A Lenda da Paz Por caminhos de peregrinar a Santiago de Compostela haveria muito gentio que arribando à vila de baixo se encomendava a Santa Maria e logo a seguir “comia o caldo e persigo e dormia” que também era sustento e pela manhã para S. Torcato seguia a cumprir a sua vontade e crença. As gentes do litoral: Póvoa do Varzim, Vila do Conde “Árvore até às pedras do Senhor de Matosinhos – também ele muito antigo –“ tinham o Santo por devoção e ano a ano cumpriam esse voto de obrigação ao Santo Velho abandonado pelo tempo e pelos povos, que tinha sido encontrado depois, em lugar de luz e água corredia – a fonte, dita logo do Santo. Ora, em tempos de esquecer quiseram os signatários da igreja de Braga conluiados com os de Guimarães, em noite escura de conspiração, ir à vila de Agra, buscar o Santo para levá-lo e “sangrá-lo” lá no grande burgo que era a “Bracara Augusta”. Atento como sempre, o povo, ao sentir o abuso ou atrevimento destes arrivistas, terá levantado a sua vontade e os paus à altura das suas cristas e fazê-los dar “às de vila diogo” com “o rabo entre as pernas” e o “coração aos saltos” a fugir do medo e da dor que a “a má consciência” sempre danou. Quando seguros quiseram repetir o atrevimento de “roubar” o Santo ao povo caso ele se mantivesse em templo tão velho e curto
para receber tanta gente e culto de mui grande referência como já acontecia também a Santa Maria de Guimarães, o povo novamente se alevantou e com honra declarou público o compromisso de fazer grande e novo templo. Os seráficos egrégios bracarinos conluiados com os mesmos manos da Colegiada, fizeram os povos de “ambas as duas povoações” andarem em “pauladas, desgarradas e encontrões” num confronto completamente inocente e tonto, somente criado ou manipulado pelos cónegos nas conversas e homilias, nos confessos, orações, reuniões e missas que o culto obrigava. Um tempo agreste e cinzento que hoje aqui se recorda e que deixou marcas no corpo de muitos caminheiros e peregrinos e gentios afoitos. Um tempo quase apagado da história. Aquela promessa de fazer um novo templo ninguém queria crer mas João de Freitas, velho, do lugar da Corredoura, em dia de romaria falou para quem quis ouvir, sentado numa pedra do velho muro da Igreja. - Ó povo que somos, de S. Torcato, somente vamos fazer obra quando estivermos de paz com o povo de Santa Maria de Guimarães. Os presentes bem pensaram o comentário do “velho ancião” e entenderam logo o recado e a intenção nele contida. Assim, logo se fez embaixada de “homens bons” e alguns conhecidos mesteirais,
homens de ofícios respeitados que tinham negócios lá na vila. Aprazaram então para Domingo da Paixão a visita aos vizinhos e, anunciando pelos caminhos iam declarando a sua vontade e destino: - Vamos a Santa Maria de Guimarães. Com presente desta Oliveira para de seus frutos ter a luz que a fará irradiar de vontade de nos ajudar a cumprir o nosso fado. Construir templo para o nosso Santo. Salvaremos o Santo e a honra. Quando chegados à vila claro que já eram esperados pelo povo que, em silêncio os viu plantar a árvore da paz na Praça Maior que passou a ser a da Oliveira como também a Santa. E foi com a vontade dos povos que se fez a PAZ.
A Lenda de Santa Catarina da Penha Catarina era uma pastorinha muito doce e humilde que vivia no monte da penha. No seu pequeno rosto, dois olhos azuis brilhavam. Usava sempre um vestido e uma capa de lã comprida, própria de quem vivia na serra. Acompanhada todo o dia pelo seu rebanho, percorria, afoita e alegre, a serra empenedada. Viviam-se tempos tumultuosos com as invasões dos povos Bárbaros e, por esta altura, o terrível Ataúlfo, chefe dos Godos, aproximava-se do Monte da Penha. Ao longe, no meio da escuridão, viam-se milhares de luzinhas que anunciavam a chegada do terrível exército de Ataúlfo. Na serra da Penha, a pastorinha avistou o exército. Correu imediatamente para uma ermida que lá existia e a porta, como que por milagre, abriu-se. No seu interior, a ermida estava misteriosamente iluminada. Catarina pegou na cera das oferendas dos pastores e partiu-a em muitos bocadinhos, transformando-a em milhares de pequeninas velas, que colocou nos corninhos das ovelhas do seu rebanho. Mãos invisíveis ajudavamna nesta tarefa, mantendo-se as ovelhas quietas, silenciosas e muito obedientes. Eram tantas as ovelhas com os corninhos iluminados
que a montanha parecia estar povoada de soldados de um grande exército. Perante isto, Catarina ajoelhou-se no meio do seu rebanho e de olhos postos no céu, rezou, rezou, rezou… Ataúlfo, surpreendido com tamanha quantidade do que julgava ser soldados de um forte exército, gritou amedrontado aos seus homens: -Meus bravos, não conseguiremos fazer frente a tão numeroso exército. Por isso, partamos, antes que aqueles soldados desçam o monte e nos destruam! E, assim se retirou Ataúlfo, humilhado e despeitado, enquanto no monte da Penha, Catarina, ajoelhada no meio do seu “exército”, isto é, do seu rebanho com os corninhos iluminados, continuava a rezar, a rezar, dando graças a Deus que a ajudar a salvar Guimarães. Graças a este nobre e valente feito, passou esta pastorinha a ser considerada Santa, sendo a serra da penha também conhecida como o monte de Santa Catarina. Hoje, quem visitar o monte da Penha encontra a capelinha de Santa Catarina com a imagem da Santa, a Bica ou Fonte de Santa Catarina e a “Cama de Santa Catarina”, um penedo que a lenda refere como sendo o local onde ela descansava.
A Lenda de Vermil Quem leva a direcção dos caminhos do oeste em direcção ao mar atravessa as terras outrora pertencentes ao couto de Ronfe, primitivamente dito de “Belmir”que dizem ser a designação toponímica de onde provirá o actual nome da freguesia de Vermil que se confronta, pelo flanco sudoeste, com o vizinho município de Famalicão. Em tempos de antanho, estes territórios de topografia variada, com uma zona setentrional montanhosa e sobranceira ao vale do rio Ave, era habitada pelos povos que, de nómadas, se foram sedentarizando e fixando no alto dos montes como em S.Miguel-oAnjo, onde se identificou um povoado da idade do ferro e que já no ano de 1033, segundo Avelino Jesus da Costa, se refere a existência de uma “Villa Belmil que posteriormente, no séc. XIII, seria designada de “Sancto Mamede de Belmir” terras bem antigas por conseguinte. Ora, conta-se que nestes tempos os jovens tinham-se como aprendizes e sempre procuraram ser úteis junto dos mais velhos a quem procuravam agradar, para lhes ensinar muitos dos seus conhecimentos ou manifestar dúvidas e curiosidades para que os velhos mestres mostrassem a sua sapiência que, com paciência lhes era dada.
