NÓS GENTI - Nº2

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Nesta edição

NÓS GENTI 2 CABO VERDE

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Cesária Évora A Rainha da morna

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Editorial

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São Vicente

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São Vicente

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Voginga

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Vaiss

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Vasco Martins

58

Carnaval do Mindelo

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Samba Tropical

88

Festival da Baía das Gatas

Talento Das origens aos nossos dias Espelho cultural de Cabo Verde Quatro histórias a uma só voz Sentir a música como só os cabo-verdianos a sentem A genialidade de um progressista Onde os sonhos se tornam realidade Manter viva a tradição do carnaval em São Vicente A grande aventura musical de São Vicente

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São Vicente Fotorreportagem do Carnaval 2012

90

Vlú

96

Tchalê Figueira

Festival da Baía: espelho de união e liberdade É imprescindível fomentar a criatividade

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Olhares

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João Branco

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Centro Nacional de Artesanato e Design

130

Albertino Silva

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Padre Gronçalo Carlos

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Manuel Monteiro - CCIASB

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Opinião - Helena Leite

Pormenores do quotidiano Teatro nacional, fazer muito com quase nada Estimular o empreendedorismo dos artesãos nacionais O associativismo é fundamental para o futuro ... É necessário voltar a olhar para a interioridade humana O associativisto é o segredo do sucesso empresarial São Vicente tem tudo para dar certo!

Referências bibliográficas nesta edição: “Kab Verd Band” (2006) - Carlos Gonçalves ; “O Carnaval do Mindelo” (2011) e “Carnaval Mindelo Cabo Verde” (1998) - Moacyr Rodrigues ; “Cesária Évora” (1997) - José Manuel Simões Fotografia de Capa: Nkrumah LAWSON-DAKU / LUSAFRICA

Ficha Técnica NÓS GENTI EDIÇÃO Nº 2 | PROPRIEDADE: Palanca Média Produções - Rua 5 de Julho, nº70 - 3º Andar - Plateau - Praia - Cabo Verde (Tel. +238 2619860) | email: info@nosgenti.com | www.nosgenti.com | DIRECTOR: Luís Neves WRITER: Pedro Matos | CONSELHO EDITORIAL: Silvino Lopes Évora, Luís Neves, Tereza Teixeira, Júlio Rodrigues, Carlos Medina, Isabel Santos, Cândida Barros | PRODUÇÃO: Cândida Barros | PUBLICIDADE: Admilton Santos | FOTOGRAFIA E EDIÇÃO DE IMAGEM: Pedro Matos | PAGINAÇÃO E PRÉ-IMPRESSÃO: Visioncast - Interactive Solutions, Lda | IMPRESSÃO: Rebelo Artes Gráficas, Lda | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PREÇO DE CAPA: 500$00 (Cabo Verde) - 7 Euros (Portugal) - 9 Euros (Resto do Mundo) | Interdita a reprodução, mesmo parcial, de textos, fotografias ou ilustrações sob quaisquer meios, e para quaisquer fins, inclusive comerciais. | Número de Registo: 1/2012

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Editorial

Talento

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história começa, exprime, revela e resume-se numa única palavra: talento. Talento que personaliza e identifica Cabo Verde, transportando a sua identidade além fronteiras, sem limites geográficos, de forma intangível e sem cor.

De Cesária Évora muito se fala: dos momentos, das virtudes e das vicissitudes que a vida lhe reservou, no entanto, o que prevalece é o reconhecimento da genialidade, que, através da sua voz, expressou por cada um de nós, um pouco dos nossos sentimentos. Neste editorial, tocado pelos excertos de magníficas e eloquentes interpretações com que cantou e encantou, presto a minha reconhecida homenagem. Interpretações como “Sodade”, onde deixa evidente a forte ligação à terra e à sempre omnipresente distância que separa os cabo-verdianos da mãe-pátria; “É Doce Morrer no Mar”, onde exprime esse sentimento repartido pelo mar que liberta, une e alimenta, mas que ao mesmo tempo, pela força da natureza, também mata; “África Nossa” e a necessidade de uma maior consciencialização em se transformar num continente pleno de bem-estar e prosperidade: “Regresso” onde traduz a esperança de ver Cabo Verde farto em alimentos, embelezado pelo verde da abundância, fazendo assim jus ao seu nome. “Crepuscular Solidão”, revendo a falta de amor e felicidade, onde mesmo vivendo banhados de multidões, a solidão é o denominador comum. Enfim, julgo que não seria fastidioso continuar a desenrolar mais interpretações cantadas pela Rainha da Morna, todas elas de alcance profundo e forte cariz existencial, em cujos compositores, fruto desse talento raro em Cabo Verde e no mundo, confiaram. Para nós, fica a sua voz profunda e ímpar, que nos delicia e regozija. São Vicente, a sua terra, ilha de muitos dos talentos da cultura cabo-verdiana, não chora por Cize, mas aplaude-a e agradece-lhe com um “até sempre”. E porque esta era a forma de Cesária Évora encarar e se relacionar com a vida, termino com um texto universal em crioulo, que expressa singularmente todas as suas convicções e desejos: Túdu alguém tá nascé livrí í iguál nâ dignidád cú nâ dirêtus. Ês ê dotádu cú razõ í cú “consciência”, í ês devê agi pâ cumpanhêru cú sprítu dí fraternidádi.

Luís Neves


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das origens aos nossos dias

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São Vicente

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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

História

Descoberta no dia 22 de Janeiro de 1462 por Diogo Afonso, a ilha de São Vicente manteve-se desabitada durante quase quatro séculos. Esporadicamente visitada por navios piratas que encontravam no abundante gado pertença de alguns habitantes da vizinha ilha de Santo Antão farto alimento para as suas viagens, São Vicente ficou, durante muitos anos, relegada ao esquecimento.

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Foto Melo - São Vicente

s várias tentativas de fixar gente na ilha de São Vicente, sempre se mostraram bastante difíceis, principalmente devido à endémica falta de água. O que é hoje o Mindelo, não passava de um simples lugarejo onde os pescadores das ilhas vizinhas encontravam abrigo nas suas lides da pesca. Segundo relatos da época, em 1795, foi concedida autorização a um habitante rico da ilha do Fogo para iniciar o seu povoamento, no entanto as dificuldades foram tantas, que o homem acabou na miséria, sem ter conseguido atingir os seus objetivos.

A cidade do Mindelo, deve o seu nome ao facto da rainha D. Maria II, em 1835, querer assinalar o desembarque das tropas liberais comandadas pelo seu pai, no lugar do Mindelo, próximo de Viana do Castelo, em Portugal. Quarenta anos após a sua fundação, torna-se cidade por mérito próprio. É o seu porto, o Porto Grande, o motor do seu desenvolvimento. À semelhança das outras ilhas, São Vicente ainda usufruiu de mão de obra proveniente dos escravos da costa Este de


Foto Melo - São Vicente

É a partir do século XIX que, na cidade do Mindelo, graças ao seu porto, se começa a implementar uma nova estrutura socioeconómica, com novos hábitos e gostos, trazidos pela forte presença inglesa na ilha. A ilha desenvolve-se baseada na centralidade do porto, fruto do grande volume de capitais e mão-de-obra. Cria-se pela primeira vez um imenso proletariado em Cabo Verde. O seu movimento portuário

Por força da influencia da revolução industrial inglesa, a cidade desenvolve-se graças ao negócio do carvão. Esta, era fonte de atração das correntes migratórias, absorvendo as tradições que as pessoas mais humildes, traziam das outras ilhas. Formam-se grandes grupos sociais de empregados, domésticas e de mão-de-obra de crioulos livres. A cidade era então conhecida por morada, pois era o lugar onde se encontravam as casas de moradia, em oposição aos casebres das pessoas pobres, que se espalhavam em torno da urbe.

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Graças à sua privilegiada posição estratégica, São Vicente conhece uma hegemonia que contrasta com as outras ilhas do arquipélago. A sua economia depende, quase na sua totalidade, das atividades relacionadas com o Porto Grande, principal fomentador do comércio e atividade da região. São Vicente enche-se de oficinas de toda a espécie. A vida fervilha por toda a ilha. Por essa altura, o Mindelo tornou-se num importante centro cultural agregador de culturas dos mais diversos pontos da Europa, com especial relevo para a música, a literatura e o desporto.

Devido ao importante papel do Porto Grande na navegação internacional da época, São Vicente desde cedo absorveu, como mais nenhuma das outras ilhas do arquipélago, o contacto com outras gentes, culturas e costumes. O Porto Grande torna-se então um importante ponto estratégico nas ligações entre a Europa e o Atlântico. São Vicente recebe fortes influências provenientes do mediterrâneo, com destaque para as oriundas da Madeira e Açores, e mais tarde de outros países europeus.

é fonte de atração das classes empobrecidas das outras ilhas.

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África, no entanto, como não dependia destes para o seu desenvolvimento, cedo abdicou da sua presença. Este facto fez com que São Vicente se tornasse na primeira região de Portugal a libertar os escravos, muito antes das leis de 1888, impostas pelo Marquês Sá da Bandeira.

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Falar no desenvolvimento da cidade do Mindelo é falar no desenvolvimento da atividade comercial inglesa, pois ambos estão intrinsecamente unidos. A presença dos ingleses na ilha, cedo se faz notar. Esta grande comunidade cria um clima de bem estar, refletido nos produtos de qualidade que se comercializam, pelas inúmeras atividades culturais e desportivas que fomentam e que transformam o Mindelo numa cidade de sonho, o que não acontecia em nenhuma outra ilha de Cabo Verde.

Foto Melo - São Vicente

Com os ingleses apareceu também outro tipo de vida, baseado no trabalho e na vontade de aprender e desenvolver. No entanto, fruto de toda esta atividade, também se criaram grandes mazelas sociais, que normalmente as cidades portuárias arrastam consigo: prostituição, alcoolismo, vagabundos e pedintes.

São Vicente desenvolve-se e torna-se num porto seguro para as pessoas provenientes das outras ilhas. Cria uma sociedade que é mais solidária e culturalmente mais desenvolvida que as restantes ilhas. Aprende a tolerar, o que se reflete nos brandos costumes das suas gentes. Marcos importantes no seu desenvolvimento, foram a colocação, em 1874, dos cabos submarinos que ligaram a ilha de São Vicente à Madeira e posteriormente ao Brasil. Em 1886, estabeleceram-se as ligações à África e à Europa. No entanto, no início do século XX, com o aparecimento dos motores a diesel em detrimento do carvão, o seu porto começou a perder a hegemonia de outrora.



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Do seu período áureo, a cidade do Mindelo ainda conserva um centro histórico relativamente bem preservado, onde predomina a arquitetura de estilo colonial. Aqui é bem patente toda a influência proveniente de outras paragens. O Mindelo faz lembrar as cidades portuguesas do início do século XX e por todo o lado se sente esta interposição. Inúmeros edifícios e casas, jardins e monumentos e até uma réplica da Torre de Belém de Lisboa podem ser apreciados na urbe mindesense. Em meados dos anos sessenta do século passado, as condições de vida de São Vicente melhoraram significativamente, quer devido a um maior interesse do governo da metrópole quer pelo aumento significativo das remessas provenientes dos emigrantes radicados nos EUA e na Europa. Com o 25 de Abril de 1974, abriram-se as portas à descolonização e independência de Cabo Verde. Muitos quadros e técnicos que se encontravam fora, regressam à suas terras de origem, o que faz com que São Vicente e nomeadamente a cidade do Mindelo, mergulhe em mais um período de forte atividade comercial e cultural.

Atualmente, o perímetro da cidade alarga-se muito para além da Praça Nova, que, a quando da sua construção, se situava fora dos limites da então cidade. Contando presentemente com muitos residentes provenientes de outras ilhas do arquipélago, nomeadamente de Santo Antão e São Nicolau, a sua população continua a aumentar, estimando-se atualmente em cerca de 75.000 habitantes, 95% dos quais concentrados na cidade do Mindelo. O comércio e os serviços associados à industria naval e turística, são os motores económicos da ilha. Recentemente remodelado, o Porto Grande, continua a exercer a influência de outrora no tecido socioeconómico da sua população. Fruto dos grandes avanços democráticos registados em Cabo Verde após a independência, São Vicente tem registado grandes progressos ao nível da educação, saúde e bem estar das suas gentes, tornado-as num povo hospitaleiro, que gosta de receber com amizade e conforto, fazendo de São Vicente a terra da morabeza.




E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Cultura

São Vicente

Espelho cultural de Cabo Verde Por muitos considerada como a capital da cultura cabo-verdiana, a ilha de São Vicente sempre foi fértil na contribuição cultural do país. Além da música, São Vicente viu nascer importantes personalidades da literatura, do teatro e da pintura cabo-verdiana. São Vicente é também famosa pelo seu Carnaval, pelas festividades de Fim de Ano e pelas numerosas expressões culturais que regista ao longo do ano.

Oriundos de São Vicente são igualmente os estilos musicais de cariz religioso, Kolá Sam Jom e, o mais famoso de todos, a Coladeira. Tendo o seu processo de formação concluído por volta dos anos cinquenta, a origem da Coladeira

Sobre a consistência destas teorias ou teses, todas têm um fundo de verdade, precisamente pelo facto das muitas influencias a que sempre esteve exposta a ilha de São Vicente. A partir dos anos cinquenta, quando começa o fulgor da Coladeira, começam a aparecer os primeiros grandes nomes que para sempre ficarão associados a este género musical. Vivendo intensamente o ambiente social de São Vicente, e com o característico sentido de humor mindelense, o músico e compositor Gregório Gonçalves – Goy – desenvolve a Coladeira num

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Grandes nomes da música cabo-verdiana são oriundos de São Vicente. O mais conhecido é sem dúvida Cesária Évora, a “diva dos pés descalços” que, com a sua voz única, levou o Cabo Verde aos quatro cantos do mundo. Mas existem outros que transpuseram para as suas obras a influência omnipresente que a ilha encerra, dos quais se destacam Luís Morais (1934-2002), exímio flautista, saxofonista e clarinetista, Vasco Martins (compositor sinfónico), entre muitos outros.

Música, músicos e expressões musicais

está envolta em várias teorias, sendo as mais prováveis as que apontam para que, durante os bailes, bastava um ligeiro sinal dos dançarinos para que os músicos apressassem o andamento das mornas, o que fazia os dançantes rodopiarem aos saltinhos, dançando a contratempo. A segunda teoria apoia-se na tese da Coladeira ter tido a sua origem em ritmos como o Kolá San Jon (de São Vicente ou Santo Antão). Há ainda uma terceira corrente, embora com menos apoiantes, que refere que a Coladeira provém das influencias dos ritmos latino-americanos.

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F

ruto da miscigenação da sua população, São Vicente desenvolveu uma cultura muito rica, feita das muitas influências que desde cedo experimentou, por influência das várias realidades culturais provenientes de outros países, que encontravam no Porto Grande um bom porto de abrigo.

