Rio metropole

Page 1

Revista

Os desafios e os rumos de gest達o das 19 cidades que integram a regi達o


Publicação sobre reflexões e debates do Seminário Rio Metrópole promovido pelo Governo do Rio de Janeiro em parceria Banco Mundial e o Governo da Espanha, entre os dias 16 a 18 de maio de 2011, na cidade do Rio de Janeiro. Coordenação Geral: Luiz Fernando de Souza Pezão Vice Governador

Organização: Secretaria de Estado de Obras Vicente Loureiro Subsecretário Paulo Costa Superintendente Affonso Accorsi Coordenador Secretaria de Estado da Casa Civil Viviane Leffingwell Assessora Banco Mundial Alessandra Campanaro Evangeline Kim Cuenco Ana Claudia Rossbach Jeroen Klink Produção Editorial: Publisher Brasil Edição: Renato Rovai Redação: Adriana Delorenzo Projeto Gráfico: Thiago Balbi Revisão: Denise Gomide

2


Revista Sumário 5 Editorial Ideias para pensar a metrópole 6 Desafios Perspectivas para uma nova metrópole 10 Entrevista Um legado definitivo para o Rio de Janeiro 14 Governança Um modelo institucional para regiões metropolitanas 20 Planejamento Como construir cidades contemporâneas 24 Gestão O século urbano 26 Mobilidade A complexa logística urbana 30 Mobilidade Transporte de massa e integração devem ser prioridades 33 Equidade no território Planejamento espacial para evitar desigualdades 37 Sustentabilidade Por uma agenda verde 3


Seminário Rio Metrópole Palestrantes: Anaclaudia Rossbach Antonio Rato Aspásia Camargo Austin Kilroy Bernardo Figueredo Flávio Villaça Henry Cherkezian Javier Aldecoa Jeroen Johannes Klink John D. Landis L. Nicolas Ronderos Luiz César Ribeiro Marcelo Lopes de Souza Madalena Franco Garcia Nadia Somekh Nina Rabha Paul Lecroart Paulo Fleury Paulo Pereira de Gusmão Raphael Chua Ricardo Duarte Pontual Robert Cevero Sérgio Conde Caldas Sérgio Magalhães Thereza Carvalho 4


Editorial

Ideias para pensar a metrópole

C

om o objetivo de discutir os rumos e as possibilidades de gestão da região metropolitana do Rio de Janeiro, realizou-se o Seminário Rio Metrópole, em 16, 17 e 18 de maio de 2011. O evento foi uma iniciativa do Governo do Rio de Janeiro, do Banco Mundial e de seu Instituto, e do governo da Espanha. Foram três dias de palestras no Palácio da Guanabara, onde urbanistas, pesquisadores, gestores públicos e políticos expuseram suas reflexões sobre a metrópole. Como transformar as cidades em lugares melhores para se viver foi a tônica dos debates. Os desafios são grandes, mas a iniciativa do governo do Rio em levantar a discussão mostra que chegou a hora de avançar. O momento é propício, pois grandes investimentos estão previstos para a região nos próximos anos. Pensar a metrópole é ir além dos limites entre um município e outro. É investir em ações a favor de toda a região. Com esse objetivo, o governo do Rio obteve um financiamento do Banco Mundial para a implantação de políticas de planejamento e gestão do território metropolitano. Tanto o seminário quanto esta publicação fazem parte deste esforço em desenvolver estratégias que promovam o desenvolvimento da região, com inclusão social e sustentabilidade. Esta revista foi elaborada com base nas falas apresentadas pelos palestrantes do Seminário Rio Metrópole. O objetivo era reunir aqui o conjunto de ideias trazidas por eles e, com base nelas, continuar o debate em direção à construção de uma verdadeira metrópole contemporânea. Esse é o futuro que esperamos para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

5


Desafios

Perspectivas para uma nova metrópole

P

rofundas mudanças acontecem no Rio de Janeiro, em especial na região metropolitana da capital carioca, impulsionadas por uma série de eventos importantes que serão realizados na cidade, considerada cartão-postal do Brasil. O Rio de Janeiro será sede da Copa das Confederações de 2013, da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Receberá representantes do mundo inteiro para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+20, já em 2012, de 4 a 6 de junho, e 6 mil atletas já participaram dos Jogos Mundiais Militares, conhecidos como Olimpíadas Militares, entre 16 e 24 de julho de 2011. Paralelamente aos grandes eventos, o Rio de Janeiro está recebendo uma enorme quantidade de investimentos públicos e privados. Grandes obras e projetos movimentam a paisagem carioca. Previsto para entrar em operação a partir de 2014, está em construção o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí, município da região metropolitana. A expectativa é que a unidade transforme o perfil socioeconômico da região. Cerca de 200 mil empregos diretos, indiretos e por “efeito-renda” deverão ser gerados, tanto durante a obra como após sua entrada em operação. Com o Pré-sal, o projeto inicial do complexo foi ampliado. A Petrobras pretende aplicar R$ 83 bilhões em exploração e produção de petróleo no estado do Rio de Janeiro. Outra grande obra próxima à capital fluminense é a ampliação do Porto de Itaguaí, que terá um aumento de 50% de sua capacidade. Inaugurado em 1982, com o nome de Sepetiba, o local já é considerado o “porto do futuro”. Com obras de dragagem, aprofundamento do canal e uma usina termelétrica, a expectativa é que ele seja o primeiro porto concentrador de cargas do Atlântico Sul, como são os de Roterdã, de Cingapura e de Hong Kong. Por conta 6

Investimentos na região metropolitana do Rio de Janeiro poderão alterar as estruturas sociais e econômicas, mas o principal será desenvolver políticas que garantam a sustentabilidade das obras em curso das obras, a região de Itaguaí, conhecida por Costa Verde, tem atraído indústrias pela facilidade portuária, como a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA). A região tem recebido investimentos públicos dos governos federal e estadual. A construção do Arco Metropolitano é um exemplo dessa parceria com a União. Segundo Vicente Loureiro, subsecretário de Projetos de Urbanismo Regional e Metropolitano da Secretaria de Estado de Obras do Rio de Janeiro, o Arco Metropolitano é emblemático para o ordenamento do território metropolitano. Tratase de uma rodovia de 145 quilômetros, que servirá de ligação com cinco estradas que cortam a região, indo de Itaboraí, onde há o complexo petroquímico, ao Porto de Itaguaí. A obra faz parte do PAC e sua finalização está prevista para 2012. O Porto Maravilha é outra obra de grande expectativa. O projeto de revitalização da área portuária do município do Rio de Janeiro pretende reurbanizar uma região que é central, atraindo a população para habitar o local. Isso diminuirá os problemas de mobilidade urbana, que afetam a capital e praticamente todas as grandes cidades do mundo. O Porto Maravilha é próximo a importantes corredores, como a Linha Vermelha, a Via Dutra e a ponte Rio-Niterói. A indústria naval é mais um setor com investimentos previstos. Serão cerca de 5 bilhões de reais nos próximos anos na região. Atualmente, o Rio de Janeiro é líder no setor naval, com 15 estaleiros e previsão de instalação de mais cinco. A maior parte

deles está localizada na região metropolitana, em especial em São Gonçalo e Niterói. A indústria naval carioca emprega em torno de 25 mil trabalhadores. Até 2020, a previsão é de crescimento, tendo como objetivos a produção de 53 sondas, 504 barcos de apoio e especiais, 84 plataformas de produção e 30 navios petroleiros. Além de todos os investimentos citados, vale lembrar que hotéis estão sendo construídos ou revitalizados, como o tradicional Hotel Glória, às margens da baía de mesmo nome. Sem contar a reforma no estádio do Maracanã, orçada em cerca de 1 bilhão de reais e que emprega em torno de 800 trabalhadores. Estudo realizado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que cada quilômetro quadrado do Rio de Janeiro receberá mais de 4 milhões de reais em investimentos. Outro estudo, da publicação Global Metro Monitor, da London School of Economics

Se por um lado essa nova fase é estimulante, por outro, impõe uma reflexão sobre como os investimentos poderão propiciar uma cidade melhor para se viver


e do Brooking Institution, destaca o Rio de Janeiro entre as dez metrópoles mais dinâmicas do mundo.

Políticas para a metrópole

Loureiro, a ideia é que o estado passe a atuar de forma mais organizada e sistêmica. “Em contrapartida, temos que cumprir algumas tarefas institucionais e devemos nos organizar para a realização dessas políticas na região”, afirma. Os recursos serão liberados em duas fases –, a primeira, já foi cumprida, com a organização do governo para a gestão dos recursos. O Seminário Rio Metrópole, realizado no período de 16 a 18 de maio de 2011, fez parte dessa fase. “Pela primeira vez reunimos setores dos governos estadual e locais, da academia, da sociedade, enfim, especialistas do Brasil e do exterior para discutir os rumos de gestão e as possibilidades da região metropolitana. Devemos tirar algumas versões e re-

Divulgação CDURP

A injeção de recursos concentrados na região metropolitana é enorme. Se por um lado essa nova fase é estimulante, com grandes obras e crescimento econômico, por outro, impõe uma reflexão sobre como os investimentos poderão propiciar uma cidade melhor para se viver. O cenário atual traz a necessidade de se pensar políticas que garantam a sustentabilidade e que a população seja beneficiada com as oportunidades que surgem. Com o objetivo de pensar políticas para a região metropolitana do Rio de

Janeiro, foi firmado um convênio entre o governo do estado e o Banco Mundial, onde serão investidos 485 milhões de dólares. “Trata-se de um programa de financiamento para políticas, e não somente para projetos”, explica Loureiro. O objetivo é dar suporte para o governo elaborar estratégias de planejamento e gestão territorial, tendo em vista o crescimento da região metropolitana do Rio de Janeiro. Deve rão ser formulados programas integrados, que privilegiem o desenvolvimento com inclusão social. Com as enchentes que atingiram a região serrana do estado, durante janeiro de 2011, as cidades daquela área passaram a integrar o programa, junto com as que compõem a metrópole. De acordo com

As obras do Porto Maravilha pretendem revitalizar uma área central da capital carioca 7


Agência Petrobras

ferências para os desafios que temos pela frente, no sentido do que fazer e qual é a melhor alternativa. Saímos desse seminário com um conjunto de informações, temos que as separar e construir um modelo, uma proposta de atuação.” A segunda parte virá após a realização de estudos em diversas áreas. “Isso irá ajudar na execução dessas políticas”, diz Loureiro. O valor total do investimento será dividido para saúde, água, saneamento, transporte, habitação, desenvolvimento urbano, gestão de desastres naturais e políticas ambientais, entre outras áreas. Boris Utria, coordenador-geral de Operações do Banco Mundial, reconhece o atual momento que o estado e a cidade do Rio estão atravessando. Ele considera esse processo muito importante e emblemático para a América Latina. “Há uma série de investimentos que vem para lançar muitas dinâmicas e oportunidades econômicas para a região”, diz, ressaltando o esforço do governo em tentar organizar um planejamento coerente. O Banco Mundial está muito satisfeito de poder ser um parceiro do Governo do Rio de Janeiro, assim como do Brasil”, destaca.

Melhorias na região

O vice-governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, ressalta a agilidade do empréstimo e a sua importância para que o governo consiga solucionar os problemas da região. “Não temos a utopia de que vamos conseguir resolver todos eles”, avalia. No entanto, considera que a realização do Seminário Rio Metrópole foi estratégica para pensar alternativas. “Espero que façamos nosso dever de casa para ampliarmos esses empréstimos e conseguirmos mais recursos para a região metropolitana.” Entre os principais problemas, o vicegovernador elege o transporte como um dos mais urgentes. Isso porque, explica, o Rio de Janeiro apresenta uma aglomeração populacional, tendo 75% da população vivendo em 20% do território. Os engarrafamentos são constantes na cidade. Segundo Pezão, tem sido feitos investimentos no transporte público considerando toda a região metropolitana, e não apenas a capital.

A Petrobras pretende aplicar R$ 83 bilhões em exploração e produção de petróleo no estado do RJ 8


Região metropolitana do Rio de Janeiro Municípios: 19 População: 11.838.752 (Censo IBGE/2010)

Área: 5 292,139 km2 PIB R$ 172,563 bilhões Cidades: Rio de Janeiro, Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica, Tanguá e Itaguaí (definidas pela Lei Complementar 133, de 15 de dezembro de 2009).

“Não adianta pensar o transporte do Rio sem considerar toda a Baixada Fluminense”, sustenta. Nesse sentido, foram investidos 300 milhões de reais no transporte de barcas Rio-Niterói, com a compra de embarcações novas mais confortáveis. Além disso, Pezão destaca investimentos, em conjunto com a prefeitura do Rio, em melhorias no metrô e nos BRTs – que vem do inglês “bus rapid transit” – e, na prática, são vias excluivas para ônibus. Estão previstos cinco corredores para os BRTs na capital fluminense: o PenhaBarra ou Transcarioca, que será estendido ao aeroporto internacional do Galeão; o Santa Cruz-Barra ou Transoeste, o Barra-Deodoro ou TransOlimpica; o da Avenida Brasil ou TransBrasil e o da Via Light. Até a Copa de 2014, está prevista a construção da Linha 3 do Metrô, que terá 23 quilômetros de extensão entre Niterói e São Gonçalo. Outra área que merece destaque, na opinião de Pezão, é a saúde. “Precisamos ter um investimento maciço, principalmente nos municípios da Baixada Fluminense”, afirma. Isso porque as frontei-

ras administrativas municipais passam a inexistir quando uma cidade apresenta problemas na prestação dos serviços. O vice governador ainda alerta que as especialidades médicas estão na capital, o que leva as pessoas a irem buscar tratamento na cidade. O grande desafio, na sua opinião, é que os investimentos motivados pelos grandes eventos como a Copa e as Olimpíadas, se revertam em benefício da população. Para que isso aconteça, acredita na necessidade de integração de todos os municípios da região metropolitana. E cita como exemplo de sucesso de soluções integradas a implantação do Bilhete Único Metropolitano. Com a medida, milhões de passageiros podem usar o cartão para viagens intermunicipais. “Foi uma política acertada, pois garantiu empregabilidade na região”, diz. Com o bilhete integrado eliminou-se os altos custos de transporte. Para reforçar essas ações integradas que garantem soluções para a população de toda a região, Pezão defende a existência de uma agência metropolitana forte dentro do estado do Rio de Janeiro.

O Porto de Itaguaí já é considerado o “porto do futuro”; ele deverá ser o primeiro porto concentrador de cargas do Atlântico Sul

9


Entrevista

Um legado definitivo para o Rio de Janeiro Sérgio Cabral fala sobre as ações do governo em benefício da população da região metropolitana

E

m entrevista à revista Rio Metrópole, o governador do Estado do Rio de Janeiro destaca as ações que têm sido implementadas em diversas áreas. Eleito governador em 2006 e reeleito, no primeiro turno, em 2010, seu governo tem importantes programas, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e o PAC das Comunidades. Com os grandes eventos, investimentos e projetos previstos para os próximos anos, seu objetivo é deixar um legado definitivo para as próximas gerações.

