Rio metropole

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Desafios

Perspectivas para uma nova metrópole

P

rofundas mudanças acontecem no Rio de Janeiro, em especial na região metropolitana da capital carioca, impulsionadas por uma série de eventos importantes que serão realizados na cidade, considerada cartão postal do Brasil. O Rio de Janeiro será sede da Copa das Confederações de 2013, da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Receberá representantes do mundo inteiro para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - Rio + 20, já em 2012, de 4 a 6 de junho, e seis mil atletas já participaram dos Jogos Mundiais Militares, conhecidos como as Olimpíadas Militares, entre 16 e 24 de julho de 2011. Paralelamente aos grandes eventos, o Rio de Janeiro está recebendo grandes investimentos públicos e privados. Grandes obras e projetos movimentam a paisagem carioca. Previsto para entrar em operação a partir de 2014, está em obras o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí, município da região metropolitana. A expectativa é que a unidade transforme o perfil socioeconômico da região. Mais de 200 mil empregos diretos, indiretos e por “efeito-renda” deverão ser gerados, tanto durante a obra, como após sua entrada em operação. Com o Pré-sal, o projeto inicial do complexo foi ampliado. A Petrobrás pretende aplicar R$ 83 bilhões em exploração e produção de petróleo no Estado do Rio de Janeiro. Outra grande obra próxima à capital fluminense é a ampliação do Porto de Itaguaí, que terá um aumento de 50% de sua capacidade. Inaugurado em 1982, com o nome de Sepetiba, o local já é considerado o “porto do futuro”. Com obras de dragagem, aprofundamento do canal e uma usina termelétrica, a expectativa é que ele seja o primeiro porto concentrador de cargas do Atlântico Sul, como são os de Roterdã, de Cingapura e de Hong

Investimentos na região metropolitana do Rio de Janeiro poderão alterar as estruturas sociais e econômicas, mas o principal será desenvolver políticas que garantam a sustentabilidade das obras em curso Kong. Por conta das obras, a região de Itaguaí, conhecida como Costa Verde, tem atraído indústrias pela facilidade portuária, como a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), e tem recebido investimentos públicos dos governos federal e estadual, como, por exemplo, a construção do Arco Metropolitano. Segundo Vicente Loureiro, subsecretário de Projetos de Urbanismo Regional e Metropolitano da Secretaria de Estado de Obras do RJ, o Arco Metropolitano é emblemático para o ordenamento do território metropolitano. Trata-se de uma rodovia de 145 quilômetros, que servirá de ligação com cinco estradas que cortam a região, indo de Itaboraí, onde há o complexo petroquímico, ao Porto de Itaguaí. A obra faz parte do PAC e sua finalização está prevista para 2012. O Porto Maravilha é outra obra de grande expectativa. O projeto de revitalização da área portuária do município do Rio de Janeiro pretende reurbanizar uma região que é central, atraindo as pessoas a habitarem o local. Isso diminuiria os problemas de mobilidade urbana, que afetam a capital, como praticamente a todas as grandes cidades do mundo. O Porto Maravilha é próximo a importantes corredores, como a Linha Vermelha, a Via Dutra e a ponte Rio-Niterói. A indústria naval é mais um setor com investimentos previstos. Serão cerca de 5 bilhões de reais nos próximos anos na região. Atualmente o Rio de janeiro é líder no setor naval, com 15 estaleiros e previsão de instalação de mais cinco. A maior parte

deles está localizada na região metropolitana, em especial em São Gonçalo e Niterói. A indústria naval carioca emprega em torno de 25 mil trabalhadores. Até 2020 a previsão é de crescimento, tendo como objetivos a produção de 53 sondas, 504 barcos de apoio e especiais, 84 plataformas de produção e 30 navios petroleiros. Além de todos os investimentos citados, vale lembrar que hotéis estão sendo construídos ou revitalizados, como o tradicional Hotel Glória, às margens da baía de mesmo nome. Sem contar, a reforma no estádio do Maracanã, orçada em cerca de 1 bilhão de reais e que emprega em torno de 800 trabalhadores. Estudo realizado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que cada quilômetro quadrado do Rio de Janeiro receberá mais de 4 milhões de reais em investimentos. Outro estudo, da publicação “Global Metro Monitor”, da London School of Econo-

Se por um lado essa nova fase é estimulante, por outro impõe uma reflexão sobre como os investimentos poderão propiciar uma cidade melhor para se viver


mics e do Brooking Institution, destaca o Rio de Janeiro entre as dez metrópoles mais dinâmicas do mundo.

Políticas para a metrópole

acordo com Loureiro, a idéia é que o Estado passe a atuar de forma mais organizada e sistêmica. “Em contrapartida, temos que cumprir algumas tarefas institucionais de nos organizar para a realização dessas políticas na região”, afirma. Os recursos serão liberados em duas fases, a primeira já foi cumprida, com a organização do governo para a gestão dos recursos. O Seminário Rio Metrópole, realizado entre os dias 16 e 18 de maio de 2011, fez parte dessa fase. “Pela primeira vez reunimos setores dos governos estadual e locais, da academia, da sociedade, enfim, especialistas do Brasil e de fora para discutir os rumos de gestão e as possibilidades da região metropolitana. Devemos tirar algumas versões e referências

Divulgação CDURP

A injeção de recursos concentrados na região metropolitana é enorme. Se por um lado essa nova fase é estimulante, com grandes obras e crescimento econômico, por outro impõe uma reflexão sobre como os investimentos poderão propiciar uma cidade melhor para se viver. O cenário atual traz a necessidade de se pensar políticas que garantam a sustentabilidade e que a população seja beneficiada com as oportunidades que surgem. Com o objetivo de pensar políticas para a região metropolitana do Rio de Janeiro

foi firmado um convênio entre o Governo do Estado e o Banco Mundial, onde serão investidos 485 milhões de dólares. “Trata-se de um programa de financiamento para políticas e não somente para projetos”, explica Loureiro. O objetivo é dar suporte para o governo elaborar estratégias de planejamento e gestão territorial, tendo em vista o crescimento da região metropolitana do Rio de Janeiro. Deverão ser formulados programas integrados que privilegiem o desenvolvimento com inclusão social. Com as enchentes que atingiram a região serrana do estado, durante o mês de janeiro de 2011, as cidades daquela área passaram a integrar o programa, junto com as que compõem a metrópole. De

As obras do Porto Maravilha pretendem revitalizar uma área central da capital carioca


Agência Petrobras

para os desafios que temos pela frente, no sentido do que fazer e qual é a melhor alternativa. Saímos desse seminário com um conjunto de informações, temos que separá-las e construir um modelo, uma proposta de atuação.” A segunda parte virá a partir da realização de estudos em diversas áreas. “Isso irá ajudar na execução dessas políticas”, diz Loureiro. O valor total do investimento será dividido para saúde, água, saneamento, transporte, habitação, desenvolvimento urbano, gestão de desastres naturais e políticas ambientais, entre outras áreas. Boris Utria, coordenador-geral de Operações do Banco Mundial, reconhece o atual momento que o estado e a cidade do Rio estão atravessando e considera um processo muito importante e emblemático para a América Latina. “Há uma série de investimentos que vem para lançar muitas dinâmicas e oportunidades econômicas para a região”, diz, ressaltando o esforço do governo para tentar organizar um planejamento coerente. O Banco Mundial está muito satisfeito de poder ser um parceiro do governo do Rio de Janeiro, assim como do Brasil”, destaca.

Melhorias na região

O vice-governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, ressalta a agilidade do empréstimo e a sua importância para que o governo consiga resolver os problemas da região. “Não temos a utopia de que vamos conseguir resolver todos eles”, diz. No entanto, considera que a realização do seminário Rio Metrópole foi estratégica para pensar soluções. “Espero que façamos nosso dever de casa para ampliarmos esses empréstimos e conseguirmos mais recursos para resolver os problemas da região metropolitana.” Entre os principais, problemas, o vicegovernador elege o transporte como um dos mais urgentes. Isso porque, explica, o Rio de Janeiro apresenta uma aglomeração populacional, tendo 75% da população vivendo em 20% do território. Os engarrafamentos são constantes na cidade. Segundo Pezão, tem sido feitos investimentos no transporte público considerando toda a região metropolitana, não apenas a capital.