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Lima e Boy Gé Mendes, entre outros, a Coladeira evolui para um ritmo mais moderno, dando origem a um chamado Coladance, alegre e influenciado pela salsa nos anos 80. Os álbuns de Tito Paris ("Dança ma mi criola"), do conjunto Os Tubarões ("Porton di nos ilha") e de Bius ("Dia e Note"), na segunda metade dos anos 1990, marcam o renascimento desse género e um regresso às origens. Ainda no campo musical, e associado ás raízes africanas dos ritmos com tambores, temos o Kolá, típico das ilhas de Santo Antão e São Vicente. Contrariamente ao que se passa no continente africano, em Cabo Verde o tambor não louva ou evoca entidades e deuses pagãos. Fruto da evangelização dos escravos, com forte influencia da cultura europeia, os tambores em Cabo Verde foram usados essencialmente nos rituais das Festas dos Santos. O ritmo escutado nestas festas, louva o S. João, S. Filipe, S. Pedro, Santa Cruz.

Gregório Gonçalves

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estilo que marcaria mais de uma década, satirizando sobre a sociedade do Mindelo.

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Em São Vicente, festeja-se Santa Cruz, na localidade de Salamansa, o S. João, no vale da Ribeira de Julião e o S. Pedro, no Mindelo. Aqui, os tambores são acompanhados por um terceiro elemento que, dentro de um barco em miniatura, dança e faz evoluções, como se o barco estivesse a navegar em mar revolto. Ao ritmo dos tambores, pontuado pelo assobio de apitos em contratempo, as

Tony Marques, compositor que utiliza um ritmo mais rápido e preciso, recorre a uma estrutura musical rica em acordes e meio-tons. Os versos são metodicamente adaptados ao ritmo da música. O seu irmão Djosa (baterista e pianista), é o arquiteto do ritmo e inventor de muitos “breaks” característicos do estilo. Esta estrutura rítmica foi aplicada inúmeras vezes nas suas interpretações de Coladeiras de outros autores, e ainda hoje tem reflexos nas interpretação de algumas Mornas. Um pouco mais tarde, em meados dos anos sessenta, Franck Cavaquim (baterista e compositor), com o grupo musical Voz de Cabo Verde, devido à grande difusão em disco e aos inúmeros espetáculos por todo o arquipélago, domina o panorama musical da época. O ritmo de Franck Cavaquim (um misto dos estilos de Goy e Djosa Marques), impôs-se de forma inequívoca. Com o Cabo Verde Show, grupo cabo-verdiano fundado em Paris, do qual faziam parte Manou

Conjunto Voz de Cabo Verde (1968)


mulheres cantam e dançam, seja entre elas, seja com os homens, ao que se segue uma “umbigada”, em simulação do ato sexual. A esta dança, a este ritmo de tambor e as cantilenas que as mulheres cadenciam, dá-se o nome de Kolá.

Literatura Muitas são as figuras de relevo ligadas à literatura, cujas origens se encontram nas terras de São Vicente. No entanto, quer pela qualidade do trabalho apresentado, quer pelo espaço temporal das suas obras, quatro autores se destacam: Ovídio Martins, Oswaldo Osório, Sérgio Frusoni e mais recentemente Vera Duarte.

Filho de pais italianos, Sérgio Frusoni nasceu na cidade do Mindelo a 10 de Agosto de 1901. Já adulto, geriu o café “Sport” no Mindelo, onde apresen-

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Finalmente, destacamos Vera Duarte. Natural do Mindelo, Vera Duarte licenciou-se em Direito na Universidade Clássica de Lisboa, tendo-se posteriormente formado em Magistratura Judicial no Centro de Estudos Judiciários de Lisboa. Tem participado ativamente na vida pública de Cabo Verde, especialmente em questões relacionadas com os Direitos Humanos, a cultura e a mulher cabo-verdiana. As suas atividades em prol dos Direitos Humanos valeram-lhe, em 1995, o galardão Norte-Sul de Lisboa. Em 2003 é-lhe atribuído o prémio literário “Sonangol de Literatura 2003”, pela autoria da novela “A Candidata”. Foi presidente da Associação Cabo-verdiana de Mulheres Juristas (AMJ), membro do Comité Executivo da Comissão Internacional de Juristas e de várias associações da sociedade civil cabo-verdiana, nomeadamente a Associação de Escritores Cabo-Verdianos (AEC). Destacam-se algumas das suas obras, nomeadamente “Amanhã Amadrugada”; “Arquipélago da Paixão” e “Preces ou Súplicas ou os Cânticos da Desesperança”. Com um forte enfoque na temática da mulher, Vera Duarte possibilitou, através da literatura, uma libertação de sentimentos que por norma são reprimidos pela sociedade.

Oswaldo Osório nasceu na ilha de São Vicente, em Novembro de 1937. Fundou, com Jorge Miranda Alfama, Rolando Vera-Cruz Martins e Mário Fonseca, a folha liceal Seló, em São Vicente. Dado o cariz da publicação, foi censurada ao fim do segundo número. Publicou “Caboverdeanamente Construção Meu Amor; Cântico do Habitante Precedido de Duas Gestas; Claridade Assombrada; Os Loucos Poemas de Amor e Outras Estações Inacabadas; Gervásio; Desde as Portas de Roterdão; Cantigas de Trabalho entre outras. Aliás, “Cantigas de Trabalho” foi a primeira obra publicada em Cabo Verde com textos em crioulo, utilizando o alfabeto de base fonético fonológica, uma opção ortográfica que até hoje é objeto de grande polémica entre os cabo-verdianos. É um acérrimo defensor da recriação na área literária.

tava poemas e pequenos contos em crioulo. Na década de sessenta, liderou o grupo de teatro “Teatro do Castilho”, no Mindelo. Foi locutor da Rádio Barlavento, onde dirigia e apresentava, em crioulo, o programa “Mosaico Mindelense”. Autor de vários contos, notabilizou-se como poeta crioulo. Frusoni é considerado um dos principais escritores que dá dignidade poética à escrita em crioulo.

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Natural da cidade do Mindelo, Ovídio de Sousa Martins sempre se empenhou na defesa da cultura cabo-verdiana. Nascido a 17 de Setembro de 1928, Ovídio Martins cedo enveredou na luta pela liberdade, com textos acossadores ao sistema colonial, o que acabou por o conduzir ao presídio pela polícia política do regime. Exilou-se na Holanda onde persistiu na renovação da estética literária cabo-verdiana. A sua poesia reflete o vínculo à terra e aos problemas do seu povo, sendo-lhe atribuído o mérito de ter elevado a língua cabo-verdiana à respeitabilidade de língua literária. Foi Co-fundador do Suplemento Cultural editado em São Vicente em 1958. Morreu a 29 de Abril de 1999.

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© João Barbosa

Teatro e artes cénicas

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Falar de teatro em São Vicente, é falar da sua Associação Artística e Cultural, a MINDELACT. Em Cabo Verde, à semelhança de outras expressões artísticas, o teatro evoluiu de forma irregular: umas vezes com períodos de forte crescimento, noutros com crises profundas, resultantes da estagnação total da sua expressividade. Sendo uma atividade amadora, logo sujeita à paixão dos seus agentes, beneficia ainda de uma pureza por quem a promove e divulga.

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Dadas as grandes dificuldades de fazer trabalho criativo em Cabo Verde, fruto das condicionantes geográficas e económicas, é com alguma perplexidade que se assiste à proliferação de cada vez mais artistas, quer na música, quer na expressão plástica, quer literatura - e o teatro não é exceção. Corria o ano de 1995, quando alguns mindelenses apaixonados pelo teatro decidem organizar um Festival de Teatro de cariz puramente cabo-verdiano. Bastaram-lhes 15 dias para o projeto se tornar realidade. Deram-lhe o nome de MINDELACT. Esta iniciativa, inédita no panorama das artes re-

presentativas de Cabo Verde, teve um impacto considerável junto do público e da comunicação social. O programa da primeira edição do Festival de Teatro MINDELACT, era o espelho do desejo dos seus promotores: “Mindelo é uma cidade mágica. O teatro é uma das melhores artes que pode abraçar essa magia e pensamos, por isso, que seria um crime abandonar esta arte nesta cidade. Não queremos ser cúmplices deste crime e eis, pois, o porquê desta aventura que no futuro não o será; será, pois, uma certeza. Queremos que o MINDELACT funcione como um estímulo ao teatro cabo-verdiano e um desafio concreto à capacidade de criação e da realização dos coletivos teatrais e dos criadores individuais e que reflita o processo de revitalização que se vem sentindo no teatro em Cabo Verde, principalmente em Mindelo, tentando resistir à indiferença, tentando sair do marasmo em que se encontra, com o aparecimento de novos grupos de teatro e a confirmação de outros que não tem desistido em presentear o público mindelense com as suas obras. Esses novos grupos, juntamente com aqueles que já se encon-


travam em atividade, devem unir-se e essa união deverá funcionar como mola impulsionadora para uma verdadeira evolução do teatro das ilhas (...)". Fruto do sucesso desta primeira grande iniciativa, a organização decide consolidar o projeto, dando-lhe personalidade jurídica e institucionalizar a sua estrutura associativa, por forma a facilitar as organizações subsequentes das próximas edições do Festival. Foram assim criados os estatutos da Associação Artística e Cultural, a que deram o nome do próprio festival – MINDELACT. Desde então, todas as edições anuais do Festival de Teatro são um acumular de sucessos, pois, no entender dos seus organizadores, trata-se de uma iniciativa ímpar no panorama do teatro em Cabo Verde, pois além de reunir os mais interessantes criadores cénicos do país e revelar novos talentos ainda não explorados, pretende igualmente ser um ponto de contacto cultural na Lusofonia. O Festival de Teatro MINDELACT apresenta-se ao público todos os anos no mês de Setembro.

Ainda na área da pintura, destacamos Humberto Tourinho Monteiro, Edith Borges, João Baptista Lima, Manuel Amocha Cabral, Manuel Figueira e Carlos Alberto Figueira. Mais recentemente, outros nomes surgem no espetro das artes plásticas, como promessas da continuidade cultural de São Vicente. Paulo Jorge de Sousa, nascido em São Vicente em 1974 é uma dessas grandes promessas. No entanto, outros artistas se têm evidenciado através de obras notáveis. No ramo da tecelagem, Isabel Duarte é um dos nomes mais conceituados. Natural de São Vicente, lecionou Desenho Visual entre 1968 e 1974. Em 1976 integra o grupo de professores que formam a Cooperativa Resistência. Em 1978 participa na criação do Centro Nacional de Artesanato, onde leciona tecelagem, tapeçaria e batik.

Artes plásticas e outras formas de cultura Só após a independência é que começaram a aparecer alguns artistas plásticos, ligados à pintura e escultura, no panorama cultural de Cabo Verde. Nessa altura, todos os trabalhos realizados expressavam a temática da liberdade e da independência. Nos dias de hoje, a realidade é bem diferente, e ainda bem. Cabo Verde abriu-se para o mundo e muitos dos seus artistas plásticos procuram inspiração além mar. Muitos deles até concluem os seus estudos artísticos no estrangeiro. A globalização é também sentida nas artes cabo-verdianas. No entanto, as cores e os temas continuam a ser essencialmente de raiz africana. São Vicente, à semelhança das outras ilhas do arquipélago, tem contribuído de forma generosa para proliferação das artes plásticas do país. Muitos artistas têm sido influenciados pela vivência da ilha. Um dos mais notáveis é António Firmino. As suas telas são o espelho das gentes são-vicentinas. Pintor por vocação e professor de línguas por formação, há mais de duas décadas que António Firmino se assume como um artista plástico autodidata que "inventa a sua própria técnica a cada pincelada".

Isabel Duarte - São Vicente

Em termos culturais, São Vicente é dinâmica. É um viveiro de criatividade e génio. Fruto das influências externas ou simplesmente pela sensibilidade das suas gentes, São Vicente é, e continuará a ser, o espelho cultural de Cabo Verde. 


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© Youri LENQUETTE / LUSAFRICA


A Rainha da morna

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Cesária Évora

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© Lusáfrica


E: Luís Neves | W: Pedro Matos

Artigo de Capa

Cesária Évora [1941-2011]

A Rainha da Morna Na música cabo-verdiana, a voz é um elemento fundamental. A voz complementa os instrumentos e ambos, em cadência, dão corpo à expressão cultural, tão característica de Cabo Verde. A conjunção destes elementos, encontrou em Cesária Évora o expoente máximo, jamais alcançado por qualquer outro interprete. A voz de Cesária tornou a música de Cabo Verde numa referência mundial, fruto da harmonia melódica que transporta e do sentimento que transmite.

Aos 17 anos, Cize (como por todos era conhecida) já era elogiada nas suas interpretações musicais. Fez o seu primeiro espetáculo para o público, no Cinema Éden-Park. Era acompanhada por músi-

Quando começou a cantar, chegou a receber 25$00 por cada gravação, no entanto, durante

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Cesária Évora nasceu a 27 de agosto de 1941, na cidade do Mindelo, em São Vicente. Descendente de uma família ligada à música (o pai, primo de B.Léza, tocava violão e violino), cedo começou a cantar. Cantava aos domingos na igreja e após a morte do pai, foi para o Orfanato Mota Carmo, experiência curta, pois a sua personalidade, não se adaptou ao rigor das normas exigidas. Convencendo a avó de que tinha assombrações, conseguiu sair do orfanato.

cos locais, dos quais faziam parte o omnipresente Goy, amigo que viria a zelar pelo seu progresso artístico.

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T

udo começou com as gravações na já extinta Rádio Barlavento, promovidas pelo exímio homem das Coladeiras, Gregório Gonçalves - Goy. Estávamos nos anos 60 do século passado, e pela primeira vez, Cabo Verde assistia ao aparecimento na cena musical, de uma voz com um estilo pessoal e um modo de interpretação que a todos atraía. Cesária Évora, então desconhecida fora da ilha de São Vicente, revelava-se como uma notável interprete das Coladeiras de Goy.

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© Lusáfrica

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quase vinte anos, cantou sem nunca receber nada em troca. Naquele tempo, ninguém assinava contratos com os músicos, que sobreviviam da generosidade dos seus admiradores.

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Apenas frequentou a escola até à 2ª Classe da Instrução Primária. Aos 18 anos, teve o seu primeiro filho, fruto do relacionamento com um português que a abandonou sem nunca mais dar notícias. Cize assumiu sozinha a maternidade. Esta viria a ser a sua sina, pois mais tarde, teve uma filha, cujo pai, cabo-verdiano, também partira sem mais dar notícias. Cesária gostava da sua independência. Contrariando a maioria das mulheres cabo-verdianas da época, cedo assumiu esta sua sede de emancipação, o que na altura chocou profundamenrte a sociedade, extremamente conservadora. Com o declínio do Porto Grande, intensificado com a independência do país em 1975, a vida

noturna cabo-verdiana entra numa fase de calmaria. Muitos músicos emigram para Portugal, Holanda, França e Estados Unidos. Nos bares, quase vazios, Cesária continua a cantar a troco de algumas bebidas. A família era ajudada financeiramente pelos envios regulares que, três dos irmãos que estavam emigrados, costumavam fazer. Eram tempos difíceis, que a faziam atuar em bares e festas, na procura de um precioso complemento ao magro orçamento familiar. A sua voz singular e elevado poder interpretativo, já deliciava quem a escutava, mas o reconhecimento internacional, esse ainda estava longe de ser alcançado. No ano da independência do país, Cesária muda radicalmente de vida. Afasta-se de tudo e de todos, e tranca-se em casa da sua mãe, de onde só sai para ver o mar. Este isolamento durou dez


O sucesso de qualquer projecto depende sempre da forma como o abordamos The success of any project always depends on how we approach

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anos. Sentia-se angustiada e por todos abandonada.