Rio Metrópole – A região metropolitana do Rio de Janeiro vive um período de transformações, por conta de grandes investimentos e eventos. Como o governo do estado está atuando para que essas mudanças deixem um legado positivo para a população? Sérgio Cabral – Realmente, o Rio de Janeiro vive um momen-

to único em sua história, se consolidando cada vez mais como um dos principais polos de desenvolvimento do Brasil. O Rio é a metrópole do mundo com o mais importante calendário de grandes eventos desta década. E todos esses eventos representam uma oportunidade extraordinária de deixar um legado definitivo para as próximas gerações. Para se ter uma ideia, vamos investir, com recursos próprios, cerca de R$ 15 bilhões nos próximos anos para fazer as Olimpíadas. São investimentos que estão no Caderno Olímpico. Na área ambiental, o saneamento básico será o grande foco. Nossa meta é ampliar, nos próximos quatro anos, a coleta e o tratamento de esgoto na região metropolitana do Rio, de 30% para 60%. Também vamos, até 2016, erradicar todos os lixões e implantar aterros sanitários em todo o estado. Continuaremos com a urbanização das áreas carentes, com a sequência do PAC das Comunidades. Na área da Segurança Pública, o nosso compromisso é que não haja, até 2014, nenhuma comunidade dominada pela criminalidade. Vamos melhorar o transporte público, revitalizar áreas degradadas da cidade e criar um grande ciclo de desenvolvimento com segurança. Ainda temos um longo caminho, mas não tenho dúvida de que estamos no rumo certo.

Ascom Riotur

10


Sérgio Cabral – O nosso governo tem investido em diversas frentes na área do transporte de massa com o objetivo exclusivo de melhorar a mobilidade da população. Um acordo com a concessionária Metrô Rio garantiu 19 novos trens para o sistema, que terá um aumento de 63% em sua frota, atendendo à crescente demanda dos passageiros. O usuário contará também com o conforto de um sistema de ar-condicionado 33% mais potente do que o atual. A criação da Linha 4, que ligará Ipanema à Barra da Tijuca, também será muito importante para dinamizar o deslocamento da população e reorganizar o trânsito na cidade. Em breve, faremos a licitação para a Linha 3, que ligará Niterói a Itaboraí, passando por São Gonçalo. Há ainda a Estação Uruguai, na Tijuca, que já está em construção e será a 36ª estação do sistema. Ela atenderá, inicialmente, 20 mil pessoas por dia. Já no sistema rodoviário, o corredor expresso Transoeste ligará a Barra a Campo Grande, tendo integração direta com o metrô. A previsão é de que seja inaugurado em dezembro de 2015. Também vamos investir R$ 300 milhões na compra de 11 novas barcas, além de reformar as que já estão em operação. E, junto com a SuperVia, investiremos mais de R$ 2 bilhões nos próximos anos, para modernizar todo o sistema ferroviário, incluindo a reforma de todas as estações. São 89 estações, que atendem 11 municípios e 550 mil pessoas por dia. Nossa meta é duplicar a capacidade de transporte da rede até os Jogos de 2016. Há, ainda, os quatro corredores expressos para ônibus, os BRTs, projeto da prefeitura do Rio que dará outra mobilidade ao trânsito. Ou seja, nós já trabalhamos com diversas políticas para garantir a eficiência dos sistemas de transporte, deixando-os cada vez melhores para atender à nossa população.

Salvador Scofano / rj.gov

Rio Metrópole – Um dos principais problemas das grandes cidades é a mobilidade. Quais políticas de transporte estão sendo pensadas para a região metropolitana?

Rio Metrópole – Quais são as principais iniciativas do governo do estado em benefício da região metropolitana?

Sérgio Cabral – Todas as nossas secretarias trabalham com diversos programas voltados para atender e melhorar a qualidade de vida da população do nosso estado. Nós demos um grande passo com relação à questão da mobilidade, que aqui, no estado, sempre custou muito ao usuário. Para atender a essa demanda criamos o Bilhete Único (BU) Intermunicipal, que permite que Rio Metrópole – A gestão da metrópole foi um dos que o cidadão, que mora em qualquer uma das 20 cidades da principais temas debatidos no Seminário Rio Metróregião metropolitana não pole, realizado em conseja penalizado com o custo junto pelo Governo do do transporte, o que sempre Rio de Janeiro, Banco foi um entrave para a emMundial e governo da “Nossa meta é ampliar, nos pregabilidade. Lançado no Espanha. Qual seria o próximos quatro anos, a coleta e ano passado, o BU continua papel do estado nessa custando ao usuário apenas nova organização meo tratamento de esgoto na região R$ 4,40, mesmo tendo hatropolitana? metropolitana do Rio, de 30% vido reajuste das passagens, para usar dois modais de Sérgio Cabral – O semipara 60%, e, até 2016, erradicar nário foi estratégico para o transporte, sendo um deles todos os lixões” governo. Durante três dias, intermunicipal. O estado foram debatidos assuntos liinvestiu R$ 218 milhões em gados à urbanização, merca2010 para subsidiar o BU, e do imobiliário, transportes, este ano o investimento será desenvolvimento sustentável, prevenção de acidentes, entre de R$ 275 milhões. Com isso, damos mobilidade e ajudamos tantas outras questões fundamentais para o nosso desenvolvias pessoas a arranjarem ou manterem o emprego, porque acaba mento. Temos que fazer desses grandes eventos que o Rio vai o problema, para o trabalhador e para quem contrata, do alto sediar uma maneira de criar benefícios para a população. Isso custo com o transporte para os que moram longe do trabalho. O nos serve de aprendizado, como uma diretriz, para continuarnível de desemprego na região metropolitana bateu recorde em mos seguindo no caminho certo. novembro do ano passado e é o menor do Brasil, inferior a 5%. 11


Outro importante investimento para a população foi a criação de desenvolvimento econômico da região, a cidade de Itabodo Programa Renda Melhor, parte do Plano de Erradicação raí já tem oito pedidos de licenças para a construção de hotéis. da Pobreza Extrema no Rio de Janeiro. Junto com o objetiOutra iniciativa fundamental é o Arco Rodoviário Metropolitavo de nos alinharmos ao desafio nacional pela superação da no, já em obras, que vai cruzar toda a região metropolitana nas pobreza extrema, o nosso “costas” do Rio, ligando Itaobjetivo é formar jovens guaí, Seropédica, Queimados, empreendedores e melhoNova Iguaçu, Caxias, Magé, rar as condições de emGuapimirin e Itaboraí para “O Arco Rodoviário Metropolitano, prego e renda por meio de o escoamento da produção. cursos profissionalizantes. Será uma nova fronteira de já em obras, que vai cruzar A nossa Secretaria de Asdesenvolvimento do estado toda a região metropolitana nas sistência Social e Direitos na região metropolitana. In‘costas’ do Rio, será uma nova Humanos tem um convêvestimentos como esses vão nio com o Senac que ofegerar uma forte demanda de fronteira de desenvolvimento do rece atualmente 18 cursos empregos, já que as empresas estado na região” profissionalizantes, além de precisarão de mão de obra uma parceria com a Firjan especializada. A nossa Secree a Fecomércio para capacitaria de Trabalho e Renda, tação e inclusão produtiva. em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego, Rio Metrópole – A oferta de emprego hoje é concentrairá promover, neste e no próximo ano, diversos cursos de qualifida na capital do Rio de Janeiro, obrigando as pessoas cação profissional para os moradores dessas cidades beneficiadas. a se deslocarem de outros municípios para trabalharem na capital. Como promover o desenvolvimento econômico de forma mais equânime entre o território da região metropolitana? Sérgio Cabral – Graças à parceria do nosso governo com

o governo federal, grandes empreendimentos estão sendo feitos na região metropolitana do Rio. Um exemplo é o Comperj, Complexo Petroquímico da Petrobras em Itaboraí, uma base muito sólida para investimentos de pequeno, médio e grande porte, desde cabeleireiros, restaurantes, cinemas, até indústrias petroquímicas. O complexo beneficiará 16 municípios do seu entorno. Para dar uma dimensão das possibilidades

Rio Metrópole – O Rio de Janeiro terá grandes investimentos em petróleo, um combustível fóssil e não renovável. Quais ações de sustentabilidade estão sendo pensadas para que a metrópole do futuro tenha também uma “agenda verde”? Sérgio Cabral – A nossa Secretaria do Ambiente tem várias ações para criar e consolidar uma agenda verde que atenda satisfatoriamente à população e ao estado nesta questão da sustentabilidade, que é um tema mundialmente debatido hoje. Entre elas, o incentivo ao estabelecimento de indústrias verdes no estado. O primeiro caso a ser desenvolvido é na produção de equipamentos

Ascom Riotur

12


Carlos Magno / rj.gov

para a geração de energia renovável. Outra meta nossa é desenvolSérgio Cabral – Entre as ações em curso no Rio de Janeiro, ver um polo de inovação tecnológica com foco em sustentabilidade destaco a implantação do ICMS Verde, com o objetivo de ine baixo carbono, envolvendo instituições de pesquisa, setor procentivar as prefeituras a investir na preservação ambiental. Em dutivo e instituições governamentais. Temos também programas troca, os municípios recebem recursos financeiros extras, por extraordinários nessa área, que são o uso do asfalto borracha nas meio de uma maior participação na divisão do bolo do ICMS nossas rodovias e das lâmpadas de alta eficiência, entre uma série Verde. Outra iniciativa do nosso governo é o Zoneamento Ecode outros estudos. O nosso governo tem investido maciçamente nômico Ecológico, por meio do qual vamos incentivar ou taxar ainda em estudos e tecnologias para adaptar a frota de ônibus no determinados setores em relação às diferentes regiões do estado, estado a um sistema ecologicamente adequado até 2016. Criamos procurando dar condições diferenciadas às áreas em função do o Programa Rio Transporte Sustentável, responsável pelo lançaseu desempenho ambiental. O ZEE é um instrumento estratégimento de diferentes combustíveis verdes. co de planejamento regional e de gestão territorial, envolvendo Quero lembrar, ainda, que a estudos sobre o meio ameconomia verde será um dos biente, os recursos naturais temas centrais da Rio+20, e as relações entre a sociedaa Conferência das Nações de e a natureza. Esses estu“O ZEE é um instrumento estratégico Unidas sobre Desenvolvidos servem como subsídio mento Sustentável, que será para negociações democráde planejamento regional e de realizada aqui no Rio, no ano ticas entre os órgãos govergestão territorial, envolvendo que vem. Além de reafirmar namentais, o setor privado estudos sobre meio ambiente, os compromissos assumidos e a sociedade civil sobre um na Conferência sobre Meio conjunto de políticas públirecursos naturais e relações entre Ambiente e Desenvolvimencas voltadas para o desena sociedade e a natureza” to (Rio 92), a Conferência volvimento sustentável. também tem o objetivo de Temos ações também para o realizar um balanço da questransporte público, no sentão ambiental nos últimos tido de estabelecer metas 20 anos. Os dois principais de redução de emissões de temas a serem focados no evento são Economia Verde e a Govergases do efeito estufa. A Secretaria do Ambiente está avaliando nança Internacional para o Desenvolvimento Sustentável. com os municípios qual seria a melhor tecnologia: ônibus elétrico, a gás, a etanol ou ainda veículos que se locomovem tanto Rio Metrópole – Como conciliar a expansão imobiliária com diesel como com gás. Todas essas medidas demonstram o com o planejamento de ocupação e uso do solo? Quais nosso pensamento, a nossa política de preservação ambiental e instrumentos poderiam ser utilizados? visam ao desenvolvimento sustentável do nosso estado. 13


Governança

Um modelo institucional para regiões metropolitanas Experiências baseadas na gestão compartilhada entre municípios, estado e União, com participação ativa da sociedade, têm sido apontadas como boas soluções

D

14

ser usufruídos por moradores que habitam outras áreas e assim por diante. As fronteiras tornam-se invisíveis, e os problemas, comuns. Assim, as decisões administrativas que considerarem o conjunto de municípios podem ser mais eficazes. No entanto, essas novas tentativas de organização das cidades têm esbarrado em questionamentos sobre a autonomia e as competências federal, estadual e municipal. “A partir do momento que não há mais correspondência entre cidade e município, não há mais correspondência de governo”, afirma Flávio Villaça, professor de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). “Para esse problema de governo tem se buscado várias soluções, entre elas, a criação de um quarto nível de poder, que seria uma espécie de governo metropolitano”, observa o professor. No entanto, essas novas formas de organização no País têm provocado repercussões profundas em termos jurídicos. Segundo Villaça, esse novo nível extinguiria as prefeituras e câmaras muProposta do ministro Gilmar Mendes prevê a gestão compartilhada na região metropolitana

Ausência de jurisprudência A falta de um modelo institucional fez com que a questão chegasse ao Supremo Tribunal Federal, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). O estado do Rio de Janeiro publicou a lei complementar 87/1997 sobre a composição, organização e gestão da região metropolitana e da microrregião dos Lagos, definindo funções públicas e serviços de interesse comum, e também a lei complementar 2869/1997, especificamente sobre saneamento básico. De acordo com as leis, o saneamento básico era um dos serviços de interesse comum metropolitanos, e caberia ao estado a competência para estabelecer, através da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro – Asep/ RJ, normas gerais sobre sua execução, cumprimento e controle. O saneamento básico deveria ser regulado pela agência.

Renato Araujo / ABr

esde a década de 1980, muitas cidades brasileiras vêm crescendo e passando por processos de conurbação, o que, em geral, faz surgir uma região metropolitana. A Constituição Federal, promulgada em 1988, procurou estar antenada com a, então, nova realidade. Ela buscava implementar uma política urbana em nível federal e, ao mesmo tempo, ampliou a competência local. O Artigo 25 traz, em seu parágrafo 3º, a possibilidade de os estados instituírem regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, “constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”. Atualmente, o Brasil conta, oficialmente, com 35 regiões metropolitanas. Nove foram instituídas por leis federais, antes da Carta Magna, e o restante por lei complementar estadual, conforme a Constituição. Se, antes, cada município correspondia a uma cidade, com sua respectiva prefeitura e câmara municipal, hoje, as metrópoles cresceram. Os limites entre um município e outro, muitas vezes, só são percebidos administrativamente. O emprego gerado por um empreendimento em uma cidade impacta a vizinha, assim como serviços públicos prestados em um local podem

nicipais. “Como seriam redistribuídos os impostos?”, questiona. Uma solução desse tipo poderia criar conflitos políticos e administrativos significativos. Por isso, as experiências mais bem-sucedidas têm sido fruto de um consenso entre todos os entes federativos: municípios, estados e União. “Cada vez mais as áreas se reúnem, sem institucionalidade alguma, mas com objetivos pragmáticos comuns”, diz Aspásia Camargo, deputada estadual e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Entre os exemplos de organização, ela cita o consórcio dos municípios da região do ABC, em São Paulo, e outras iniciativas no estado do Rio, na região dos Lagos e no sul Fluminense. “Atacar o problema da institucionalidade da região metropolitana é algo que nós não podemos mais esperar”, afirma.


