (EUA). A paixão de Caffaro por esses pequenos objetos, com cerca de 14 centímetros, é tão forte que, em 1989, criou o Pen Club do Brasil, uma associação que reúne mais de 300 colecionadores de canetas antigas na América Latina. Quanto ao valor de seu acervo, o médico é cauteloso e prefere não revelar cifras. Mas conta que, dentre suas peças favoritas, está uma Montblanc Marble número 12, fabricada em 1922. “Após participar de um evento promovido pela Montblanc aqui no Brasil, em 1994, recebi o telefonema de uma senhora dizendo que o pai dela, um médico, queria que sua caneta ficasse em minha coleção. Ele era professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté e ficou sabendo sobre a minha coleção porque seus colegas haviam sido meus professores”, conta. “É a minha caneta mais rara”. Para o oftalmologista Marcelo Martins Ferreira Junior, do Rio de Janeiro, a coleção não teve início em razão de um gosto ou paixão. Tudo começou como uma brincadeira, uma tentativa de descontrair e relaxar seus pacientes, principalmente as crianças, durante as consultas e exames. Para isso, em 1995, Ferreira teve a idéia de decorar seu consultório com alguns pares de óculos diferentes, que há tempos estavam guardados em uma estante de seu pai, também oftalmologista, junto a outros brinquedos. Ao todo, eram sete pares. No mesmo ano, após uma viagem aos EUA, retornou trazendo outros 20 óculos exóticos. A partir daí, a brincadeira foi adquirindo um novo tom, tornando-se um hobby. No início de 2007, a divertida coleção chegou aos 1.100 óculos, comprados tanto no Brasil e no exterior, quanto doados por clientes e amigos. Alguns deles, inclusive, foram confeccionados


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