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Com o aparecimento da música eletrónica, o papel da mulher vai-se esbatendo do panorama musical cabo-verdiano. As suas atuações estavam agora apenas confinadas às serenatas, aos bares típicos do Mindelo e da Praia, ou a alguns espetáculos esporádicos. Tal afastava-a do circuito da edição discográfica, que de forma geral, permite o rápido alcance da tão almejada popu-

larização. No entanto, este tempo em que esteve “afastada”, permitir-lhe-iam uma maturação do estilo, resguardando a autenticidade e as raízes da Morna e da Coladeira. Estas duas expressões musicais, encontrariam na voz de Cesária Évora, o veículo ideal para se revelarem ao mundo, em todo o seu esplendor. Desde sempre andou descalça. Mesmo quando a “etiqueta” exigia outra condição, Cesária, fiel à liberdade de espírito que sempre manteve, fazia


Š 2009 Eric Mulet / Lusafrica


José Simões

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questão de “provocar” e “chocar”. É famosa em São Vicente a sua teimosia em querer cantar descalça num sarau do Grémio Recreativo Mindelo – um local de elevada reputação, frequentado pela elite da sociedade mindelense durante o tempo colonial. A pressão foi tanta que Cize acabou por ceder. Sobre este assunto costumava dizer: “Calcei os sapatos duas vezes. Uma para cantar no Grémio e a outra para cantar no navio-escola Sagres”. Aliás, andar descalça viria a transforma-se na sua imagem de marca, que sempre a acompanhou em toda a sua carreira.

para Cesária, e marca uma tournée por toda a França com espetáculos da artista. Mas o seu primeiro concerto ao vivo naquele país, no 1º de outubro de 1988 no New Morning de Paris, não atraiu público.

Em 1983, o jornal Voz di Povo já a intitulada de “A rainha das Mornas”. 1985 viria a revelar-se um ano marcante na sua carreira. Foi para Lisboa gravar o Lp Mar Azul. A sua interpretação neste disco seria a rampa de lançamento da sua brilhante carreira. Corria o ano de 1988 quando se deu um encontro que viria a mudar por completo a vida de Cize. Enquanto cantava numa discoteca do Bana, em Lisboa, conheceu José da Silva que se mostrou muito interessado no estilo de Cesária. Djô da Silva, proprietário da então recém criada editora Lusáfrica, arrisca uma carreira internacional

José Simões

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© Lusáfrica


Em 1991, o trabalho Mar Azul, remete-nos para o processo musical que mais lhe agrada: totalmente acústico, com cavaquinhos, guitarras, piano, clarinete e violão. Acompanhada pela Mindel Band, regressa ao New Morning de Paris, que, uma vez mais, continuava desoladamente vazio. No entanto, a sua sorte estava prestes a mudar: poucos dias depois, no Festival d’Angoulème, a 2 de junho de 1991, chama a atenção da imprensa especializada, surpreendida pela originalidade de postura e pela voz suave e profunda da cantora cabo-verdiana. A sua música começa a passar nas rádios francesas, especialmente as que se dedicavam a divulgar a world music. A 14 de dezembro, finalmente o New Mornig regista uma enchente, constituída principalmente por público entusiasta francês, que aplaude com emoção a rainha da morna.

Em 1992, a “diva” encontra-se em digressão pela Europa. França foi um marco em toda a sua carreira. A sua digressão neste país europeu foi assinalada nos mais prestigiosos jornais, como o Le Novel Observateur e Liberation. Em Paris, ficaram famosos os seus espetáculos no Theatre de la Ville e, talvez o mais marcante, o do Olympia. Depois destes espetáculos em Paris, Cesária viria a actuar mais duas noites (a 17 e 18 de dezembro) na cidade de Amiens. Tal como referido pela imprensa da época, Cize tornara-se objeto de um culto particular em França. Nesse mês de dezembro de 1992 o sucesso de Cesária Évora arrancava em definitivo e de modo imparável. Um ano depois, Cesária testemunharia toda a devoção dos franceses, não só pelo interesse que os seus espetáculos despertam, mas também pela venda, em poucas semanas, de quase 200 mil unidades do seu álbum Miss Perfumado. Este trabalho esteve em primeiro lugar em França, numa lista de 25 artistas que incluíam Sister Act, Jimmy Hendrix ou Bob Dylan entre muitos outros. Em abril de 1993, atua em Lousanne e no festival Printemps de Bouges. Maio, em Clermont FerJosé Simões

Dois anos depois, fruto de um contrato que manteve com Bana, edita o disco Destino di Belita, trabalho considerado de transição, uma vez que misturava mornas acústicas com música eletrónica, o que, segundo alguns, não fez justiça ao seu verdadeiro valor.


Š 2009 Eric Mulet / Lusafrica


Em 1995, o álbum Cesária é editado em 20 países, e rapidamente se torna disco de ouro em França. Vende mais de 150 mil exemplares só nos Estados Unidos, onde é nomeada para os Grammy Awards. Madonna, Caetano Veloso, David Byrne e Branford Marsalis, tornam público o seu fascínio pela interprete cabo-verdiana, que, ainda nesse ano, grava o tema Ausência para o filme Underground de Emir Kusturica. Em 1996, realiza cerca de uma centena de concertos. Em França foram 40, na Alemanha 11, Estados Unidos 30. Também puderam assistir aos espetáculos da rainha da morna, o Canadá, a Suíça, Bélgica, Brasil, Hong-Kong, Itália, Suécia, Senegal, Costa do Marfim e Inglaterra.

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rant, St. Malo, Coutances, Nice e Montreaux; em junho, Mulhouse, Poitier, Bordeaux, Villeurbanne; em julho, Fourgéres e Boulogne; em setembro encontra-se em digressão pelo Japão e para os últimos dois meses do ano, estavam previstos mais de 30 espetáculos pela Europa.

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Esgota todas as salas por onde passa, ganha discos de ouro e faz o mundo descobrir as mornas nascidas num país até aí pouco conhecido. Sobre esta aura que se desenvolve em torno da artista, a jornalista Heléne Hazera, escreveu: “Existem cantoras com performances explícitas: cantam mais alto ou mais baixo que outras, ou com mais força. Nada disso acontece com Cesária: o seu timbre é único, a sua singularidade não necessita de nenhuma proeza. Tudo se passa claramente, na medida certa, um modo especial de alimentar uma tenra emoção, de a fixar... antes de se sentir o coração arranhado pelas unhas. Um trabalho de precisão quase impercetível”.

Através do sucesso de Cesária, Cabo Verde ficou mais conhecido. Cesária Évora contribuiu sem dúvida, para a divulgação de vários aspetos da nossa cultura, história e tradições. © 2009 Eric Mulet / Lusafrica

© 2009 Eric Mulet / Lusafrica

O álbum Cabo Verde é então gravado no intervalo das suas atuações. É mais uma prova da sua grande vitalidade musical. Este disco conta com um vasto naipe de músicos cabo-verdianos, que desta forma, puderam contribuir para a divulgação definitiva de Cabo Verde no Mundo.



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Em 1999, Portugal agraciou Cesária Évora com a medalha da Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. O galardão Les Victoires de la Music para Melhor Álbum de World Music foi-lhe atribuído por duas vezes, a primeira em 2000 pelo trabalho “Café Atlântico” e em 2004 pelo álbum Voz d’Amor. Este mesmo disco Voz d’Amor, foi igualmente premiado em 2004 com o Grammy para o Melhor Álbum de World Music. Em 2009, o presidente francês Jacques Chirac distinguiu-a com a medalha da Legião de Honra de França. Em dezembro de 2010, no Rio de Janeiro, o Presidente Lula da Silva, condecorou Cesária Évora com a medalha de Ordem do Mérito Cultural 2010. Foi igualmente distinguida com o prémio carreira na gala dos Cabo Verde Music Awards 2011

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Seria o seu destino? Como ela mesmo disse, “Eu não sei o que é o destino. Não acredito no destino e não sei onde nasceu, nem onde ele morreu”.

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Graças a ela, o mundo descobriu a cor de um canto único e uma mulher cuja imagem demonstra que está em paz com o seu destino. Uma mulher única, de voz única. As cantoras que procuram segui-la, podem ter vontade e talento para atingirem o sucesso, mas irá faltar-lhes sempre aquela postura de voz que só quem viveu o que canta, conhece. E o seu canto não mente. Morreu no Mindelo, a terra que a viu nascer e a qual tanto amava, no dia 17 de dezembro de 2011, aos 70 anos de idade. O seu percurso foi feito de inúmeros momentos de glória, entre discos e tournées, os quais coroaram, de forma inigualável, a sua carreira artística. Cesária Évora foi, e continuará a ser, a maior e mais emblemática embaixadora da cultura, do sentimento e da musica de Cabo Verde, nos quatro cantos do mundo. Por todos, cá dentro e por todo o mundo, será sempre chamada de “A Rainha da Morna”. 


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Músico

Voginha

Quatro histórias

a uma só voz

Para Voginha, a preservação desta identidade e desta cultura, faz-se não apenas pela conservação da forma de tocar e interpretar os géneros musicais tradicionais, mas também por contar e lembrar as histórias que fazem parte da História dos nossos maiores intérpretes.

Partilha da opinião generalizada que, com o desaparecimento da Cesária Évora do panorama musical, a morna terá que continuar a ser promovida e acarinhada, pois como afirma, “a morna faz parte do nosso património cultural e como tal não pode cair no esquecimento, e esse trabalho, cabe também em parte aos músicos, pois são responsáveis pela transmissão do conhecimento musical aos mais jovens, que têm o direito a possuírem essas referências e esse património”.

A ideia de propor, junto da UNESCO, a morna como património imaterial da humanidade, é, para o músico, uma “excelente iniciativa, pois tal irá avivar a consciência das pessoas, para um património que não é apenas nosso, mas que fruto de algumas figuras extraordinárias da nossa história, o tornaram património da humanidade”, e acrescenta que “desta forma, as pessoas poderiam começar a dar valor ao que é só nosso e passarem-se a interessar mais pelas nossas tradições. A Cesária Évora faz prova desta nossa falta de consciência, pois durante muitos anos, cantou apenas aqui em Cabo Verde, mas só através dos comentários e elogios que vinham de fora, é que as pessoas começaram a tomar noção do seu real valor. À semelhança de outros artistas que temos, se ela tivesse feito carreira apenas aqui, iria passar-se ao lado de um grande talento”, afirma.

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H

erdou do pai o gosto e a forma de tocar a música tradicional do seu país. O seu contributo para a preservação e divulgação da morna vem de há muito tempo, quer em formações musicais que tinham nesses estilos tradicionais a sua génese – o caso da Mindel Band é apenas um dos exemplos – quer através da sua participação em inúmeros trabalhos discográficos, onde com o saber e qualidade interpretativa, Voginha registou a harmoniosa conjugação dos ritmos e instrumentos tradicionais de Cabo Verde.

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É uma referência incontornável da música cabo-verdiana, e um acérrimo defensor da morna e coladeira. Através da guitarra, Voginha tem perpetuado estes géneros musicais, tradicionais e únicos na identidade cultural de Cabo Verde.

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História 1 Voginha como baixista da Cesária É feita em Cabo Verde, em 1989, uma seleção de músicos e intérpretes para atuarem em Bruxelas num evento organizado pelo Partido Socialista da Bélgica. Dessa seleção, faziam parte, além de Voginha, músicos como o Bau, Luís Morais, Tey Santos, a Ana Firmino, Cesária Évora, entre outros. Com a azáfama da preparação, quando chegam à Bélgica, apercebem-se que tinham levado três guitarristas, mas nenhum baixista. Para ultrapassar a situação, o Tey Gonçalves resolve fazer um casting entre o Bau e o Voginha, para escolher qual dos dois iria ficar como baixista. Deram um baixo a cada um dos guitarristas para eles interpretarem um tema. Depois escolheram e decidiram que, naquele evento, o Voginha devia ficar a tocar baixo. Durante a atuação, reparam que na assistência, estava Djô da Silva, a observar com muita atenção o desenrolar do espetáculo. No final, dirigiu-se aos músicos e falou-lhes da sua ideia de organizar uma tournée por França. Já em Cabo Verde, reuniram-se para Djô fazer a formação para essas atuações. Atribuiu a Voginha, o papel de baixista da formação. Voginha teve que explicar, apesar da confusão do manager, que não era baixista,

mas guitarrista e que aquando dos espetáculos em Bruxelas, apenas estava a tocar baixo porque se tinham esquecido de incluir um na formação. Depois de resolvida a confusão, convidam Ramiro Mendes para baixista da formação, e gravam o disco Mar Azul, que, na opinião generalizada dos músicos, foi o disco que projetou a Cesária Évora para a ribalta da fama.

História 2

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Nem a ver... para crer!

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Quando a Cesária começou a sua carreira internacional, em 1991, Voginha e outros músicos começaram a acompanhá-la nas digressões que fazia pelo estrangeiro. A convite da Rádio Nacional, atuam em Angola, e como era comum, antes do espetáculo, fizeram uma entrevista onde, entre as perguntas, passavam alguns temas do disco Mar Azul, que então tinha sido editado na Europa. No meio da emissão de um desses temas, uma jovem telefonou para a rádio a dizer que gostava muito da voz da intérprete que estava a cantar. O locutor convida a jovem ir até aos estúdio para conhecer a Cesária pessoalmente. Muito satis-


feita, a jovem aceita e passados poucos minutos irrompe pelo estúdio, a perguntar onde estava a tal cantora. Como era seu estilo, a Cesária Évora encontrava-se sentada, no seu canto, a observar a euforia da jovem, que ao receber a informação que a cantora era a senhora ali sentada, não quis acreditar. Na sua ideia, aquela voz tinha de vir de alguém muito jovem, e não de alguém assim tão simples e já com alguma idade. A jovem angolana saiu do estúdio a pensar que tinha sido vítima de uma brincadeira e que a tinham enganado.

que o espetáculo ia avançando e ia ficando cada vez mais cansada, acabava por tirar os sapatos, pois estes incomodavam-na seriamente. Como era uma pessoa de personalidade muito forte, certo dia, resolveu que estava na altura de terminar com tamanho sofrimento, e simplesmente deixou de entrar em palco calçada. Nasce assim o mito, e por todo o mundo passou a ser apelidada de “a diva dos pés descalços”. Atuar descalça passou a ser a sua "imagem de marca".