A Petrobrás pretende aplicar R$ 83 bilhões em exploração e produção de petróleo no Estado do RJ


Região Metropolitana do Rio de Janeiro Municípios: 19 População: 11.838.752 (Censo IBGE/2010)

Área: 5 292,139 km2 PIB R$ 172,563 bilhões Cidades: Rio de Janeiro, Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica, Tanguá e Itaguaí

“Não adianta resolver o transporte do Rio se não resolver de toda a Baixada Fluminense”, sustenta. Nesse sentido, foram investidos 300 milhões de reais no transporte de barcas Rio-Niterói, com a compra de embarcações novas mais confortáveis. Além disso, ele destaca investimentos, em conjunto com a prefeitura do Rio, em melhorias no metrô e nos BRTs, que vem do inglês “bus rapid transit” e na prática serão vias exclusivas para ônibus. Estão previstos cinco corredores para os BRT na capital fluminense, o Penha-Barra ou TransCarioca, que será estendido ao aeroporto internacional do Galeão, o Santa Cruz-Barra ou TransOeste, o Barra-Deodoro ou TransOlimpica, o da Avenida Brasil ou TransBrasil e o da Via Light. Até a Copa de 2014, está prevista a construção da Linha 3 do Metrô, que terá 23 quilômetros de extensão entre Niterói e São Gonçalo. Outra área que merece destaque, na opinião de Pezão, é a saúde. “Precisamos ter um investimento maciço, principalmente nos municípios da Baixada Fluminense”, afirma. Isso porque as frontei-

ras administrativas municipais passam a inexistir quando uma cidade apresenta problemas na prestação dos serviços. O vice governador ainda alerta que as especialidades médicas estão na capital, o que leva as pessoas a irem buscar tratamento na cidade. O grande desafio, na sua opinião, é que os investimentos motivados pelos grandes eventos como a Copa e as Olimpíadas, se revertam em benefício da população. Para que isso aconteça, acredita na necessidade de integração de todos os municípios da região metropolitana. E cita como exemplo de sucesso de soluções integradas a implantação do Bilhete Único Metropolitano. Com a medida, milhões de passageiros podem usar o cartão para viagens intermunicipais. “Foi uma política acertada, pois garantiu empregabilidade na região”, diz. Com o bilhete integrado eliminou-se os altos custos de transporte. Para reforçar essas ações integradas que garantem soluções para a população de toda a região, Pezão defende a existência de uma agência metropolitana forte dentro do Estado do Rio de Janeiro.

(definidas pela Lei Complementar 133, de 15 de dezembro de 2009)

O Porto de Itaguaí já é considerado o “porto do futuro”; ele deverá ser o primeiro porto concentrador de cargas do Atlântico Sul


Aspectos jurídicos

Um modelo institucional para regiões metropolitanas Supremo Tribunal Federal busca encontrar uma forma de organização da metrópole, em especial no que diz respeito à titularidade de serviços, como o de saneamento básico. Para Gilmar Mendes, a solução é criar um órgão colegiado formado por municípios e pelo estado

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esde a década de 1980, as cidades brasileiras vêm passando por transformações, fruto do processo de urbanização que ganhou força no país. A Constituição Federal, promulgada em 1988, procurou estar antenada com a, então, nova realidade. Ela buscava implementar uma política urbana em nível federal e, ao mesmo tempo, ampliar a competência local. O Artigo 25 traz em seu parágrafo 3º, a possibilidade de os estados instituírem regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, “constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”. Hoje, o Brasil conta com 35 regiões metropolitanas, nove foram instituídas por leis federais, antes da Carta Magna, e o restante por lei complementar estadual. Hoje os limites entre um município e outro, muitas vezes, só são percebidos administrativamente. O emprego gerado por um empreendimento em uma cidade impacta a vizinha, assim como serviços prestados em um local podem ser usufruídos por moradores de outros. As fronteiras tornam-se invisíveis, e os problemas, comuns. Decisões administrativas considerando o conjunto de municípios podem ser eficazes.

Porém, essa nova organização tem esbarrado em questionamentos sobre a autonomia e as competências federal, estadual e municipal. Segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, hoje se busca uma releitura do marco trazido pelo Artigo 25. “Talvez o Rio seja o mais perfeito laboratório para essa experiência metropolitana”, diz. A experiência da formação institucional da metrópole carioca chegou ao STF. O Estado do Rio de Janeiro publicou a lei complementar 87/1997 sobre a composição, organização e gestão da região metropolitana e da microrregião dos Lagos, definindo funções públicas e serviços de interesse comum, e também a lei complementar 2869/1997, sobre o saneamento básico. De acordo com as leis, o saneamento básico era um dos serviços de interesse comum metropolitanos, e caberia ao estado a competência para estabelecer, através da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro - ASEP/RJ, normas gerais sobre a execução desses serviços e o seu cumprimento e controle. O saneamento básico deveria ser regulado pela agência. Mas uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) foi proposta ao STF questionando a titularidade do serviço.

O assunto gerou polêmica, votos controversos, pedido de vista e até hoje não se chegou a uma solução. “Esse tema tem ensejado, no STF, uma controvérsia intensa, já a partir do voto do relator (Maurício Correia, hoje aposentado) e de ministros que participaram do julgamento e já não mais lá estão”, afirma Mendes.

Pontos de vista

Gilmar Mendes explica as diferentes posições dos ministros sobre a constitucionalidade ou não da legislação. Segundo o ministro, Nelson Jobim (também aposentado do STF e atualmente ministro da Defesa) e Maurício Correia apresentaram pensamentos contrários sobre o papel do estado membro na organização de serviços, como o de saneamento. O relator reconheceu a legitimidade da legislação do Rio, julgando a Adin improcedente. Ele entendeu que a região metropolitana não era uma entidade político-administrativa. Já o ministro Nelson Jobim ressaltou a questão da indivisibilidade do serviço de saneamento básico, destacando as realidades dos municípios, a maioria, deficitário. “Os dispositivos da Constituição claramente prevêem uma competência compartilhada entre a União, o Estado e os municípios nessa temática”, explica Mendes. “Jobim votou no sentido de reconhecer a competência executória do serviço de saneamento, não aos estados e aos municípios, mas a um agrupamento de municípios.” A conclusão de Jobim era que as regiões metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões são entes com funções executórias. “Suas competências, bem como suas atribuições, são na verdade a somatória integral das competências e atribuições dos municípios formadores, essa é a base de seu raciocínio”, afirma Mendes. Nessa linha, as funções administrativas executivas da metrópole somente poderiam ser exercidas por órgão próprio, público ou privado, a partir de autorização ou concessão dos municípios formadores. Além disso, caberia aos municípios integrantes da região decidir, no âmbito do conselho deliberativo, a forma como seriam prestados os serviços de natureza metropolitana. Para Jobim, o saneamento básico não pode ser atribuído ao âmbito estadual, sob pena de violar a autonomia dos municípios. Em sua tese, diz Mendes, qualquer legislação que atribua competência executória de regiões metropolitanas ao estado ou de


“Talvez o Rio seja o mais perfeito laboratório para essa experiência metropolitana”, diz Gilmar Mendes

Renato Araujo / ABr

alguma forma subordine as deliberações da aglutinação a autorização da Assembléia Legislativa estadual é inconstitucional. Portanto, ele considerava a lei carioca inconstitucional, diferente de Maurício Correia. Gilmar Mendes ainda ressalta um terceiro voto, o do ministro Joaquim Barbosa, que também considerou a lei inconstitucional, mas por motivos diferentes de Jobim. Ele defendeu a preservação da autonomia política dos municípios integrantes da região metropolitana. Dizia que a titularidade do exercício das funções públicas de interesse comum, passaria para a nova entidade pública territorial-administrativa, de caráter intergovernamental, que nasce em consequência da criação da região metropolitana.

O modelo federativo, distribuído apenas entre União, estados e municípios, parece ser insuficiente para lidar com os desafios das metrópoles

Uma proposta

As três posições distintas, segundo Mendes, reforçam a importância de se debater o tema. “Seminários como este (o Rio Metrópole) são importantes porque nós temos que definir essa questão. E o tema está prestes a ter o seu julgamento retomado, uma vez que o ministro Lewandowski, após o meu voto, também pediu vista.” Para resolver a controvérsia, Mendes propôs declarar a inconstitucionalidade, mas não a nulidade da lei complementar do Rio de Janeiro. Para chegar ao seu voto, ele conta que recorreu ao direito comparado, buscando referência em doutrinadores como Lopes Meirelles e Alaôr Caffé, além do Kreis alemão (forma de divisão administrativa daquele país, em distritos). “Não havia uma jurisprudência segura sobre a questão à luz da Constituição de 88. Embora o tema da metrópole não seja novo, agora, com as novas perspectivas da federação, do ideário da autonomia dos municípios e a perspectiva de uma região metropolitana regulada por lei complementar estadual, nós temos um outro quadro.” Ele ainda destaca a complexa realidade de integração e conurbação entre os municípios limítrofes. No caso do saneamento, diz, há a dificuldade de se fazer a precisa separação entre as etapas do serviço. “Às