Mas o velho Julião que vivia o dia inteiro desde que o sol acordava até ao sol se pôr sentado na amurada do velho caminho, no silêncio permanente da sua cegueira física de nascença e que de outros factos sábios era de tudo menos cego. Dava informações aos viajantes e aos costumeiros da vizinhança, conselhos que eram, quantas vezes acatados de seguida por transmitirem confiança e bom senso, a quem os recebia. Adão era o moço curioso por tudo o que mexia no seio da natureza à sua volta e, logo que viu o velho homem, foi logo tirar algumas dúvidas no seu pouco saber. - Senhor Julião venha, vou levá-lo ao alto do Anjo para sentir o vento vindo lá do horizonte!!... - Rapaz temos de ir lá sim, mas devagar que eu hoje não sei andar…estou peco. - Senhor iremos pois então, de maneira a não apanhar maleitas. Com compostura e devoção vamos ao Arcanjo Miguel. - Ele domou o diabo é pois, guerreiro sempre preparado – disse o velho sorrindo. Lá foram pelos caminhos da freguesia e devagar que o caminho era curto na largura, mas longo na distância. Adão o rapaz, marcava o ritmo lento que dava o rumo à conversa do velho que, na sua solidão, ia desfiando a memória daquele território.
“ Pois há o monte dos antigos dito hoje de S. Miguel - o Anjo, mas também há o S. Roque que apelamos aquando das maleitas pestilentas, lá por trás da igreja que está onde chamam de Assento” E por aqui se progenitaram muitos “filhos de algo”. Na Quinta de Gemunde, que tinha pedra de armas onde se liam dos Sousas, dos Vasconcelos, dos Abreus e ainda dos Magalhães, todos nomes de nobreza e estirpe e que participaram nos momentos diferentes mas importantes da construção deste pequeno país grande na antiguidade e nos feitos”. O velho sentia-se cansado e ia diminuindo o passo. O rapaz ouvia sofregamente todos os bocados daquelas memórias antigas e pensou como seria o seu território, olhou o horizonte e aquela luz que inicia o fim do dia já com estrelas a correr atrás dela. Como o tempo se tinha passado tão depressa!!... - Rapaz ainda vês luz para alumiar o caminho de maneira a tomarmos rumo?!... - Se vejo senhor!!...São tantas que nem conto!!!... - Quantas rapaz ? - Estou a Ver mil senhor!!! Mais de mil. É neste tão pouco tempo de troca de palavras entre duas gerações que hoje são raros os diálogos como este de herança e memória.
- Estás a Ver mil rapaz, então leva-me contigo que pareces frágil mas és bem orientado. Lá foram os dois seres de épocas diferentes, perfeitamente afinados no caminho a trilhar, com todos os seus defeitos e virtudes, com toda a sua diversidade circunstancial. Afinal buscavam tão somente a harmonia que se sentia no evoluir do futuro que se lia no olhar das estrelas daquele rapaz. O velho tinha o seu tempo cumprido.
Lenda da Casa do Costeado Em 1826 veio viver para a casa do Costeado D. Maria da Conceição, viúva de José Nicolau Vaz Viera Melo e Nápoles, irmão do dono da casa. Trazia com ela a Maria Júlia com 3 anos, menina prendada e luzidia, que logo perdeu sua mãe três anos depois, ficando à guarda de seus tios, o Barão e a Baronesa do Costeado. Desde muito cedo, possui uma alegria contagiante e manifesta um prazer enorme em tratar das flores do pequeno jardim que ganha a liberdade de ir, pouco a pouco, modificando estes canteiros, dando-lhes nova configuração e harmonia e com tal dedicação e carinho que os tios ficam orgulhosos da obra da sobrinha. Nascem assim, os tão falados na época, jardins do Barão do Costeado ou só do Costeado, salpicados de multicolores rebentos de flores que todas as primaveras sorriam aos passantes: e no Inverno brilhavam as camélias e japoneiras em jogos de brancos e vermelhos, rosa e carmim. De vez em quando ouviam-se os risos frescos e alegres da Julinha - a Morgadinha da casa - a ordenar e a orientar os criados no corre- corre das tarefas do jardim. Seus tios sentavam-se nos bancos defronte e, embevecidos com a sua menina viam-na cirandar, rodopiando entre os canteiros cheios de flores, deliciando-os com a sua alegria e candura.
Certa noite dos primeiros dias de Maio vão visitar um amigo João de Melo Pereira Sampaio – e de sua casa voltam pela uma da manhã. A carruagem pelas ruelas do burgo vai faiscando o lajedo com os cascos dos animais. Uma companhia de cavalos e seus criados comandam a carruagem que atravessa já o Toural, descendo pela rua de Gatos. Quando entram na viela do Ramalhete soa um tiro, ouvem-se gritos. Estacam os animais à ordem. Os calços das rodas chiam. As rédeas tensas, trepidam, puxadas pelo Toino da Cova, o cocheiro… Afogada em sangue a menina Maria Júlia abre os olhos de espanto, aflitos, de uma beleza ímpar…jovial…única. - Assassinaram a menina do Costeado- ecoou na noite do burgo. O Barão ordena que rápida seja a carruagem a chegar a casa. Ao Bertol da Cruz manda-o a casa do médico boticário, que acorde e que se ponha em sua casa no tempo de um relâmpago. Depressa chegam à quinta e aflitos não reparam em alguém que deposita o corpo da menina numa laje central de pedra junto das frondosas japoneiras. Noite aluarada, serena, calma como costumam em Maio, mas aquela noite foi diferente. As árvores em volta pareciam dar ramos umas às outras e naquelas pracetas enleadas, choravam lágrimas de orvalho cristalinas como que uma despedida colectiva para a sua menina.
O silêncio de arrepiar no momento em que a menina deu o seu último estertor de vida. Um sorriso sobressaía dos seus lábios ao mirar a beleza carmim que a rodeava enquanto as pétalas brancas começaram a cair sobre ela. - Mataram a Maria Júlia do Costeado!... - corria já à ‘boca cheia’ no Toural. O povo anónimo desceu a correr e depois silenciosamente até às grades da casa. Ao alvorecer eram centenas que, agarrados às grades, choravam também como as árvores silenciosamente, aquela menina de 15 anos morta sem se saber porquê!!... Quem foi?!... Maldito seja!!!... Quem mandou?!... Deve ser severamente castigado!!... Porquê?!… Sim, porquê?!... Foi engano?!... Invejas?!.. Política?!... Muitas foram as respostas e especulações sobre o caso. Tantos foram os boatos, que chegaram a haver trocas de razões e algumas cabeças partidas sem se chegar a apurar a verdade. Nos inícios de Maio as flores adquirem um colorido e uma alegria únicas que parecem transbordar beleza que leva a que sejam procuradas por muita gente. Nos nossos dias continuam a ser famosas e procuradas as flores do Costeado que levam lá muita gente a comprá-las para embelezar suas casas. E se querem saber um pouco mais desta história verdadeira da cidade, visitem S. Domingos: o corpo da menina jaz em sepultura
principal na capela da Ordem Terceira de S. Domingo e nela se inscreveu: «Dona Maria Júlia da Luz Alvim e Nápoles cuja vida foi roubada às mãos de um assassino na tenra idade de 15 anos e 4 meses, na noute de 4 de Maio de 1841. Dedicada pela dor dos seus tios e Exmª. Dona Joaquina de Faria Andrade e António Nápoles da Casa do Costeado».”
Lenda da Cruz de Pedra Manuel do Canto, tanoeiro de ofício e mestre encartado pelo município estava cansado dos ideais empoeirados dos conservadores que em Guimarães existiam por todo o lado, onde seu pai tinha sido tanoeiro, toda a vida. Manuel do Canto era liberal mas era contra a destruição do património e ficou por isso a pensar no assunto. Há muitas gerações que a sua família vivia no lugar e seu avô tinha sido canteiro, autor também daquela pedra trabalhada. Ora, pelo caminho, teve então, uma ideia e foi para a oficina trabalhar toda a noite. Pela madrugada fresca voltou ao largo e lá colocou uma cruz de madeira sobre a pedra, dando-lhe uma nova imagem, pintada e tudo, pois era grande a sua arte. Foi então dormir toda a manhã e, quando acordou e chegou novamente à praceta pública havia uma “catrefa”de populares que depois de mirar a cruz iam fazendo comentários e cogitações em pequenos grupos de fregueses. -Já viste Manuel ,como está a cruz?!... -Tá coberta para manter as qualidades!! -Que dizes tu? - Pois então não é verdade que aqui no lugar todas as famílias lhe reconhecem valia e respeito?!