História 3

História 4

Nasce a "diva dos pés descalços"

Cinco minutos de aplausos

Nos primeiros espetáculos de Cesária Évora, a artista iniciava a sua atuação calçada, mas à media

Sala cheia numa atuação para a alta sociedade parisiense. Na preparação para o espetáculo, os


músicos tinham ensaiado os temas no mesmo tom em que tinham sido gravados no disco Mar Azul. Nessa tarde, durante a verificação sonora, a intérprete, também canta no tom em que tinham decorrido os ensaios. Nessa altura, a Cesária Évora bebia muito, o que fez com que, à noite, antes do início do espetáculo, o seu tom de voz se modificasse.

Havia cabo-verdianos a chorar de emoção e os franceses, que não conheciam nem as músicas, nem entendiam o que estava a ser cantado, estavam como que extasiados a presenciarem a alma e o sentimento que Cesária colocava nas suas interpretações. Aquela era voz que levava Cabo Verde aos quantro cantos do mundo. 

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Quando começam a tocar o tema Mar Azul, após a pequena introdução musical, a Cesária inicia a letra, a cantar “Oh mar!... Este não é o meu tom....”, e continua, “Oh mar! Oh mar!...” O público ado-

rou a espontaneidade. A sala esteve quase cinco minutos de pé, a aplaudir a intérprete. Depois, os músicos baixaram um tom à base instrumental, e então, repleta de sentimento, a voz da Cesária surge com todo o seu esplendor.


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VAISS

Sentir a música como só os cabo-verdianos a sentem Osvaldo Dias (Vaiss), nasceu em 1964 na ilha de Santo Antão. Passou toda a infância e juventude em São Vicente, onde iniciou a aprendizagem de guitarra e cavaquinho com o mestre Travadinha. Com Adriano Santos, já na década de 80, deu os primeiros passos nos instrumentos de sopro, em particular o saxofone. Em 1988, veio para Portugal para trabalhar com Bana. Mais tarde trabalhou com Paulino Vieira, Ildo Lobo, Maria Alice, Hermínia, Lura, Deixa Clarear, Rodrigo Leça, Caetano Veloso, Dany Silva, Cesária Évora, Sara Tavares, Gabriela Mendes, Nancy Vieira, Biús, Rui Veloso, Gil do Carmo, Filipe Mukenga entre outros. De 2004 a 2007 fez parte do Grupo Navegante. Em Portugal, estudou na escola do Hot Club, na Academia dos Amadores de Música, e na Escola de Música do Conservatório de Santarém.

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década de 80 ficou marcada pelo aparecimento de muitos conjuntos musicais em São Vicente. Era a época de ouro dos bailes populares, onde numa noite, podiam tocar quatro ou cinco agrupamentos. Era um ambiente em que toda a gente falava de música e de guitarras, mas Vaiss, ao contrário de todos os outros, ficava calado a ouvir. Aquele assunto mexia particularmente com ele. Aos 14 anos, começou a praticar com o exímio guitarrista e violista, o mestre Travadinha, até que, foi descoberto por Bau, que o convidou para tocar no grupo Grito do Mindelo. Entrou como percussionista, o que lhe deu uma grande experiência em termos rítmicos.

Eram tempos de descoberta, mas também de muitas dificuldades. Tal como relembra, “nessa altura, tinha que fazer as minhas próprias palhetas para poder tocar. Usava tampinhas de inseticida. Eu e o Bau, com uma lixa e um pedacinho de madeira, lá íamos moldando o plástico até à perfeição”, e acrescenta, “muitas vezes, descascávamos fios de telefone, para fazermos as cordas das guitarras, no entanto, trocávamos muitas informações entre nós, que é coisa que agora já não acontece com esta nova geração de músicos. Quem aprendesse uma coisa nova, partilhava-a e ensinava-a. Havia por isso uma cumplicidade e uma partilha das dificuldades, o que se viria a revelar extremamente importante para a carreira musical de cada um”, recorda.



Era o tempo em que, fruto da influência de grupos musicais como os Voz de Cabo Verde, que tinham muitas ascendências da musica latina, começava-se a tirar a importância aos tocadores de viola e bico - onde o violino era a estrela (o termo aparece, pois quando não havia violino, o tocador do violão, substituía o violino pelo assobio). Muitos músicos começaram então a achar que os instrumentos tradicionais de Cabo Verde, como a viola, o violino e a rabeca, estavam ultrapassados.

"As experiências acumuladas com os outros músicos da terra, iriam formar a base da minha maneira de sentir e tocar música"

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Contudo, por essa altura, num célebre espetáculo que fizera com o seu amigo Bau, no já extinto Éden Park, lembra que as pessoas ficaram muito surpresas quando começaram a tocar choradinho, que, “era um género que as pessoas não estavam habituadas a ouvir, com harmonias muito complexas. A partir desse momento, principalmente na ilha de São Vicente, houve a noção que afinal, o cavaquinho, o violão e o violino ainda tinham muito para dar à música cabo-verdiana”, lembra. A prova deste contributo, viria mais tarde, com a Cesária Évora e o mundialmente consagrado disco acústico “Miss Perfumado”.

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Chegou o momento em que sentiu necessidade de aprender a parte teórica da música, pois como refere, “muitas vezes fazia coisas na guitarra, o que originava a curiosidade das pessoas. Quando me perguntavam o que eu tinha feito, não sabia responder, pois fazia as coisas de ouvido”. Fez amizade com Vasco Martins que lhe desvenda outras ideias musicais ao nível da harmonia e improvisação. Tal como recorda, “essa fase foi fundamental para a minha formação musical. As experiências acumuladas, com os outros músicos da terra, iriam formar a base da minha maneira de sentir e tocar música”. Em 1988, dá-se uma reviravolta na vida de Vaiss. Tal como relembra, “estava em São Vicente, quando fui convidado pelo Luís Morais para ir trabalhar com o Bana. Uma semana depois, estava em Lisboa. Esse momento marca o arranque da minha carreira como músico profissional”, diz.

Após quase dois anos, surgiu a oportunidade de integrar um projeto novo que, na altura, dava os primeiros passos. Junto com Paulino Vieira, Toy Vieira e Tey Gonçalves, começaram a trabalhar no projeto Cesária Évora.

Tocar com a Cesária Conheceu a Cesária Évora ainda em Cabo Verde. Não tinham grande intimidade, no entanto, conforme confidencia, “foi provavelmente a melhor pessoa que conheci em toda a minha vida. Era de uma simplicidade e generosidade desconcertante. A sua sensibilidade humana era irreal”. No primeiro concerto que fizeram, em França, era suposto o espetáculo ter uma duração de uma hora e 30 minutos, mas apenas durou 45 minutos, apesar de terem tocado todas as músicas do reportório. Conforme explica, “sempre que o Paulino ou outro músico iam para executar um solo, a Cesária virava-se para os músicos e dava o tema como encerrado e já não cantava mais. Era uma pessoa muito firme nas suas convicções, mas contrapunha esta determinação com um coração do tamanho do mundo”.


"o povo cabo-verdiano vive a música com uma intensidade que mais ninguém vive" na nossa vez. A Cesária ficou calada, sentou-se e esperou. Já passava do meio-dia quando o mesmo produtor, todo empolgado, nos disse para nos prepararmos para entrarmos no programa. A Cesária, com muita calma, virou-se para ele e simplesmente disse-lhe que não ia. O homem tentou convencê-la dizendo que era muito importante para ela, pois ia

Para o músico, com a morte da Cesária, “a morna perde a sua maior intérprete”, e sublinha que, “não nascem duas Cesárias no mundo. Era a capacidade

Classifica o relacionamento entre a diva e os seus músicos, como se de um relacionamento mãe/filhos se tratasse. No início do projeto, dada a quantidade de atuações que tinham, o manager do grupo, o sempre omnipresente José da Silva, alugava uma vivenda nos arredores de Paris, de onde apenas saíam para as atuações nos espetáculos. Esse sistema, fazia com que o grupo convivesse 24 horas por dia. Ensaiavam às duas ou três da manhã. Dormiam e depois iam ensaiar novamente. Conforme recorda Vaiss, “eu ou a Cesária fazíamos qualquer coisa para o grupo comer, jogávamos um pouco às cartas e depois íamos novamente ensaiar. Éramos como que uma família”.

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ser muito conhecida, e então, com um ar irónico, ela responde-lhe: “não faz mal, pois toda a gente já me conhece lá em Cabo Verde”.

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Prova desta firmeza de pensar e agir, é-nos relatada por um episódio ocorrido à margem de um concerto em Barcelona. Cesária foi convidada para uma entrevista na estação de televisão local, e conforme conta Vaiss, “a entrevista estava marcada para as 11 horas. Chegámos ao estúdio uma hora antes. Levaram a Cize para o camarim e prepararam-na para o direto. Entretanto, o produtor irrompe pela sala a dizer que íamos ter que esperar uma hora, pois havia uma pessoa muito importante que tinha que entrar

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interpretativa da Cesária, que a tornavam tão especial. A forma como interpretava a morna era única, pois a Cesária colocava nas mornas a sua própria alma, de forma genuína e verdadeira, e quando assim é, não pode haver mentiras”, e conclui dizendo, “não era um processo estudado”.

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"A reação ao verem a Cesária atuar, era uma mistura de curiosidade, admiração, mas também, de alguma frustração, por não perceberem o que lhes era cantado"

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Esta verdade nos sentimentos, é recordada pelo compositor, num episódio passado no Japão “Estávamos no ano de 92 ou 93, quando fomos tocar a Tóquio. Lá ninguém fazia a menor ideia onde ficava Cabo Verde. Nessa altura apenas havia um cabo-verdiano na cidade. No entanto, o respeito com que os japoneses apreciaram o espetáculo, foi algo que me marcou. A reação ao verem a Cesária atuar, era uma mistura de curiosidade, admiração, mas também, de alguma frustração, por não perceberem o que lhes era cantado”, e continua, “as palavras tocavam-lhes de tal forma, que todos estavam extasiados. Inclusive alguns choravam ao apreciarem o talento e a forma com que ela interpretava os temas, embora não percebessem o significado das letras”, e conclui dizendo, “no final, todos ficaram a saber onde ficava Cabo Verde. Cabo Verde é hoje reconhecido em qualquer lado do mundo, graças à Cesária, que, de facto, foi a melhor promotora da cultura do nosso povo”. Com a morte da Cesária Évora, e apesar da irreparável perda que a morna sofreu, para o músico, “o estilo irá continuar a evoluir, pois há atualmente excelentes compositores de morna em Cabo Verde”, e aponta o exemplo de Betú, compositor da ilha do Maio, que como refere, “faz mornas absolutamente extraordinárias”. Para Vaiss, o grande problema coloca-se ao nível dos intérpretes da morna, pois como diz, “é fácil alguém ser cantor, agora conseguir interpretar a alma, o sentimento e o sentido das mornas, isso é algo completamente diferente”, e lamenta ao afirmar que, “neste momento, não estou

a ver ninguém em Cabo Verde capaz de o fazer, da forma como a Cesária o fazia”. Perpetuar o nome e o contributo que Cesária Évora deu à cultura cabo-verdiana, é, para o compositor “uma obrigação do país, como forma de reconhecimento pelo trabalho e dedicação com que sempre louvou o seu povo, e criar uma Fundação, patrocinada pelo Estado cabo-verdiano, seria a melhor homenagem que lhe poderiam prestar”, sugere.

A carreira após o projeto Cesária Quando terminou a sua participação no projeto da Cesária Évora, Vaiss tira o curso de guitarra clássica no Conservatório de Música de Santarém, em Portugal. Durante muitos anos compôs em parceria com o cabo-verdiano Luís Lima. Depois resolveu estudar composição e improvisação. O seu primeiro disco foi gravado em 1991, ao que se seguiu um segundo, em 97. Apesar de todos os anos gravar discos para outros compositores, considera a relação com a gravação dos seus próprios temas, um pouco estranha. ”Não gravo discos para fazer carreira com eles. Gravo apenas quando sinto que tenho algo para transmitir às pessoas”, salienta. Envolvido num projeto de formação musical para os mais novos, Vaiss apenas agora edita o seu terceiro disco de originais. “Betty Mar” é um disco que nasceu fruto das sensações obtidas com convivências variadas. Este último trabalho do músico e compo-

sitor, é essencialmente um disco de improvisações. É um disco feito da espontaneidade dos sentimentos. A este propósito, Vaiss dá o exemplo de como


Esta situação é particularmente preocupante, porque, para o compositor, “o povo cabo-verdiano vive a música com uma intensidade que mais ninguém vive. Somos extremamente exigentes naquilo que escolhemos para ouvir”, e ironiza, “o músico que, em cima de um palco, conseguir agradar o povo cabo-verdiano, pode ficar descansado, pois pode tocar em qualquer parte do mundo que, certamente vai agradar”. 

Vaiss, é da opinião que, “atualmente estamos a viver uma situação muito perigosa, no que diz respeito à identidade da nossa música”, e identifica os dois grandes problemas, que, na sua opinião, poderão colocar em causa a preservação e sustentabilidade cultural da música em Cabo Verde. Conforme esclarece, “em primeiro lugar não existe uma estrutura

O Futuro da música em Cabo Verde

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económica empresarial de suporte à industria musical. O Estado deve apoiar a formação de músicos, e não a gravação de discos”, e acrescenta, outra questão, “tem precisamente a ver com a forma como a nossa cultura está a ser tratada. Como é possível dar a um ministro meia-dúzia de contos, para gerir a cultura de um país, durante um ano? É ridículo, vergonhoso e uma falta de respeito pela cultura”. Para Vaiss, “esta é a aniquilação total da nossa identidade, pois o que Cabo Verde tem para dar ao mundo, é precisamente a nossa identidade e cultura ímpar”.

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foi gravado um dos temas do alinhamento: “Convidei o Toy Vieira para ir comigo para estúdio. Ele pediu-me as bases musicais para ir ouvindo, mas eu recusei. Quando chegámos ao estúdio, ele ouviu a música pela primeira vez e foi tocando ao som do que ia ouvindo. Quando achou que estava preparado para gravar, muito naturalmente disse para preparar tudo. A surpresa foi quando eu lhe disse que a parte dele já estava pronta… eu já tinha gravado”, e acrescenta, “essa espontaneidade irrepetível, é o que me motiva na música que faço”.

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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Compositor

Vasco Martins

A genialidade de um progressista Nasceu em Portugal, filho de mãe portuguesa e pai cabo-verdiano. Com nove anos de idade, veio para Cabo Verde, para a cidade do Mindelo, onde cresceu e aprendeu os seus primeiros acordes musicais. Vasco Martins sempre se inspirou na terra que o acolheu. A vivência das suas gentes, aliada ao meio envolvente e ao ambiente musical, foram o trampolim da sua força criativa, progressista e musicalmente revolucionária. Com obras executadas em países como Portugal, França, Austrália, Colômbia, Brasil, República Checa e Japão, Vasco Martins é o único sinfonista de Cabo Verde. para a chamada música clássica. Era como que um chamamento interior, talvez influenciado pelas audições de alguns clássicos que o meu pai e o meu tio costumavam ouvir", diz o compositor.

escrevi numa espécie de livro de atas que tínhamos, que abandonava o grupo porque me queria dedicar a compor sinfonias, e essa minha intenção ficou para sempre ali registada", recorda Vasco Martins.