vezes a água é apanhada em um local, tratada em outro e distribuída em vários. O exercício da chamada competência comum não é apenas um desejo, tendo em vista uma conveniência, muitas vezes é uma imposição econômica dos próprios fatos, da própria realidade”, explica. O modelo federativo, distribuído apenas entre União, estados e municípios, parece ser insuficiente para lidar com os desafios das metrópoles. Mendes cita Alaôr Caffé, jurista que o inspirou na busca de sua solução: “Não há como deixar de interpretar que aquelas funções públicas de interesse comum são de competência conjunta comum dos municípios metropolitanos e do estado que os integra. Por isso é que são chamadas de funções públicas de interesse comum. Seu exercício, entretanto, é peculiar, visto que os municípios não poderão exercê-las de modo isolado, senão conjuntamente numa espécie de co-gestão entre eles e o estado que tenha a responsabilidade de organizá-las originariamente mediante lei complementar”. A alternativa apontada pelo ministro é implementar um novo modelo de planejamento e execução da função de interesse comum no âmbito das regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerados urbanos. Esse modelo deve acolher a participação dos municípios integrantes, sem que haja concentração de poder decisório nas mãos de qualquer ente. “Nesses casos o poder concedente dos serviços de saneamento básico não permanece fracionado entre os municípios, nem é transferido para o estado federado. Mas deve ser dirigido por uma estrutura colegiada, instituída por meio de lei complementar estadual que cria o agrupamento de comunidades locais, de modo que a vontade de um único ente não seja imposta a todos os demais entes políticos participantes.” Mendes também defende a instituição de agências reguladoras: “É uma forma eficiente para estabelecer o padrão técnico na prestação e concessão coletivas do serviço de saneamento.” Até a decisão final, resta a dúvida se a titularidade do serviço de saneamento será do agrupamento de municípios, ou seja, intermunicipal, ou de um órgão, estadual e municipal, como defende Mendes.


Futuro

Como construir cidades contemporâneas A metrópole do Rio de Janeiro depara-se com a necessidade de novos modelos tanto no que diz respeito à governança, como em questões de mobilidade e habitação, além de ter que vencer velhos desafios

A

cidade mudou, está em transformação. E agora é preciso encontrar um novo modelo que consiga atender às necessidades atuais, que leve em consideração as questões ambientais e garantam igualdade de oportunidades para seus habitantes e as gerações futuras. “Antes de falar da metrópole contemporânea é preciso entender que a sociedade se transforma rapidamente e a cidade também”, explica Nádia Somekh, urbanista e professora da Universidade Mackenzie. Para compreender as cidades e, consequentemente, as metrópoles contemporâneas, Nádia aponta alguns conceitos. Sua tese é de que é preciso saber o que está efetivamente acontecendo com o mundo, para poder agir. Sem reflexão, diz ela, não há como avançar. Hoje, urbanistas e gestores públicos têm que projetar espaços levando em conta problemas recentes, como as mudanças climáticas. Nádia afirma que atualmente vive-se a metrópole pós-Kyoto, em referência ao Protocolo assinado em 1997 e cujo prazo expira em 2012. Com a Terra aquecendo, incorporar ações de sustentabilidade às cidades é cada vez mais necessário, e significa melhorias na qualidade de vida da população. Além das questões ambientais, outro conceito-chave para entender as mudanças da contemporaneidade é a globalização, que, segundo a professora, transformou as relações econômicas em todo o mundo.

Tais alterações levaram o urbanista francês Paul Virilio a dizer que estaríamos vivendo um processo de “omnimetropolização”. As transformações ocorrem num planeta, cada vez mais urbano – mais da metade da população mundial vive em cidades – e no Brasil, o cenário não é diferente. Porém, o país, além de ser urbano, apresenta grandes aglomerados, como explica Luiz César de Queiroz Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles. “Se compararmos o Brasil com países equivalentes na America Latina e também no mundo não desenvolvido, nós vamos verificar o quanto nós somos especiais em termos de rede urbana.” Segundo Ribeiro, há 13 cidades com mais de 1 milhão de habitantes no Brasil, o que rende ao país o terceiro lugar entre as nações que contêm mais de 10 cidades com população superior a 1 milhão. O crescimento econômico que o país atravessa, com elevado número de obras de infraestrutura tem alterado a paisagem de nossas cidades. “Essa conjuntura já provocou mudanças significativas com forte repercussão no cenário urbano com o aumento do crédito em larga escala principalmente para os bens duráveis, como imóveis”, destaca Vicente Loureiro, subsecretário de Projetos de Urbanismo Regional e Metropolitano da Secretaria de Estado de Obras do RJ. Somente em 2010 foram construídas cerca de 1 milhão de novas moradias, todas com financiamento sem considerar as autoconstruções, de acordo com

Sérgio Conde Caldas, presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi). No entanto, apesar dos aspectos positivos dessa nova realidade, com a ascensão de milhões de pessoas da classe D para a C, é necessário avaliar os impactos desses grandes investimentos. Para Nádia, isso não vem ocorrendo. Ela afirma que os dois Programas de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal não apresentaram verificação e monitoramento nesse sentido. “É preciso rever a política nacional de desenvolvimento urbano”, diz.

Futuro e passado

A pesquisadora ressalta que entender a metrópole também significa pensar na articulação entre os municípios ou ainda pensar em como rescentralizar o poder, distribuindo-o de forma democrática. Hoje, segundo ela, o desenvolvimento urbano tem sido encarado de forma muito municipalista. “O país precisa de uma política nacional de desenvolvimento econômico ancorada no território”, diz, reforçando que é preciso criar novas centralidades, e, para isso, uma mobilidade urbana que funcione é essencial. Nádia também alerta para antigos problemas ainda presentes nas metrópoles brasileiras, como falta de habitação e de emprego. “Hoje as metrópoles são produto e motor do capitalismo, entendê-las de forma nacional é bastante importante. Mas é possível pensar o futuro, esquecen-

Pensar a metrópole contemporânea implica em entender as transformações que se passam no mundo, afinal a sociedade transformase rapidamente e a cidade também


do dos nossos velhos problemas, as nossas desigualdades? Podemos falar de cidade contemporânea no Brasil, tendo favelas, ou seja, com o passado existindo?” Nádia realizou uma pesquisa sobre metrópoles européias, que podem servir como inspiração para o futuro das cidades brasi-

leiras. Diferente das metrópoles americanas e asiáticas, elas são tratadas dentro da esfera pública, através do chamado “urbanismo de projetos”. No caso do Brasil, a pesquisadora destaca que são necessários grandes planejamentos com redistribuição de renda, mas também intervenções pontuais.

Carlos Magno / rj.gov

Citando exemplos, como em Londres, Nádia destaca o novo conceito de “cidade criativa”, com investimentos da prefeitura em bairros que estavam abandonados e se recuperaram com configurações econômicas alternativas. Através de flexibilização da legislação urbanística, são promovidas iniciativas de empreendedorismo, como feiras alternativas e a recuperação de antigos galpões industriais para micro e pequenas empresas de alto valor agregado. Em termos de organização, Nádia aponta Milão, que tem um consórcio de municípios, similar ao que existe na Região do ABC, na Grande São Paulo, como um exemplo de governança e construção democrática a partir do município. Já em países como França e Holanda, a metrópole, segundo ela, está sendo tratada como uma questão nacional. Para Jeroen Klink, professor de Economia Urbana na Universidade Federal do ABC, existem diversos tipos de arranjos institucionais no país, como o próprio consórcio do ABC. Mas, ele diz que eles não dialogam com a dinâmica imobiliária. “Dificilmente o sucesso desse arranjo pode ser desassociado dessa dinâmica imobiliária”, afirma. Essa é, em sua opinião, a grande diferença do país em relação às referências europeias. Para Nádia, é preciso atentar para qual cidades estão sendo construídas: “Não queremos só empreendimentos imobiliários que não construam espaços públicos de qualidade, queremos uma cidade de qualidade”. Segundo Klink, o Estado não consegue alavancar um controle social sobre a dinâmica do mercado imobiliário. O mercado, assim, exerce um papel à frente do Estado no planejamento urbano das cidades brasileiras, o que se reproduz em escala metropolitana. “Há muitos descompassos, o movimento ambiental não dialoga com o movimento de moradia, ambientalistas não conversam com urbanistas. Há um nó incrível na aplicação da função social da cidade na escala metropolitana”, observa. Para ele, os municípios brasileiros têm tido dificuldades de implementar as funções sociais da cidade, como prevê o Estatuto da Cidade. “Apesar de representar uma conquista enorHabitações precárias e irregulares, como o Complexo do Alemão, são desafios para as metrópoles brasileiras


Saneamento é uma das áreas que podem ter políticas comuns para a metrópole; na foto, estação de tratamento de água em São Gonçalo

Divulgação / rj.gov

me, pode-se contar nos dedos de uma mão as cidades que têm implementado.”