-Assim dizes!! …Assim é!! - Disse o padeiro da oficina, todo enfarinhado e enrolando massa com as mãos. - Assim ficará por tempos enquanto não houver reclamações…disse o padre que ali estava a tentar perceber se tinha sido descaramento, abuso ou boa vontade . Parecia milagre!...Pensava ele. O povo começou a dispersar achando bem aquela proteção à cruz de pedra e de tal maneira que se passaram os tempos e desse tempo se perdeu a razão de para o lugar da Cruz de Pedra, tão afamado em Guimarães, ter duas cruzes: a de pedra e a da madeira. Só o velho padre sabia porquê. A obra estava feita como mandavam os novos “cânones”da igreja: esconder o sofrimento do Senhor. Manuel do Canto na taberna da viúva olhava a caneca de tinto carrascão e lá pensava como o seu lugar tinha duas cruzes e eram como os homens que tinham de penar toda a vida entre duas vontades, dilemas que se interpunham nas decisões dos homens e na sua justiça: dura ou mole; de pedra ou de pau. Em 2005 se descobriu as duas cruzes, quando se fazia um restauro. Quanto aos dilemas dos homens, continuavam a ser os mesmos ou ainda mais difíceis.
Lenda das Duas Caras Esta lenda remonta à conquista de Ceuta, no reinado de D. João I. Segundo ela, depois de tomada aquela praça marroquina, o rei terá distribuído a tarefa da defesa dos diferentes troços da sua muralha pelos contingentes de cada uma das terras que contribuíram com soldados para a conquista, protegendo-a contra o previsível contra-ataque dos muçulmanos. Como os de Barcelos teriam fraquejado nesta tarefa, os de Guimarães terão assegurado a defesa de dois troços, juntando ao que lhes tinha sido destinado aquele que os de Barcelos teriam deixado desguarnecido. De acordo com esta tradição, o rei teria depois ditado o castigo a aplicar aos de Barcelos, para toda a eternidade: desde então, dois vereadores barcelenses viriam varrer as ruas de Guimarães, em vésperas de dias festivos, com um barrete vermelho na cabeça e um pé descalço e outro calçado. Mais tarde, já no século XVI, a Vila de Barcelos teria conseguido isentar-se da servidão, logrando transferi-la para os moradores das freguesias de Cunha e Ruilhe, que então teriam sido desanexadas de Barcelos e entregues a Guimarães.
Lenda das das rosas Naquele dia de Primavera, as rosas floriam quase espontâneas por todo o campo de Guimarães. Rosas aveludadas, de perfume suavíssimo, tons esbatidos e espinhos fracos. Guimarães dir-se-ia um jardim. Mas um jardim convertido em prisão dos seus habitantes: Henrique de Trastâmara viera pôr-lhe cerco. E o rei D. Fernando, ao receber tal nova, afligiu-se pelos estragos que o seu rival vizinho tentava produzir no seu reino. Depois de Braga, D. Henrique viera sobre Guimarães. Aí, porém, encontrara forte resistência. Mas qual a duração da resistência humana? Inquieto, el-rei D. Fernando tomou armas, saiu de Coimbra, passou o Douro e acampou junto a Guimarães. E então enviou um mensageiro secreto ao alcaide da cidade sitiada. No castelo havia alvoroço. O mensageiro de el-rei D. Fernando rompera o cerco e chegara à fala do alcaide. Vinha ofegante, mas satisfeito consigo próprio: cumprira a sua missão. Junto dele, o alcaide deu-lhe a palavra: - Dizei qual a ordem que el-rei D. Fernando nos envia. Nem que seja a vida que ele nos peça -cumpri-la-emos! - El-rei está perto, pois saiu de Coimbra logo que soube do cerco que sofreis. E deu-me a honra de vir lembrar-vos que deveis
resistir o máximo até que ele possa agir. E Guimarães continuará nossa! - Que el-rei fique ciente que o de Castela só entrará em Guimarães quando os seus validos deixarem de existir! O cerco continuará enquanto vivermos! O mensageiro inclinou-se, numa vénia. - Sabei, senhor, que em breve tudo ficará esclarecido. Consta no nosso arraial que el-rei D. Fernando vai pedir ao de Castela um combate singular para decidir a sorte de Guimarães. - Um combate singular? El-rei vai assim expor-se? Creio ser temerário esse gesto. De qualquer modo, não me cabe censurá-lo. Dizei-lhe, senhor, que pode contar connosco. E boa sorte! Pálida, trémula de pavor, a jovem Isabel nem sabia chorar. Escondida num recanto da grande sala, ouvira o que o mensageiro acabara de transmitir. Mordia os lábios, na inquietude de quem não encontra imediata solução para o problema que a aflige. Sentia a necessidade imperiosa de impedir esse combate singular. Necessidade que punha calafrios no seu corpo e ardor no seu coração. Mas como voltar a embainhar a espada que o seu rei iria desembainhar? Quem era ela, afinal, a quem o seu rei mal conhecia, mal notara?!... Isabel fechou os olhos. Nesse instante reviu o seu primeiro encontro com o rei de Portugal. Fora em Lisboa. Ela acompanhava
D. Maria Teles, que por seu turno era dama de honor da infanta D. Brites, irmã de el-rei D. Fernando. Assim, tornara-se frequente ver o jovem rei entrar nos aposentos da irmã. Revia a sua esbelta figura, o brilho dos seus olhos, a elegância das suas maneiras, a sua voz bem timbrada, calma, o seu olhar doce, sereno e profundo. Mas ele nunca reparara nela. Todas as suas atenções se voltavam para D. Maria, cuja beleza era flagrante. Depois... Depois surgira, certa tarde, vinda da Beira em visita à irmã, a esbelta D. Leonor Teles de Mendonça. E desde esse momento... o rei não tivera mais olhos para outra qualquer mulher! Um suspiro fundo cortou as recordações da jovem D. Isabel. Jamais soubera tornar-se objecto das amabilidades reais. Todavia, amava em segredo o seu rei. Amava-o como homem e como senhor do seu país. Fugira então de Lisboa e viera para Guimarães, onde seu tio era alcaide do castelo. E agora ali estava ela, quase morta de medo com a resolução de D. Fernando: um combate singular com o rei de Castela! Como dissuadi-lo de tal loucura? Não era a sorte de Guimarães que ela temia, mas a do seu rei. D. Fernando era valente, mas menos forte que D. Henrique de Trastâmara. Passos apressados soaram no lajedo do claustro. D. Isabel estremeceu. Encolheu-se mais a um canto. Depois saiu para o corredor externo e espreitou o campo através de uma fresta. O cerco continuava. E a ideia firme de atravessar esse mesmo cerco e falar
com o rei tomou-a em absoluto. Nesse momento, contudo, ela não confessava a si própria se a força que a impelia a forçar o cerco, sozinha, tendo de arriscar-se tanto, era somente para tentar dissuadir o rei dessa louca ideia de um combate singular, ou apenas para corresponder ao seu grande desejo de tornar a ver D. Fernando, que ela sabia tão próximo! Só para lhe falar durante uns momentos seria capaz de tudo arriscar: honra e vida! Caía a tarde de mansinho, como adolescente a espreguiçar-se. A mancha rubra do Sol poente punha reflexos dourados nos cabelos de D. Isabel. Um manto negro cobria-lhe a cabeça, o corpo e parte do rosto. Nos braços cingia um braçado de rosas colhidas nos campos de Guimarães. Caminhava a medo. Receava as sentinelas do seu próprio exército e a guarda dos homens que acampavam a poucos metros da linha defensiva. Como iria romper essa linha? Como passar pelo inimigo sem ser notada e procurar o acampamento do seu rei, a uma boa légua dali? Com o coração pulsando, a jovem esgueirou-se pela verdura, cobrindo-se com os arbustos. O ruído de vozes de portugueses e espanhóis chegava aos seus ouvidos, tão perto eles estavam. Por momentos deu-se conta da loucura que estava a cometer. Ela, a jovem tão respeitada e amimada, estava ali, sozinha, sabia Deus para que fim! Para o tio, apenas deixara um enigmático recado,
dado à sua camareira. Na hora dramática em que o rei de Portugal iria jogar tudo por tudo, ela sentira forças para igual façanha! Seria nesse momento que as forças iriam abandoná-la? O passo mais difícil estava dado. Só lhe restava ir para a frente! No acampamento do rei D. Fernando havia certa agitação. A ideia do combate singular tinha-se espalhado. E os fidalgos portugueses mostravam-se apreensivos. De súbito, alguém falou a Aires Gomes da Silva. - Senhor, dizei ao nosso amo, el-rei D. Fernando, que uma jovem de Guimarães pede audiência. Foi logo transmitida esta nova. E imediatamente, também, D. Fernando mandou que a jovem fosse introduzida na tenda real. Ao ver a sua estranha figura envolta num manto negro, pediu, sereno: - Podeis mostrar o vosso rosto? Como se esperasse apenas esse pedido para mostrar-se, a jovem deixou cair o manto e beijou a mão do rei. D. Fernando inclinou-se. Os seus olhos bonitos pousaram silenciosos sobre os da jovem que o fitava com certa audácia e manifesto encantamento. Foi o rei quem primeiro falou: - O vosso rosto não me é estranho. Já alguma vez nos encontrámos? Ela sorriu.