"... algo de inexplicado começou a fazer com que me sentisse cada vez mais atraído para a chamada música clássica"

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Este apelo para a música erudita fez com que, um ano após ter participado na formação do agrupamento Kolá, abandonasse o projeto. "No dia que saí,

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C

omeçou a tocar em grupos de baile aos 19, fortemente influenciado pela ambiência musical da época. O apelo musical era tão forte, que resolve sair de casa dos pais para seguir uma carreira profissional na área da música. A música tradicional de Cabo Verde tinha então uma expressão muito forte. Contudo, Vasco Martins e alguns outros colegas, estavam bastante atentos ao que lá fora se ia fazendo de mais inovador, nomeadamente na música rock e pop. Conforme diz, "estávamos muito entusiasmados com o que o Jimmy Hendrix, Santana, Osibisa e outros executantes mais progressistas estavam a desenvolver, o que para nós era fonte de inspiração e algo que pretendíamos testar aqui no país". Inicia então as primeiras experiências com a guitarra elétrica, mas, conforme revela, "a determinada altura, algo de inexplicado começou a fazer com que me sentisse cada vez mais atraído

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Também as suas duas tias, Lili e Bibi Medina, que eram na altura as únicas professoras de piano que lecionavam no Mindelo, o influenciaram na sua opção musical. Para Vasco Martins, o ambiente familiar, foi sem qualquer dúvida, determinante nas suas opções musicais, pois conforme diz, "num país sem orquestras sinfónicas, onde não há tradição de composição clássica, o facto de eu ter deixado tudo para compor sinfonias, é um pouco misterioso, no entanto, apesar de ainda hoje não saber muito bem porquê, ouvi esse chamamento e tomei consciência que era precisamente isso que eu queria fazer". Apesar do ânimo que sentia, compor música erudita em São Vicente, não se revelava uma tarefa fácil. Conforme descreve, "a música erudita, não tinha qualquer expressão em São Vicente. Apenas havia um programa de rádio que passava alguma música clássica e nada mais. Na altura, eu era um verdadeiro autodidata, pois como não haviam professores de composição, eu tinha que mandar vir de Portugal livros, e com esforço e dedicação, aprender por mim".

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Após a Independência, Vasco Martins, aliado a Daniel Vitória, grava a sua primeira cassete. Conforme ironiza, "tinha um nome pomposo - De quando nasce um homem mas que me permitiu ganhar dinheiro para comprar um piano acústico vertical. Transportava o piano para todo o lado, a dar concertos. Tocava as minhas músicas e clássicos intemporais de Beethoven, Chopin e outros".

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Estes concertos, chamaram a atenção do então Presidente da República Aristides Pereira, que convida o músico para uma série de recitais no Palácio Presidencial, na cidade da Praia. Conforme recorda Vasco Martins, "entre 76-78, sempre que vinham entidades importantes visitar o País, dava concertos no Palácio da Presidência, num piano de cauda que na altura tinham adquirido", e adianta que, "foi num desses concertos que o Aristides Pereira me serviu de intérprete com Léopold Senghor. Na altura tinha 20 ou 21 anos e aquele momento ficou-me para sempre na memória". Eram concertos em piano solo, ou em conjunto com a pianista Tututa Évora. "Com ela foi uma grande experiência, quer em termos humanos, quer em termos técnicos", refere o músico. Em 1979, grava o seu primeiro trabalho discográfico - Vibrações - que os críticos consideraram ser

"entre 76-78, sempre que vinham entidades importantes visitar o País, dava concertos no Palácio da Presidência, num piano de cauda que na altura tinham adquirido" um disco inacessível ao grande público. Todo o registo se caracterizava por um "vanguardismo" de sons e frases musicais. O que poucos sabem, é que aquele trabalho, foi fruto da mais pura imaginação e ressonância musical interior que, aliada à vivência e experiência musical do compositor, se refletiu numa linguagem fluida e contemporânea dos temas gravados. Conforme recorda, "o disco é totalmente improvisado, pois a quando da sua gravação, nos estúdios da Valentim de Carvalho, em Portugal, o engenheiro de som, o reputado Jorge Ribeiro, indicou-me inicialmente o piano de estúdio para produzir o trabalho. No entanto, na sala ao lado, estava um piano Steinway de cauda inteira, que tinha sido alugado para gravarem um


A sua vontade de aprender mais, eram evidentes. Sentia a necessidade do contacto com outros compositores, mas na altura era extremamente difícil conseguir-se uma bolsa de estudo para estudar música no estrangeiro. Por coincidência, em

Enquanto estudava em Portugal, recebeu um telegrama do seu amigo Cristian Valbert, antigo chefe da missão diplomática francesa para Cabo Verde, o qual havia conhecido no Mindelo, que o informava que lhe tinha conseguido uma bolsa de estudo em Paris com o mestre Henri Claude Fantapié. Conforme recorda Vasco Martins, "aquele momento foi particularmente especial, pois o Cris-

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finais da década de 70, Vasco Martins conhece o fotógrafo português João Oliveira, que se encontrava em Cabo Verde a fazer um trabalho de recolha etnomusical na Ilha de São Nicolau. Foi através dele, que o músico conheceu o maestro português Fernando Lopes Graça, que viria a ser professor em Lisboa. Numa pequena audição que fez na casa de Paredes do maestro, Vasco Martins revela a todo o seu potencial, e foi aceite pelo mestre. Com Lopes Graça, começou, em 1979, a aprender composição sinfónica.

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trabalho da Olga Prats. O Jorge Ribeiro ao ouvir os primeiros temas do meu disco, olhou para o relógio e viu que ainda tinha algumas horas até irem buscar o Steinway, e disse-me que o poderia utilizar na gravação, mas que tinha que ser rápido", e continua", a partir desse momento, todo o meu plano para a gravação ficou desfragmentado. O que eu tinha projetado para gravar, face à oportunidade de tocar naquele magnífico instrumento, simplesmente se eclipsou. Quando comecei a tocar, o sentimento e as sensações foram de tal ordem, que, maravilhado com o som reproduzido, fui acrescentando elementos à base dos temas que estavam preparados".

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Além de incentivar o aparecimento de novos artistas dentro deste género musical tradicional de Cabo Verde, tenho também aproveitado a sua génese rítmica e melódica nas minhas composições sinfónicas". Fruto desta fusão entre a música tradicional cabo-verdiana e a música clássica, lança em 1985, em conjunto com Voginha, o álbum "Vivências ao Sol", que é extremamente bem recebido pela critica. Dentro da guitarra cabo-verdiana, Vivências ao Sol é, ainda hoje, uma referência incontornável.

tian Valbert, que apreciava muito a minha música, enquanto chefe da missão diplomática ainda em Cabo Verde, tinha prometido ajudar-me. Só que os anos foram passando e eu nunca mais recebi noticias dele, até ao momento do telegrama, que me deixou perplexo, mas feliz e entusiasmado", conta.

Mas nem só de música erudita é feito o universo do compositor. São famosas as suas experiências musicais com sintetizadores. Vasco Martins foi igualmente responsável pela introdução da música eletrónica e dos primeiros sintetizadores em Cabo Verde. Realizou, na cidade da Praia, o primeiro concerto de música eletrónica do país. "Foi um concerto memorável", recorda. "Tinha chegado recentemente de França e tinha trazido comigo uns sintetizadores ainda ‘primitivos’. As pessoas ficaram um pouco intrigadas com aquele som, que para a maioria era novo e algo intrigante", e continua, "houve até quem me viesse perguntar o que era exatamente aquilo", conta. O certo é que, ainda hoje, muitas pessoas se lembram dessa primeira experiência. Para Vasco Martins, "o que me entusiasmava nesse tipo de música, eram os sons produzidos pelas máquinas. São vibrações

Já em Paris, inicia a sua carreira de sinfonista. Fruto dessas experiências ao nível da composição, Vasco Martins, dirigido pelo seu professor e maestro Henri Claude Fantapié, edita o disco "Quinto Mundo", com o qual participa na Tribuna Internacional da UNESCO de 1985. Foi um trabalho muito bem recebido pela critica internacional. Dentro da mundialidade da música erudita, o disco "Quinto Mundo" contém algumas passagens de surrealismo e modernismo. Mas Vasco Martins jamais esquecera as suas origens, e em simultâneo vai realizando alguns estudos musicológicos e de composição da morna. Assina todos os temas do primeiro disco - Coraçon Leve - da intérprete cabo-verdiana Hermínia. Tal como refere, "nunca deixei de compor e estudar a morna, que é um estilo muito particular e forte.

que mexem com o imaginário e isso sempre me cativou". Gravou nove discos de música eletrónica, dos quais se destacam Sublime Deligth, Apeiron e Lunário Perpetuo.


Quarteto Vasco Martins (1979)

Também no Jazz, Vasco Martins foi pioneiro. Em 1978 funda o Clube de Jazz do Mindelo, o qual deu origem à Galeria Nho Djunga.

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Em 1979, realiza o 1º Concerto de Jazz, onde ao piano, juntamente com Mário Lélis (contrabaixo), Osvaldo Lima (saxofone) e Carlos Gonçalves (bateria), atua perante uma plateia de mais de 160 pessoas, reunidas tanto no Salão Parocoial na Praia, como no anfiteatro do Liceu Ludgero Lima, no Mindelo. Estavam lançadas as bases do Jazz em Cabo Verde.

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Formou outros grupos e tocou por todo o país, sempre com o bom acolhimento do público. Conforme explica, "o Jazz é um género mais imediato, pois é essencialmente uma linguagem rítmica. Em termos de interação com o público, há igualmente uma ressonância muito mais vincada. Sendo um género musical mais energético, e com a grande vertente da improvisação, torna-se mais acessível, daí o facto de ter sido um estilo que foi muito bem acolhido, e que tem proporcionado boas oportunidades a muitos músicos ". Por todos considerado um progressista e exímio representante da genialidade musical cabo-verdiana, Vasco Martins, não se esgota na música. Editou várias obras literárias, entre as quais Universo da Ilha (1986), Navegam os olhares com o voo do pássaro (1989), Run Shan (2008), entre inúmeros poemas com os quais tem brindado a literatura cabo-verdiana. Prepara-se para lançar o álbum Azuris, onde ao longo de 10 temas evoca, através do ritmo, da melodia e improvisação, a celebração da vida. Para o compositor, "este trabalho, pretende fazer uma pausa com o que ultimamente tenho vindo a produzir, pois por vezes, são necessárias algumas interrupções para se poder entrar em novas evolutivas. Os compositores, fruto do seu trabalho,


acabam por se tornar nuns seres solitários, e muitas vezes incompreendidos, e eu já componho há mais de 20 anos, por isso estava na altura de fazer algo diferente", diz. Com este novo trabalho, Vasco Martins pretende restabelecer o contacto com o público, o qual, desde sempre, o tem considerado como um homem do seu tempo à frente do seu próprio tempo. Da sua obra sinfónica pode-se destacar: «Danças de Câncer», Sinfonia 3 «Arquipélago magnético», Sinfonia 4 «Buda Dharma», Sinfonia 6 «Monte

Verde», Sinfonia 8 «A procura da luz», Sinfonia 9 «Atlântico», além do concerto para piano e orquestra de cordas«Jy and Devotion», «4 notas na cidade» para clarinete e orquestra e «Sahasrara», suite para violino e orquestra de cordas. Discografia seletiva: «Ritual periférico», «Lunario Perpetuo», «Danças de Câncer», «4 Sinfonias», «Lua água clara», «Li Sin» e brevemente «Azuris». O que o move? Conforme confidencia, "energia, esforço e vontade de chegar ao fim". 

Cesária Évora

A eterna admiração

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"A Cesária foi um caso único, que se não fosse divulgada da forma que foi, seria mais um dos grandes valores de Cabo Verde, que jamais sairia do anonimato nacional. Fruto do trabalho primeiro do seu produtor José Da Silva, da label Melodie e da promoção dos jornalistas franceses, a Cesária começou a ser promovida, o que fez com que a sua carreira disparasse, com as consequências que todos nós conhecemos.

Lembro-me de assistir a um concerto no Bataclan de Paris, e apesar de já ter tocado inúmeras vezes com ela e de termos feito mesmo um projeto(que nunca chegou a ser), quando ela surgiu no palco e começou a cantar, aquela magia, aquela energia silenciosa que raros artistas têm - energia profunda e que mexe com a imaginação - toda essa envolvência podia-se sentir na pele. Anos 80, foram tempos muito bons, pois entre nós, além de uma grande amizade, havia essencialmente respeito. Eu sempre senti uma grande admiração por ela, e penso que isso passava de forma natural no nosso relacionamento. Quando tocávamos, por exemplo, no Piano Bar, era uma envolvência subtil e poética, pois a música une as pessoas e como tal, a Cesária estará sempre unida connosco, nos nossos corações."

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Mas a promoção, por si só, não é tudo. Há que ter algo de especial para apresentar, e a Cesária tinha essa aura especial. O seu jeito de estar, a maneira de se apresentar nos espetáculos e a forma como interpretava as músicas, e a sua «catedral vocal», contribuíram para o seu sucesso mundial. Tudo culminava num momento de magia. Esse momento, materializava-se quando subia ao palco.

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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Compositor

Carnaval do Mindelo

Onde os sonhos se tornam realidade A tradição do Carnaval na ilha de São Vicente, vem de tempos longínquos. Embora sem a carga sensual da atualidade, pensa-se que a tradição carnavalesca do Mindelo tenha tido as suas origens no século XII, fruto das influências do Entrudo português. No entanto, à semelhança de outras culturas e tradições, foi evoluindo ao longo dos anos, principalmente devido ao cruzamento de culturas que o Porto Grande se encarregava de unificar.

Até ao início do século XX, o Carnaval estava confinado ao Entrudo. Era tudo muito simples e sem qualquer expressividade digna de registo. Com o passar do tempo, foi evoluindo até se transformar no esplendor da atualidade. Muitos foram aqueles que contribuíram para esta evolução. Por volta de 1920, grupos como os Florianos, que possuíam orquestra própria, organizavam gran-

A mulher cabo-verdiana assume um papel de destaque. Ela é o motivo e o centro das festividades. Ao homem cabe o papel acessório de divertir, e entreter.

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Caracteriza-se por um desfile de carros alegóricos, marchas, música e dança, e integra muitos dos elementos que fazem parte da cultura e da história da ilha. A música é um elemento funda-

mental, assim como os trajes, o canto e a dança. Para os habitantes de São Vicente, o Carnaval é a altura do ano em que o convite à partilha se alarga a todas as classes.

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mbora seja uma festa urbana, tem as suas raízes nos subúrbios do Mindelo. É uma festa que se realiza anualmente, e que reúne a simpatia de todos os habitantes da ilha, mas não só. Muitos cabo-verdianos que habitam noutras ilhas, visitam São Vicente só para poderem viver a singularidade do seu Carnaval. O mesmo acontece com muitos emigrantes, que escolhem essa altura do ano para visitar familiares e, em simultâneo, aproveitarem o esplendor da festa. É considerada uma festa cultural e política, sendo por muitos tida como das mais importantes do arquipélago.