Setor imobiliário

“As pessoas descobriram que poderão ter o sonho da casa própria atendido. Num primeiro momento essas pessoas compraram linha branca, depois automóvel e, agora, estão partindo para comprar um imóvel. E o momento de comprar a casa é justamente esse, quando a pessoa tem possibilidade de ascensão no emprego ou não tem medo de perdê-lo”, diz Caldas. Assim como Klink, ele reconhece que o mercado imobiliário está à frente de qualquer planejamento urbano. “Alavancamos o volume de recursos e o volume de demanda, como nunca tivemos antes”, afirma. Caldas explica que com a oferta de crédito, o número de moradias vendido no ano passado só não foi maior por falta de mão-de-obra. Esse, diz ele, é o maior entrave para o setor. “O Brasil está com pleno emprego. Pessoas que vinham do nordeste para o Rio de Janeiro, não estão vindo mais.” Por conta disso, o setor estuda criar uma Confederação Nacional da Indústria da Construção Civil, já que os recursos do Senai têm sido utilizados, segundo Caldas, somente para treinar operários da indústria. Ele também ressalta que os métodos de construção brasileiro, definidos por normas técnicas estão superados e que é ne-

cessário um novo modelo mais moderno. “Estamos construindo da mesma maneira de 50 anos atrás, com estruturas mais pesadas conforme exigência brasileira.” O setor está buscando apoio no Ministério da Ciência e Tecnologia e parcerias com universidades para criar um novo modelo construtivo. “Mesmo conseguindo os recursos para treinamento, não haverá pessoal com o nível de construção dentro de um método absolutamente ultrapassado.” A expectativa é que 2011 siga a tendência de 2010. Segundo Caldas, no ano passado foram aplicados 57 bilhões de reais em habitação, de poupança do Banco Central. Neste ano, deverão ser investidos 70 bilhões de reais. Diante desse quadro, ele destaca a necessidade de ter um ente governamental na metrópole do Rio de Janeiro. “O Rio está pronto, vive o seu melhor momento. O fato de a região ser um conglomerado muito homogêneo permite que essas políticas de saneamento, lixo e transporte possam ser políticas comuns, inclusive com áreas de lazer intermunicipais”, destaca, apontando a experiência de Belo Horizonte (ver pág. xx) como um bom exemplo.

A vez do Rio de Janeiro

A falta de um modelo institucional da gestão metropolitana no Brasil, segundo Loureiro, fez com que prevalecesse planos

e políticas setoriais nessas regiões. “Essas instruções de políticas setoriais estão gerando ‘deseconomias’, inclusive reforçando tendências que necessariamente nós percebemos que devemos tentar reverter”, diz. E a reversão desse quadro se dá com a construção de uma governança metropolitana. Mas Loureiro questiona qual seria o modelo mais recomendável para essa nova gestão, tendo em vista as limitações jurídicas, institucionais e políticas, tais como: a quem cabe o protagonismo, se ao estado ou aos municípios, até que ponto e até onde irá o papel dos municípios e do estado na construção desse novo modelo, dessa nova arquitetura. Há ainda outros atores que devem participar: a sociedade e o setor empresarial. Além disso, para cada área, como saúde, habitação, transporte e saneamento é possível que se tenha um modelo de atuação distinto. O subsecretário aponta questões importantes para serem debatidas rumo à construção de metrópoles contemporâneas. Em primeiro lugar, estão os aspectos de sustentabilidade, em especial a mobilidade, cuja situação é crítica na maioria das metrópoles. Nesse sentido, ele também destaca a importância da policentralidade, onde as funções econômicas são espalhadas e distribuídas pelo território. O objetivo seria construir uma metrópole mais equilibrada, principalmente em relação à oferta de emprego. “No caso do Rio de Janeiro temos três quartos dos empregos no núcleo do Rio, provocando uma relação de deslocamento entre casa e trabalho bastante complexa.” Mudanças nesse sentido são urgentes, pois o sistema estaria caminhando para a insustentabilidade, com alguns corredores difíceis de serem utilizados em determinados horários de “pico”. “As regiões metropolitanas expandiram-se principalmente graças à ação da autoconstrução, da informalidade nas favelas, loteamentos clandestinos e irregulares”, aponta Loureiro. Agora, ao discutir uma nova metrópole, resta o desafio de alterar a tônica da informalidade que persistiu por longos anos nas periferias das grandes cidades do país. Talvez esse seja o momento de alterar o rumo dessa história. “Dá para imaginar uma fase, um período, em que as construções


ma a atenção para o eixo entre o Rio de Janeiro e São Paulo. “Nós temos o eixo econômico mais importante do país, apesar de o país estar se desenvolvendo de forma mais homogênea, ainda a metrópole brasileira está concentrada entre Rio de Janeiro e São Paulo”, afirma. A questão econômica, para Ribeiro, tem que ser levada em consideração na discussão da metrópole. “As grandes cidades são o lócus de dinamização da economia”, analisa. A cidade é um lugar, um espaço social, onde se desenvolve uma série de dinâmicas virtuosas em termos de desenvolvimento econômico. Mas, na opinião de Ribeiro, são nas grandes cidades que se encontram os principais desafios nacionais, no que diz respeito às questões ambientais, de cidadania e integração social. As 35 regiões metropolitanas brasileiras concentram 48% da população do país, 50% do PIB e 70% da capacidade tecnológica. Este índice é medido pela quantidade de indústrias que produzem ou difundem inovação, registro de patentes e publicações de artigos científicos. Ribeiro diz ainda que 75% das maiores empresas do país estão instaladas nessas regiões. Até o agronegócio, de acordo com o professor, é um fato metropolitano, pois os negócios são realizados nas cidades. “Onde está o capital financeiro que alimenta o agronegócio? Onde está a Embrapa que produz inovações tecnológicas que permite três safras de soja neste país?”, indaga. Porém, dessas 35 regiões, apenas 15 são consideradas, pelo Observatório

formais, mais sólidas e completas, possam vencer as construções informais?” Com os grandes investimentos e expansão econômica previstos para o Estado do Rio de Janeiro, o legado que deveria ser deixado para as próximas gerações é, na opinião de Loureiro, a redução das desigualdades. Para isso, é necessário um avanço expressivo na universalização de serviços básicos. Os desafios não são mais só de uma cidade ou de outra. O lixo, o abastecimento de água, o tratamento de esgotos, entre outros serviços, mostram a importância de soluções conjuntas. Não é possível construir um aterro sanitário ou uma estação de tratamento em cada uma das cidades. “Existem situações que não há como aprovar construções de conjuntos habitacionais como o Minha Casa, Minha Vida, porque não se tem possibilidade abastecimento de água”, relata Loureiro. Com as oportunidades atuais do Rio de Janeiro e a disposição do governo do Estado em discutir um novo modelo para a metrópole, é hora de projetar qual será a paisagem da metrópole daqui a 10 ou 20 anos. “Poderemos imaginar uma transformação mais intensa, a exemplo do que vivem algumas cidades asiáticas, como em Cingapura ou Xangai, ou continuaremos a perseguir modelos europeus e norte-americano, como Lisboa ou Los Angeles?”, questiona.

Dinâmica econômica

Mostrando um “mapa das luzes”, a urbanista Nádia Somekh aponta como as cidades se organizam atualmente. A imagem é como um tabuleiro preto com conjuntos de aglomerados de pontinhos amarelos. Dá para ver como a população se concentra. No caso do Brasil, ela chaNo mapa, é possível ver onde se concentram os territórios funcionalmente organizados pela economia e demografia

Reprodução

O planejamento urbano das metrópoles contemporâneas terá que dialogar com a dinâmica imobiliária, já que o setor está em franca expansão

das Metrópoles, espaços urbanos com as novas funções metropolitanas que têm as cidades do mundo globalizado e no mundo da economia de rede. As funções, segundo Ribeiro, são coordenação, comando e polarização, em nível regional, nacional e global. “Não devemos pensar o tema metropolitano, apenas pela ótica da conurbação, que é sem dúvida e continuará sendo uma dimensão importante para nossa reflexão. Devemos pensar na questão metropolitana na sua relação no desenvolvimento nacional, pensar as metrópoles a partir do papel que elas têm de articulação do território, dos circuitos, na escala regional, nacional e global”, explica. Ribeiro também concorda que falta um arranjo institucional que dê governabilidade a esses territórios. Mas alerta que esse é também um problema de outros países. “A dificuldade de casar território funcionalmente organizado pela economia e pela demografia, com o território da política é um problema mundial”, afirma. “Consórcios municipais, agências do desenvolvimento, governo metropolitano, qualquer que seja o ordenamento, todos terão que ter um único traço: constituir uma autoridade pública sobre esse território na escala metropolitana. Significa não apenas ter uma burocracia, mas também uma autoridade com legitimidade, com capacidade de agenciamento dos atores, dos interesses, das forças políticas e dialogar com elas”, finaliza.