- Muitas vezes, meu Senhor! - E onde? -Em Lisboa, quando visitáveis vossa augusta irmã D. Brites. Sorriu o rei. -Sei agora quem sois: D. Isabel de Lira! -Para vos servir, meu Senhor! -Vejo rosas suspensas por outra rosa... Serão para mim? -Para vós as colhi. -E viestes de Guimarães? -Rompendo o cerco e sujeita à minha sorte. - E que me quereis? Dar-me as boas-vindas? Sabei que o caso será em breve resolvido. Desafiei Henrique de Trastâmara para um combate, no qual a sorte de cada um de nós decidirá a sorte de Guimarães. E espero em Deus que vencerei! D. Isabel escutava-o, empalidecendo à medida que ele falava. E logo que ele silenciou ousou defrontá-lo. -Senhor! Para impedir esse combate é que vim, expondo a honra e a vida. Sobressaltou-se D. Fernando. - Que dizeis? Impedir-me?... A jovem baixou o olhar. Não podia sustentar a expressão irónica daquele que era tudo para ela.
- Senhor! Venho implorar-vos que desistais desse combate, que honra todos os habitantes de Guimarães mas simultaneamente os aflige. Se tivermos de morrer para que a vossa vida se mantenha, fá-lo-emos de bom grado! Franziu o rei o sobrecenho. -Foi o alcaide quem vos mandou? Silêncio embaraçoso se seguiu. E a pergunta surgiu de novo: -Foi o alcaide quem vos mandou? Ela abanou a cabeça numa negativa, sem forças já para rebater a voz do rei. Ele mostrou-se altivo. -Ainda bem que não mentistes. Acabo de receber o mensageiro que enviei a Guimarães, e todos esperam confiantes a vitória do seu rei. Uma revolta íntima tornou audaciosa a timorata donzela. -Senhor, sei que nada posso valer para vós! Para mim, porém, a vossa vida vale mais do que todo o Reino! Se as lágrimas de uma donzela podem alguma coisa na vossa decisão, ponderai, antes de a tornar definitiva, que sois rei de Portugal e que tendes mais deveres a cumprir do que expor a vida por uma só cidade! O rei levantou-se, sereno, mas firme. - Dona Isabel de Lira! Há duas horas que partiu para o acampamento de Henrique de Trastâmara o mensageiro que é
portador do meu desejo de um combate singular para pôr termo ao cerco de Guimarães. Chegais portanto tarde, senhora! A jovem mordeu os lábios. A sua decisão estava tomada. A sua atitude, tão afrontosa para as damas do seu tempo, já não seria remível. Portanto, que ao menos não fosse tudo perdido. Mais pálida ainda, D. Isabel sustentou o olhar do rei. Fraca mas firme soou a sua voz: -Senhor!... Tomai estas rosas, símbolo da vida bela e espinhosa. Mas ficai apenas com as suas pétalas, e que eu leve enterrados no meu coração todos os seus espinhos! Mostrou-se o rei um tanto embaraçado e tentou gracejar: -Esperai, senhora! Dissestes ao entrar que todas essas rosas seriam para mim, e agora reparo que só metade me ofertais... Foi a vez da jovem se mostrar serena e altiva. -Não são para vós mais do que essas que vos entreguei. - Então para quem as levais? - Para quem me escutar melhor. Sorriu D. Fernando. -Ireis ofertá-las à Virgem? Não me molesta a preferência. Altiva, embora tão branca que assustou D. Aires Gomes da Silva, aio do rei português, a jovem replicou: -Talvez breve possais saber quem recebeu de mim as rosas que não aceitastes!
-Mas, se as não recuso, como ousais falar assim? - Recusais atender o pedido mais justo que uma pobre dama indefesa pode fazer ao seu rei! E beijando-lhe a mão: -Que o Céu vos cubra de glória! Sem dar tempo a que D. Fernando saísse da estupefacção em que a jovem o deixara, D. Isabel saiu da tenda, e em breve se embrenhou nas trevas da noite. O rei chamou então: - D. Aires, prendei essa jovem! É preciso protegê-la, porque pressinto que fará loucuras! Sereno, D. Aires replicou: -Partiu como gazela acossada... Sabe-se lá onde já poderá ir! O rei irritou-se. -Não me digais que sois impotente para encontrar uma jovem acabada de sair desta tenda! Ide e trazei-ma! Mas Aires Gomes da Silva compreendera o caminho que D. Isabel tomara, e em seu coração aprovou entusiasticamente essa decisão heróica. Sem que o suspeitassem, pusera à disposição da donzela um fogoso cavalo e mantimentos para algumas horas... A entrada no acampamento inimigo foi bastante difícil para D. Isabel de Lira, tomada como espia e como tal levada à presença de D. Henrique. Este mostrou-se, todavia, curioso e benévolo.