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des bailes por altura do Carnaval. Os seus membros eram essencialmente funcionários públicos e gente da classe média. Mais tarde, em 1939, o grupo Nacional apresenta o primeiro andor, que representava o avião Lusitânia, que tinha levado Gago Coutinho e Sacadura Cabral ao Brasil, 17 anos antes.

quizando, em função das classes sociais dos seus participantes. Os anos 40 e 50 são marcados pela numerosa presença de grupos carnavalescos em São Vicente, entre os quais se destacavam o Nhô Fula, o Lorde, Júnior, Juvenil, Pérola ou Unidos.

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Grupo Monte dos Amores - Monte Sossego - 1936

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Nos dias de hoje, podemos afirmar que há dois tipos de Carnaval, e que ocorrem em simultâneo na ilha de São Vicente: um tradicional - o Carnaval dos blocos - que é imaginado pelas pessoas da cidade, as quais recorrem aos artistas suburbanos para a sua conceção e execução, e o outro, constituído por personagens individuais, sem um figurino comum e que percorrem a cidade cantando e dançando. Os primeiros, vêm quase sempre dos bairros limítrofes e ás vezes até transportam alusões aos locais de onde provêm, com dizeres irónicos, criticas aos costumes ou política nacional. De ano para ano, vão perdendo o sentido da festa, transformando o Carnaval num acontecimento de turismo e luxo. Os segundos, são gente cujo único objetivo é a diversão, a chalaça e a paródia. Até meados do século passado, todas as pessoas participavam. Mascaravam-se e embrenhavam-se na festa popular. A euforia era maior. Depois, lentamente, o Carnaval do Mindelo foi-se hierar-

Na década de 60 do século XX, as elites do Mindelo faziam os seus bailes no interior dos clubes, que eram de acesso reservado apenas a sócios e nunca saíam à rua para participarem na grande festa popular. A classe da média burguesia, de pequenos funcionários públicos, de gente letrada e de negociantes, juntavam-se nos clubes desportivos e recreativos para fazerem as suas festas, autorizando apenas a presença dos sócios da coletividade e seus amigos. Eram associações mais abertas, mais familiares. Atualmente, os grupos, de uma forma geral, estão abertos a todos os que pretendam participar, bastando para tal que os seus elementos partilhem do mesmo espírito ou da mesma ideologia de bairro. No entanto, há grupos mais seletivos, como o Samba Tropical ou Os Vindos do Espaço, onde a entrada é feita por convites. São grupos onde predomina a beleza e o luxo. Grupo Unidos - 1º Baile de Carnaval (1950) ▶


Todo o trabalho é supervisionado por uma direção, quase sempre constituída pelos promotores do grupo, os desenhistas e os figurinistas. Têm a responsabilidade de orientar os trabalhos em função do tema escolhido e angariar fundos para os materiais e alimentação dos colaboradores que permanecem, quase que em regime de isolamento, no local da construção dos andores. Cada um destes elementos da direção, procura que o seu grupo seja o mais bem sucedido a quando da

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Com muita antecedência, é discutido pelos artistas dos grupos, o tema que será levado ao público na edição desse ano. Depois, esboçam-se desenhos para os andores, para as vestimentas dos figurantes e, por fim, o vestuário do rei e da rainha do grupo. Dá-se então início à construção das estruturas dos andores, geralmente de ferro e arame. Por fim, revestem-nos com sacos provenientes da indústria panificadora ou papelão. Reciclam-se todos os materiais possíveis, muitos provenientes da edição anterior. Nada se pode

Em simultâneo, geralmente em casa da responsável pelo grupo, inicia-se a confeção das roupas. Predominam os tons ligeiros e vaporosos, com muitos azuis-claros, rosas e laranjas. Também por esta altura se inicia os ensaios com os músicos e parte da bateria. Ensaiam-se passos de dança ao ritmo de um samba ou uma marcha. Durante o mês que dura o ensaio - nunca menos de uma ou duas horas diárias, todas as noites - dança-se e canta-se, repetindo vezes sem conta os passos e as letras da música escolhida, até que o ensaiador (chamado mestre de cerimónias) considere a atuação perfeita.

No Mindelo, o Carnaval dura três dias, mas, na verdade, a sua preparação, começa muito tempo antes.

desperdiçar. Nos três dias que antecedem o início das festividades, e para que não hajam atrasos imprevistos, muitos até chegam a dormir nos locais da construção dos carros alegóricos.

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São três dias em que toda a cidade vive um ritmo extasiante e em que todos participam. No sábado é o dia reservado para os bailes. Os grupos de crianças em representação das respetivas escolas, desfila nas principais artérias da cidade, durante o dia de domingo. Na segunda-feira, um grupo carnavalesco semelhante aos das escolas de samba brasileiras, desfila pelas principais ruas do Mindelo, como que preparando os foliões para o grande desfile de blocos, com estruturas próprias e aos quais se juntam figurantes prazenteiros, que desfila na terça-feira. Este é o momento alto do Carnaval.

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O Carnaval de São Vicente, é o momento do ano em que as gentes do povo, a classe pobre, com pouca ou nenhuma escola, desce à cidade e se materializa num sonho coletivo. Nesse curto, mas reconfortante sonho, podem viver as fantasias que, há muito tempo, um dia imaginaram. Muitos serão reis, outras rainhas e princesas, que ao som do samba e da marcha, jamais irão deixar morrer o espírito do Carnaval do Mindelo, e onde todos os sonhos se transformam em realidade. 

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Chega por fim o grande dia: o desfile dos blocos. É o corolário de toda a dedicação e empenho, que cada um, à sua maneira, empregou na realização deste grande acontecimento cultural. A agitação da multidão que assiste, apenas reforça o nervosismo patente em cada um dos participantes. Em causa, além do orgulho pessoal, está o prestígio do bairro que representam. Um júri, atento, cuja

Após o término do desfile, já com o cair da noite no horizonte, o júri revela, por fim, o grupo vencedor. Todos os anos, as decisões são contestadas, mas isso, como todos bem sabem, faz parte da festa. No entanto, apenas na quarta-feira de cinzas, se dá por terminada a folia, quando finalmente são coroados os vencedores. Os corpos podem agora recuperar forças. O espírito está agora mais leve.

A música, com forte influência no samba brasileiro, é adaptada à realidade cabo-verdiana. Geralmente aborda temas atuais da sociedade ou da política, podendo, no entanto, expressar questões relacionadas com a história do país, ou acontecimentos globais mais ou menos marcantes. A dança, sincopada pelo ritmo forte dos tambores e bombos, submete as bailarinas, independentemente da classe social a que pertençam, ao mesmo nível interpretativo. Espelha a unidade do grupo, pois, dançando em sincronia, esbate as desigualdades que, no quotidiano, são impossíveis de contornar.

constituição é secreta, avaliará o desempenho de cada grupo, desde a sua organização, estrutura, passando pelo canto, pela dança, os trajes, a coreografia, os andores... enfim, tudo é avaliado.

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apresentação pública da interpretação do tema escolhido.

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LuĂ­sa Morazzo Presidente da Escola de Samba Tropical


E/F: Luís Neves | W: Pedro Matos

Sociedade

Samba Tropical

Manter viva a tradição do carnaval em São Vicente

Após esses sete anos de ausência das ruas do Mindelo, o Carnaval renasce quando, Carmita Mascarenhas, junta um grupo de apaixonados do Carnaval, e resolvem fazer um quadro carnavalesco, em pleno coração da cidade. Conforme recorda, “a ideia foi recriar um casamento. A cerimónia realizou-se no largo da marginal. Usámos o vestido de noiva que tinha sido da minha cunhada, fizemos as alianças a partir das argolinhas das latas de coca-cola, e decorámos o local da cerimónia com muito humor e fantasia. As cadeiras eram sanitas e bidés, e como mesa foram usados dois bidões cobertos com um sinal rodoviário de proibição de circular a mais de 20...

O certo é que a tradição estava no sangue dos mindelenses, que não se reviam na forma como o Carnaval estava a ser tratado. “Houve necessidade de se criar quase tudo do zero”, acrescenta. Com um grupo de amigos simpatizantes do outrora glorioso Carnaval do Mindelo, Luísa Morazzo e Carmita Mascarenhas criam um grupo infantil carnavalesco, denominado Meninos de Nós Terra, que libertos de qualquer influência política, gradual-

mente foram cultivando nos mais velhos, o costume do Carnaval de outros tempos. Conforme recorda Carmita Mascarenhas, atual membro da direção do Samba Tropical, “com este grupo de crianças, voltámos a recriar os desfiles e mais tarde as festas, e esse trabalho deixou raízes, pois as crianças que nos acompanhavam naquela época, são os grandes impulsionadores e incentivadores do Carnaval de agora”, salienta.

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uísa Morazzo, presidente da Escola de Samba Tropical, recentemente homenageada pelo seu importante contributo para o fomento do Carnaval de São Vicente, esteve na génese da criação deste emblemático grupo da cidade do Mindelo. Conforme recorda, “a quando da independência do país, o Carnaval estava praticamente extinto. Nesse tempo, as pessoas saíam à rua empunhando bandeiras políticas, e aproveitavam a ocasião para divulgarem os seus ideais e se manifestarem. Por esse motivo, após a independência, e durante sete anos, o Carnaval do Mindelo não teve qualquer expressividade”.

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O grupo Samba Tropical, nasceu em 1982 fruto do inconformismo de um grupo de pais, que decidiu organizar um desfile infantil numa época em que o Carnaval de São Vicente se encontrava em estado moribundo. Formado essencialmente por gente da classe média alta da sociedade mindelense, o Samba Tropical distingue-se dos outros grupos, por não entrar em competição durante o concurso carnavalesco a quando do desfile dos blocos. Reservam a noite para exibirem o esplendor dos temas com que brindam as gentes de São Vicente.

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foi muito engraçado.” O impacto da iniciativa foi tal, que registaram uma enchente de gente, ansiosa por presenciar o acontecimento. Conforme relembra, “a marginal, da Praia da Laginha até à Electra, estava apinhada de pessoas, vestidas a rigor. A adesão foi de tal ordem, que a determinada altura, quase que nos tivemos que esconder, pois já não havia lugar para mais ninguém. Chegaram a vir pessoas da Praia, propositadamente para assistir a esta nossa ousadia”, diz. Sem que na altura se apercebessem, este grupo de nostálgicos do Carnaval de outros tempos, estava a marcar o renascimento da festa carnavalesca, na ilha de São Vicente. A adesão e a satisfação das pessoas foi o elemento que motivou o seu reacendimento, como uma das expressões culturais mais emblemáticas de Cabo Verde. Conforme comenta Luísa Morazzo, “o Carnaval está na alma do povo de São Vicente. Há até uma música muito antiga, de dizia que, as camas eram pintadas de cores garrida, para que mesmo durante o sono, as pessoas pudessem continuar a festejar”, ironiza, e continua, “antigamente, haviam festas na rua, nos cinemas, nos salões e um pouco por toda a ilha. Esse espírito de alegria que só o Carnaval transmite, foi-se interiorizando nas pessoas. Por isso o Carnaval faz parte da alma do povo são vicentino”, e conclui dizendo que “é um momento em que as pessoas se apresentam com mais alegria e

mais felicidade, um momento de total envolvimento da população. É um acontecimento único no contexto cultural de Cabo Verde.” Este espírito participativo de todos, faz com que, mesmo os de condição económica menos favorável, não se coloquem de fora. Há pessoas, com poucos recursos, que durante o ano alimentam dois ou três suínos, para que na altura do Carnaval os possam vender, e com o dinheiro angariado, possam comprar os trajes para os filhos. No entanto, nem tudo é alegria e folia. Um dos grandes entraves do Carnaval de São Vicente, é precisamente a falta de acesso a matérias-primas para a execução dos carros alegóricos e dos trajes dos participantes. Tudo tem de vir de fora, o que para além de encarecer muito

“a quando da independência do país, o Carnaval estava praticamente extinto”


“investe-se muito dinheiro no Carnaval, e depois não há um local digno para guardar as obras mais emblemáticas dos desfiles”

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Carmita Mascarenhas

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a produção dos temas, acaba por limitar a criatividade dos participantes, que assim se vêm restritos aos materiais que conseguem arranjar. Conforme desabada Luísa Morazzo, “devia haver alguma sensibilidade por parte do governo, por forma a agilizar e até mesmo reduzir determinados procedimentos aduaneiros referentes às matérias-primas necessárias à implementação de um evento desta natureza e dimensão”, e continua, “além de serem processos burocráticos morosos, não há qualquer tipo de isenções ou reduções às taxas de importação, o que faz com que muitos grupos optem por utilizar materiais menos nobres, o que de certa forma, se reflete na qualidade final do espetáculo apresentado”, remata.

Outra lacuna que se verifica, é a falta de um espaço próprio para o Carnaval. Conforme nos diz Carmita Mascarenhas, “investe-se muito dinheiro no Carnaval, e depois não há um local digno para guardar as obras mais emblemáticas dos desfiles”, e acrescenta que “falta uma Casa do Carnaval em São Vicente, capaz de albergar as obras de arte que todos os anos são produzidas, e que, irremediavelmente, vão para o lixo. É um atentado à cultura, pois durante o ano, os turistas que nos visitam, não têm qualquer possibilidade de apreciarem esse grandioso momento da nossa cultura. Embora consigamos organizar, uma vez por outra, uma exposição com os trajes - principalmente durante o período de regresso dos nossos emigrantes - o facto é que nem


Há ainda um importante fator abonatório do Carnaval de São Vicente, que é o inquestionável contributo do

Embora o Samba Tropical “não exista para competirem” – conforme gostam de deixar expresso – o certo é que contribuem muito com o seu glamour, entusiasmo e experiência, para o sucesso deste evento único da cultura do país: o Carnaval do Mindelo. 

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que trazemos para os desfiles, despertam o interesse das pessoas que, acabam por procurar saber mais sobre o porquê das coisas que viram”.

Para a edição deste ano, o tema escolhido pela Escola de Samba Tropical foi O Esplendor da Astrologia no Reinado da Folia que apresentou um trabalho em torno da astrologia, do sol e da lua, mas também dos 12 signos do zodíaco, dos seus mistérios, sabedorias e mitologias, assim como a sua influência no astral humano.

“durante os quatro dias que dura o Carnaval do Mindelo, a economia local adquire um forte impulso”

evento para o desenvolvimento económico da ilha. Conforme menciona Luísa Morazzo, “durante os quatro dias que dura o Carnaval do Mindelo, a economia local adquire um forte impulso. Por força do turismo que na altura visita a ilha, os hotéis, a restauração e as companhias aéreas, obtêm um importante contributo para o seu volume total de vendas”, no entanto admite que “poderia haver uma estratégia mais concertada por parte do governo, pois se houvesse um investimento maior no Carnaval, conseguiriam um incremento proporcional na economia local”, refere.