Planejamento, planos e gestão

Um quarto nível de governo Com a emergência das áreas metropolitanas, novos arranjos institucionais surgem para tentar dar conta de problemas comuns, como o Plano Diretor Metropolitano

A

s regiões metropolitanas trouxeram um novo problema de governança. Antes cada município correspondia a uma cidade, com sua respectiva prefeitura e câmara municipal. Mas, agora, as metrópoles cresceram, além dos seus limites municipais. “A partir do momento que não há mais correspondência entre cidade e município, não há mais correspondência de governo”, afirma Flávio Villaça, professor de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). Essa é, segundo ele, a novidade trazida pelas áreas metropolitanas brasileiras. A Constituição de 1988 atribuiu aos estados a competência para criarem áreas metropolitanas. Desde então cada uma das unidades federativas utilizou-se de critérios diferentes para fazê-lo. Villaça considera, porém, que mais do que um conjunto de estudos técnicos, diagnósticos, metas e objetivos a serem cumpridos, o planejamento urbano deve tratar da intervenção do Poder Público sobre as cidades. Ou seja, a grande questão seria como intervir em um conjunto de municípios. “Para esse problema de governo tem se buscado várias soluções, entre elas, a criação de um quarto nível de Poder, que seria o governo metropolitano”, pondera o professor. No entanto, essas novas formas de organização no país têm provocado reper-

cussões profundas em termos jurídicos, porque, segundo Villaça, esse novo nível extinguiria as prefeituras e câmaras municipais. E por conta disso ele mesmo pergunta: “Como seriam redistribuídos os impostos?” As experiências brasileiras têm sido frutos de consenso entre os municípios da região metropolitana. E surgem do entendimento de que é necessária uma intervenção conjunta para problemas comuns. Mas isso não é suficiente na opinião do professor. Ele entende que caberia ao governo federal planejar a intervenção sobre a rede de cidades do país.

Um dos problemas para o planejamento na opinião do professor é que o debate de um Plano Diretor envolve dois aspectos: uso do solo e obras. Porém, segundo ele, não há nenhuma lei no Brasil que obrigue prefeitos ou governadores a executarem as obras propostas. E em relação ao uso do solo, chamado de zoneamento, fica definido em lei como de peculiar interesse do município. Ele considera isso contraditório e defende uma lei de uso e controle do solo estadual, onde se possa definir o peculiar interesse metropolitano. Como isso não é realidade, Villaça avalia que os planos, por serem facultati-


A expansão do tecido urbano da metrópole ampliou a densidade populacional fora do centro da capital carioca, tornando a mobilidade um problema complexo

vos, acabam se tornando apenas um conjunto de objetivos ou de boas intenções. “Se na parte de obras ele não tem valor nenhum e se na parte do uso do solo é essa incógnita, o que sobra?”, indaga. Para ele, o Plano Diretor faz parte de uma “tradição do planejamento urbano brasileiro”, que não tem operacionalização.

A experiência mineira

Nos últimos anos, porém, o Brasil tem tido várias iniciativas visando o planejamento urbano das metrópoles, como a que vem sendo realizada em Minas Gerais. “Os novos modelos de planejamento

urbano pressupõem uma gestão compartilhada e normalmente têm a presença da sociedade civil nos seus conselhos deliberativos”, diz Maria Madalena Franco Garcia, secretária municipal de gestão compartilhada da Prefeitura de Belo Horizonte. Ela participou de todo o processo que buscou um novo ordenamento institucional na região metropolitana de BH. Segundo Madalena, o processo teve inicio em um seminário legislativo, em 2004, onde houve um grande debate sobre modelos de gestão, com participação da sociedade civil. A partir daí começou a ser discutido um Projeto de Lei que acabou sendo concluído por meio das Leis Complementares 88, 89 e 90 de 2006. O modelo foi implementado a partir de 2007 e consolidado ao final de 2010. Em 2007, o governo do Estado de MG criou uma Subsecretaria de Desenvolvimento Metropolitano para implementar esse novo arranjo institucional de gestão e a retomada do planejamento. “Havia um vácuo de 20 anos, pois desde a extinção do Plambel [autarquia estadual responsável pelo planejamento da RMBH, durante as décadas de 1970 e 1980] que não se falava mais em planejamento metropolitano”, afirma. O novo arranjo é composto por uma Assembléia Metropolitana, formada pelos prefeitos dos 34 municípios da região, os presidentes das câmaras municipais, o Executivo e o Legislativo estadual. Ao todo são 74 membros, que são responsáveis pela definição de macrodiretrizes para a região. “O principal problema é conseguir reunir pelo menos 75% desses membros para conseguir alguma deliberação”, diz. Nesse ponto, uma das dificuldades é convencer políticos a enxergar além de seu território, de sua base eleitoral.

Novo arranjo institucional da região de Belo Horizonte conta com apoio da sociedade civil, que se reúne periodicamente para debater o planejamento da metrópole

Há também o Conselho Deliberativo, formado por representantes do Executivo e Legislativo Estadual, dois membros da sociedade civil, dois da Prefeitura de BH, de Contagem e de Betim, a capital e os dois maiores municípios da região respectivamente, e três das demais cidades. Ao todo, são 16 membros titulares e 16 suplentes. Outro instrumento é a Agência Metropolitana que é um órgão consultivo e técnico de apoio ao Conselho e à Assembleia. Ainda foram criadas duas ferramentas: o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano, que tem 50% de recursos do Governo do Estado e 50% da soma dos 34 municípios, e um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado na Região Metropolitana.

Pontos-chave da RMBH

Uma das primeiras ações na implantação do modelo da região metropolitana de BH foi a realização de uma conferência metropolitana, onde foram eleitos os membros da sociedade civil para compor o Conselho Deliberativo. Segundo Madalena, “a partir da primeira conferência surgiram alguns movimentos em prol da Região Metropolitana e um deles foi o colegiado formado basicamente por entidades da sociedade civil que queriam contribuir com o planejamento e o desenvolvimento da região”. “Após a conferência, eles passaram a se reunir e até hoje se reúnem praticamente mensalmente, ou a cada dois meses, para discutir as questões relativas à região metropolitana e propor ações e projetos. Foram grandes contribuintes na formulação do termo de referência que contratou o Plano Diretor Metropolitano e, depois, no acompanhamento e desenvolvimento do Plano”, diz. Madalena conta que em 2008 foi iniciado um trabalho junto a todas as prefeituras da região para que colocassem em seu orçamento recursos para o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano. Isso garantiu que em 2009 já houvesse recursos no Fundo. Assim, foi possível a contratação do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado em julho daquele ano. Em dezembro de 2010, o plano foi concluído. O documento foi realizado pelo Centro de Desenvolvimento Regional da Universidade Federal de MG. De acordo com Madalena, houve um envolvimento muito intenso da universidade, com grande processo participativo, o que, na sua opinião,


é uma certa garantia de que o Plano sairá do papel. “A sociedade civil passou a cobrar do governo do Estado a implementação do plano”, destaca. Madalena avalia que o processo da RMBH já resultou em vários aspectos positivos, entre eles o de ter surgido uma frente de cidadania metropolitana que vem se reunindo, se articulando e o estimulo à universidade no desenvolvimento de estudos e pesquisas com a temática metropolitana. Madalena ainda ressalta que, a partir do Plano Integrado, a prefeitura de BH criou a Secretaria de Gestão Compartilhada, com o objetivo de ampliar ainda mais o processo participativo. Em 2011, foi criada também uma Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Metropolitano.

Conter expansão e qualificar o espaço

Segundo Madalena, um dos pressupostos do Plano Diretor era a construção de uma cidadania metropolitana. Em sua concepção, o cidadão metropolitano é aquele que mora num município e trabalha e passeia em outros. Ou seja, ele transita na região em diversos municípios sem perceber. O modelo implantado na RMBH ainda contou com outros objetivos: a construção de uma solidariedade metropolitana, a ampliação da inclusão social e econômica, o fortalecimento da justiça social e ambiental, a redução da desigualdade e da pobreza e o reconhecimento e valorização da diversidade socioambiental. A ideia, diz Madalena, é buscar um novo papel regional e nacional para a região, com maior integração no seu entorno econômico e novos nichos de desenvolvimento econômico e social. Um dos desafios, assim como em outras regiões metropolitanas do país, é diminuir

as disparidades de receitas e renda. Isso implica em criar novas centralidades. No entanto, a estratégia utilizada é uma descentralização concentrada no território metropolitano. “A ideia é conter a expansão da mancha urbana que vem trazendo cada vez mais problemas em relação à mobilidade, é condensar esse território, criando diversas centralidades dentro dele”, explica. A concentração do território também é defendida por Sérgio Magalhães, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele acredita que é melhor a conter a expansão das cidades e qualificar o tecido urbano. “Nós não temos mais exigências de ordem demográfica que justifiquem a expansão das cidades. Ao contrário, temos como exigência a qualificação do tecido urbano para que a cidade possa responder pela equidade necessária e democratização social.” Segundo Magalhães, em geral enfatiza-se os aspectos resultantes dos investimentos públicos porque eles são determinantes no desenvolvimento das cidades, mas é preciso lembrar que a falta de investimentos, a ausência de recursos para a cidade existente, também exerce um papel importante na manutenção, na conservação e na decadência de regiões importantes.