Interrogou-a: -Donde vindes? -De Guimarães, Senhor. -E que pretendeis? - Entregar-vos rosas da cidade que estais cercando. - Achais natural esse vosso gesto? -Foi ele que me ditou visitar-vos. -E então... Que mais pretendeis? -Sei que deve ter acabado de chegar ao vosso conhecimento um estranho pedido do rei de Portugal. -Como o sabeis? - Ouvi dizer. Ele desafiou-vos para um combate singular. -É certo. Vindes dizer-me que ele desistirá? -Infelizmente, não. Mas sabeis como esse combate seria desastroso tanto para Portugal como para Castela. Achais que a minha cidade merece o sangue de um rei e o destino de um povo? Franziu o rei castelhano as sobrancelhas bem desenhadas. Levou a mão ao queixo, concentrou-se por uns momentos. Depois, voltou a olhar a jovem. -Dizei-me: por que fazeis isto? Foi ele quem vos pediu? - Juro-vos que não! A ele fui primeiro, e rejeitou a minha súplica! Mas vós, que tendes mais terras para conquistar, um
futuro largo à vossa frente, achais que vale a pena sacrificar tudo por Guimarães? - E que quereis que faça? Sou também rei e não poderei fugir ao desafio de D. Fernando! -Podeis, sim! Os nobres que vos rodeiam decerto temem por vós como eu temo por ele. Os guerreiros que ora estão aqui podem seguir para outros lugares de maior proveito para vós. Podeis levantar o cerco e partir. - Como quem foge? Será impossível! -Como quem tem pressa de chegar primeiro a outro lugar. Sabeis que o rei de Granada não vos deixará muito tempo livre. Podeis ir acudir ao vosso reino, bem mais precioso para vós do que este palmo de terra! O rei castelhano não respondeu. A jovem tinha razão. Havia poucas horas que um mensageiro vindo de Algeciras viera dizer-lhe que a cidade caíra em poder do rei mouro e fora demolida. Henrique de Trastâmara olhou demoradamente a jovem portuguesa. Sorriu-lhe intencionalmente. Tomou-lhe das mãos as rosas que iam emurchecendo, e declarou, solene: -Ide em paz! Comigo ficarão as rosas de Guimarães, cujos espinhos serão tão fracos que não farão derramar sangue. Ide! E mandai dizer ao vosso rei que nos encontraremos um dia noutro campo de batalha que não este.
Na verdade, o cerco de Guimarães foi levantado, o combate anulado, e o rei de Castela saiu a caminho de Bragança, passando em seguida para o seu reino. E nunca o povo soube, ao certo, porque fizera isso Henrique de Trastâmara!
Lenda de Egas Moniz P elejou-se rijamente em Valdevez. De um lado, a hoste de Afonso Henriques, onde estavam representadas em força todas as famílias portucalenses com as suas veleidades de independência em relação ao Imperador de Espanha. Do outro, o exército de Afonso VII, o Imperador, com homens de todas as partes de Espanha. Pois, pelejou-se rijamente em Valdevez. «Veiga da Matança» ficaram chamando ao local até hoje, denunciando que muitos morreram de parte a parte. O resultado, porém, não foi decisivo para nenhuma das partes e Afonso Henriques decidiu recuar, tacticamente, para Guimarães. Com ele estava, sem dúvida, Egas Moniz, o seu velho aio, companheiro que fora do conde, morto há algum tempo já. Como muitos outros terra-tenentes das cinco famílias mais importantes do Condado Portucalense, interessados como ele numa independência de facto da sua região. Estes senhores apoiavam e aconselhavam o jovem infante nas suas pretensões, auxiliando-o por todos os meios ao seu dispor nas diversas frentes de batalha, ensinando-lhe simultaneamente um pouco das artes diplomáticas da época (normalmente passando pela ponta da espada) e as artimanhas necessárias ao bom fim dos seus propósitos.
Bem protegido dentro dos muros de Guimarães, Afonso Henriques, a quem o exército do Imperador cercava, afirmava peremptoriamente preferir «morrer de má morte», como referem memórias medievais, a pactuar com o primo. A situação, porém, era precária e Egas Moniz, utilizando a autoridade que lhe era conferida a idade, o cargo e a experiência, decidiu negociar a paz a troco da vassalagem de Afonso Henriques e da obediência de todos eles, os nobres da terra portucalense. Afonso VII, pressionado pela invasão de inimigos seus noutras regiões da península, aceitou a palavra de Egas Moniz, mas, sabendo-o cabecilha do movimento rebelde, exigiu que ficasse como fiador do preito do infante. O aio deu então a sua palavra de honra de que o menino, que há anos atrás lhe fora confiado pelo velho conde D. Henrique e que ele educara e criara, cumpriria a vassalagem ora prometida. Um ano se passou sem que o prometido fosse esquecido. De resto, os nobres portucalenses e o jovem Afonso tiveram muito que fazer nas regiões mais a sul, batalhando contra os Mouros, cujo território iam conquistando dia a dia. Um dia, porém, Afonso Henriques decidiu invadir a Galiza, quebrando assim o prometido pelo velho aio. É então que se dá um dos factos mais poéticos da História portuguesa, no dizer de Herculano.
Vendo-se desmentido, Egas Moniz partiu com todos os seus vestindo a alva dos condenados. O pequeno grupo peregrinou por terras de Galiza, de Leão, de Castela, cobertos pela poeira dos caminhos, martirizados pela ardência do sol. Aqui e ali, pequenas paragens: para banhar os pés feridos pela jornada, para inquirir onde se encontraria a corte de Afonso VII. Achado por fim o Imperador, Egas Moniz e toda a sua família, sobre a qual pendia a infâmia da quebra da palavra dada, a deslealdade maior e mais vergonhosa destes tempos longínquos, apresentaram-se ao Rei pondo nas suas mãos as vidas agora sem valor e sem honra. Afonso VII, levado por furor, primeiro quis matar o chefe da revolta portucalense. Porém, caindo em si, diante da humildade e lealdade dos rostos calmos e sem medo daquela família inteira, decidiu perdoá-los. Egas Moniz foi desquitado da menagem que jurara e voltou a Portucale cumulando de mercês concedidas pelo Imperador. Diz-se que também Afonso Henriques, agradecido e cheio de justificada admiração pelo gesto do velho aio, lhe concedeu extensos domínios, entre os quais terras do Ribadouro e a tenência de Lamego. História exemplar esta, sem dúvida. Nos seus traços gerais, a realidade terá sido muito próxima do que relata a lenda; as motivações, porém, é bem mais provável terem sido um pouco diferentes.
Ansioso por livrar a terra portucalense da vassalagem que a vinculava ao Imperador de Espanha, parece provável que tenha sido sua e dos outros grades senhores a ideia do juramento de lealdade a Afonso VII, assim como o oferecimento de ficar como fiador, para que Afonso Henriques pudesse ganhar tempo. Depois, terá sido a instâncias suas que o infante quebrou a paz e a palavra invadindo a Galiza, ficando, porém, com o nome limpo e honrado como convinha a um rei. Ao entregar-se, realmente, a Afonso VII, Egas Moniz não só «resgatava» o seu pupilo como mantinha incólume a sua honra de senhor medieval. Simultaneamente, e pelo que parece depreender-se de crónicas da época, a sanha inicial do Imperador foi quebrada exactamente pela compreensão que teve de se ter deixado enganar. Menos poética mas não menos exemplar, esta versão da história de Egas Moniz foi indubitavelmente a razão pela qual Afonso Henriques o fez senhor de tão extensos territórios.
Lenda de S.Torcato Foi no ano de 719, que Torcato de seu nome; foi martirizado juntamente com mais 27 companheiros quando pretendia impedir o avanço do exército árabe de Muça, general de Tarik , sobre a região. De acordo com a lenda, o seu corpo foi descoberto sob um monte de pedras, no local onde hoje se ergue a Capela da Fonte do Santo. Segundo uma das lendas, diz-se que um cego «viu» cair uma estrela na direcção onde hoje se encontra a capela do Santo. Na altura, a povoação ficando muito curiosa de tal acontecer, resolveu pegar em enxadas e cortar as silvas que depois iam queimando. Foi então que descobriram o corpo daquele que viria a ser S. Torcato. Resolveram, então pegar numa junta de bois e remover o corpo do local. Contudo os problemas começaram aí, pois os bois chegados a um certo local resolveram não avançar mais, tendo o povo decidido construir ali mesmo uma igreja, igreja essa concluída mais tarde no Mosteiro de S. Torcato ali existente actualmente. E ainda hoje ali repousa o corpo de S. Torcato, exposto à devoção de todos os fiéis, encontrando-se entre eles muitos devedores de graças por ele concedidas.