A Adin questiona a titularidade do serviço de saneamento, o que mostra a complexidade da discussão metropolitana. O assunto gerou polêmica, votos controversos, pedido de vista, e até hoje não se chegou a uma solução se a titularidade do serviço de saneamento será do agrupamento de municípios, ou seja, intermunicipal, ou de um órgão, estadual e municipal. “Esse tema tem ensejado, no STF, uma controvérsia intensa, já a partir do voto do relator [Maurício Correia, hoje aposentado] e de ministros que participaram do julgamento e já não mais lá estão”, afirma o ministro Gilmar Mendes. Segundo ele, Nelson Jobim (também aposentado do STF) e Maurício Correia apresentaram pensamentos contrários sobre o papel do estado membro na organização de serviços, como o de saneamento. Houve ainda um terceiro voto, de Joaquim Barbosa, que defendeu a preservação da autonomia política dos municípios integrantes da região metropolitana. Barbosa dizia que a titularidade do exercício das funções públicas de interesse comum, passaria para a nova entidade pública

territorial-administrativa, de caráter intergovernamental, que nasce em consequência da criação da região metropolitana. “Não havia uma jurisprudência segura sobre a questão à luz da Constituição de 88. Embora o tema da região metropolitana não seja novo, agora, com as novas perspectivas da federação, do ideário da autonomia dos municípios e a perspectiva de uma região metropolitana regulada por lei complementar estadual, nós temos um outro quadro”, afirma Gilmar Mendes. Ele ainda destaca a complexa realidade de integração e conurbação entre os municípios limítrofes. No caso do saneamento, diz, há a dificuldade de se fazer a precisa separação entre as etapas do serviço. “Às vezes a água é apanhada em um local, tratada em outro e distribuída em vários, assim como o esgotamento sanitário. O exercício da chamada competência comum não é apenas um desejo, tendo em vista que uma conveniência, muitas vezes, é uma imposição econômica dos próprios fatos, da própria realidade”, explica. Para Aspásia, a raiz da questão está no modelo de federalismo brasileiro, que foi

inovador ao municipalizar o conceito de federação, porém, não há uma jurisprudência internacional. “As iniciativas de institucionalização jurídica são todas as primeiras a surgir”, diz. Em sua opinião, o problema mais grave, hoje, é que o estado é o ente federativo mais frágil, sem uma função claramente definida. Diferente do Brasil, os EUA, por exemplo, são “estadualistas”. Lá, segundo John Landis, professor da Universidade de Pennsylvania, a organização metropolitana ocorre por um conjunto de mecanismos de coordenação entre a União, estados, municípios e instituições locais. Embora cada estado tenha o seu modelo de gestão metropolitana, poucos implantaram uma autoridade metropolitana que funcionasse como um quarto nível de poder.

Gestão compartilhada

A alternativa apontada pelo ministro Gilmar Mendes, diante da ação que chegou ao STF, é implementar um novo modelo de planejamento e execução da função de interesse comum no âmbito

A expansão do tecido urbano da metrópole ampliou a densidade populacional fora do centro da capital carioca, tornando a mobilidade um problema complexo

15


das regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerados urbanos. Esse modelo, em sua opinião, deve acolher a participação dos municípios integrantes, sem que haja concentração de poder decisório nas mãos de qualquer ente. Nesses casos, o poder concedente dos serviços de saneamento básico não permanece fracionado entre os municípios nem é transferido para o estado federado. Mas deve ser dirigido por uma estrutura colegiada, instituída por meio de lei complementar estadual que cria o agrupamento de comunidades locais, de modo que a vontade de um único ente não seja imposta a todos os demais entes políticos participantes”, informa. Mendes também defende a instituição de agências reguladoras: “É uma forma eficiente para estabelecer o padrão técnico na prestação e concessão coletivas do serviço de saneamento.” Aspásia também defende a existência de agências metropolitanas, mas com recursos. Para ela, os problemas das metrópoles não são apenas políticos, mas, sobretudo, econômicos. “Quando os recursos aparecem, os municípios se consorciam, se juntam, fazem planejamento comum”, destaca. A região metropolitana de Paris conta com uma Agência de Desenvolvimento e Planejamento Urbano (IAU). A criação de um órgão para a região se deu em 1960, na forma de um instituto, com o objetivo de pensar políticas para o desenvolvimento urbano da região. Só recentemente se tornou uma agência. Segundo Paul Lecroart, planejador da IAU, em 1992, a região já dispunha de um plano diretor intermunicipal. Outra questão apontada pela deputada Aspásia Camargo é sobre o papel do governo federal. Para ela, a União deve ser uma interlocutora nos processos de pactuação da governança metropolitana. “É o governo federal que tem o recurso, que tem o FGTS, o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica”, ressalta. “Ele deve intervir em regiões problemáticas, carentes, e as regiões metropolitanas são, em geral, as mais carentes do Brasil.” Novamente, Aspásia ressalta a fragilidade dos estados brasileiros, que em geral enfrentam a concorrência do prefeito da capital e a pressão de um número expressivo de prefeitos da periferia. Com um déficit social enorme, os estados não conseguem atender às demandas das periferias, apenas com os recursos que controlam. 16

É de forma compartilhada que a região metropolitana de Belo Horizonte tem se organizado. “Os novos modelos de planejamento urbano pressupõem uma gestão compartilhada e, normalmente, tem a presença da sociedade civil nos seus conselhos deliberativos”, diz Maria Madalena Franco Garcia, secretária municipal de gestão compartilhada da Prefeitura de Belo Horizonte. Ela participou de todo o processo que buscou um novo ordenamento institucional na região.

A experiência mineira

O modelo institucional da metrópole de Belo Horizonte foi implementado a partir de 2007, e foi consolidado ao final de 2010. Segundo Madalena, o processo teve início em um seminário legislativo, em 2004, quando houve um grande debate sobre as possibilidades de gestão, com participação da sociedade civil. A partir

daí, começou a ser discutido um Projeto de Lei que acabou sendo concluído por meio das Leis Complementares 88, 89 e 90 de 2006. No ano seguinte, o Governo do Estado de Minas Gerais criou uma Subsecretaria de Desenvolvimento Metropolitano para implementar esse novo arranjo institucional de gestão e a retomada do planejamento. “Havia um vácuo de 20 anos, pois desde a extinção do Plambel [autarquia estadual responsável pelo planejamento da RMBH, durante as décadas de 1970 e 1980] que não se falava mais em planejamento metropolitano”, afirma. O novo arranjo é composto por uma Assembleia Metropolitana, formada pelos prefeitos dos 34 municípios da região, os presidentes das câmaras municipais, o Executivo e o Legislativo estadual. Ao todo, são 74 membros, que são responsáveis pela definição de macrodiretrizes para a região. “O principal problema é

Ampliação do saneamento na Região dos Lagos: debate sobre titularidade do serviço chegou ao STF


conseguir reunir pelo menos 75% desses membros para aprovar alguma deliberação”, destaca. Nesse ponto, uma das dificuldades é convencer políticos sobre a necessidade de enxergar além de seu território, de sua base eleitoral. Há também o Conselho Deliberativo, formado por representantes do Executivo e Legislativo Estadual, dois membros da sociedade civil, dois da Prefeitura de BH, de Contagem e de Betim, da capital e dos dois maiores municípios da região, respectivamente, e três das demais cidades. Ao todo, são 16 membros titulares e 16 suplentes. Outro instrumento é a Agência Metropolitana, que é um órgão consultivo e técnico de apoio ao Conselho e à Assembleia. Ainda foram criadas duas ferramentas: o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano, que tem 50% de recursos do governo do estado e 50% da soma dos 34 municípios, e um Plano Diretor

de Desenvolvimento Integrado na Região Metropolitana.

Pontos-chave da RMBH

Divulgação

A implantação do modelo da região metropolitana de BH contou com a participação da sociedade civil. Uma das primeiras ações foi a realização de uma conferência metropolitana, em que foram eleitos os membros da sociedade civil para compor o Conselho Deliberativo. Segundo Madalena, “a partir da primeira conferência, surgiram alguns movimentos em prol da região metropolitana, e um deles foi o colegiado formado basicamente por entidades da sociedade civil que queriam contribuir com seu planejamento e desenvolvimento”, relata. “Após a conferência, eles passaram a se reunir e, até hoje, se reúnem mensalmente, ou a cada dois meses, para discutir as questões relativas à região metropolitana e propor ações e projetos. Foram grandes contribuintes na formulação do termo de referência que contratou o Plano Diretor Metropolitano e, depois, no acompanhamento e desenvolvimento do plano.” Madalena conta que, em 2008, foi iniciado um trabalho com todas as prefeituras da região, para que colocassem em seu orçamento recursos para o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano. Isso garantiu que, em 2009, já houvesse recursos no Fundo. Assim, foi possível a contratação do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado em julho daquele ano. Em dezembro de 2010, o plano foi concluído. O documento foi realizado pelo Centro de Desenvolvimento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais. De acordo com Madalena, houve um envolvimento muito intenso da universidade, com grande processo participativo, o que é uma certa garantia de que o plano sairá do papel. “A sociedade civil passou a cobrar do governo do estado a implementação do plano”, destaca. O processo participativo envolveu reuniões nos municípios para identificar quais eram os problemas existentes. Em seguida, foram organizados seminários, onde num primeiro momento foram debatidos quais eram os problemas comuns entre eles e, depois, propostas para cada área. A participação pode ser um importante elemento para fazer com que os planos diretores sejam efetivamente colocados em prática, o que, para o professor Flávio Villaça, é difícil de ocorrer. Para, ele se os

Novo arranjo institucional da região de Belo Horizonte conta com apoio da sociedade civil, que se reúne periodicamente para debater o planejamento da metrópole

planos municipais já enfrentam dificuldades, o metropolitano seria ainda mais complicado de sair do papel. O Plano Diretor do município, de acordo com o professor, envolve dois aspectos: uso do solo e obras. Porém, não há nenhuma lei no Brasil que obrigue prefeitos ou governadores a executarem as obras propostas. Já o uso do solo, chamado de zoneamento, é definido em lei como de peculiar interesse do município. São essas contradições que o professor apresenta como entraves à implantação. Ele defende uma lei de uso e controle do solo estadual, para que se possa definir o peculiar interesse metropolitano. Mas enquanto isso não é realidade, Villaça acredita que os planos, por serem facultativos, são apenas um conjunto de objetivos ou de boas intenções. “Se na parte de obras ele não tem valor nenhum e se na parte do uso do solo é essa incógnita, o que sobra?”, indaga. Para ele, o plano diretor faz parte de uma “tradição do planejamento urbano brasileiro”, que não tem operacionalização. Apesar disso, várias iniciativas têm surgido, visando ao planejamento urbano das metrópoles, como a do estado de Minas Gerais. Também não faltam experiências internacionais. A região metropolitana de Nova Iorque contou com seu primeiro plano regional em 1929, elaborado por uma associação [Regional Plan Association – RPA], que reúne setor empresarial, poder público, universidades e sociedade civil. Desde então, mais dois planos já foram elaborados. Nicolas Ronderos, diretor da RPA, chama a atenção para a participação pública ativa, não só para colocar as metas e objetivos em prática, mas também para fortalecer a estrutura legal e política criada com base nas relações entre municípios, estado e União. 17


Ascom Riotur

Cidadãos metropolitanos

Segundo Madalena, um dos pressupostos do Plano Diretor era a construção de uma cidadania metropolitana. Em sua concepção, o cidadão metropolitano é aquele que mora num município, trabalha e passeia em outros, ou seja, ele transita na região em diversos municípios sem perceber. O modelo implantado na RMBH ainda contou com outros objetivos: a construção de uma solidariedade metropolitana, a ampliação da inclusão social e econômica, o fortalecimento da justiça social e ambiental, a redução da desigualdade e da pobreza e o reconhecimento e a valorização da diversidade socioambiental. A ideia, diz Madalena, é buscar um novo papel regional e nacional para a região, com maior integração no seu entorno e novos nichos de desenvolvimento econômico e social. Um dos desafios, assim como em outras regiões metropolitanas do País, é diminuir as disparidades de receitas e renda. Isso implica criar novas centralidades. No entanto, a estratégia utilizada é uma descentralização concentrada no território metropolitano. “A ideia é conter a expansão da mancha urbana, que vem trazendo cada vez mais problemas em relação à mobilidade; é condensar esse território, criando diversas centralidades dentro dele”, explica. A concentração do território também é defendida por Sérgio Magalhães, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele acredita que é melhor conter a expansão das cidades e qualificar o tecido urbano. “Nós não temos mais exigências de ordem demográfica que justifiquem a expansão das cidades. Ao contrário, temos como exigência a qualificação do tecido urbano para que

18

a cidade possa responder pela equidade necessária e democratização social.” Segundo Magalhães, em geral enfatiza-se os aspectos resultantes dos investimentos públicos porque eles são determinantes no desenvolvimento das cidades, mas é preciso lembrar que a falta de investimentos, a ausência de recursos para a cidade existente, também exerce um papel importante na manutenção, na conservação e na decadência de regiões importantes. Desde o início do processo por que passa a RMBH até hoje, Madalena avalia que é possível apontar muitos aspectos positivos, entre eles: surgiu uma frente de cidadania metropolitana, que vem se reunindo, se articulando e se fortalecendo cada vez mais; fortaleceu-se uma frente de vereadores; foram formadas subregiões; cresceu o envolvimento da sociedade civil no planejamento e no estímulo à universidade no desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre a temática metropolitana. A partir do Plano Integrado, Madalena ressalta que a prefeitura de BH criou uma nova Secretaria, de Gestão Compartilhada. O objetivo da Secretaria é ampliar ainda mais o processo participativo. Em 2011, foi criada também uma Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Metropolitano.

metropolitana sem envolver o governo federal, que tem que se comprometer com a questão de investimento”. Para ela, uma instância que poderia ser utilizada para levar a discussão ao governo federal é o Fórum Nacional de Entidades Metropolitanas (Fnem), uma associação de entidades e órgãos públicos estaduais, responsáveis pelo trato de assuntos relacionados às regiões metropolitanas brasileiras. “É preciso levar ao governo federal a discussão de integração das políticas públicas no território metropolitano. O governo federal tem uma política voltada para o município, e esquece que os municípios de regiões metropolitanas têm características diferentes, porque não dá para saber onde começa e onde termina o município.” Os novos modelos para o País, segundo a secretária, devem manter a autonomia municipal, onde os poderes municipais, estadual e sociedade civil atuem em cogestão na formulação dos planos e projetos. “Aquele modelo centralizador, em que o estado define as regras, define os planos e depois quer empurrar para que os municípios cumpram, não vai funcionar mais. O grande princípio hoje é que tem que ter entendimento político, sem prevalência de uma ou de outra instância.”

Modelos nacionais

Não existe um modelo único para as regiões metropolitanas”, afirma Madalena. É preciso considerar as características regionais. Apesar disso, há algumas diretrizes que podem ser seguidas. Algumas delas são buscar arranjos que permitam gestões pactuadas e compartilhadas, ações continuadas, a elaboração de plano diretor e agenda para a “cidade metropolitana” e a busca de fontes de financiamento. Madalena, assim como Aspásia, ressalta que “não dá para pensar em região

Não existe um modelo único para as regiões metropolitanas, mas algumas diretrizes podem ser seguidas, como a gestão compartilhada entre os municípios, fruto de um entendimento político


Uma gestão metropolitana pode trazer vários benefícios aos municípios da região, já que a grande busca é um desenvolvimento socioeconômico mais equilibrado e sustentável. Uma das pos-

síveis ferramentas é criar políticas compensatórias para aqueles municípios que recebem o que é considerado indesejado, mas necessário, como aterros sanitários, presídios e estações de tratamento

de esgoto. Outro ponto importante é estabelecer um planejamento de médio e de longo prazo, garantindo autonomia, com interdependência e sustentabilidade financeira, política e administrativa.

Para urbanista, planos do Rio de Janeiro permitiram expansão precária

Luiza Reis / rj.gov

C

oncentrar e qualificar o tecido urbano, para Sérgio Magalhães, professor da UFRJ, são os caminhos para proporcionar cidades mais democráticas. “É preciso associar o núcleo ao conjunto metropolitano”, afirma. No Rio de Janeiro, segundo o professor, o processo ocorreu de modo inverso. Em 1870, a densidade populacional era de 10 mil pessoas por km2 e, em 1960, de 16 mil por km2. Já em 1996, a densidade caiu para cerca de 6 mil habitantes por km2. Os números mostram que ao invés de concentrar a população, ela se espalhou pelo tecido urbano. De acordo com Magalhães, quando o Rio de janeiro deixou de ser a capital do país, em 1960, o governo contratou o arquiteto Constantino Doxiadis para que elaborasse um plano: Rio Ano 2000. Na ocasião, foi proposta a expansão da ocupação da cidade de 300 km2 para 8 mil km2. Doxiadis propunha também a desconstrução da centralidade metropolitana e a construção de inúmeros novos centros distribuídos pelo território. “Era um plano de acordo com o ideário modernista, que era hegemônico naquele momento”, explica Magalhães. “Diria que foi uma construção ideológica, que ajudou a expansão exagerada do tecido urbano e é responsável, em muitos pontos de vista, pela crise de violência que a cidade experimentou e experimenta até hoje”, completa. O plano motivou a remoção de muitas favelas do centro e da zona sul do Rio de Janeiro em direção a oeste da região metropolitana. Conforme o professor, houve a transferência de milhares de famílias a distâncias nunca antes imagináveis. Daí surgiram reassentamentos compulsórios bem distantes do centro da capital carioca: Cidade de Deus, a 38 km do centro, Villa Kennedy, a 42 km e Antares, a 68 km. “Antares ainda hoje é o lugar mais pobre do município”, observa.