Modelos nacionais

“Não existe um modelo único para as regiões metropolitanas”, considera Madalena. Ela entende que é preciso considerar as características regionais. Mas ao mesmo tempo pondera que “há algumas diretrizes que podem ser seguidas”. Entre elas, buscar arranjos que permitam gestões pactuadas e compartilhadas e ações continuadas. Além de ter um Plano Diretor e uma agenda para buscar fontes de financiamento.

Madalena ressalta que “não dá para pensar em região metropolitana sem envolver o Governo Federal, que tem que se comprometer com a questão de investimento”. Por isso ela avalia que uma instância que poderia ser utilizada para levar a discussão ao governo federal é o Fórum Nacional de Entidades Metropolitanas (FNEM), uma associação de entidades e órgãos públicos estaduais, responsável pelo trato de assuntos relacionados às regiões metropolitanas brasileiras. “É preciso levar ao governo federal a discussão de integração das políticas públicas no território metropolitano, porque o governo federal tem uma política voltada para o município e esquece que os municípios de regiões metropolitanas têm características diferentes, porque não dá para saber onde começa e onde termina o município.” Os novos modelos para o país, segundo a secretária, devem manter a autonomia municipal, onde os poderes municipais, estadual e sociedade civil atuem em cogestão na formulação dos planos e projetos. “Aquele modelo centralizador, onde o estado define as regras e os planos e depois os empurra para os municípios não vai funcionar mais. O grande princípio hoje é que tem que ter

Não existe um modelo único para as regiões metropolitanas, mas algumas diretrizes podem ser seguidas, como a gestão compartilhada entre os municípios, fruto de um entendimento político


entendimento político, sem prevalência de uma ou de outra instância.” No que diz respeito à distribuição do que é considerado indesejado (aterros sanitários, presídios e estações de

tratamento de esgoto), em geral um dos grandes problemas da governança metropolitana, Madalena defende ferramentas que criem políticas compensatórias. Outro ponto importante,

na sua opinião, é que se estabeleça um planejamento de médio e longo prazo, garantindo autonomia, com interdependência e sustentabilidade financeira, política e administrativa.

Para urbanista, planos do Rio de Janeiro permitiram expansão precária

C

oncentrar e qualificar o tecido urbano, para Sérgio Magalhães, professor da UFRJ, são os caminhos para proporcionar cidades mais democráticas. “É preciso associar o núcleo ao conjunto metropolitano”, afirma. No Rio de Janeiro, segundo o professor, o processo ocorreu de modo inverso. Em 1870, a densidade populacional era de 10 mil pessoas por km2 e em 1960, de 16 mil por km2. Já em 1996, a densidade caiu para cerca de 6 mil habitantes por km2. Os números mostram que ao invés de concentrar a população, ela se espalhou pelo tecido urbano. De acordo com Magalhães, quando o Rio de janeiro deixou de ser a capital do país, em 1960, o governo contratou o arquiteto Constantino Doxiadis para que elaborasse um plano: Rio Ano 2000. Na ocasião, foi proposta a expansão da ocupação da cidade de 300 km2 para 8 mil km2. Doxiadis propunha também a desconstrução da centralidade metropolitana e construção de inúmeros novos centros distribuídos pelo território. “Era um plano de acordo com o ideário modernista, que era hegemônico naquele momento”, explica Magalhães. “Diria que foi uma construção ideológica que ajudou a expansão exagerada do tecido urbano e é responsável, em muitos pontos de vista, pela crise de violência que a cidade experimentou e experimenta até hoje”, completa. O plano motivou a remoção de muitas favelas do centro e da zona sul do Rio de Janeiro em direção a oeste da região metropolitana. Segundo o professor, houve a transferência de milhares de famílias a distâncias nunca antes imagináveis. Daí surgiram reassentamentos compulsórios bem distantes do centro da capital carioca: Cidade de Deus a 38 km do centro, Villa Kennedy a 42 km e Antares a 68 km. “Antares ainda hoje é o lugar mais pobre do município”, observa.

A expansão precária do tecido urbano, como o bairro Cidade de Deus, a 38 quilometros do centro do Rio, é apontada como uma das causas da violência; ao lado Unidade de Polícia Pacificadora, uma das iniciativas para resolver o problema

Pouco tempo depois, outro plano, desta vez do urbanista Lúcio Costa, propunha deslocar o centro metropolitano do Rio de Janeiro para a Barra da Tijuca. Com a proposta, recursos públicos começaram a se direcionar entusiasticamente para a região. Segundo o professor, a sequência de planos fez com que no final do século 20 a densidade populacional fosse inferior a de 130 anos atrás. Isso implica na necessidade de mais recursos para investir em infraestrutura num território ampliado. A consequência foi a perda de qualidade no tecido urbano já que a expansão se deu de forma precária. Hoje, o professor nota que surgiram novas centralidades do centro para a região sul (Copacabana, Ipanema e Leblon), o que também aconteceu em

São Paulo, cuja centralidade passou da região central, para a Avenida Paulista, depois Ibirapuera e agora na região da Avenida Berrini. No entanto, se comparado a Paris e Nova York nenhuma das cidades permitiram a desconcentração. “Elas reforçam a sua centralidade ao invés de dispersá-la.” Para o professor, no atual momento que vive a região metropolitana do Rio de Janeiro, com grandes investimentos, é uma oportunidade para inverter essa direção, associando o centro do conjunto da região. A melhor maneira para isso, diz Magalhães, é a associação mobilidade-moradia, investindo em transporte sobre trilhos. “Só o transporte sobre trilhos tem condições de oferecer qualidade em grandes metrópoles”, finaliza.


Planejamento, planos e gestão

O século urbano A previsão é que cada vez mais os seres humanos habitem cidades, principalmente os grandes aglomerados, tornando a busca por espaços de qualidade uma tendência mundial

P

ensar a gestão das cidades considerando as áreas metropolitanas não é uma exclusividade do Brasil. “Temos um problema: o Século 21 será urbano”, diz Leonardo Nicolas Ronderos, diretor da Regional Plan Association (RPA), entidade norte-americana que se dedica ao planejamento urbano. “É o contexto internacional, em todos os lugares essas questões estão sendo discutidas”, afirma ele, que cita o relatório do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-HABITAT), cuja estimativa é de que até 2050 a grande maioria dos habitantes da Terra viverá numa cidade. Por conta disso, o relatório sobre o estado das cidades do mundo 2010/2011 diz que o homo sapiens deverá ser chamado de homo sapiens urbanus. A mudança para a cidade está associada à expectativa de melhora na qualidade de vida, com facilidade no acesso a serviços públicos. Mas nem sempre eles são garantidos a todos os habitantes. “Devemos nos concentrar na ideia de que as cidades sejam mais habitáveis para as pessoas que vivem nela”, destaca Paul Lecroart, planejador urbano sênior da Agência de Desenvolvimento e Planejamento Urbano da região de Paris (IAU). Para enfrentar os problemas das megacidades, diversas experiências têm sido implementadas pelo mundo em busca de espaços de qualidade, mais inclusivos e democráticos. Entre as experiências internacionais, a urbanista Nádia Somekh destaca algumas intervenções européias de revitalização de espaços, como o projeto das Região de Docklands em Londres recebeu edifício “âncoras” para atrair investimentos , hoje reúne empregos e habitações

Docklands de Londres, que teve início na década de 1980. Lá foram instalados edifícios que serviram de âncoras para atrair pessoas e investimentos para a região. A estação de metrô Canary Wharf, com sua arquitetura moderna, completou a transformação daquele espaço. Hoje a revitalização é considerada bem-sucedida, com milhares de empresas, habitações e empregos. Outro exemplo ocorreu na maior região metropolitana da Alemanha, o Vale do Ruhr. No final do século 20, a área estava abandonada e contaminada após a desativação da indústria siderúrgica e de minas de carvão que funcionavam anteriormente no local. “O Vale do Ruhr é emblemático pela questão ambiental”, afirma Nádia. Um dos pontos-chave para a recuperação do espaço foi o chamado International Building Exhibition Emscher Park (IBA). Durante dez anos, foram priorizadas a infraestrutura que já havia no local, revitalizando as antigas fábricas, com a construção de um cor-

redor verde e centros de cultura nas áreas e galpões abandonados. Outro plano foi colocado em prática em 1999, o Project Ruhr, com término previsto para 2014. A França também apresenta bons exemplos de planejamento urbano. Em 1960, foi criada a IAU, uma agência de planejamento urbano para pensar a metrópole de Paris. A região possui cerca de 11 milhões de habitantes, dos quais aproximadamente 2 milhões vivem na capital parisiense. Segundo Lecroart, há uma grande diversidade física, social e ambiental. “Paris é uma cidade pequena em uma grande área metropolitana, por isso depende dos subúrbios”, diz. Por conta disso, o planejamento urbano foca na intensificação do transporte, privilegiando o acesso ao centro urbano e a concentração do tecido urbano. Lecroart destaca a importância de valorizar o espaço público, “onde as pessoas se encontram e onde é criada a identidade da metrópole”. Para receber a Copa do Mundo de 1998, foi traçado um plano de recuperação urbana, cujos focos eram a criação de novos espaços e transportes públicos. Assim, 90% das pessoas que frequentaram o principal estádio dos jogos fizeram-no por meio de transporte público. Hoje há uma polêmica na região em relação à construção de um novo anel externo do metrô. A grande


A estação de metrô Canary Wharf é uma das mais utilizadas em Londres, passando por ela mais de 40 milhões de pessoas por ano

questão é sobre a vantagem de conectar conglomerados econômicos da periferia ou priorizar as áreas urbanas existentes. Desde 2009, 188 autoridades locais e regionais formaram um sistema de cooperação voluntário para debater a região e encontrar uma perspectiva comum. Foram criadas comissões de trabalho por temas: habitação, mobilidade, solidariedade, desenvolvimento (redistribuição fiscal), projetos metropolitanos e, recentemente, governança..