Lenda do Cruzeiro Existem duas versões desta lenda, a primeira é de que este cruzeiro foi construído por um frade a quem o povo não saudava, este mandou então construir um cruzeiro onde estava representado um frade ajoelhado perante a Virgem com o Cristo morto ao colo, o frade estava representado de costas para levar o povo a descobrir-se e a prestar-lhe a saudação que lhe recusava de frente. A outra versão desta lenda é um pouco diferente, no local onde o cruzeiro foi construído, trabalhava um sapateiro respeitado na região, mas um certo frade ao passar por ele nunca o saudava, o sapateiro resolveu então construir nesse local um cruzeiro dedicado à Senhora da Piedade, de forma a que o frade sempre que ali passase teria que se ajoelhar e descobrir-se prestando assim uma homenagem que o frade se recusava a prestar-lhe. Convém referir este cruzeiro é considerado um dos mais belos de Portugal, devido à sua complexidade e relação das figuras nele representado.
Lenda do Largo da Oliveira Oliveira Conta a lenda que no século XIV ao lado padrão de Nossa Senhora da Vitoria, em Guimarães, existia uma oliveira que, mais tarde, secou. E assim continuou até que colocaram perto dela, uma cruz que ainda hoje se levanta debaixo do padrão. Três dias depois, a oliveira reverdeceu, deitando rebentos novos e enfeitando-se de viçosa folhagem. A notícia atraiu muito povo, que veio admirar o milagre em honra da Nossa Senhora da Vitoria que, desde então, se ficou a chamar de Nossa Senhora da Oliveira. A oliveira, substituída por outras e outras, ficou no Largo com o seu nome, durante mais de 500 anos, tornando plantada -se num símbolo importante que figura no brasão da cidade de Guimarães. Em 1985, a câmara Municipal repôs a oliveira ao lado do padrão da Nossa Senhora da Vitória e no local onde outrora se encontrava. Hoje ainda está lá uma oliveira a recordar o passado.
Lenda dos Cutileiros e da Boa Água de Guimarães Devido à qualidade da água do nosso concelho para a arte de temperar metais, existe uma lenda que conta que um cutileiro que vivia na freguesia de Creixomil emigrou para o Brasil com a intenção de fazer fortuna. Quando lá chegou, rapidamente arranjou emprego de cutileiro mas não conseguia prosseguir a sua profissão com êxito, devido às características da água. E, lembrando-se saudosamente da água de Guimarães desabafava frequentemente dizendo: «Ai água de Guimarães! Ai água de Guimarães!» O seu patrão, farto de ouvir esta frase, mandou vir um barril da tão famosa água de Guimarães e sem dizer ao cutileiro, deitou essa água no barril de temperar o ferro e o aço. Quando o cutileiro retoma o seu trabalho, ao mergulhar os utensílios na água reconhece imediatamente a água da sua terra e os seus produtos adquiriram a partir daí a têmpera ideal. Ainda hoje, a água de Guimarães é famosa pelas suas qualidades e por isso, as conhecidas empresas de cutelaria, estão localizadas nas Taipas devido à proximidade do rio. Vários moinhos existentes em algumas das ribeiras de Guimarães funcionaram durante muitos anos como fábricas de cutelaria.
A Cantarinha dos Namorados. Antónia de Matadouços e José Carpinteiro, da Quinta do Picoto tinham-se encontrado há três anos na Romaria da Senhora da Conceição, no segundo Domingo de Dezembro. Ela vendia castanhas e ele comprava quase todas, só para falar com ela que logo lhe dava “ trela “ e respondia. Ao fim do dia estavam lado a lado, a romaria quase a terminar e eles ainda ali juntinhos falavam a aproveitar o lume do fogão. Na hora de ir embora, José marcou-lhe um encontro no mesmo lugar para o dia treze da semana seguinte, prometendo acompanhála na correria da rapaziada à Senhora de Santa Luzia como mandava a tradição. Atrevida e esperta, Antónia logo disse que sim com uma condição de compromisso: - Não farás abuso de força sem minha permissão e terás contenção dos instintos se não for vontade dos dois. Ele assim se comprometeu, ora pois!!... Pelas dez horas batidas no sino de S. Pedro assim se via um rapaz jeitoso de samarrão quedando-se à espera de quem ainda não se via (Antónia). Com o tempo a passar, mãos e pés quase gelados, ia pensando se era partida da rapariga, aquela espera ou se ela se esquecera. A verdade é que aquela semana de ausência da sua presença dera-lhe a
certeza de que Antónia era a mulher que ele queria para sua a companheira de todos os dias dos anos que estavam para vir e, por isso, era preciso decidir se queria tomar a peito boas decisões e juntar os corações dos dois em compromisso de solstício invernoso. Os seus pensamentos foram interrompidos por divina voz que trauteava a chula de S. Torcato. Pelo caminho de Matadouços caminhava divertida e saltarica Antónia. José foi na direcção dela, ansioso e antes do encontro, ela justificou-se: - José perdoa-me mas não me lembrei de te dizer que também danço no rancho da minha terra, Fermentões, e tivemos festa de vindima com actuações. - Estás já perdoada, cá por mim e para castigo já te digo que te vou fazer minha comprometida e, se assim quiseres, daqui a um ano serás por desposada como manda por aqui a nossa tradição. Maria de Matadouços palpitava estupefacta pela vontade manifestada de José que, em avalanche de palavras não calava o coração. A verdade é que lhe soube bem ouvir aquilo tudo e guardando segredo de José guardou-o daí a um ano. - Eu quero o teu compromisso dado com fervura em Santa Luzia.
- Dar-te-ei a caixinha do nosso segredo que te declarei como prova da minha palavra daqui a um ano vamos a Cruz de Pedra buscar aos oleiros a cantarinha da nossa vida. Assim foi. Já um ano passou depois daquele dia louco em Santa Luzia, onde toda a juventude vivia a folia e os ditos “sardões“ e “passarinhas“ mostradas com atrevimento e brejeirice, como todos os jovens, em ritual de acabamento e socialização. Agora estavam ali como que abraçados à cantarinha, novinha em barro vermelho pedrejado de mica brilhante, pensando como seria daí para à frente cada instante das suas vidas. Sabiam da conversa da tia Micas parteira da quinta, o significado e destino da cântara. Tinham que a levar à casa das famílias que desejavam ter na sua boda de acasalamento ou compromisso de vida comum. Sabiam já que a cantarinha pequenina eram os espíritos bons de cada um deles; as suas vontades, lágrimas e sonhos deviam para lá ser vestidos. As suas confianças. Os seus defeitos e virtudes. Em amena conversa a dois tinham de tudo meter na mais pequenina, que era tapada e em cima por uma pomba da paz com três borrachos aos pés. Era essa a primeira função do acasalamento: ter filhos, continuar a espécie e ter futuro.