A expansão precária do tecido urbano, como o bairro Cidade de Deus, a 38 quilometros do centro do Rio, é apontada como uma das causas da violência; ao lado Unidade de Polícia Pacificadora, uma das iniciativas para resolver o problema

Pouco tempo depois, outro plano, dessa vez do urbanista Lúcio Costa, propunha deslocar o centro metropolitano do Rio de Janeiro para a Barra da Tijuca. Com a proposta, recursos públicos começaram a se direcionar entusiasticamente para a região. Segundo Magalhães, a sequência de planos fez com que no final do século XX a densidade populacional fosse inferior a de 130 anos atrás. Isso implica a necessidade de mais recursos para investir em infraestrutura num território ampliado. A consequência foi a perda de qualidade no tecido urbano, já que a expansão se deu de forma precária. Hoje, o professor nota que surgiram novas centralidades do centro para a região sul (Copacabana, Ipanema e Leblon), o que também aconteceu em

São Paulo, cuja centralidade passou da região central, para a Avenida Paulista, depois Ibirapuera e agora na região da Avenida Berrini. No entanto, se comparadas a Paris e Nova Iorque nenhuma das cidades permitiram a desconcentração. “Elas reforçam a sua centralidade ao invés de dispersá-la.” Para o professor, no atual momento que vive a região metropolitana do Rio de Janeiro, com grandes investimentos, é uma oportunidade para inverter essa direção, associando o centro do conjunto da região. A melhor maneira para isso, diz Magalhães, é a associação mobilidade-moradia, investindo em transporte sobre trilhos. “Só o transporte sobre trilhos tem condições de oferecer qualidade em grandes metrópoles”, finaliza. 19


Planejamento

Como construir cidades contemporâneas Intervenções pontuais e elaboração de plano diretor regional são instrumentos positivos para o futuro sustentável das metrópoles brasileiras

A

cidade mudou, está em transformação. E agora é preciso encontrar um novo modelo que consiga atender às necessidades atuais, que leve em consideração as questões ambientais e garantam igualdade de oportunidades para seus habitantes e as gerações futuras. “Antes de falar da metrópole contemporânea é preciso entender que a sociedade se transforma rapidamente e a cidade também”, explica Nádia Somekh, urbanista e professora da Universidade Mackenzie. Para compreender as cidades e, consequentemente, as metrópoles contemporâneas, Nádia aponta alguns conceitos. Sua tese é de que é preciso saber o que está efetivamente acontecendo com o mundo, para poder agir. Sem reflexão, diz ela, não há como avançar. Hoje, urbanistas e gestores públicos têm que projetar espaços levando em conta problemas recentes, como as mudanças climáticas. Nádia afirma que atualmente vive-se a metrópole pós-Kyoto, em referência ao Protocolo assinado em 1997 e cujo prazo expira em 2012. Com a Terra aquecendo, incorporar ações de sustentabilidade às cidades é cada vez mais necessário, e significa melhorias na qualidade de vida da população. Além das questões ambientais, outro conceito-chave para entender as mudanças da contemporaneidade é a globalização, que, segundo a professora, transformou as relações econômicas em todo o mundo. Tais alterações levaram o urbanista francês Paul Virilio a dizer que estaríamos vivendo um processo de “omnimetropolização”. As transformações ocorrem num planeta cada vez mais urbano – mais da metade da população mundial vive em cidades –, e, no Brasil, o cenário não é diferente. Porém,

20

o país, além de ser urbano, apresenta grandes aglomerados, como explica Luiz César de Queiroz Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles. “Se compararmos o Brasil com países equivalentes na America Latina e também no mundo não desenvolvido, nós vamos verificar o quanto nós somos especiais em termos de rede urbana.” Segundo Ribeiro, há 13 cidades com mais de 1 milhão de habitantes no Brasil, o que rende ao país o terceiro lugar entre as nações que contêm mais de dez cidades com população superior a 1 milhão. O crescimento econômico que o Brasil atravessa, com elevado número de obras de infraestrutura tem alterado a paisagem de nossas cidades. “Essa conjuntura já provocou mudanças significativas com forte repercussão no cenário urbano com o aumento do crédito em larga escala principalmente para os bens duráveis, como imóveis”, destaca Vicente Loureiro, subsecretário de Projetos de Urbanismo Regional e Metropolitano da Secretaria de Estado de Obras do RJ. Somente em 2010 foram construídas cerca de 1 milhão de novas moradias, todas com financiamento, sem considerar as autoconstruções, de acordo com Sérgio Conde Caldas, presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi). No entanto, apesar dos aspectos positivos dessa nova realidade, com a ascensão de milhões de pessoas da classe D para a C, é necessário avaliar os impactos desses grandes investimentos. Para Nádia, isso não vem ocorrendo. Ela afirma que os dois Programas de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal não apresentaram verificação e monitoramento nesse sentido. “É preciso rever a política nacional de desenvolvimento urbano”, diz.

Futuro e passado

A pesquisadora ressalta que entender a metrópole também significa pensar na articulação entre os municípios ou, ainda, pensar em como rescentralizar o poder, distribuindo-o de forma democrática. Hoje, segundo ela, o desenvolvimento urbano tem sido encarado de forma muito municipalista. “O país precisa de uma política nacional de desenvolvimento econômico ancorada no território”, avalia, reforçando que é preciso criar novas centralidades, e, para isso, uma mobilidade urbana que funcione é essencial. Nádia também alerta para antigos problemas ainda presentes nas metrópoles brasileiras, como falta de habitação e de emprego. “Hoje as metrópoles são produto e motor do capitalismo, entendê-las de forma nacional é bastante importante. Mas é possível pensar o futuro esquecendo dos nossos velhos problemas, as nossas desigualdades? Podemos falar de cidade contemporânea no Brasil, tendo favelas, ou seja, com o passado existindo?” Nádia realizou uma pesquisa sobre metrópoles europeias, que podem servir como inspiração para o futuro das cidades brasileiras. Diferente das metrópoles americanas e asiáticas, elas são tratadas dentro da esfera pública, por meio do chamado “urbanismo de projetos”. No caso do Brasil, a pesquisadora destaca que são necessários grandes planejamentos com redistribuição de renda, mas também intervenções pontuais. Enquanto as regiões metropolitanas brasileiras não dispõem de planos direto-

Pensar a metrópole contemporânea implica entender as transformações que se passam no mundo, afinal, a sociedade transformase rapidamente, e a cidade também


Habitações precárias e irregulares, como o Complexo do Alemão, são desafios para as metrópoles brasileiras

Carlos Magno / rj.gov

res regionais, projetos urbano-metropolitanos podem ser uma alternativa. No Rio de Janeiro, por exemplo, tem-se investido em projetos com essas características, como é o caso do Comperj. Trata-se de uma intervenção em um determinado tempo e espaço, cujos efeitos positivos se estendem para o seu entorno. Citando exemplos, como em Londres, Nádia destaca o novo conceito de “cidade criativa”, com investimentos da prefeitura em bairros que estavam abandonados e se recuperaram com configurações econômi-

cas alternativas. Por meio de flexibilização da legislação urbanística, são promovidas iniciativas de empreendedorismo, como feiras alternativas e a recuperação de antigos galpões industriais para micro e pequenas empresas de alto valor agregado. Em termos de organização, Nádia aponta Milão, que tem um consórcio de municípios, similar ao que existe na Região do ABC, na Grande São Paulo, como um exemplo de governança e construção democrática a partir do município. Já em países como França e Holanda, a me-

trópole, segundo ela, está sendo tratada como uma questão nacional. Para Jeroen Klink, professor de Economia Urbana na Universidade Federal do ABC, existem diversos tipos de arranjos institucionais no país, como o próprio consórcio do ABC. Mas ele diz que eles não dialogam com a dinâmica imobiliária. “Dificilmente o sucesso desse arranjo pode ser desassociado dessa dinâmica imobiliária”, afirma. Essa é, em sua opinião, a grande diferença do País em relação às referências europeias. Para Nádia, é preciso atentar para quais cidades estão sendo construídas: “Não queremos só empreendimentos imobiliários que não construam espaços públicos de qualidade, queremos uma cidade de qualidade”. Segundo Klink, o Estado não consegue alavancar um controle social sobre a dinâmica do mercado imobiliário. O mercado, assim, exerce um papel à frente do Estado no planejamento urbano das cidades brasileiras, o que se reproduz em escala metropolitana. “Há muitos descompassos, o movimento ambiental não dialoga com o movimento de moradia, ambientalistas não conversam com urbanistas. Há um nó incrível na aplicação da função social da cidade na escala metropolitana”, observa. Para ele, os municípios brasileiros têm tido dificuldades em implementar as funções sociais da cidade, como prevê o Estatuto da Cidade. “Apesar de representar uma conquista enorme, pode-se contar nos dedos de uma mão as cidades que o têm implementado.” A forte presença do mercado no ordenamento do território nas regiões metropolitanas do País é destacada por diversos urbanistas. Em geral, o mercado está à frente dos planos. Se, por um lado, essa atuação traz dinamismo e desenvolvimento, por outro lado é cada vez maior o consenso de que o setor privado deve seguir as propostas de planejamento metropolitano, que devem ser elaboradas com a participação da sociedade.

Setor imobiliário

“As pessoas descobriram que poderão ter o sonho da casa própria atendido. Num primeiro momento, essas pessoas 21


Saneamento é uma das áreas que podem ter políticas comuns para a metrópole; na foto, estação de tratamento de água em São Gonçalo

Divulgação / rj.gov

compraram linha branca, depois automóvel e, agora, estão partindo para comprar um imóvel. E o momento de comprar a casa é justamente este, quando a pessoa tem possibilidade de ascensão no emprego ou não tem medo de perdê-lo”, analiza Caldas. Assim como Klink, ele reconhece que o mercado imobiliário está à frente de qualquer planejamento urbano. “Alavancamos o volume de recursos e o volume de demanda, como nunca tivemos antes”, afirma. Caldas explica que, com a oferta de crédito, o número de moradias vendido no ano passado só não foi maior por falta de mão de obra. Esse, diz ele, é o maior entrave para o setor. “O Brasil está com pleno emprego. Pessoas que vinham do Nordeste para o Rio de Janeiro não estão vindo mais.” Por conta disso, o setor estuda criar uma Confederação Nacional da Indústria da Construção Civil, já que os recursos do Senai têm sido utilizados, de acordo com Caldas, somente para treinar operários da indústria. Ele também ressalta que os métodos de construção brasileiro, definidos por normas técnicas, estão superados e que é necessário um novo modelo mais moderno. “Estamos construindo da mesma maneira de 50 anos atrás, com estruturas mais pesadas, conforme exigência brasileira.” O setor está buscando apoio 22

no Ministério da Ciência e Tecnologia e parcerias com universidades para criar um novo modelo construtivo. “Mesmo conseguindo os recursos para treinamento, não haverá pessoal com o nível de construção dentro de um método absolutamente ultrapassado.” A expectativa é que 2011 siga a tendência de 2010. Segundo Caldas, no ano passado, foram aplicados 57 bilhões de reais em habitação. Neste ano, deverão ser investidos 70 bilhões de reais. Diante desse quadro, ele destaca a necessidade de ter um ente governamental na metrópole do Rio de Janeiro. “O Rio está pronto, vive o seu melhor momento. O fato de a região ser um conglomerado muito homogêneo permite que essas políticas de saneamento, lixo e transporte possam ser políticas comuns, inclusive com áreas de lazer intermunicipais”, destaca, apontando a experiência de Belo Horizonte [ver pág. 17] como um bom exemplo.

A vez do Rio de Janeiro

A falta de um modelo institucional da gestão metropolitana no Brasil, segundo Loureiro, fez com que prevalecesse planos e políticas setoriais nessas regiões. “Essas instruções de políticas setoriais estão gerando ‘deseconomias’, inclusive reforçando tendências que necessaria-

mente nós percebemos que devemos tentar reverter”, informa. E a reversão desse quadro se dá com a construção de uma governança metropolitana. Mas Loureiro questiona qual seria o modelo mais recomendável para essa nova gestão, tendo em vista as limitações jurídicas, institucionais e políticas, tais como: a quem cabe o protagonismo, se ao estado ou aos municípios; até que ponto e até onde irá o papel dos municípios e do estado na construção desse novo modelo, dessa nova arquitetura. Há ainda outros atores que devem participar: a sociedade e o setor empresarial. Além disso, para cada área, como Saúde, Habitação, Transporte e Saneamento é possível que se tenha um modelo de atuação distinto. O subsecretário aponta questões importantes para serem debatidas rumo à construção de metrópoles contemporâneas. Em primeiro lugar, estão os aspectos de sustentabilidade, em especial, a mobilidade, cuja situação é crítica na maioria das metrópoles. Nesse sentido, ele também destaca a importância da policentralidade, em que as funções econômicas são espalhadas e distribuídas pelo território. O objetivo seria construir uma metrópole mais equilibrada, principalmente em relação à oferta de emprego. “No caso do Rio de Janeiro, temos três quartos dos empregos no núcleo do Rio, provocando uma relação de deslocamento entre casa e trabalho bastante complexa.” Mudanças nesse sentido são urgentes, pois o sistema estaria caminhando para a insustentabilidade, com alguns corredores difíceis de serem utilizados em determinados horários de “pico”. “As regiões metropolitanas expandiram-se principalmente graças à ação da autoconstrução, da informalidade nas favelas, loteamentos clandestinos e irregulares”, aponta Loureiro. Agora, ao discutir uma nova metrópole, resta o desafio de alterar a tônica da informalidade, que persistiu por longos anos nas periferias das grandes cidades do país. Talvez este seja o momento de alterar o rumo dessa história. “Dá para imaginar uma fase, um período, em que as construções formais, mais sólidas e completas, possam vencer as construções informais?”


ma a atenção para o eixo entre o Rio de Janeiro e São Paulo. “Nós temos o eixo econômico mais importante do Brasil, apesar de o país estar se desenvolvendo de forma mais homogênea, ainda a metrópole brasileira está concentrada entre Rio de Janeiro e São Paulo”, afirma. A questão econômica, para Ribeiro, tem que ser levada em consideração na discussão da metrópole. “As grandes cidades são o lócus de dinamização da economia”, analisa. A cidade é um lugar, um espaço social, onde se desenvolve uma série de dinâmicas virtuosas em termos de desenvolvimento econômico. Mas, na opinião de Ribeiro, são nas grandes cidades que se encontram os principais desafios nacionais, no que diz respeito às questões ambientais, de cidadania e integração social. As 35 regiões metropolitanas brasileiras concentram 48% da população do país, 50% do PIB e 70% da capacidade tecnológica. Esse índice é medido pela quantidade de indústrias que produzem ou difundem inovação, registro de patentes e publicações de artigos científicos. Ribeiro diz ainda que 75% das maiores empresas do país estão instaladas nessas regiões. Até o agronegócio, de acordo com o professor, é um fato metropolitano, pois os negócios são realizados nas cidades. “Onde está o capital financeiro que alimenta o agronegócio? Onde está a Embrapa, que produz inovações tecnológicas que permite três safras de soja neste país?”, indaga. Porém, dessas 35 regiões, apenas 15