Questões comuns

Para Ronderos, um dos maiores desafios hoje em dia é garantir infraestrutura de transportes nas regiões metropolitanas. Assim como no Brasil, as cidades se organizam para encontrar soluções. Ele aponta os modelos de gestão internacionais que já foram implementados e somam um espectro de alternativas (ver quadro). Os modelos variam em relação à participação na tomada de decisões (de forma horizontal, ou seja, sem imposição de autoridade, ou vertical) e à organização. De acordo com ele, o governo metropolitano funciona como uma instituição unitária, com total autoridade regional. O conselho metropolitano é uma organização global de unidades locais que promovem objetivos comuns. Já o policentrismo territorial mantém a fragmentação política e a autonomia local. O distrito de finalidade única pretende consolidar os serviços com uma cobertura interjurisdicional. Por fim, a cooperação interlocal visa incluir vários atores. “A questão é como alinhar o espaço administrativo em termos de gestão”, diz. Nos Estados Unidos, por exemplo, há muito pouco controle sobre o uso e ocupação do solo. As exceções, em termos de governo federal, são as terras federais, com florestas e parques nacionais e bases militares, e em relação a terras privadas, o governo só regula atividades de mineração e proteção

à fauna e áreas de preservação ambiental. Segundo John Landis, diretor do Departamento de Planejamento Urbano e Regional da Universidade de Pennsylvania (EUA), tampouco os 50 estados daquele país exercem muito controle. O Estado da Califórnia é um dos mais rigorosos, com diversas leis de impacto ambiental. “É necessário encontrar um equilíbrio entre eficiência e controle na gestão metropolitana”, diz. Em relação ao planejamento urbano, há múltiplas abordagens. A maioria dos planos é desenvolvido e implementado localmente, em cada município. O formato do plano é regulado pelos estados, que variam amplamente sobre o conteúdo, em geral focado no zoneamento. Assim, há estados, como a Califórnia, que exigem que cada jurisdição tenha um plano abrangente, e em outros, como o Texas, o planejamento é voluntário. Já o transporte tem atenção especial no país. Cada área metropolitana ou aglomerado que tenha uma população acima

A gestão metropolitana no mundo Alguns modelos implantados em algumas megacidades, segundo Nicolas Ronderos

Xangai - Governo metropolitano Londres - Conselho metropolitano Buenos Aires Policentrismo territorial Barcelona - Distrito de finalidade única Nova Iorque - Cooperação interlocal

de 50 mil habitantes deve ter uma organização de planejamento de transporte obrigatória (MPO), que tem a função de preparar um Programa de Melhoria do Transporte (TIP) plurianual. Os programas devem priorizar projetos de transporte local com recursos federais e garantir a coerência com os planos estaduais referentes à qualidade do ar. Com cerca de 20 milhões de habitantes e formada por três estados, a região metropolitana de Nova Iorque teve seu primeiro plano em 1929, elaborado pela RPA. Com a crise que afetava os Estados Unidos, o objetivo principal daquele plano era investir em infraestrutura. Já em 1968, foi elaborado um segundo plano regional, e em 1996, um terceiro. O transporte de massa, a questão do emprego, da participação dos imigrantes na economia e a preservação ambiental fazem parte desse terceiro plano. Para Ronderos, os desafios para a gestão passam por instituir limites para o crescimento metropolitano, focalizar transporte e infraestrutura, definir metas e objetivos de sustentabilidade e fortalecer relações municipais, estaduais e federal, que priorizem a governança, desenvolvam lideranças empresarias e promovam a participação pública ativa. “Há questões comuns enfrentadas por pessoas que vivem em diferentes cidades”, afirma Austin Kilroy, economista urbano do Banco Mundial. Pensando nisso e nas novas tecnologias, ele propõe que as cidades troquem experiências de governança através da internet. Para isso, lançará o site www.urbanknowledge.org. Trata-se de uma plataforma onde as cidades podem descrever suas soluções urbanísticas, se deram certo ou não e os problemas enfrentados, o que, para Kilroy, poderia ajudar nas tomadas de decisões. Em geral, as regiões metropolitanas apresentam realidades parecidas, com diversidade territorial e a fragmentação da economia, formada por uma grande cidade e cidades satélites que a contornam. Ronderos acredita que a gestão metropolitana deve ser inclusiva. “Todos os interesses devem ser trazidos à tona”, destaca. “Ao ser inclusivo, garante-se o vínculo político nas soluções propostas.”


Entrevista

Um legado definitivo para o Rio de Janeiro Para Sérgio Cabral, é preciso fazer dos grandes eventos que o Rio vai sediar uma maneira de criar benefícios para a população

E

m entrevista à revista Rio Metrópole, o governador do Estado do Rio de Janeiro destaca as ações que têm sido implementadas em diversas áreas. Eleito governador em 2006 e reeleito, no primeiro turno, em 2010, seu governo tem importantes programas, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e o PAC das Comunidades. Com os grandes eventos, investimentos e projetos previstos para os próximos anos, seu objetivo é deixar um legado definitivo para as próximas gerações.

Rio Metrópole - A região metropolitana do Rio de Janeiro vive um período de transformações, por conta de grandes investimentos e eventos. Como o Governo do Estado está atuando para que essas mudanças deixem um legado positivo para a população? Sérgio Cabral - Realmente, o Rio de Janeiro vive um momen-

to único em sua história, se consolidando cada vez mais como um dos principais pólos de desenvolvimento do Brasil. O Rio é a metrópole do mundo com o mais importante calendário de grandes eventos nesta década. E todos esses eventos representam uma oportunidade extraordinária de deixar um legado definitivo para as próximas gerações. Para se ter uma ideia, vamos investir, com recursos próprios, cerca de R$ 15 bilhões nos próximos anos para fazer as Olimpíadas. São investimentos que estão no Caderno Olímpico. Na área ambiental, o saneamento básico será o grande foco. Nossa meta é ampliar, nos próximos quatro anos, a coleta e o tratamento de esgoto na Região Metropolitana do Rio, de 30% para 60%. Também vamos, até 2016, erradicar todos os lixões e implantar aterros sanitários em todo o estado. Continuaremos com a urbanização das áreas carentes, com a sequência do PAC das Comunidades. Na área da Segurança Pública, o nosso compromisso é que não haja, até 2014, nenhuma comunidade dominada pela criminalidade. Vamos melhorar o transporte público, revitalizar áreas degradadas da cidade e criar um grande ciclo de desenvolvimento com segurança. Ainda temos um longo caminho, mas não tenho dúvida de que estamos no rumo certo.


Rio Metrópole - Um dos principais problemas das grandes cidades é a mobilidade. Quais políticas de transporte estão sendo pensadas para a região metropolitana? Sérgio Cabral - O nosso governo tem investido em diversas frentes na área do transporte de massa com o objetivo exclusivo de melhorar a mobilidade da população. Um acordo com a concessionária Metrô Rio garantiu 19 novos trens para o sistema, que terá um aumento de 63% em sua frota, atendendo à crescente demanda dos passageiros. O usuário contará também com o conforto de um sistema de ar-condicionado 33% mais potente do que o atual. A criação da Linha 4, que ligará Ipanema à Barra da Tijuca, também será muito importante para dinamizar o deslocamento da população e reorganizar o trânsito na cidade. Em breve, faremos a licitação para a Linha 3, que ligará Niterói a Itaboraí, passando por São Gonçalo. Há ainda a Estação Uruguai, na Tijuca, que já está em construção e será a 36ª estação do sistema. Ela atenderá, inicialmente, 20 mil pessoas por dia. Já no sistema rodoviário, o corredor expresso TransOeste ligará a Barra a Campo Grande, tendo integração direta com o metrô. A previsão é de que seja inaugurado em dezembro de 2015. Também vamos investir R$ 300 milhões na compra de 11 novas barcas, além de reformar as que já estão em operação. E, junto com a SuperVia, investiremos mais de R$ 2 bilhões nos próximos anos para modernizar todo o sistema ferroviário, incluindo a reforma de todas as estações. São 89 estações que atendem 11 municípios e 550 mil pessoas por dia. Nossa meta é duplicar a capacidade de transporte da rede até os Jogos de 2016. Há, ainda, os quatro corredores expressos para ônibus, os BRTs, projeto da prefeitura do Rio que dará outra mobilidade ao trânsito. Ou seja, nós já trabalhamos com diversas políticas para garantir a eficiência dos sistemas de transporte, deixando-os cada vez melhores para atender à nossa população.