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sempre o conseguimos fazer, e muitas das coisas vão se perdendo”, e conclui dizendo que, “o Carnaval tem um papel pedagógico na sociedade, pois muitos dos temas

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São Vicente

Carnaval 2012

F: Pedro Matos


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mindelo.info

Festival da Baía das Gatas

A grande aventura musical de São Vicente

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Fruto do desejo de alguns músicos cabo-verdianos em encontrarem um local alternativo para apre sentarem as suas influências musicais mais vanguardistas, o Festival da Baía das Gatas vê a sua primeira edição materializar-se em Agosto de 1984.

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tualmente, quase 28 anos depois, o Festival continua a se realizar no mesmo local mítico que o viu nascer: a praia da Baía das Gatas, na ilha de São Vicente. Esta longevidade deve-se, sobretudo, ao empenho e qualidade dos músicos que nele atuam, e que o tornaram num dos mais prestigiados eventos culturais de Cabo Verde. Segundo os seus fundadores, a ideia da realização de um evento desta natureza começou

quase em jeito de brincadeira. Fortemente influenciados pelo filme Woodstock que na altura estava a ser exibido em São Vicente, decidem avançar com a ideia de criar algo semelhante em Cabo Verde. Como a praia da Laginha, no Mindelo, era pequena para a dimensão do espetáculo que pretendiam organizar, optaram pela Baía das Gatas. Em menos de um mês tinham tido pronto para arrancar com o festival. Apesar dos muitos improvisos, o festival ocorre na primeira semana


de lua cheia do mês de agosto de 1984. Com um orçamento diminuto, a primeira edição do Festival da Baía das Gatas durou 48 horas e moldou as bases do que é hoje este grande evento nacional. Para muitos um sucesso, para outros um fracasso, o certo é que essa longínqua edição do festival, proporcionou, aos seus organizadores, experiência e vontade de fazer melhor. Para a segunda edição do Festival, muitos dos erros cometidos já tinham sido ultrapassados. As atuações eram mais curtas, a potência sonora mais adequada ao espaço do evento, e o público aderiu massiva e entusiasticamente à iniciativa. A aventura do festival estava ganha. Havia agora que manter e enraizar a ideia de continuidade.

Registando melhorias significativas de edição para edição, o Festival da Baía das Gatas tornou-se gradualmente num evento multifacetado, com várias iniciativas paralelas, que incorporando outras atividades culturais, recreativas e desportivas, animam os dois dias de festa, sempre no mês de agosto e sempre num fim de semana de lua cheia. Durante o fim de semana em que se realiza, amor, lazer, cultura, desporto, fraternidade gastronomia e tradição convivem lado a lado, tornando a experiência em algo único. Esta talvez seja a mística do Festival e que leva as pessoas a voltarem, ano após ano. Por ele já passaram muitos milhares de músicos, de artistas nacionais e internacionais, gente da cultura e das artes. Passou de um acontecimento nacional, fruto da boa vontade e irreverência de meia dúzia de jovens, para se tornar num acontecimento de dimensões internacionais, cartaz turístico de Cabo Verde no mundo.

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A partir de então, o Festival ganha corpo e importância no panorama musical cabo-verdiano. Muitos músicos, mesmo com grandes carreiras internacionais, anseiam tocar no Festival. Vem gente de todo o mundo para assistir ao evento, entre os quais emigrantes - que aproveitam o Festival para rever amigos e familiares - e mui-

tos turistas, curiosos pelo sucesso além-fronteiras, que a iniciativa compreende.

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Músico

Vlú

Festival da Baía das Gatas

Espelho de união e liberdade

Este grupo vanguardista de jovens músicos ávidos de sensações e novas experiências, insistiam em tocar outros géneros musicais, mesmo sabendo que iam contra os ideais políticos impostos pelo governo da altura. Conforme recorda, “na época, não nos considerávamos jovens tradicionais, mas sim, pessoas do

Nasce a ideia do Festival

Em 1984, enquanto tocavam na Galeria Nho Djunga, um local que Vasco Martins tinha arranjado e onde podiam tocar livre de contes-

mundo e com influência desse próprio mundo, por isso teimávamos em fazer essa música que o governo considerava diferente - e em mostrá-la aos outros, para que as pessoas também se apercebessem que havia outras maneiras de tocar e pensar.” Só que a tarefa não se mostrou fácil. Com forte contestação por parte do governo, os jovens músicos nunca eram convidados para atuarem em palcos oficiais. Eram considerados alienados do sistema e como tal marginalizados pelo mesmo, e tal como Vlú refere, “tivemos necessidade de criar o nosso próprio palco, por forma a podermos mostrar a nossa música, que apesar de diferente, também era música de Cabo Verde”.

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m conjunto com alguns músicos progressistas da época, entre os quais Vasco Martins, Pinúrio e T Santos, Vlú cedo sentiu a necessidade de poder mostrar que a música em Cabo Verde poderia abranger outros géneros que não apenas a tradicional morna e coladeira. No entanto, conforme relata, “para o governo pós-independência, havia a necessidade de afirmar uma identidade cultural para Cabo Verde, e todas as músicas que não fossem as tradicionais mornas ou coladeiras – que eram os géneros musicais mais ouvidos na época - eram consideraras subversivas, logo marginalizadas.”

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Valdemiro Ferreira, Vlú, como por todos é conhecido, nasceu em Santo Antão, mas desde tenra idade se mudou para São Vicente. Cedo integrou os movimentos progressistas musicais da ilha, de forte influência anglosaxónica. No entanto, nunca renegou a música tradicional do seu país, e aliando a tradição cabo-verdiana com a modernidade proveniente de paragens longínquas, Vlú, tornou-se um dos responsáveis, no início da década de 80, pelo aparecimento da música de fusão em Cabo Verde e pelo internacionalmente reconhecido Festival da Baía das Gatas.

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tações, a música que tanto gostavam, lembraram-se que tinham que arranjar forma de mostrar aos políticos as novas tendências da música mundial. “Primeiro pensámos tocar na praça. Depois, pensámos melhor e decidimos tocar num bar que havia na Baía das Gatas, isto porque todos os domingos, os políticos e as pessoas próximas do poder, aí se juntavam para almoçar e conviver”, e acrescenta, ”já que os políticos não vinham até nós, íamos nós até eles”, ironiza. Do bar na Baía, ao festival, foi uma questão de tempo. A partir desse momento, decidem organizar um festival naquele local. A única condição é que fosse um palco “onde todos os músicos pudessem tocar, independentemente do estilo musical, da crença religiosa, ou da tendência politica de cada um”, e acrescenta, “tinha que ser um festival onde pudéssemos mostrar aos políticos que a música de Cabo Verde não era só a morna e a coladeira, mas sim aquilo que a criatividade dos artistas fosse capaz de conceber”.

“para o governo pós-independência, havia a necessidade de afirmar uma identidade cultural para Cabo Verde” As primeiras edições do Festival

Para Vlú, “a primeira edição do Festival da Baía das Gatas foi como que uma janela de liberdade que se abriu ao povo”, e explica que, “até 1975, as únicas festas com expressividade em Cabo Verde, eram as Festas de Romaria, isto é, as festas religiosas. No entanto, após a independência, o governo - que era pró-comunista - quis desacreditar a Igreja, uma vez que esta personificava o regime colonialista opressor, e, por conseguinte, começaram a desacreditar e a reprovar a participação


ta para todas as pessoas, pois na sua génese estava a ideia de um acontecimento unificador do povo, em que todos poderiam participar, independentemente da sua arte.

Como o sucesso da iniciativa foi maior que o inicialmente esperado, e como a organização não tinha meios para dar continuidade às expectativas que, de ano para ano, iam crescendo em quem assistia ao evento, decidiram entregar a organização do Festival à Câmara Municipal, que era a única entidade local com capacidade para fazer crescer a iniciativa.

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“tinha que ser um festival onde pudéssemos mostrar aos políticos que a música de Cabo Verde não era só a morna e a coladeira”

Nas suas primeiras edições, a organização apenas podia contar com os músicos nacionais. No entanto, e como ambicionavam internacionalizar o festival, recorreram a uma estratégia simples, mas que se mostrou extremamente eficaz. Contactaram as embaixadas de vários países, por forma a obterem apoio à presença de alguns músicos dos respetivos países. Começaram a aparecer músicos cubanos, angolanos, são-tomenses e portugueses. “Criámos desta forma um intercâmbio cultural com diversos países, conseguindo assim, internacionalizar o Festival”, refere.

A ideia partilhada por todos aqueles que inicialmente o pensaram e conceberam, é que o Festival deveria ser um evento, não só para os músicos, mas também para os artistas plásticos, os escultores, os comerciantes e as famílias. Essencialmente, devia ser uma fes-

que não era assim. Aliás, verificaram que era um evento capaz de unir as pessoas em prol de um ideal”, refere. Esbatidas as dúvidas iniciais, houve até mesmo um forte apoio, por parte do governo e da Câmara Municipal, à realização do evento.

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Quando o Festival da Baía apareceu, voltou a despertar o interesse de todos os cabo-verdianos, pois era um acontecimento cultural não político, aberto a todos os credos religiosos. Era o ponto de encontro que faltava, o que fez que muitos que se encontravam emigrados, encontrassem novamente um motivo de união para voltarem ao seu país e durante os dias do festival, confraternizassem uns com os outros. Conforme refere o músico, “o Festival da Baía das Gatas, teve essencialmente a função de agregação do povo em torno de algo que não era nem político nem religioso, e isso na altura, foi muito importante”, conclui.

No início, o governo opôs-se à realização do Festival. Conforme nos diz Vlú, “começaram a querer ligar o Festival às drogas e à delinquência. No entanto, rapidamente se aperceberam

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do povo nas Festas de Romaria. Nessa altura, muitos cabo-verdianos começaram a abandonar o país, pois tudo era controlado. Não havia liberdade, e a censura às Festas de Romaria, fez com que se perdesse um elo importante na unidade do povo. Como nem todas as pessoas se reviam nas festas políticas – que, entretanto tinham sido criadas na tentativa de substituir as religiosas - as pessoas começaram a desinteressar-se, chegando a haver um alienamento no que toca à música e aos músicos que atuavam nessas mesmas festas”, recorda.

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Presente e futuro

Para o músico vanguardista, “atualmente, o Festival da Baía das Gatas, já nada tem a ver com os objetivos com que inicialmente foi criado. A ideia inicial era a criação de um palco que espelhasse a criatividade musical e artística. O intercâmbio com outras bandas provenientes de outros países era do interesse político do governo, daí o facto de ter apoiado a iniciativa. No entanto, quando a organização passou para a Câmara Municipal, esse objetivo inicial começou a perder-se”, desabafa. “Começou a haver um aproveitamento do Festival para a autopromoção política e pessoal de quem estava no poder. O programa do Festival era feito em função dos gostos e dos interesses de quem na altura mandava”,

e remata dizendo, “hoje em dia, é mais um festival de música igual a tantos outros, onde se toca música e pouco mais. Apesar de em termos económicos representar mais receitas, em termos culturais e de criatividade, perdeu a importância de antigamente.” Apesar de ter perdido um pouco da “aura” com que nasceu, o Festival da Baía das Gatas continuará a ser um ponto de encontro dos cabo-verdianos, um local de liberdade e alegria e certamente manterá o seu sucesso por longos anos. Apenas rivalizado pelo Carnaval, o Festival da Baía das Gatas é o maior evento cultural de Cabo Verde, aquele que mais gente atrai a São Vicente, e que espelha o espírito de união e de liberdade de toda uma nação.

A morna

no período pós-Cesária

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“A morna é uma música tradicional que nós revivemos no presente. É um momento dos anos 50, 60 e 70. Foi algo de extraordinário que apareceu naquela época e que nós gostamos de recordar. No entanto, a música evoluiu, e naturalmente, a morna também irá evoluir para outros caminhos. Com a morte da Cesária Évora, a morna tradicional perdeu muito, pois tinha na intérprete a melhor promoção que qualquer estilo musical podia ter, pois com a Cesária, a morna chegou a todo o mundo.

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Relativamente às novas gerações de músicos e compositores, é utópico pensar-se que continuarão a preservar a morna como a música tradicional de antigamente. Essa música nasceu fruto de uma mistura de ingredientes da altura, e atualmente os ingredientes são outros. Os músicos e compositores, nasceram noutro contexto, formaram-se noutro contexto e prepararam-se para outro contexto, logo a música que fazem, também tem que ser forçosamente outra. A sociedade cabo-verdiana evoluiu, e a música acompanha essa evolução. A música é cada vez mais a música de todo o mundo. A tecnologia e o conhecimento globalizado, aproximam pessoas e culturas, o que torna o ser humano cada vez mais, cidadão da mesma nação global. Ora, sendo a música fruto dessa cultura, também ela se está a globalizar. A música é cada vez mais universal, o que faz com que as expressões musicais tradicionais, se não forem preservadas, caiam definitivamente no esquecimento da cultura global. Para que a morna tradicional não caia nesse esquecimento, seria interessante que fosse criado O Dia da Morna. Seria um dia em que se celebraria a morna pelo valor que ela tem para a cultura cabo-verdiana, pois não existiu até à data, nenhum outro estilo musical tão aglutinador e com tanta importância cultural, como a morna. O Estado, no pelouro do Ministério da Cultura, terá responsabilidades sobre a preservação desse momento da nossa história. Se nada for feito, corre-se o sério risco dessa identidade cultural, que é só nossa, poder tornar-se apenas uma recordação do passado. Penso que a morna devia ser considerada como património imaterial de Cabo Verde.”



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Artes Plásticas

Tchalê Figueira

É imprescindível

fomentar a criatividade

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O seu atelier, aberto para um mar de gente e de água, é prova viva da materialização dos seus pensamentos. Aqui se criam e recriam novas personagens, novos horizontes, novas formas de contar histórias, umas verdadeiras outras misturadas com as emoções que só as pinceladas do artista sabem contar. Tchalê Figueira, nascido em 1953 na ilha de São Vicente, é um homem feito de vivências profundas e independentes, que utiliza a criatividade plástica e literária, para exprimir as emoções do espírito e da alma dos cabo-verdianos.

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ruto da crescente repressão imposta pelo regime salazarista, Tchalê Figueira então com 17 anos, vê-se coagido a ter que participar numa guerra colonial, que para ele "estava desprovida de sentido, e era castradora das vontades dos jovens de então". Numa altura em que o regime começava a mobilizar os adolescentes com 18 anos para a frente de batalha, nomeadamente para a Guiné, Tchalê Figueira, junto com outros colegas, conseguiu fugir para a Holanda, terra onde o aguardava um tio que o acolheu. "A ideia inicial era estudar, mas depois resolvi que devia ir trabalhar", conta. É desta forma que, Tchalê, durante quatro anos, se vê num barco da marinha mercante, que o faz percorrer o mundo, e que, conforme refere, "permitiu que a mente se tivesse aberto a novos horizontes, pois durante

o regime colonial, o povo estava confinado ao arquipélago num total desconhecimento do que se passava à sua volta". Após esta estimulante experiência, decide acompanhar a irmã que, entretanto emigrara para a Suíça. Aqui viria a conhecer a mulher que o fez despertar para o mundo das artes, e que "contribuiu de forma significativa para o despoletar da paixão pela pintura", que de forma inconsciente, de algum modo, já habitava no artista. Desde que tem memória, que via o irmão mais velho, Manuel Figueira, a pintar, e, conforme conta, "aquelas telas ficaram-me para sempre gravadas na memória e no meu subconsciente, sempre soube que era aquilo que eu gostava de um dia vir a fazer", reconhece.