Com os grandes investimentos e expansão econômica previstos para o Estado do Rio de Janeiro, o legado que deveria ser deixado para as próximas gerações é, na opinião de Loureiro, a redução das desigualdades. Para isso, é necessário um avanço expressivo na universalização de serviços básicos. Os desafios não são mais só de uma cidade ou de outra. O lixo, o abastecimento de água, o tratamento de esgotos, entre outros serviços, mostram a importância de soluções conjuntas. Não é possível construir um aterro sanitário ou uma estação de tratamento em cada uma das cidades. “Existem situações que não há como aprovar construções de conjuntos habitacionais como o Minha Casa, Minha Vida, porque não se tem possibilidade abastecimento de água”, relata Loureiro. Com as oportunidades atuais do Rio de Janeiro e a disposição do governo do estado em discutir um novo modelo para a metrópole, é hora de projetar qual será a paisagem da metrópole daqui a dez ou 20 anos. “Poderemos imaginar uma transformação mais intensa, a exemplo do que vivem algumas cidades asiáticas, como em Cingapura ou Xangai, ou continuaremos a perseguir modelos europeus e norte-americano, como Lisboa ou Los Angeles?”, questiona.

são consideradas, pelo Observatório das Metrópoles, espaços urbanos com as novas funções metropolitanas que têm as cidades do mundo globalizado e no mundo da economia de rede. As funções, conforme Ribeiro, são coordenação, comando e polarização, em nível regional, nacional e global. “Não devemos pensar o tema metropolitano, apenas pela ótica da conurbação, que é, sem dúvida, e continuará sendo uma dimensão importante para nossa reflexão. Devemos pensar na questão metropolitana na sua relação com o desenvolvimento nacional, pensar as metrópoles com base no papel que elas têm de articulação do território, dos circuitos, na escala regional, nacional e global”, explica. Ribeiro também concorda que falta um arranjo institucional que dê governabilidade a esses territórios. Mas alerta que esse é também um problema de outros países. “A dificuldade de casar território funcionalmente organizado pela economia e pela demografia, com o território da política é um problema mundial”, afirma. “Consórcios municipais, agências do desenvolvimento, governo metropolitano, qualquer que seja o ordenamento, todos terão que ter um único traço: constituir uma autoridade pública sobre esse território na escala metropolitana. Significa não apenas ter uma burocracia, mas também uma autoridade com legitimidade, com capacidade de agenciamento dos atores, dos interesses, das forças políticas e dialogar com elas”, finaliza.

Reprodução

O planejamento urbano das metrópoles contemporâneas terá que dialogar com a dinâmica imobiliária, já que o setor está em franca expansão

Dinâmica econômica

Mostrando um “mapa das luzes”, a urbanista Nádia Somekh aponta como as cidades se organizam atualmente. A imagem é como um tabuleiro preto com conjuntos de aglomerados de pontinhos amarelos. Dá para ver como a população se concentra. No caso do Brasil, ela chaNo mapa, é possível ver onde se concentram os territórios funcionalmente organizados pela economia e pela demografia 23


Gestão

O século urbano A previsão é que cada vez mais os seres humanos habitem cidades, principalmente os grandes aglomerados, tornando a busca por espaços de qualidade uma tendência mundial

Região de Docklands, em Londres, recebeu edifício “âncoras” para atrair investimentos e hoje reúne empregos e habitações 24

Docklands de Londres, que teve início na década de 1980. Lá, foram instalados edifícios que serviram de âncoras para atrair pessoas e investimentos para a região. A estação de metrô Canary Wharf, com sua arquitetura moderna, completou a transformação daquele espaço. Hoje, a revitalização é considerada bem-sucedida, com milhares de empresas, habitações e empregos. Outro exemplo ocorreu na maior região metropolitana da Alemanha, o Vale do Ruhr. No final do século XX, a área estava abandonada e contaminada após a desativação da indústria siderúrgica e de minas de carvão que funcionavam anteriormente no local. “O Vale do Ruhr é emblemático pela questão ambiental”, afirma Nádia. Um dos pontos-chave para a recuperação do espaço foi o chamado International Building Exhibition Emscher Park (IBA). Durante dez anos, foi priorizada a infraestrutura que já havia no local, revitalizando as antigas fábricas, com a construção de um corredor verde e centros de cultura nas áreas e Jim Linwood - flickr.com/brighton

P

ensar a gestão das cidades considerando as áreas metropolitanas não é uma exclusividade do Brasil. “Temos um problema: o século XXI será urbano”, diz Leonardo Nicolas Ronderos, diretor da Regional Plan Association (RPA), entidade norte-americana que se dedica ao planejamento urbano. “É o contexto internacional, em todos os lugares essas questões estão sendo discutidas”, afirma ele, que cita o relatório do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), cuja estimativa é de que, até 2050, a grande maioria dos habitantes da Terra viverá numa cidade. Por conta disso, o relatório sobre o estado das cidades do mundo 2010/2011 diz que o homo sapiens deverá ser chamado de homo sapiens urbanus. A mudança para a cidade está associada à expectativa de melhora na qualidade de vida, com facilidade no acesso a serviços públicos. Mas nem sempre eles são garantidos a todos os habitantes. “Devemos nos concentrar na ideia de que as cidades sejam mais habitáveis para as pessoas que vivem nela”, destaca Paul Lecroart, planejador urbano sênior da Agência de Desenvolvimento e Planejamento Urbano da região de Paris (IAU). Para enfrentar os problemas das megacidades, diversas experiências têm sido implementadas pelo mundo em busca de espaços de qualidade, mais inclusivos e democráticos. Entre as experiências internacionais, a urbanista Nádia Somekh destaca algumas intervenções europeias de revitalização de espaços, como o projeto das

galpões abandonados. Outro plano foi colocado em prática em 1999, o Project Ruhr, com término previsto para 2014. A França também apresenta bons exemplos de planejamento urbano. Em 1960, foi criada a IAU, uma agência de planejamento urbano para pensar a metrópole de Paris. A região possui cerca de 11 milhões de habitantes, dos quais aproximadamente 2 milhões vivem na capital parisiense. Segundo Lecroart, há uma grande diversidade física, social e ambiental. “Paris é uma cidade pequena em uma grande área metropolitana, por isso depende dos subúrbios”, diz. Por conta disso, o planejamento urbano foca na intensificação do transporte, privilegiando o acesso ao centro urbano e a concentração do tecido urbano. Lecroart destaca a importância de valorizar o espaço público, “onde as pessoas se encontram e onde é criada a identidade da metrópole”. Para receber a Copa do Mundo de 1998, foi traçado um plano de recuperação urbana, cujos focos eram a criação de novos espaços e transportes públicos. Assim, 90% das pessoas que frequentaram o principal estádio dos jogos fizeram-no por meio de transporte público. Hoje, há uma polêmica na região em relação à construção de um novo anel externo do metrô. A grande questão é sobre a vantagem de conectar conglomerados econômicos da periferia ou


Amanda Slater - flickr.com/pikerslanefarm

A estação de metrô Canary Wharf é uma das mais utilizadas em Londres, passando por ela mais de 40 milhões de pessoas por ano

priorizar as áreas urbanas existentes. Desde 2009, 188 autoridades locais e regionais formaram um sistema de cooperação voluntário para debater a região e encontrar uma perspectiva comum. Foram criadas comissões de trabalho por temas: habitação, mobilidade, solidariedade, desenvolvimento (redistribuição fiscal), projetos metropolitanos e, recentemente, governança.

Questões comuns

Para Ronderos, um dos maiores desafios hoje em dia é garantir infraestrutura de transportes nas regiões metropolitanas. Assim como no Brasil, as cidades se organizam para encontrar soluções. Ele aponta os modelos de gestão internacionais que já foram implementados e somam um espectro de alternativas (ver quadro). Os modelos variam em relação à participação na tomada de decisões (de forma horizontal, ou seja, sem imposição de autoridade, ou vertical) e à organização. De acordo com ele, o governo metropolitano funciona como uma instituição unitária, com total autoridade regional. O conselho metropolitano é uma organização global de unidades locais que promovem objetivos comuns. Já o policentrismo territorial mantém a fragmentação política e a autonomia local. O distrito de finalidade única pretende consolidar os serviços com uma cobertura interjurisdicional. Por fim, a cooperação interlocal visa a incluir vários atores. “A questão é como alinhar o espaço administrativo em termos de gestão”, diz. Nos Estados Unidos, por exemplo, há muito pouco controle sobre o uso e ocupação do solo. As exceções, em termos de governo federal, são as terras federais, com florestas e parques nacionais e bases militares, e em relação a terras privadas, o governo só regula atividades de mineração e proteção à fauna e áreas de preservação ambiental. Segundo John Landis, diretor do

Departamento de Planejamento Urbano e Regional da Universidade de Pennsylvania (EUA), tampouco os 50 estados daquele país exercem muito controle. O estado da Califórnia é um dos mais rigorosos, com diversas leis de impacto ambiental. “É necessário encontrar um equilíbrio entre eficiência e controle na gestão metropolitana”, diz. Em relação ao planejamento urbano, há múltiplas abordagens. A maioria dos planos é desenvolvido e implementado localmente, em cada município. O formato do plano é regulado pelos estados, que variam amplamente sobre o conteúdo, em geral focado no zoneamento. Assim, há estados, como a Califórnia, que exigem que cada jurisdição tenha um plano abrangente, e em outros, como o Texas, o planejamento é voluntário. Já o transporte tem atenção especial no país. Cada área metropolitana ou aglomerado que tenha uma população acima de 50 mil habitantes deve ter uma organização de planejamento de transporte obrigatória (Metropolitan Planning

A gestão metropolitana no mundo Alguns modelos implantados em algumas megacidades, segundo Nicolas Ronderos

Xangai - Governo metropolitano Londres - Conselho metropolitano Buenos Aires Policentrismo territorial Barcelona - Distrito de finalidade única Nova Iorque - Cooperação interlocal

Organization - MPO). Trata-se de um instrumento do governo federal para fomentar a articulação entre os governos locais para desenvolver programas que beneficiem o transporte metropolitano. Os programas são implantados com recursos federais, e eles devem ter coerência com planos estaduais, em especial, os que dizem respeito à qualidade do ar. Com cerca de 20 milhões de habitantes e formada por três estados, a região metropolitana de Nova Iorque teve seu primeiro plano em 1929, elaborado pela RPA. Com a crise que afetava os Estados Unidos, o objetivo principal daquele plano era investir em infraestrutura. Já em 1968, foi elaborado um segundo plano regional e, em 1996, um terceiro. O transporte de massa, a questão do emprego, da participação dos imigrantes na economia e a preservação ambiental fazem parte desse terceiro plano. Para Ronderos, os desafios para a gestão passam por instituir limites para o crescimento metropolitano, focalizar transporte e infraestrutura, definir metas e objetivos de sustentabilidade e fortalecer relações municipais, estaduais e federal, que priorizem a governança, desenvolvam lideranças empresarias e promovam a participação pública ativa. “Há questões comuns enfrentadas por pessoas que vivem em diferentes cidades”, afirma Austin Kilroy, economista urbano do Banco Mundial. Pensando nisso e nas novas tecnologias, ele propõe que as cidades troquem experiências de governança através da internet. Para isso, lançará o site www.urbanknowledge.org. Trata-se de uma plataforma onde as cidades podem descrever suas soluções urbanísticas, se deram certo ou não, e os problemas enfrentados, o que, para Kilroy, poderia ajudar nas tomadas de decisões. Em geral, as regiões metropolitanas apresentam realidades parecidas, com diversidade territorial e a fragmentação da economia, formada por uma grande cidade e cidades satélites que a contornam. Ronderos acredita que a gestão metropolitana deve ser inclusiva. “Todos os interesses devem ser trazidos à tona”, destaca. “Ao ser inclusivo, garante-se o vínculo político nas soluções propostas.” 25


Mobilidade

A região metropolitana do Rio de Janeiro tem como desafio um sistema de transporte que atenda às necessidades de deslocamento de qualidade para as pessoas e a circulação de produtos, como alimentos, até os pontos de consumo

U

m dos grandes problemas das metrópoles é a mobilidade urbana. No Rio de Janeiro, não é diferente. Engarrafamentos, horas perdidas, estresse e “deseconomias” são alguns dos danos causados pela falta de um sistema de transporte eficiente. Para especialistas, a situação dramática enfrentada nas cidades brasileiras é resultado da falta de planejamento do passado. “Infelizmente, o país deixou de planejar e antecipar os problemas e ações, agora temos que correr atrás do prejuízo”, diz Bernardo Figueiredo, diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O planejamento da metrópole é, para Jeroen Klink, professor de Economia Urbana na Universidade Federal do ABC, o que difere o Brasil de outras megacidades. O professor explica que a metropolização nos países europeus ocorreu de forma

26

Shana Reis

A complexa logística urbana

planejada, com uma visão estratégica do Estado, processo que ele denomina de ex-ante. A expressão latina significa algo como antes do evento. Ou seja, é pensada uma ação que desencadeia uma série de outras. Já no caso brasileiro o processo ocorreu de forma oposta, já com uma metrópole que apresenta uma agenda de serviços urbanos necessários e um déficit social dramático. Por isso, seria uma metropolização pós-ante. Porém, se o Brasil e em especial o Rio de Janeiro têm que compensar décadas de atraso, com os novos investimentos previstos, o cenário da mobilidade poderá dar um salto de qualidade. No caso do Rio, as obras na Serra das Araras e de Petrópolis, na Ponte Rio-Niterói, o Arco Metropolitano, os corredores exclusivos na capital para ônibus (BRT) e o trem de alta velocidade, que ligará inicialmente Campinas a Rio de Janeiro, são algumas das intervenções que ocorrerão trazendo

benefícios à região. Para Figueiredo, essas obras são estruturantes e favorecerão o desenvolvimento da metrópole. “O Rio está desconectado com as outras regiões do país, esse estrangulamento de infraestrutura inibe o desenvolvimento”, analisa. Mas para a mobilidade realmente melhorar é preciso observar alguns aspectos

A logística no Brasil representa 11,6% do PIB, cerca de 344 bilhões de reais por ano, e, em média, 8% do faturamento das empresas; às vezes, o custo é maior que a margem de lucro


As linhas de ônibus BRT (acima) deverão favorecer a mobilidade e, consequentemente, os sistemas de logística da região metropolitana, assim como os investimentos em o metrô (ao lado)

que já foram implantados em países que dispõem de sistemas de transporte mais eficientes. Antonio Rato, especialista em transportes, destaca três pontos a serem observados no planejamento atual: a integração modal (dentro do sistema de transporte), a restrição do uso do carro particular, em favor do transporte público, “porque o espaço viário não é infinito”, diz; e, por fim, “a valorização das plataformas logísticas”.