Rio Metrópole - Quais são as principais iniciativas do Governo do Estado em benefício da Região Metropolitana?

Sérgio Cabral - Todas as nossas secretarias trabalham com diversos programas voltados para atender e melhorar a qualidade de vida da população do nosso estado. Nós demos um grande passo, com relação à questão da mobilidade, que aqui no estado sempre custou muito ao usuário. Para atender a essa demanda criamos o Bilhete Único Intermunicipal, que permite que o ciRio Metrópole - A gestão da metrópole foi um dos dadão que mora em 20 cidades da Região Metropolitana não principais temas debatidos no Seminário Rio Metróseja penalizado com o custo pole, realizado em condo transporte, o que sempre junto pelo Governo do foi um entrave para a emEstado do Rio de Janeipregabilidade. Lançado no ro, Banco Mundial e Go“Nossa meta é ampliar, nos ano passado, o BU continua verno da Espanha. Qual próximos quatro anos, a coleta custando ao usuário apenas seria o papel do Estado R$ 4,40, mesmo tendo hanessa nova organizae o tratamento de esgoto na vido reajuste das passagens, ção metropolitana? Região Metropolitana do Rio, para usar dois modais de transporte, sendo um deles Sérgio Cabral - O semide 30% para 60% e, até 2016, intermunicipal. O estado nário foi estratégico para o erradicar todos os lixões” investiu R$ 218 milhões em governo. Durante três dias 2010 para subsidiar o BU e foram debatidos assuntos lieste ano o investimento será gados à urbanização, mercade R$ 275 milhões. Com do imobiliário, transportes, isso, damos mobilidade e ajudamos as pessoas a arranjarem ou desenvolvimento sustentável, prevenção de acidentes, entre manterem o emprego porque acaba o problema, para o trabalhatantas outras questões fundamentais para o nosso desenvolvidor e para quem contrata, do alto custo com o transporte para os mento. Temos que fazer desses grandes eventos que o Rio vai que moram longe do trabalho. O nível de desemprego na Região sediar uma maneira de criar benefícios para a população. Isso Metropolitana bateu recorde em novembro do ano passado e é o nos serve de aprendizado, como uma diretriz, para continuarmenor do Brasil, inferior a 5%. mos seguindo no caminho certo.


Outro importante investimento para a população foi a criação de desenvolvimento econômico da região, a cidade de Itabodo Programa Renda Melhor, parte do Plano de Erradicação raí já tem oito pedidos de licenças para a construção de hotéis. da Pobreza Extrema no Rio de Janeiro. Junto com o objetiOutra iniciativa fundamental é o Arco Rodoviário Metropolitano, vo de nos alinharmos ao desafio nacional pela superação da já em obras, que vai cruzar toda a Região Metropolitana, nas “cospobreza extrema, o nosso tas” do Rio, ligando Itaguaí, objetivo é formar jovens Seropédica, Queimados, empreendedores e melhoNova Iguaçu, Caxias, Magé, rar as condições de emGuapimirin e Itaboraí para “O Arco Rodoviário Metropolitano, prego e renda por meio de o escoamento da produção. cursos profissionalizantes. Será uma nova fronteira de já em obras, que vai cruzar toda A nossa Secretaria de Asdesenvolvimento do estado a Região Metropolitana, nas sistência Social e Direitos na Região Metropolitana. In‘costas’ do Rio, será uma nova Humanos tem um convêvestimentos como esses vão nio com o Senac que ofegerar uma forte demanda de fronteira de desenvolvimento do rece atualmente 18 cursos empregos, já que as empresas estado na Região” profissionalizantes, além de precisarão de mão-de-obra uma parceria com a Firjan especializada. A nossa Secree a Fecomércio para capacitaria de Trabalho e Renda, tação e inclusão produtiva. em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego, Rio Metrópole - A oferta de emprego hoje é concentrairá promover, neste e no próximo ano, diversos cursos de qualifida na capital do Rio de Janeiro, obrigando as pessoas cação profissional para os moradores dessas cidades beneficiadas. a se deslocarem de outros municípios para trabalharem na capital. Como promover o desenvolvimento econômico de forma mais equânime entre o território da região metropolitana? Sérgio Cabral - Graças à parceria do nosso governo com

o governo federal, grandes empreendimentos estão sendo feitos na Região Metropolitana do Rio. Um exemplo é o Comperj, Complexo Petroquímico da Petrobras em Itaboraí, uma base muito sólida para investimentos de pequeno, médio e grande porte, desde cabeleireiros, restaurantes, cinemas, até indústrias petroquímicas. O complexo beneficiará 16 municípios do seu entorno. Para dar uma dimensão das possibilidades

Rio Metrópole - O Rio de Janeiro terá grandes investimentos em petróleo, um combustível fóssil e não renovável. Quais ações de sustentabilidade estão sendo pensadas para que a metrópole do futuro tenha também uma “agenda verde”? Sérgio Cabral - A nossa Secretaria do Ambiente tem várias

ações para criar e consolidar uma agenda verde que atenda satisfatoriamente à população e ao estado nesta questão da sustentabilidade, que é um tema mundialmente debatido hoje. Entre elas, o incentivo ao estabelecimento de indústrias verdes no estado. O primeiro caso a ser desenvolvido é na produção de equipamen-


tos para a geração de energia renovável. Outra meta nossa é deSérgio Cabral - Entre as ações em curso no Rio de Janeisenvolver um pólo de inovação tecnológica com foco em sustenro, destaco a implantação do ICMS Verde, com o objetivo de tabilidade e baixo carbono, envolvendo instituições de pesquisa, incentivar as prefeituras a investir na preservação ambiental. setor produtivo e instituições governamentais. Temos também Em troca, os municípios recebem recursos financeiros extras, programas extraordinários nessa área que são o uso do asfalto através de uma maior participação na divisão do bolo do ICMS borracha nas nossas rodovias e das lâmpadas de alta eficiência, Verde. Outra iniciativa do nosso governo é o Zoneamento Ecoentre uma série de outros estudos. O nosso governo tem investinômico Ecológico, por meio do qual vamos incentivar ou taxar do maciçamente ainda em estudos e tecnologias para adaptar a determinados setores, em relação às diferentes regiões do estafrota de ônibus no estado a um sistema ecologicamente adequado, procurando dar condições diferenciadas às áreas em função do até 2016. Criamos o Programa Rio Transporte Sustentável, do seu desempenho ambiental. O ZEE é instrumento estratégiresponsável pelo lançamento de diferentes combustíveis verdes. co de planejamento regional e gestão territorial, envolvendo esQuero lembrar ainda que a tudos sobre o meio ambieneconomia verde será um dos te, os recursos naturais e as temas centrais da Rio + 20, relações entre a sociedade a Conferência das Nações e a natureza. Esses estudos “O ZEE é instrumento estratégico Unidas sobre Desenvolviservem como subsídio para mento Sustentável, que será negociações democráticas de planejamento regional e realizada aqui no Rio, no ano entre os órgãos governagestão territorial, envolvendo que vem. Além de reafirmar mentais, o setor privado e estudos sobre meio ambiente, os compromissos assumidos a sociedade civil sobre um na Conferência sobre Meio conjunto de políticas públirecursos naturais e relações Ambiente e Desenvolvimencas voltadas para o desenentre a sociedade e a natureza” to (Rio 92), a Conferência volvimento sustentável. também tem o objetivo de Temos ações também para realizar um balanço da queso transporte público, no tão ambiental nos últimos sentido de estabelecer me20 anos. Os dois principais tas de redução de emissões de gases do efeito estufa. A Secretemas a serem focados no evento são Economia Verde e a Govertaria do Ambiente está avaliando com os municípios qual seria nança Internacional para o Desenvolvimento Sustentável. a melhor tecnologia: ônibus elétrico, a gás, a etanol ou ainda veículos que se locomovem tanto com diesel como com gás. Rio Metrópole - Como conciliar a expansão imobiliária Todas essas medidas demonstram o nosso pensamento, a nossa com o planejamento de ocupação e uso do solo? Quais política de preservação ambiental e visam ao desenvolvimento instrumentos poderiam ser utilizados? sustentável do nosso estado.


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