Sabiam também que a cântara maior seria para as riquezas, brincos e juntas de ouro velho; anéis, broches e pulseiras, lembranças e heranças de família que seriam presentes aos noivos. Além dos oiros, pratas finas e jóias de marfim, afinal riquezas e valores materiais que existiam no dia-a-dia da vida para ajudar a viver melhor mas que, à morte era tudo abandonado porque levar para a última viagem, era pecado. Ali se ficavam eles a pensar como seria a festa da boda agarrados à cantarinha da velha tradição dos seus avós… - E havemos de ir a S. Torcato e no ano seguinte a Compostela dizia ela. - António, iremos sim no ano a seguir ao nascimento, do primeiro parto, a S.Torcato e só depois a Santiago de Compostela depois do segundo. - Ai José que estamos a ir muito depressa!!... Ainda não se fez a festa. - Das minhas mãos sairão os berços dos filhos que saírem do teu ventre. Os móveis serão desenhados por ti e construídos por mim na oficina. - Ai José que esta cantarinha tem magia como já dizia a minha avó e a tia Micas da Quintã. “
O Espirro de D. João I Passou-se esta história em Guimarães, no tempo do rei D. João I, o décimo rei de Portugal, o primeiro de nome João. Portugal vivia desde 1383 uma grave crise política, pois o rei de Castela era casado com a princesa portuguesa de nome Beatriz e achava-se com direito ao trono de Portugal. Esta pretensão criou um diferendo entre os dois reinos que foi decidido, em 1385, numa importante batalha, a Batalha de Aljubarrota. Em Maio desse ano, estava D. João I em Guimarães quando recebeu a notícia que o rei de Castela ia invadir Portugal. Cedo se apressou a partir rumo a Aljubarrota para travar essa importante batalha real tão decisiva para o destino de Portugal. Se D. João I a perdesse, o rei castelhano passaria a ser o rei dos portugueses. D. João I estava, como é natural, muito preocupado com este confronto, pois o exército castelhano era muito superior em número de homens ao exército português. Sendo D. João I muito religioso e crente em Santa Maria da Oliveira, ter-Lhe-à feito um pedido, um voto, para que ajudasse a vencer os castelhanos. O cónego vimaranense Gaspar Estaço que, no século XVII, escreveu sobre Guimarães, conta que o rei D. João I, antes de entrar na batalha de Aljubarrota, terá dado um grande espirro, que
considerou como um mau agoiro, um mau pressentimento. Sentindo que esse espirro era uma alerta de perigo, pôs-se de joelhos e implorou ajuda a Santa Maria de Oliveira para que intercedesse a seu favor na luta que ia travar contra os castelhanos. O que é certo é que o rei português ganhou a batalha de Aljubarrota e, como bom peregrino, veio em romaria a Guimarães, agradecer a Santa Maria de Guimarães. O rei, quando chegou à então Vila de Guimarães, subiu a pé e descalço a rua que hoje tem o seu nome – a rua D. João I – e ofereceu à Virgem vários presentes. Dois deles chegaram aos nossos dias: o loudel, isto é, a veste militar que usou na batalha de Aljubarrota, dia 14 de Agosto de 1385, e belíssimo presépio em prata dourada, divido em três partes, conhecido como Tríptico da Natividade. Estas duas peças estão em exposição no Museu de Alberto Sampaio, na sala dedicada a D. João I – a sala de Aljubarrota.
Pedro Oliva e os Privilégios das Tábuas Vermelhas Esta é mais uma história que se passa no tempo do rei D. João I. Como já foi referido, o rei de ‘’boa memória’’ tinha uma grande devoção por Santa Maria de Oliveira que o ajudou a vencer a batalha de Aljubarrota e a quem veio agradecer e presentear com várias oferendas. Quando veio a Guimarães em romaria, D João I achou a Igreja da Colegiada de Santa Maria de Oliveira pequena e pobre e mandou refazê-la para que ficasse maior e mais bela. Quis, também, agradecer ao D. Prior e aos seus cónegos concedendo-lhes certos privilégios que abrangiam igualmente os seus servidores e caseiros. Estas regalias dispensavam as pessoas por elas abrangidas, os chamados privilegiados, do pagamento de certos impostos e de irem para a guerra ou para as conquistas de além-mar, entre muitos outros. Estes privilégios foram concedidos pelo rei em 1385 e foram guardados num livro com capas de couro, de cor vermelha. Por isso, ficaram conhecidos como os Privilégios das Tábuas Vermelhas. Mas, como já foi dito, só abrangiam um grupo especial de pessoas e os que por eles não eram abrangidos sentiam-se injustiçados. Foi o caso de Pedro Oliva, advogado de profissão, que,
junto do Padrão do Salgado, mostrou a sua indignação proclamando a alto e bom som: - Não é justo! Somos todos filhos de Deus, porque é que uns são privilegiados e outros não? Expliquem-me, quero saber! Junto do Padrão, estavam o cónego Gonçalves e o Abade de Freitas, ambos privilegiados, que, que ao ouvirem tal discurso, repreenderam publicamente o advogado, que lhes respondeu: - Vão bugiar! O Diabo não é tão feio como o pintam e, enquanto viver, não abro mão desta minha opinião! Reza a lenda que, nesse preciso momento, ainda Pedro Oliva não tinha acabado de falar quando caiu repentinamente aos pés daqueles religiosos, com a língua de fora, como que fulminado por um raio, tendo morrido logo depois. Foi sepultado na Igreja de S. Francisco. Esta história ou lenda está representada numa tábua, com escultura em revelo, originalmente colocada no Padrão do Salado e que hoje se encontra no Museu Alberto Sampaio.
Relíquia de Santa Cabeça Corria o mês de Junho de 1387 e o rei de D. João I encontravase em Guimarães a tratar de assuntos do reino e pronto a viajar para Coimbra ao encontro da sua rainha, D. Filipa de Lencastre, com quem tinha casado há apenas 5 meses. As viagens nesse tempo eram longas e demoradas e o rei, a meio do caminho e prestes a chegar aos Paços do Curval, adoeceu com febres muito altas. Os médicos, eram chamados de físicos, não conseguiam atenuar as suas dores. Diz-se que a doença do rei terá sido provocada pela mordedura de uma cadela danada, isto é, uma cadela com a doença da raiva, maleita muito vulgar naqueles tempos. Mal a rainha tomou conhecimento da doença do seu real esposo, logo se apressou a partir de Coimbra ao seu encontro. A rainha já estava grávida do seu primeiro filho mas permaneceu dia e noite ao pé do rei, que cada dia piorava, mal conseguindo falar. No meio do seu sofrimento e devoto como era, D. João I pediu a intercessão de Santa Maria da Oliveira e prometeu visitá-la caso se curasse. Há também quem diga que o rei invocou a Cabeça Santa, um crânio, que se venerava na Colegiada de Guimarães e que tinha o poder de curar os doentes atacados pela raiva.
Não sabemos se foi um milagre o que aconteceu, mas o certo é que o rei, que então tinha 30 anos, melhorou e se curou, tendo vivido uma longa vida e morrido com a ida de 76 anos. Um relicário com uma santa cabeça está em exposição na sala de ourivesaria do Museu de Alberto Sampaio.
Santa Margarida, Margarida, a protectora das grávidas A história de Santa Margarida é uma história fabulosa, como muitas outras histórias de Santas. Margarida nasceu há muitos séculos atrás em Antioquia, na actual Turquia, num período de intensas lutas entre cristãos e pagãos. O seu pai era pagão, ou seja, adorava vários Deuses, mas Margarida, por influência da ama que a criou, tinha-se convertido ao cristianismo, uma religião em que se adora um Deus único, Jesus Cristo. Margarida era uma jovem pastora muito bela. Um dia, estava ela a guardar as suas ovelhas num verdejante prado, quando passou o governador daquelas terras chamado Olíbrio. Quando a viu, Olíbrio ficou deslumbrado com a sua beleza e logo quis casar com ela. Mas Margarida tinha feito um voto de castidade e recusou o pedido de casamento. Olíbrio, furioso com a recusa, mandou atirá-la a um fosso. Dentro havia um diabo, que mais não era que um enorme dragão, o qual rapidamente engoliu Margarida. Mas, como esta levava uma cruz, conseguiu com ela cortar o ventre do monstro, tendo saído sem nenhum ferimento.