Distribuição complexa

A complexidade da mobilidade urbana envolve não apenas o deslocamento de pessoas, mas de milhões de produtos que têm que chegar ao ponto de consumo certo na hora exata. “A logística não é só a questão dos transportes, vai muito além”, explica Klink. “A logística é um elementochave. E particularmente o espaço, o território da logística, é a metrópole.” Pois é a metrópole que concentra o maior número de habitantes, que dependem de alimentos, produtos e até de água potável, que não são produzidos

dentro da região onde vivem. Com milhões de carros nas ruas, a logística tem ganhado cada vez mais importância dentro das empresas. O poder público também tem adotado medidas de restrição de entrada de caminhões em determinados horários. Já os comerciantes vêm se organizando para otimizar os custos de distribuição e estocagem. De acordo com Paulo Fleury, consultor nas áreas de estratégia de operações logísticas, a atividade é baseada em três componentes: o transporte, o estoque e a armazenagem. Mas, atualmente, conta ainda com a tecnologia da informação. “É a alavanca para operações logísticas cada vez mais complexas”, explica. “Hoje se consegue rastrear um veículo full time, do momento que sai do depósito até quando chega ao destino ele é monitorado. Há um script do que ele tem que fazer.” Embora seja uma atividade antiga, que nasceu quando o ser humano começou a produzir excedente, hoje em dia, a maioria das empresas já possui pelo menos um diretor responsável pela área, ou até um setor inteiro para isso. Segundo Fleury, a logística no Brasil custa o equivalente a 11,6% do PIB, o que representa cerca de 344 bilhões de reais por ano. As mil maiores empresas gastam juntas 173 bilhões de reais anualmente. Em média, a operação consome 8% do faturamento das empresas. “Às vezes o custo logístico é superior à margem de lucro da empresa”, observa Fleury.

Tal necessidade fez surgir no País um novo setor de empresas especializadas em prestar o serviço: as operadoras logísticas. É uma terceirização completa de todos os processos, inclusive o rastreamento eletrônico. De acordo com Fleury, esse setor tem crescido a uma taxa de 25% ao ano, na última década. Todo esse movimento de circulação de mercadorias provoca impactos nas metrópoles. Além disso, há novas formas de comércio, como o e-commerce, que é a venda direta pela internet ou telefone, e faz crescer o número de motoqueiros. São eles que fazem as entregas de casa em casa. A presença desse novo veículo nos espaços urbanos merece atenção, na opinião de Vicente Loureiro, subsecretário de Projetos de urbanismo Regional e Metropolitano da Secretaria de Estado de Obras (Seobras). “É um tema relevante. Como lidaremos com essa expansão que tem se revelado no caso brasileiro, e nas perspectivas de crescimento econômico e facilidade de crédito?”, questiona. “Pode ser também uma bomba-relógio”, pondera. De acordo com ele, somente em Belford Roxo, um dos municípios com IDH mais baixos da região metropolitana, o número de motocicletas licenciadas aumentou dez vezes em dez anos.

Intermodalidade

Em meio a motos, carros e caminhões, a logística é cada vez mais complexa. Mas mesmo num trânsito caótico é preciso or27


Fernanda Almeida

Obras do Arco Metropolitano: rodovia será importante na valorização dos sistemas de logística

denar a operação, pois caso um produto produzido por uma determinada indústria não chegue ao consumidor final, o prejuízo é grande. “O transporte é o que dá valor aos produtos, não adianta ter uma tonelada de ouro na Amazônia, se não tiver como levá-la para o porto ou a cidade. O que gera valor ao produto é o transporte para levá-lo ao local certo”, analisa Fleury. De acordo com o consultor, para dar conta da complexidade logística nas metrópoles, tem sido utilizadas algumas práticas, entre elas a multimodalidade. O princípio é combinar o que há de melhor em cada um dos modais (aéreo, ferroviário, rodoviário). As plataformas logísticas são os locais onde os modais se encontram e se alteram conforme a rota ou o volume de material. Ainda há o conceito de intramodalidade, quando são utilizados diferentes veículos para um tipo de transporte. Um exemplo comum de intramodalidade é a alternância entre a carreta (com grande capacidade de carga), o caminhão menor para circular dentro das cidades e, por último, a van. Essa troca de veículos é fundamental para a logística funcionar nas regiões metropolitanas. Além disso, tem crescido o número de centros de distribuição ou de transbordo, que concentram os produtos até que eles sejam encaminhados ao local de venda. Há ainda os chamados cross docking, que são destinados à troca de veículos, com a diferença de que se trata de um caminhão 28

por loja contendo vários produtos, não apenas um único tipo. Outra forma que o comércio tem se utilizado é o transporte colaborativo. No caso, duas ou mais empresas se juntam para contratar um único transportador, o que diminui o custo e a quantidade de veículos em circulação. Na opinião de Antonio Rato, o Arco Metropolitano, cuja conclusão das obras é prevista para dezembro de 2012, terá grande importância na valorização dos sistemas de logística. “Será muito importante para a economia da metrópole e também para a mobilidade urbana”, acredita. Trata-se de uma rodovia que servirá de ligação com outras cinco que cortam a região metropolitana do Rio. Para Fleury, o Arco é o mais importante projeto que o Rio de Janeiro teve nos últimos 50 anos. A rodovia vai evitar que os caminhões de cargas que chegam pelas estradas tenham que entrar na metrópole para entregar os produtos ao ponto de consumo. “O Arco vai resolver esse problema, o caminhão grande não vai mais ter que passar pela cidade, vai passar pelo entorno”, pondera. “Ali terá um grande centro de distribuição.”

Perspectivas para o Rio

O Arco Metropolitano é aguardado com grandes expectativas, pois além das vantagens logísticas, como a ligação entre o Comperj e o Porto de Itaguaí, são apon-

tadas outras. Ricardo Duarte Pontual, arquiteto e urbanista, chama a atenção para a oportunidade de novas configurações das centralidades e subcentralidades da região. “E ainda oferece uma excelente oportunidade: de tentar barrar a expansão periférica desorganizada e acelerada em direção a região próxima às encostas da Serra do Mar”, afirma. Com investimentos previstos na ordem de 59 bilhões de reais, o Arco, segundo explica Pontual, cruzará áreas relativamente densas ou com início de ocupação com áreas de grande oferta de terrenos para novas indústrias. Isso atrairá novas atividades geradoras de emprego e de renda. Segundo ele, será possível deslocar o elevadíssimo grau de dependência que a periferia tem do município sede, no caso o Rio de Janeiro. “O Arco vai influenciar a formação de novas centralidades e mudar o perfil das já existentes. Uma força indutora muito forte vai acontecer”, prevê. No entanto, apesar das expectativas positivas em relação ao Arco, urbanistas acreditam que há outras formas de transporte que também podem ser melhor aproveitadas na região. Pontual, por exemplo, acredita na vocação da Baía da Guanabara para o transporte marítimo de massa, que está sendo, em sua opinião, muito subutilizado. Já para Antonio Rato, o sistema de transporte da região metropolitana do


Rio de Janeiro apresenta um alto grau de irracionalidade. Ele explica o porquê: “Temos uma malha ferroviária implantada de trem e metrô, com 265 quilômetros, transportando apenas 7% do total de usuários de todo o sistema de transporte coletivo. Isso demonstra que existe um transporte ocioso com todas as suas vantagens, pois é um transporte de massa”. Ele ainda compara que, na década de 1980, o sistema de trens urbanos chegou a transportar cerca de 900 mil pessoas por dia, e hoje transporta a metade. “Se o Rio de Janeiro quiser melhorar a economia urbana, o fundamental é a integração dos modais de transporte”, pondera. Por outro lado, o Rio de Janeiro apresenta algumas vantagens em número de rodovias pavimentadas se comparado ao restante do País. “É o estado com maior densidade de rodovias”, compara Fleury. “Das principais rodovias, 20% passam pelo Rio de Janeiro, que possui dois dos maiores portos do Brasil, o de Itaguaí e o do Rio de Janeiro, e o terceiro maior aeroporto em volume de carga. O estado tem uma série de ativos que o torna um potencial ponto de excelência para a logística brasileira, tanto interna quanto para o exterior.”

Investimentos

Não há dúvidas de que o Arco Metropolitano propiciará facilidade no acesso à grande malha viária que o estado do Rio de Janeiro dispõe. Mas é preciso garantir que a região esteja integrada com o resto do Brasil. Essa é opinião de Bernardo Figueiredo. Por isso, diz ele, estão sendo realizadas obras em três rodovias federais: a BR 040, a 116 e a 101. Todas voltadas à região metropolitana. O objetivo é que sejam investidos algo em torno de dois bilhões de reais nessas rodovias,

Até 2030, teremos um aumento anual superior a 60 mil pessoas na região metropolitana do Rio de Janeiro, segundo Ricardo Pontual. “É como uma cidade nova a cada ano”

especialmente nos acessos ao Rio de Janeiro, na Serra das Araras, Serra de Petrópolis e Ponte Rio-Niterói. “Não podemos imaginar que o Rio de Janeiro possa promover eventos da dimensão da Copa de Mundo e da Olimpíada com o acesso à cidade do Rio da forma como é feito hoje pela BR 040”, afirma. Hoje, praticamente todos os trechos de rodovia estão concedidos à iniciativa privada, o que gera polêmicas quanto aos investimentos. Figuiredo explica que os trechos concedidos na década de 1990, “foram feitos com bases econômicas que refletiam a situação da época, e hoje estão completamente defasados”, ao mesmo tempo em que são cobrados pedágios, considerados elevados pela população. Já a segunda fase de concessões de rodovias, em meados dos anos 2000, só foi realizada em 2007, o que provocou um intervalo de tempo sem que houvesse investimentos. “O que se verifica hoje é que essas concessões não têm a intervenção que precisa ser feita. Isso também gera um problema de gestão dessas concessões porque ao mesmo tempo em que a população está pagando pedágio, não percebe o beneficio do que está pagando para ter uma rodovia adequada”, analisa. Figueiredo ainda fala numa terceira fase das concessões de rodovias, que se encontram sob análise do TCU, o que ele considera um “governo paralelo que dificulta muito as ações”. Já em relação ao sistema ferroviário brasileiro, o diretor da ANTT reconhece que há uma malha muito limitada, confinada às regiões litorâneas e do sudeste. No entanto, destaca que é urgente investir em ferrovias. Isso porque estaria prestes a se tornar inviável economicamente o transporte de carga por caminhão. Por exemplo, um caminhão de soja, que trafega 2 mil quilômetros, do Centro-Oeste para chegar aos portos. “Atualmente isso tende a ser mais grave porque existe uma frota de caminhões envelhecida, com uma média de idade de 15 anos”, explica. “Com uma economia crescendo e uma frota defasada, provavelmente nós teremos um aumento de frete e uma redução da competitividade do setor produtivo.” Assim como Fleury, o diretor da ANTT concorda com a vocação natural e os atributos do Rio de Janeiro para receber centros logísticos. Mas ressalta que é preciso ter um investimento em sistema ferroviário que inclua o transporte

de passageiros. “Está em discussão com as concessionárias o investimento na ampliação da capacidade instalada. Do total da malha ferroviária brasileira, 90% foi construída nos séculos XIX e XX, ou seja, se não houver a possibilidade de reinvestir na modernização dessa malha, praticamente todas as ferrovias brasileiras permanecerão com utilização precária e pouco competitiva.”

Demandas futuras

Outro projeto de grande expectativa para a mobilidade da região metropolitana é o trem de alta velocidade (TAV), que na primeira fase deverá ligar Campinas, São Paulo e Rio de janeiro, um trecho de 510 quilômetros. A ideia é potencializar os aeroportos de Viracopos e Galeão, que serão ligados. Segundo Figueiredo, o TAV trará impactos positivos de desconcentração urbana, como ocorreu em países da Europa e da Coreia. “Não existe hoje uma tecnologia de transporte de passageiro que tenha a mesma qualidade do trem de alta velocidade, seja na previsibilidade, na confiabilidade ou na questão do conforto e da segurança. O trem de alta velocidade é o transporte que supera qualquer outra alternativa em termos de qualidade de atendimento ao usuário”, defende. O projeto está em fase de concessão, e a previsão é que as obras tenham início no fim de 2012. Estudos realizados sobre a demanda do TAV mostraram que 50% das pessoas que utilizam transporte aéreo para percorrer o trecho optariam pelo trem, assim como 50% dos que usam automóveis e 50% dos usuários de ônibus. Todos esses projetos são importantes e terão que prever as demandas atuais e o aumento da população. Apesar de a região metropolitana do Rio de Janeiro apresentar uma desaceleração do crescimento demográfico, Pontual estima que, de 2010 até 2030, haverá um aumento de 1,3 milhão de pessoas. “Isso significa um aumento anual superior a 60 mil pessoas na região metropolitana. Até 2030, estamos criando uma cidade por ano, tendo em vista que 70% dos municípios do Brasil têm população de até 20 mil habitantes.” Isso significa que as carências existentes têm que ser enfrentadas, para evitar, como afirma Pontual, que “o futuro dourado previsto para a metrópole do Rio de Janeiro não se transforme num acervo de problemas ainda maior”. 29


Mobilidade

Transporte de massa e integração devem ser prioridades Experiências internacionais valorizam o transporte público e a integração da ocupação espacial e as linhas para viagens mais rápidas

I

nvestir em transporte de massa é o caminho para melhorar a mobilidade nas regiões metropolitanas. Da mesma forma que a logística se utiliza de plataformas intermodais, as metrópoles têm investido em sistemas parecidos com a integração entre os diversos tipos de veículos e linhas metropolitanas. No que diz respeito ao planejamento, a correspondência entre a ocupação do espaço e o sistema de transporte pode significar menos horas perdidas no deslocamento da população. A ideia é implantar pontos estratégicos para o intercâmbio dos passageiros, inclusive com estacionamentos para automóveis. “Temos que planejar as estações onde temos a demanda dos usuários, não onde é fácil construir”, alerta Javier Aldecoa, diretor do Consórcio Regional de Transportes de Madri. Em Cingapura esse modelo é seguido à risca. “Nós procuramos instalar as indústrias próximas às residências, para que as pessoas não precisem viajar até as zonas centrais, e para que possam ter a opção de trabalhar próximas as suas residências”, afirma Raphael Chua, consultor de planejamento urbano de Cingapura. Diferente de Cingapura, nem sempre é possível concentrar trabalho e casa em áreas próximas. “Na verdade, muitas pessoas não puderam morar perto do trabalho ou de uma estação de transporte”, lembra Robert Cervero, professor de Planejamento Urbano e Regional, da Universidade da Califórnia, de Berkeley (EUA). Esse quadro é comum nos países em desenvolvimento. No Brasil, também. O professor alerta para o crescimento do mercado informal de transporte “sem li-

30

cença de registro, normas de segurança para o motorista e passageiros”. Esses veículos “ilegais” atendem à população das periferias, onde o transporte de qualidade muitas vezes não chega. Cervero cita estudo realizado na região metropolitana analisou o deslocamento da Baixada Fluminense até a Estação da Central do Brasil, de 650 passageiros ao longo de quatro dias, durante o horário de pico no final do dia. No trecho, 10% deles utilizam vans, 55%, ônibus e 35%, trem. Para o professor, uma solução para o Rio de Janeiro seria regularizar as vans, com um projeto de linhas secundárias em relação às linhas principais. Além disso, com a implantação de uma tarifa única, integrada.

Principais modelos de integração do espaço metropolitano e transporte público Por Robert Cervero, professor de Planejamento Urbano da Universidade da Califórnia (EUA)

Distribuição radial (anéis)

Anéis conectados entre si

Em Madri, na Espanha, a solução foi dividir a região metropolitana em três anéis conectados, com a integração das tarifas, por meio de um passe multimodal. O primeiro anel é formado pela cidade de Madri, o segundo, pela área metropolitana e o terceiro, se estende até as zonas rurais no entorno da metrópole. De acordo com Aldecoa, com o sistema, 64% das viagens que são feitas no transporte público utilizam esse passe, circulando entre os três anéis. Existem diversos tipos de bilhetes, cobrados tanto pelo número de viagens (por unidade ou dez) como o mensal, que pode ser utilizado em qualquer modo de transporte entre os anéis. Estudantes até 23 anos, idosos e famílias com grande número de membros têm direito a uma tarifa reduzida. Aldecoa ressalta a importância da integração modal, o que reduz o tempo de

Centros dispersos autossuficientes

Distribuição de núcleos vinculados pelo transporte público


Metro Norte

Red de metro de Madrid (2010)

10

Marqués de la Valdavia

Ronda de la La Granja Comunicación Montecarmelo

Avenida de la Ilustración

Tetuá n

Peñagrande Antonio Machado

Estación de Aravaca

Francos Rodríguez

Dos Castillas

Ciudad Universitaria

Campus de Somosaguas

Bélgica

B1

ML2

Moncloa

Pozuelo Oeste

B2

Somosaguas Centro

u er t In a d fa nt e B e S L3 ig D o lo on ad Nu XX Lu illa is ev I Pr Ca ad Bo o M n t o ad u de abr ill ndo Fe l E ia a ria Ce sp ld in nt M o r e on Bo o te ad pr ill í n Re a Ve ta cip nt e Co m or ch are ro er s de as lC an o

Colonia de los Á ngeles

Alto de Extremadura

Casa de Campo

5

Parque Oeste

Alcorcón Central

La Fortuna

Puerta del Sur

12

San Nicasio Leganés Central

Móstoles Central Hospital de Móstoles

Hospital Severo Ochoa

Pradillo

Manuela Malasaña

MetroSur

B1

Parque Europa

Loranca Hospital de Fuenlabrada

Fuenlabrada Central

Parque de los Estados

O sistema de transporte da região metropolitana de Madri, na Espanha, é baseado em três anéis conectados, com a integração das tarifas, por meio de um passe multimodal

transporte, tarifária e administrativa. No caso da área metropolitana de Madri, os ônibus e as linhas de metrô são operados pelo Consórcio entre os 179 municípios que compõem a região e o governo do estado. Há ainda as ferrovias que circundam a região e são geridas pelo governo federal espanhol. Linhas de ônibus operadas pela iniciativa privada transportam passageiros até os trens. Com a tecnologia, hoje a integração pode incluir outros tipos de transporte, como os ônibus e trens leves de alta velocidade. Em 1986, foi criada um órgão especialmente para a área de transporte. Segundo Aldecoa, a primeira medida foi valorizar a intermodalidade. “Em seguida, melho-

Arganzuela Planetario

Abrantes

Manuel Becerra Goya

6

Ciudad de los Á ngeles Villaverde Bajo Cruce

Getafe Central

Juan de la Cierva

San Blas

Estadio Olímpico

San Fernando Jarama

7

Henares

O'Donnel

Hospital del Henares

MetroEste

Vinateros Estrella

Pavones Artilleros Valdebernardo

La Gavia

San Cipriano

Rivas Urbanizaciones

Villa de Vallecas

Congosto

B1

Vicá lvaro

Puerta de Arganda

Rivas Futura

1

Rivas Vaciamadrid

Las Suertes Valdecarros

La Poveda

San Cristobal

El Casar

Suanzes Coslada Barrio del Central Las La Rambla Simancas Musas Puerto

La Elipa

Pacífico Puente de Vallecas Portazgo Nueva Alto del Numancia Arenal Buenos Aires Sierra de Guadalupe Miguel Herná ndez

Los Espartales

12

Ascao García Noblejas

Torre Arias

Sainz de Baranda

Ibiza

Hospital 12 de Octubre

El Bercial

Quintana

2

Lista

Ciudad Pueblo Lineal Nuevo

El Carmen

Ventas

San Fermín Orcasur

3

Canillejas

Parque de las Cartagena Avenidas Barrio de la Concepción

Conde Casal

Méndez Á lvaro

5

Prosperidad

Almendrales

Villaverde Alto

Arroyo Culebro

6

Legazpi

Alameda de Osuna El Capricho

Arturo Soria

Diego de León

Aeropuerto T1-T2-T3

8

Campo de las Naciones

Avenida de la Paz

Atocha Renfe

Menéndez Pelayo

Delicias

Marqués de Vadillo

El Carrascal

Casa del Reloj

Atocha

Embajadores

Usera

Juliá n Besteiro

Antón Martín

Palos de la Frontera

Pan Bendito San Francisco

B2 12

Urgel

Banco de España

Tirso de Molina

Lavapiés

La Peseta

Joaquín Vilumbrales

Parque Lisboa

Puerta de Toledo

11

Carabanchel Alto

Cuatro Vientos

Sevilla

La Latina Sol

Mar de Cristal

Canillas

Alfonso XIII

Príncipe de Vergara Retiro

A

San Lorenzo

Esperanza

Concha Espina

Velá zquez

Gran Vía

Opañel Plaza Elíptica

Vista Alegre

Carabanchel

Aviación Española

Ópera

Callao

Pirá mides

Oporto

10

Núñez de Balboa

Alonso Martínez Colón Chueca

Tribunal

Laguna Carpetana

Rubén Darío

Bilbao

Serrano

Acacias

Campamento

Cruz del Rayo Repú blica Argentina

Noviciado

Santo Domingo

Lucero

Empalme Colonia Jardín Eugenia de Montijo Aluche

Ciudad José del Cine Isbert

Universidad Rey Juan Carlos

Puerta del Á ngel

Batá n

Ciudad de la Imagen

M

P

Lago

Prado del Rey

Prado de la Vega

San Bernardo

R

Colombia

Gregorio Avenida de Marañón América

Iglesia

4

Pinar del Rey

Barajas

Parque de Santa María

Hortaleza

Pío XII

Alonso Cano

Quevedo

Príncipe Pío

Somosaguas Sur

8

Manoteras

A

Aeropuerto T4

Virgen del Cortijo

Pinar de Chamartín

Plaza de Duque de Castilla Pastrana

Nuevos Ministerios

Canal

Ventura Rodríguez Plaza de España

Bambú

Santiago Bernabéu

Ríos Rosas

4

Argüelles

Prado de las Bodegas

2

Islas Filipinas

3

Cuzco

Cuatro Caminos

Guzmán el Bueno

6

1

Alvarado

Metropolitano

Avenida de Europa

Valdeacederas

Á lvarez de Villaamil Antonio Saura

Fuente de la Mora

Chamartín

Estrecho

Valdezarza

Berna

Begoña

Barrio del Pilar Ventilla

Lacoma

Metro Ligero Oeste

Fuencarral

9

7

Arroyo del Fresno

Blasco Ibá ñez Palas de Rey María Tudor

ML 1

Pitis

Tres Olivos

B1

La Moraleja

Las Tablas

Herrera Oria

Hospital Infanta Sofía Reyes Católicos

Baunatal Manuel de Falla

9

Arganda del Rey

B1

TFM B2

B3

Alonso de Mendoza Conservatorio

Realizado para WIKIPEDIA bajo licencia Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 España http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/es/

rar a qualidade da viagem”, completa ele. Uma das questões-chave foi a construção de linhas subterrâneas. Ele destaca as facilidades do metrô, o que considera uma solução por permitir uma conexão com os ônibus. “As pessoas vão até onde há uma estação de metrô”, afirma. Para atrair investimentos, o espanhol sugere que sejam firmados acordos com o setor privado. Desde 1986, a demanda pelo transporte público cresceu 68,1%, enquanto a população aumentou somente 31,2%. Em número de viagens, naquele ano eram 196,08 por pessoa anualmente. Já em 2008, foram 286,84 viagens. Hoje, a maior parte das viagens são feitas pelo metrô (42%), seguidas pelas em ônibus urbanos (32%).

Cidades modelo O professor Robert Cervero apresenta algumas cidades que tiveram experiências bem-sucedidas em intervenções de

Acima, a situação do transporte em Bogotá em 1995, e depois, em 2001 31


Segundo Javier Aldecoa, a população cada vez mais optará por viver fora dos centros urbanos, e a estrutura do transporte terá que dar conta dessa nova situação Em visita ao Rio de Janeiro, o espanhol Javier Aldecoa, diretor do Consórcio Regional de Transportes de Madri, conheceu o sistema de transporte atual da região metropolitana. Sua impressão é de quem já viveu essa situação há 15 anos na capital espanhola. De acordo com ele, as experiências para a melhoria da mobilidade urbana nas décadas de 1970 e 1980 foram desastrosas, porque a área metropolitana de Madri atravessava um período de crescimento desenfreado das cidades do entorno, conhecidas como “cidades dormitórios”. Enquanto isso, o número de automóveis aumentava muito. Para alterar esse ciclo, foi necessária, em primeiro lugar, uma política para estruturar a entidade de transportes. Em seguida, vieram diversas medidas, como a integração tarifária de todos os bilhetes. Nesse sentido, o Rio já avançou com o Bilhete Único intermunicipal. Aldecoa destacou ainda que há boas estruturas por aqui, como a estação Central do Brasil. “À medida que a estrutura melhora, muitas pessoas passam a utilizar o transporte público”, diz. Em Madri, as cidades dormitórios deram lugar a muitos movimentos transversais entre as cidades. Hoje é cada vez mais comum as pessoas optarem por residir fora do centro em busca de qualidade de vida. Estruturar o transporte em forma de anéis, cortando a região, é, para ele, uma boa solução para esses novos cenários. “Isso ocorreu em toda a Europa, por conta da qualidade de vida, difusão dos negócios e padrões inovadores.” 32

transportes. Entre as brasieliras, Cervero destaca Curitiba, que implantou um sistema baseado em corredores de ônibus que cortam toda a capital paranaense. Inspirado nesse modelo, Bogotá, na Colômbia, alterou completamente a situação do transporte, com grandes impactos, inclusive, na paisagem urbana. Com operações imobiliárias antecipadas foi planejada a expansão do transporte aliada a projetos de habitação para população de baixa renda. Em Bogotá, 22% da população morava em assentamentos informais. O tempo médio de deslocamento diário desses habitantes era cerca de duas horas e meia.

A saída foi lançar um programa de moradia (Metro Vivienda), onde as pessoas poderiam pagar com pequenas parcelas e residir em áreas próximas ao transporte. Em Hong Kong, também foram realizados investimentos imobiliários ao longo da principal linha ferroviária. De todos os exemplos apresentados, os mais bemsucedidos articulam o planejamento de infraestrutura de transporte com o uso e ocupação do solo. Cervero chama a atenção para a essa integração multiossetorial, bem como a integração de “software”. Atualmente, com sistemas eletrônicos, é possível monitorar desde a gestão de tráfego até as tarifas.

Modelo de Cingapura restringe compra de automóveis

A

certar é a meta dos gestores de Cingapura, pequeno país localizado no sudeste asiático. “Queremos fazer a coisa certa na primeira vez”, diz Chua. Esse tem sido o norte utilizado na gestão de transportes. Para isso, Chua ressalta a importância do planejamento de longo prazo, que deve ser bem estudado, por se tratar de um setor que exige altos investimentos. Com essa política, o país já planejou ações até 2040. O alvo é, sempre, que no mínimo 70% da população utilize o transporte público. A estratégia de Cingapura é dificultar ao máximo a compra de carros particulares. Eles são sobretaxados e para adquirir um automóvel é necessário, antes, obter uma licença concedida pelo governo a um custo de aproximadamente 80 mil dólares. “Muitas pessoas solicitam o certificado, mas só os 100 mil primeiros recebem a concessão, podendo então trocar de carro”, explica. Outro requisito para poder efetuar a compra é dispor de um local para estacioná-lo, o que não é fácil na região metropolitana do país que não dispõe de muito espaço. Além disso, é cobrada uma taxa anual de todos os carros privados, que varia conforme a capacidade do motor do veículo e o ano. Após uma década de posse, a taxa sofre um reajuste de 10% a cada ano. “É uma forma de não incentivar as pessoas a comprarem carros.” Outra ação relacionada ao transporte individual é que cada automóvel possui um

aparelho eletrônico instalado no veículo, onde vão sendo debitados os “pedágios” na medida em ele circula pelas rodovias. Nas rodovias do Brasil, já há algo nesse sentido, mas ainda em fase inicial, com o sistema “Sem Parar/Via Fácil”. Com o dinheiro arrecadado nas taxas anuais de cada veículo e nas certificações, o governo de Cingapura investe no transporte público. “Não podemos nos concentrar no transporte público se não fizermos nada a respeito do transporte privado”, observa Chua. No Brasil, as restrições ainda não chegaram, e o país, até por conta das medidas anticíclicas para conter os efeitos da crise de 2008, tem ampliado consideravelmente a sua frota. Em dez anos, o número de veículos cresceu 119%, segundo levantamento do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), divulgado em dezembro de 2010. Atualmente são 64.817 milhões de carros. Willian Cho / Wikimedia

Novos movimentos na metrópole


Equidade no território

Planejamento espacial para evitar desigualdades O grande desafio da região metropolitana é romper com a tendência histórica que construiu cidades fragmentadas. Para isso a participação da sociedade na tomada de decisões é fundamental

M

oradia, saneamento, mobilidade, acesso à Saúde e Educação. De todos os desafios colocados para a região metropolitana do Rio de Janeiro, o maior deles é que esses serviços estejam presentes em todo o território, evitando assim as desigualdades. Não só o Rio, mas praticamente todas as metrópoles brasileiras, hoje, são segregadas. Cada nicho e classe social ocupam um espaço delimitado. O medo da violência faz com que determinados grupos vivam enclausurados e cercados

de segurança e outros excluídos em meio à violência. Faz com que moradores de uma parte da cidade tenham acesso a equipamentos públicos e outros, não. “A fermentação social que a fricção entre privilegiados e excluídos gera, e que a segregação espacial não evita, tem diferentes manifestações no território”, afirma Thereza Carvalho, urbanista e professora da Universidade Federal Fluminense. Essa fricção é histórica e, segundo Thereza, para reverter essa tendência de fragmentação espacial, é necessária a participação dos diversos agentes produtores da cidade.

Para construir cidades equânimes, será preciso a participação de quem nelas vive, sem excluir qualquer ator. Para Anaclaudia Rossbach, consultora do Banco Mundial e do governo na área de Habitação, é hora de dividir a responsabilidade entre governos, mercado e sociedade civil. É preciso que todas essas forças tenham voz nas decisões que vão determinar qual metrópole será realidade no futuro. De acordo com a consultora, são necessários pactos entre essas três partes, mas para isso é preciso fortalecêlas, especialmente a sociedade civil. “É di-

Para reverter a fragmentação espacial, é necessária a participação dos diversos agentes produtores da cidade

Chensiyuan / Wikimedia

33


fícil montar pactos com esses atores ainda frágeis e desorganizados e, por outro lado, sem espaço de participação”, diz. Para que essa responsabilidade compartilhada pelo planejamento da cidade ocorra é preciso garantir o espaço em que esses representantes sejam ouvidos. No entanto, a participação da população atualmente ainda se dá de maneira frágil, e o mercado muitas vezes está à frente. “O mercado está avançando numa velocidade maior do que a capacidade do governo de planejar. Por outro lado, está avançando sem nenhum planejamento”, destaca Anaclaudia. Apesar dessa fragilidade, Paulo Gusmão, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, avalia que, nas últimas três décadas, houve uma evolução fantástica da participação da sociedade civil organizada nas decisões de políticas públicas. Mas, segundo ele, o aumento do número de fóruns, assembleias e outras instâncias não foi suficiente para trazer uma realidade diferente. “Temos que reconhecer, ainda que não seja gratificante, que, ao longo de 30 anos, vivemos um período histórico onde quem determinou o 34

ordenamento e o reordenamento do território foram os investimentos feitos por algumas poucas grandes corporações. Não podemos seguir cometendo equívocos desse tipo.”