Este milagre fez com que muita gente começasse a acreditar em Deus e se convertesse ao cristianismo, o que ainda mais enfureceu Olíbrio. Maldoso como era, decidiu martirizar Margarida com atrozes suplícios e no final mandou-a decapitar. Mas os homens e principalmente as mulheres nunca mais esqueceram Margarida, começando a adorá-la como Santa. As mulheres grávidas tinham por ela uma devoção muito especial e a ela recorriam pedindo-lhe ajuda na hora do parto, para que os seus filhos saíssem sãos e salvos das suas barrigas, tal como Santa tinha conseguido sair da barriga do malvado dragão. Margarida – que significa pérola. Em Guimarães, Santa Margarida era venerada na capelinha junto do castelo, conhecida como capela de S. Miguel ou de Santa Margarida. A tradição diz que as grávidas vimaranenses acorriam a esta capela a pedir protecção à Santa para terem uma “boa hora”, isto é, um bom parto e também para saberem o sexo no ventre. Começavam por dar três voltas rápidas ao corredor da capelinha, para que o parto fosse rápido, lançando de seguida três pedrinhas a um metro de distância pela seteira capela-mor. Se as pedrinhas caíssem no interior do templo, ficavam a saber que iam ter uma menina, se, pelo contrário, as pedrinhas não entrassem, nasceria um menino.
Era deste modo que a Santa respondia à pergunta das mulheres grávidas que queriam saber se iam ter uma menina ou um menino. No Museu de Alberto Sampaio há duas representações de Santa Margarida que vieram da sua capelinha junto ao castelo: uma escultura em que a Santa pisa o dragão e uma pintura onde aparece com a cruz na mão, junto a S. Miguel.
A Lenda do ArcoArco-Íris Esta história é muito, muito velha. O topónimo Figueiredo não oferece dificuldades de interpretação etimológica. Radicará em suposta abundância da espécie arbórea frutífera sob a grafia de “Figaretum” ou conjunto de árvores que dão figas. Em documento de 924 surge uma referência que alude ainda a padornelo “patronelho” e “memonioles” talvez alusivas a antigas padrões demissórios e tumulações anteriores a meadas do séc. X. A paróquia de “Santa pelágia de Figuereido” intregada no termo de Guimarães é mencionada nas “inquirições” de 1220. Frequesia foi vigararia do convento da Colegiada de Guimarães assim surgindo por volta de 1726 , quando Craesbeek ali arrolava as importantes quintas “Dalém” “do Assento” e “do Outeiro” interessantes exemplares de arquitectura solarenga provincial, ainda hoje. Ora conta-se que nestes tempos antigos as terras, leiras e florestas eram todas do mesmo proprietário que tinha muitos casais, famílias que “chafurdavam” as terras e conviviam com os animais para sobreviverem das partilhas menores à época, porque as maiores eram para enriquecer o senhor. Desconfiado como era, o patrão do solar como lhe costumavam chamar, era também desconfiado e invejoso de tal
forma que negociava até à última rasa ou alqueire e obrigava no fim do dia os peões, cansados de trabalhar a batata e a cebola, a limpar as ervas doninhas das bermas dos caminhos. Muitas vezes “ante” a milha espreitava o trabalho dos lavradores aliviados por cantorias, despiques e suares, para controlar o rendimento de cada um que, depois no pagamento da jorna, afinava. Para tudo controlar tratara de comprar todos os campos e leiras do sítio para não ter concorrência, mas o patrão do solar perdia a paciência com o rapaz mais pequeno – André – saltarilhando pé ante pé pelo caminho ia comendo figas madurinhas com especial prazer. Ora um dia que chovia, estava o André empoleirado na figueira quando o patrão a apanhou e lhe gritou: - Ah malandro que te apanhei !... Então a tomar por teu aquilo que é só meu ?!... - Ui, que susto”patrãozinho” esconda-se como eu, um bocadinho, debaixo da figueira. Assim fez o patrão mas continuou refilão e quando se preparava para apanhar o ganapo, saltou ele como se fosse um sapo. - Dou atrás do arco-íris pois já parou de chover e o sol vem aí a correr !!..
O patrão cansado, mal dizendo a situação, ouviu de repente crocitar corvelas ou corvos assobiar uma canção que conhecia cantada por uma velha tia que já fenecera. Espreitou e viu o rapaz num canto da feira pequena a levantar a terra e de lá tirar um pote de ferro metendo a mão de seguida. Dele tirou uma mão cheia de reluzentes moedas e logo riu ruidosamente mostrando os dentes e saltando como um jogral em volta do pote e atirando os “reais” para o ar. Um corvo negro era testemunha da cena. A ganância subiu aos olhos e à mente do patrão que, de sopetão se achegou ao rapaz e agarrando-o fortemente por trás declarou estrondosamente: - Larga esses “reais” que não te pertencem. São meus, muito meus , meus meus !!!?.. -Essa é que era boa e querias tu !! – declarou o rapazinho soltando-se das dores daquelas mãos em garra. - Este território é todo meu. Campo a campo, beira, árvore a árvore – disse com vozeirão o senhor e patrão do solar. - Pois saiba “patrãozinho” que este pote é meu e foi meu bisavô que o escondeu no fim do arco-íris para defender esta terra, leira pequena daqui até ao ribeiro que pertence á minha família e, por isso , o meu pai e a mim. Ora trate de desaparecer e daqui seu “salafrim”.
O homem espumava de raiva e percebendo que o rapaz tinha razão fez que saía e, espreitando, viu o rapaz novamente enterrar o pote e partir. Logo ele tratou de correr para junto do Toeno da cerca e obrigar a ceder aquela terra em segredo tão importante. Essa conseguiu num instante porque se lembrou de um velho empréstimo pelo natal que a velha nunca pagou e assim ali exigiu e o homem entregou os papéis da propriedade. Correu como louco, soando como um touro, até chegar ao sítio e, pegando num pau remexeu a terra fresca fazendo larga cratera … -Foi ao engano levado, aqui não há pote de ouro. -Ah mafonas de Lúcifer: Fui enganado !... Onde estará o tesouro?!... Sentou-se no chão cansado e metendo a mão no pequeno ribeiro, percebeu a asneira que fizera. Era um diabrete que lhe aparecera disfarçado de rapaz. Pois não eram os figos a fruta preferida destes rapazinhos ao serviço do Demo?!... Logo erecto ficou e se benzeu e então olhou para o horizonte e ficou petrificado. Do outro lado estava o rapazinho em pose traquina e com jeito delicado tomou do chão o pote e abalou para a floresta. Parecia mesmo o Decubita… O patrão do solar chorou, chorou dois dias e três noites e depois soltou a casa e nunca mais apareceu. Diz-se que feneceu de
olhos de partida a emigração. Afinal já não tinha patrão e a terra ficava abandonada por não estar contrato. Saíram às dezenas para os quatro cantos do mundo. O rapaz voltou a casa e contou a partida que pregara com a ajuda da avó que era mulher de boa memória. Aqui ficará, por agora, esta história e não se esqueçam de espreitar sempre no fim do arco-íris. Quando passarem por Figueiredo vão descobrir o seu património.