Protagonismo do Estado

Conforme explicação de John Landis, da Universidade de Pensilvânia, nos EUA, o mercado é o principal ator no planejamento físico-territorial. Já no Brasil, o papel do Estado ainda tem força. Na opinião da professora Thereza, o papel do setor privado no país norte-americano é muito mais significativo do que no Brasil. “Aqui, até quando o setor privado atua, ele é puxado pelo poder público, há incentivos, financiamentos. O protagonismo é do poder público.” Para Anaclaudia, o Brasil tem muitas leis e diagnósticos, porém, o que falta é passar da lei para a ação. Ela acredita ser preciso fazer com que “os planos e leis viabilizem ações concretas que promovam desenvolvimento econômico e a melhoria da vida da população”. Já na opinião de Nina Rabha, consultora em planejamento urbano, poucos muni-

Marcos Leal / Wikimedia

Segundo Tereza Carvalho, em alguns casos são feitas intervenções pontuais, consideradas “arquitetura de grife”

cípios são proativos, a maioria adota ações “reativas e determinísticas”. Ela também critica a questão dos prazos, já que, quando se trata de planejamento, o tempo é fundamental. “A questão do planejamento ganhou uma dimensão de curto prazo, ficando emblemática a palavra projeto para responder um momento muito volátil que sempre é vivido com a sensação de velocidade e de transformação cotidiana”, explica. A gestão é apontada como o maior problema no que diz respeito ao plane-

Nas últimas três décadas, houve um avanço nas instâncias de participação da sociedade civil, mas o mercado ainda está à frente do planejamento


de um certo bairro já existente, mas sim o da maximização do custo do terreno.” Isso, em sua opinião, tem provocado a dispersão de conjuntos isolados, construídos de forma aleatória. Ele apresenta dados de controle urbanístico de diversos municípios em relação às licenças concedidas para construção e a quantidade de certidões de habite-se emitidas. “Quando se compara o aumento do estoque com as unidades que tiveram autorização para

serem construídas, de 100, no Rio, só 40 passaram pela prefeitura. E menos de um quarto receberam o habite-se.” O consultor pondera que é necessário prestar a atenção aos processos do dia a dia das prefeituras da região, “para que um dia tenhamos as benesses que cidades já conseguiram e a melhoria na qualidade de vida por meio de sistemas planejados e grandes controles de construção. É importante cuidar de como é o dia a dia das

Frisko Kry / Wikimedia

jamento, conforme Henry Cherkezian, especialista em programas habitacionais e de desenvolvimento urbano. Para ele, em relação à habitação, por exemplo, os planos, conselhos e fundos nacionais, estaduais e municipais não cumprem sua finalidade. Além disso, ele acredita que falta continuidade nas políticas, pois a cada mudança de governo há uma alteração substancial nos trâmites dos processos e do acesso aos recursos. Na habitação é mais evidente a prevalência do mercado em relação ao Estado. “Não existe diferença entre habitação social e de mercado”, afirma Cherkezian. Isso porque, segundo ele, hoje os imóveis populares subsidiados estão sendo adquiridos a preço de mercado. “O déficit é grande e a construção habitacional, sem uma intervenção urbana e fundiária, aumenta o valor da terra e da construção. O subsídio vai parar no bolso do proprietário do terreno e das construtoras.”

Déficit habitacional

Em 2008, a região metropolitana do Rio de Janeiro apresentava um déficit habitacional de 375.461 domicílios, número equivalente a 9,1% do total de residências existentes. Os dados são da Fundação João Pinheiro/Ministério das Cidades. Baseado neles, o consultor Ricardo Pontual realizou um estudo sobre as necessidades habitacionais na região metropolitana e também na área onde será construído o Arco Metropolitano. De acordo com ele, até 2030 a região terá, em média, um acréscimo de 72 mil domicílios por ano. Considerando o número de famílias sem renda ou com renda de até dois salários mínimos (IBGE/ PNAD 2008), Pontual estima que, desse acréscimo, 20 mil unidades surgirão em favelas. “Na melhor das hipóteses, nossas favelas na região metropolitana estão crescendo a um ritmo de 20 mil unidades por ano”, diz ele. “Assim como a [construção] informal, o mercado imobiliário, considerado formal, se dá à revelia de planos”, conclui, corroborando o que dizem outros urbanistas. Pontual ainda faz duras críticas ao modo como tem sido escolhidas as áreas para a construção de conjuntos habitacionais. “O principal critério determinante da localização de um conjunto habitacional não é o da proximidade às ofertas de emprego ou da consolidação

Planejamento de Estocolmo é considerado modelo; a estratégia foi aquisição de áreas pelo poder público 35


Sugestões para uma metrópole mais igualitária A professora da Universidade Federal Fluminense Thereza Carvalho, propõe quatro pontos a serem seguidos na gestão metropolitana do Rio de Janeiro, são eles: 1. As dimensões política e institucional são responsáveis por elaborar estratégias, estabelecer metas e prioridades, formular respostas, alocar recursos, regular atividades, avaliar resultados e adequar as políticas conforme a necessidade. Uma interface eficiente entre o nível político e o nível administrativo é fundamental para desenvolver as visões e estratégias necessárias. 2. Mecanismos formais de coordenação, que contribuam para solucionar conflitos envolvendo políticas entre as instituições, tais como, reuniões de coordenação no nível mais alto do governo ou em unidades sub-regionais e municipais de coordenação. 3. A capacidade de aprimorar a consistência do processo de formulação de políticas decorrerá da ação do núcleo do governo conduzindo um processo de desenvolvimento de reflexão conjunta entre as organizações. 4. Mecanismos específicos voltados para a integração das políticas definidas como a criação de arranjos de gestão, recursos e ferramentas de políticas que permitam que os atores econômicos respondam positivamente às pressões para melhorar o desempenho a custos mais baixos. 36

prefeituras. É muito maior e desafiador do que quando pensamos apenas o planejamento físico e espacial.” Entre as cidades destacadas como modelos, Pontual cita Estocolmo, na Suécia, que, após 30 anos da elaboração de um plano diretor eram sobrepostas fotografias de antes e depois e elas completavam perfeitamente. A estratégia de Estocolmo era o poder público comprar áreas que poderiam ser importantes no futuro para abrigar equipamentos públicos, tais como aeroportos. Isso permitiu à cidade a possibilidade de controlar seu crescimento. De acordo com ele, esse controle eficiente de aspectos fundiários falta ao Brasil. “Geralmente as coisas acontecem aleatórias”, critica.

Conceito de equidade

Já na União Europeia, a construção da equidade espacial não se deu por acaso. O conceito surgiu na ocasião da formação do bloco. Como explica Thereza, a ideia era reverter a tendência à diferença entre os IDHs dos países. Para isso, a solução foi promover a equidade espacial. De certa forma essa saída mostrou que o processo de desenvolvimento não ocorre uniformemente. “A desigualdade distributiva é uma das expressões básicas mais óbvias do que alguns autores chamam de injustiça espacial.” Ainda segundo Thereza, a União Europeia “está recuperando e reafirmando a importância do planejamento espacial multiescalar para atingir a equidade espacial (e reduzir desigualdades espaciais e a exclusão socioeconômica)”. No Rio de Janeiro, a expectativa é que com o Plano Diretor do Arco Metropolitano esteja havendo uma retomada do planejamento espacial da região. É o que espera o professor Paulo Gusmão. “É uma sinalização, após 30 anos passados, de que estamos retomando, em alguma medida, a ideia de região metropolitana e pensando em ordenar esse processo”, acredita. “Ao longo dessas três décadas, não percebemos nenhum instrumento semelhante.” Com as mudanças pelas quais o mundo passou, o planejamento metropolitano atual é diferente das décadas de 1960 e 1970. Thereza aponta que, naquele período, havia uma segregação funcional e espacial como critério de zoneamento e de ordem. Como exemplo, ela cita Brasília, “da cidade intencionada à cidade produzida”. Já hoje, a ideia seria seguir uma coerência horizontal, uma vertical e outra tem-

Estima-se que, até 2030, a região metropolitana terá 72 mil novos domícilios a cada ano; destes, 20 mil serão favelas. Para Ricardo Pontual, falta planejamento espacial

poral. A primeira, visa ao fortalecimento de interconectividades das políticas desenvolvidas por diferentes entidades no território para que eles se reforcem mutuamente. A segunda, pretende que se os compromissos políticos mais amplos de agências, órgãos e autoridades e governamentais. Por fim, é importante assegurar a continuidade.

Futuro promissor

Remetendo ao geógrafo Milton Santos, a urbanista Nina Rahba destaca que, seguramente, a próxima transformação que seria vivenciada no mundo seria a dos homes e dos lugares. Os investimentos previstos para a região metropolitana do Rio podem significar uma transformação social iniciada dos próprios dos lugares. Para isso, é preciso promover estratégias territoriais voltadas para a equidade espacial, como aponta Thereza. Em muitos casos, são privilegiadas intervenções pontuais chamadas de “arquitetura de grife”, com obras monumentais de grande atração e repercussão. Segundo Anaclaudia, é preciso uma visão de planejamento que seja espacial, social e econômica. Mas, sem esquecer, nunca da qualidade de vida da população. Esse deve ser o sentido para, a partir daí, construir os arranjos institucionais e buscar os meios para se fazer o planejamento. Ela alerta que hoje se parte de uma realidade onde ainda há ausência de dados e fragilidades, fruto de um passado que deixou muitos passivos. “Temos que trabalhar o planejamento, mas de forma a não deixar as oportunidades de investimentos que hoje se colocam, com a disponibilidade de recursos e predisposição de força do mercado na questão da continuidade”, afirma.


Sustentabilidade

Por uma agenda verde Preservação dos recursos naturais e questões típicas do meio ambiente urbano, como lixo, esgoto e mobilidade, passam a ser incorporados na gestão metropolitana

O

s cientistas consideram que a era atual do planeta pode ser chamada de Antropoceno. Isso porque a marca deixada na Terra pelos bilhões de seres humanos poderá ser identificada pela arqueologia no futuro. No entan to, a humanidade pode promover transformações para deixar marcas positivas. Com a maior parte da população mundial habitando cidades, é no meio urbano que deverão ocorrer as principais mudanças com o objetivo de causar menos impactos.

Nesse contexto de aquecimento global, é cada vez mais comum empresas e governos elencarem o desenvolvimento sustentável como uma bandeira. O Brasil chegou a ser considerado pelas Nações Unidas como um exemplo para o mundo no que diz respeito à sustentabilidade. “O País é rico em recursos naturais, em território e tem uma quantidade enorme de experiências, que permitem que sejamos um grande laboratório da sustentabilidade”, acredita Aspásia Camargo, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e deputada estadual.

Aterro sanitário de Gramacho: destinação de resíduos é um dos principais problemas metropolitanos

O conceito de desenvolvimento sustentável refere-se a ações que não causem impactos às futuras gerações. Além de atender ao tripé econômico, social e ambiental, na opinião de Aspásia, não se pode falar em sustentabilidade sem tratar das questões de demografia e morfologia social, que são fundamentais para pensar o território. “O território é a base da sustentabilidade”, diz. A professora da Universidade Federal Fluminense, Thereza Carvalho, ainda acrescenta que o desenvolvimento sustentável deve estar associado à equidade espacial. O conceito de território, com base na Geografia Crítica, considera as relações de poder no espaço, o que interfere na construção ou não de desigualdades. Segundo Thereza, “a promoção da equidade social e ambiental depende da consolidação dos vários tecidos urbanos que hoje se apresentam fragmentados pelo abandono, pelos congestionamentos, pelas apropriações decorrentes de intervenções pontuais de diversos agentes produtores da cidade”. As regiões metropolitanas do Brasil são apontadas como os locais onde há maior desigualdade. Para Aspásia, são nelas que se encontram as áreas mais carentes do País. Ao que Marcelo Lopes de Souza, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acrescenta: “a segregação empurra

Quando se fala em meio ambiente, é fundamental considerar que a agenda não é apenas dos recursos naturais, mas urbana e ambiental, da ecologia urbana 37


os pobres para situações em que são, muitas vezes, os agentes imediatos de quadros de degradação ambiental”. Mas, ele alerta, “além de não serem os agentes mediatos, eles são, também, as principais vítimas de desastres ambientais [desmoronamentos e deslizamentos, enchentes etc.]”.

Pautas verdes e nova economia

A busca por um território metropolitano sustentável começa já na elaboração de planos diretores sustentáveis. Novamente, o planejamento espacial é fundamental e deve levar em conta a sustentabilidade. A conotação ambiental foi o que norteou as principais ações de zoneamento no País nas últimas décadas. Segundo Paulo Gusmão, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Lei de Zoneamento para atividade industrial na área metropolitana de 1981 foi um marco. O objetivo da lei era segregar as atividades com potencial

poluidor. Mas, em sua opinião, nunca foi objeto de revisão e avaliação. “Não há plano de desenvolvimento sustentável sem uma vigorosa estratégia de desenvolvimento”, afirma Aspásia, que remete a uma nova economia que estaria surgindo, baseada no conhecimento e informação. Para ela, a região metropolitana do Rio de Janeiro “não pode continuar sendo depositária de uma velha economia industrial, que rende cada vez menos quando outras atividades rendem muito mais”. Os principais investimentos na região, de fato, serão nas cadeias de combustíveis fósseis, considerados os vilões do aquecimento global. “Dos investimentos na região metropolitana, 91% estão associados à indústria de transformação (complexo petroquímicos, refinarias de petróleo, gasodutos, oleodutos, terminais marítimos), logística de transporte, mineração e indústria naval”, afirma Gusmão.

A região deve incorporar uma nova agenda “verde”, que leva em conta a proteção ambiental, com a regulação do uso do solo 38

O desafio da metrópole é balancear, investindo em outros setores “verdes”. A deputada Aspásia reconhece o esforço do estado do Rio para recuperar os investimentos e desenvolvimento, mas acredita que a região não viverá de petróleo para sempre e que, por isso, precisa buscar também outras matrizes energéticas. “A sustentabilidade, que o Rio de Janeiro persegue, deve se apoiar na nova economia.”

Outra agenda

Para Souza, essa nova agenda “verde” deve ser incorporada à gestão metropolitana. Enquanto a agenda marrom está focada estritamente no desenvolvimento urbano, com ações de infraestrutura, por exemplo, redução de déficit habitacional e regularização fundiária; a agenda verde refere-se à proteção ambiental. Segundo o professor, a agenda marrom tem prevalecido, inclusive sendo contemplada pelo Estatuto da Cidade. Por outro lado, Souza defende que o desenvolvimento urbano autêntico não pode ser alcançado à revelia da agenda verde. “A regulação do uso do solo [e o desenvolvimento econômico, a regularização fundiária etc.] tem de ser pensada, operacionalmente, de tal modo que a proteção ambiental seja um dos ‘temas vertebradores’ do planejamento e da gestão urbanos.” Aspásia destaca que, quando se fala em meio ambiente, é fundamental considerar que a agenda não é apenas dos recursos naturais, mas urbana e ambiental, da ecologia urbana. Mobilidade, saneamento e destinação final de resíduos são alguns dos assuntos pertinentes ao meio ambiente urbano. “A região metropolitana é especial, porque ela dá escala”, diz ela, que defende institucionalidades mais fortes que convênios e consórcios para lidar com problemas metropolitanos. “Precisamos de consistência, por meio de uma agência metropolitana com recursos. Sem ela, nada vai acontecer.” A preocupação com a região também é apresentada por Souza. Ele destaca que a questão metropolitana também é uma lacuna do Estatuto das Cidades e defende uma complementação por meio de uma legislação urbano-ambiental de nível municipal (planos diretores), políticas públicas municipais e estaduais e institucionalidades que promovam a consideração adequada dos interesses comuns entre municípios metropolitanos.


Links: Governo do Rio de Janeiro www.rj.gov.br Banco Mundial www.bancomundial.org.br Instituto do Banco Mundial wbi.worldbank.org Observat贸rio das Metr贸poles www.observatoriodasmetropoles.net

39


Spanish Fund for Latin America and the Caribbean

40


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.