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Inicia então a sua formação plástica em Belas Artes, na Suíça. Conforme confidencia, "foi uma fase de procura, que permitiu explorar vários estilos e caminhos". Começou por pintar o abstrato, numa tentativa de encontrar um rumo para o seu estilo pessoal. Durante este percurso, passou por várias fases, até encontrar o que chama de "mitologia pessoal". A sua pintura abrange temas e conceitos diversificados, que, conforme esclarece, "transmitem algo de pedagógico, sempre com uma mensagem subentendida, que tanto pode ser social como política", pois para o artista, "o importante é que a arte possa transmitir conhecimento à sociedade e sirva de veículo para a discussão de ideias e conceitos".

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A sua primeira exposição, marca-lhe para sempre a sua atividade no campo das artes plásticas. Realizada em Basileia, na Suíça nos finais da década de 70, esta primeira mostra dos seus trabalhos abre-lhe as portas para o mercado das artes. Muitas outras se seguem, um pouco por todo o mundo, com especial destaque para as realizadas em Portugal, França, Suíça, Senegal, EUA, Angola e Cabo Verde.

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Para o artista, cada obra é única. O que o fascina nas suas pinturas, é o facto de "ver obras feitas à 10 ou 20 anos atrás, e ainda questionar a forma e o porquê de terem sido pintadas daquela for-

“durante o regime colonial, o povo estava confinado ao arquipélago num total desconhecimento do que se passava à sua volta” ma, pois parece que as vejo pela primeira vez", e continua afirmando que, " é interessante ver que as pessoas encontram pormenores nos meus trabalhos, que eu próprio, quando os estou a pintar, não penso neles". Tchalê Figueira sente-se fascinado pelo facto de "cada pessoa poder ter a sua


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própria leitura das obras, o que aliado à história de cada um, poder permitir uma conjugação de sentidos e de emoções que varia de pessoa para pessoa", e acrescenta que "este aspeto do meu trabalho, entusiasma-me muito".

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Considera-se uma pessoa espontânea, o que lhe permite passar para a telas esse seu instinto natural, à medida que a obra vai sendo pintada, sem esboços nem ideias preconcebidas. "É tudo fruto das emoções do momento, o que confere ao meu trabalho, um elevado grau de subjetividade quando analisado por outras pessoas, e isso interessa-me bastante", observa. Tchalê Figueira, encontra-se atualmente a acabar uma série intitulada Uma breve história da colonização em África, que, conforme refere, "pretende estimular a reflexão e a partilha de ideias em

torno de um tema que é pouco falado, mas que teve um impacto brutal na nossa sociedade. É que quando se fala em colonização, todas as pessoas

“os artistas têm obrigatoriamente que ser proativos na procura de novas oportunidades e serem criativos na forma como divulgam os seus trabalhos”


servação da história milenar do nosso povo, pois há outras verdades, além da verdade!"

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Para o artista plástico, "atualmente Cabo Verde já possui alguns pintores reconhecidos internacionalmente, contudo, principalmente para os mais jovens, há ainda algumas dificuldades fruto da inexistência de galerias para exporem", o que dificulta a parceria entre galeristas e a consequente promoção dos artistas noutras latitudes. No entanto, é perentório ao afirmar que, "os artistas têm

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se lembram dos europeus e alguns árabes colonizadores, mas quase ninguém se lembra que os nossos ancestrais antepassados, tiveram grandes responsabilidades no estímulo à escravatura dos seus próprios povos, pois dela tiravam grandes proveitos", e conclui dizendo que, "as pessoas não gostam de falar disso, e algumas até fazem por esquecer esse período atroz da história africana, mas como facto que foi, penso que deva ser preservado e de alguma forma retratado, e este meu trabalho é um pequeno contributo para essa pre-

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obrigatoriamente que ser proativos na procura de novas oportunidades, e serem criativos na forma como divulgam os seus trabalhos, não podendo esperar que seja o Estado a fazer esse trabalho por eles". Tchalê Figueira, também afirma que "Cabo Verde não pode pensar apenas no desenvolvimento económico. A política cultural do país tem de acompanhar esse desenvolvimento, e se possível,

contribuir para a efetivação do crescimento do país", pois para Tchalê, "o melhor produto que Cabo Verde tem para exportar é, sem dúvida, a sua cultura", e dá o exemplo da Cesária Évora, que "conseguiu fazer com que a música de Cabo Verde fosse ouvida em todos os cantos do mundo, o que trouxe notoriedade a outras expressões artísticas nacionais, e com isso todos ficaram a ganhar". Aponta a política cultural alemã, como exemplo a seguir por Cabo Verde, que "apesar da crise mun-


dial, houve um reforço do financiamento à cultura do país, pois os políticos alemães sabem que a cultura não são só os artistas, mas sim uma cadeia de indústrias que se interligam e que precisam dos artistas para viver: são os carpinteiros que fazem as molduras dos quadros, os que vendem as tintas e pincéis, os que produzem as telas, os que constroem instrumentos musicais, os técnicos de som que gravam e produzem discos, etc., etc.", e termina afirmando que "é forçoso que seja criada

também em Cabo Verde, uma política de desenvolvimento da cultura, em prol do crescimento deste circuito". Para os jovens criadores, Tchalê Figueira, aponta para que "vivam em paz, que fomentem a criatividade e o conhecimento, e que essa paz se transforme em serenidade para criar", pois como afirma, "é através da criação que é feita a evolução do ser humano". 


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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Teatro

João Branco

Teatro nacional fazer muito com quase nada

Outro fator dinamizador do teatro mindelense é o Festival Internacional de Teatro de São Vicente, que decorre todos os anos, em setem-

bro, desde 1995. Conforme refere João Branco, ”o Festival tem permitido uma formação no público e um crescente interesse no que diz respeito à vontade em as pessoas fazerem e verem teatro. Colocou o arquipélago cabo-verdiano no mapa do teatro mundial, pois ao longo destes anos, por aqui têm passado companhias de muitas e variadas proveniências.” O Festival MINDELACT é um festival de teatro aberto a todas a comunidades linguísticas, embora os países que têm tido mais participação ao longo dos anos, tenham sido os países com os quais a Associação tem mantido uma ligação mais estreita, e esses são obviamente os de língua portuguesa, nomeadamente Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé e Guiné Bissau. No entanto, já se viram atuações de companhias, cubanas, chilenas e outras.

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oão Branco, presidente da Associação Artística e Cultural MINDELACT, um dos grandes impulsionadores da atividade no país, salienta que “esta dinâmica tem vindo a injetar no meio mindelense muita gente que passou a estar ligada ao teatro por motivo dessa formação de base.” Os cursos de iniciação teatral começaram a ser realizados em 1993 e atualmente está a ser ministrada a 14ª edição – cuja duração é de um ano”. Cerca de 90% das companhias teatrais que existem hoje em Cabo Verde, são compostas por elementos que passaram por estas formações.

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Nos últimos 15 anos, o teatro evoluiu muito em Cabo Verde. Há vários fatores que contribuíram para que isso acontecesse e dentro dessa evolução a ilha de São Vicente, nomeadamente a cidade do Mindelo, tem-se destacado pelo número de companhias existentes. O Mindelo é, a nível nacional, o principal centro de produção de artes cénicas de Cabo Verde. Atualmente, existem 13 companhias de teatro em atividade em São Vicente. O sucesso das artes cénicas no Mindelo, deve-se essencialmente a dois fatores: o trabalho de base efetuado pelo Centro Cultural Português do Mindelo, e à Associação MINDELACT, responsável pelo internacionalmente conhecido Festival de Teatro do Mindelo.

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Uma das características que marca o Festival MINDELACT e que faz toda a sua diferença, é o facto de ser um festival internacional que não faz qualquer tipo de diferenciação entre uma companhia amadora e uma companhia profissional. A programação é regida por critérios relacionados com a qualidade artística das propostas apresentadas, e com o tipo de relacionamento que existe entre a organização e as companhias convidadas. Há ainda um terceiro critério, que tem precisamente a ver com a diversidade das propostas. Conforme explica João Branco, “assistimos a um festival que tem uma média, em dez dias, de 40 a 45 espetáculos e não vemos dois parecidos. As linguagens que estão em palco são todas muito diversas. E nesse sentido, o teatro cabo-verdiano tem neste palco uma oportunidade de se colocar exatamente ao mesmo nível de uma companhia profissional famosa e que já viajou por todo o mundo. As condições são as mesmas, a equipa técnica é a mesma, o público é o mesmo, e esta é a grande prova para se verificar se o nosso teatro vinga ou não, se tem essa capacidade para se afirmar ao se poder comparar a projetos teatrais profissionais. A minha perceção é que sim… que tem essa capacidade e essa qua-

lidade para se poder equiparar a esses projetos muito mais maduros e experientes”, afirma o encenador. Se fizermos uma análise ao percurso do teatro em Cabo Verde, concluímos que sempre foi movido por lideranças fortes. Após a Independência, quando se começou a fazer teatro no país, o ponto principal da produção teatral era

"o Festival tem permitido uma formação no público e um crescente interesse no que diz respeito à vontade em as pessoas fazerem e verem teatro" a cidade da Praia. Sobre a liderança de Francisco Fragoso, o grupo Corda Cabo Verde, marcou o arranque da actividade. Quando Francisco Fragoso emigrou, o teatro santiaguense, de al-


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Há muitas companhias teatrais, nomeadamente no Mindelo, que apenas existem porque essas lideranças se mantêm ativas. No entanto, João Branco não se mostra preocupado com o panorama atual da atividade em São Vicente, pois “ existe muita gente que se iniciou no teatro através do Centro Cultural Português, que é o centro dinamizador da cultura em São

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dinamização da atividade. Conforme refere o presidente da MINDELACT, “muitas das companhias, quer no Mindelo, quer na cidade da Praia, foram sobrevivendo sempre que houve uma liderança forte de alguém que se destacava e que conseguia dinamizar um conjunto de pessoas que mantinham a companhia em atividade. Quando essa pessoa emigrava - e todos sabemos que Cabo Verde é propenso a esse fenómeno social, inclusive ao nível da emigração entre ilhas do arquipélago - a tendência é

O grupo mais antigo de Cabo Verde - o Juventude em Marcha, de Santo Antão – é outro exemplo concreto de um grupo que se tem mantido até hoje porque, segundo João Branco, “existe essa liderança forte, neste caso conduzida pelo Jorge Martins e o César Lélis. Duvido que se por algum motivo esses elementos tivessem que abandonar o grupo, independentemente da força histórica e importância no teatro nacional, ele conseguisse manter a sua coesão”, conclui.

"Há uma grande dificuldade na substituição de lideranças dentro de projetos concretos"

que o grupo, sem esse líder, acabe por morrer. Há uma grande dificuldade na substituição de lideranças dentro de projetos concretos”, diz.

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guma forma ficou órfão e até hoje nunca conseguiu resolver essa orfandade. A liderança é talvez um dos aspetos fundamentais para a

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equipa do Ministério da Cultura. Pela primeira vez em Cabo Verde, vai haver uma Direcção das Artes e Espectáculos, constituída por pessoas conhecedoras da atividade. Conforme confidencia o presidente da Associação MINDELACT, “se esse dinamismo tiver que vir do Estado e possa depois fluir para outros lados, nomeadamente associações privadas, comunitárias, ou cooperativas, então acho que temos reunidas todas as condições para a dinamização do teatro, em particular na cidade da Praia, por forma a que este se mostre à altura de representar dignamente a importância que a capital tem para o país, tanto do ponto de vista cultural, como do ponto de vista histórico, político e social.”

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Há claramente uma identidade específica do teatro cabo-verdiano, que tem precisamente a ver com as temáticas que são colocadas em palco, com as próprias características de movimento e personalidade dos atores e com a língua em que é apresentado - o crioulo - que é uma matriz fundamental da identidade cultural. Quando comparado com o teatro produzido noutros países, João Branco é perentório ao afirmar que “não ficamos nada aquém”, e justifica ao dizer que, “se verificarmos as condições com que as companhias trabalham em Cabo Verde, sem lugares de ensaio, com muito poucos apoios, com grandes dificuldades para

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Vicente”. No entanto, a nível nacional, o cenário já não é o mesmo. Para João Branco, a grande preocupação, centra-se na ilha de Santiago, nomeadamente na cidade da Praia, pois como refere, ”é um local onde existem mais recursos financeiros, mais condições, tem mais pessoas, contudo, há muitos anos que andamos a reclamar a inércia do seu teatro, onde existem pouquíssimas companhias ativas. Há dois anos tentámos fazer uma extensão do Festival de Teatro MINDELACT, levando para a Praia alguns dos espetáculos do Festival, e o que verificámos é que as pessoas estão ávidas e querem ver teatro. Há mercado para as coisas acontecerem, o certo é que, os anos vão passando e não acontecem. Há a tal falta de liderança, que é fundamental para este tipo de atividade”, desabafa. A esperança para que a situação se inverta, nomeadamente na capital, recai sobre esta nova

"Há um investimento muito forte por parte dos agentes teatrais, por forma a apresentarem um produto de qualidade e isso tem-se refletido muito na evolução do teatro nacional" a montagem dos espetáculos, e depois vermos o resultado final, a conclusão que se pode tirar é que o rácio condições/resultados é muito elevado e isso só pode ser o resultado de uma grande paixão do cabo-verdiano pelo teatro”. Também o facto de haver uma montra como


No entanto, o mesmo já não acontece relativamente aos locais de ensaio, pois conforme diz, “para um espetáculo chegar a ser apresentado

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Essa falta de meios para o desenvolvimento das artes cénicas, não tem, no entanto, sido motivo de desencorajamento da comunidade teatral mindelense. Conforme confidencia

João Branco, “temos que aproveitar aquilo que apenas o teatro permite, que é fazer espetáculo com quase nada. Muitas vezes é isso que temos feito: muito com quase nada, por isso não temos muitas razões de queixa relativamente aos locais de apresentação. O Festival MIDELACT é um bom exemplo, pois nós temos uma média de quatro espetáculos diários na cidade do Mindelo. Existem vários parâmetros de programação, onde o palco principal é a sala do Centro Cultural Português - que é onde são realizados os espetáculos de maior cartaz - no entanto há outros locais na cidade, com pequenos auditórios perfeitamente adaptados a pequenas atuações. A rua, as praças e todos os locais onde haja público, também são bons locais para um espetáculo de teatro.”

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o Festival de Teatro MINDELACT, acaba por fazer com que o grau de auto exigência em cada companhia, seja muito maior. Conforme explica o presidente da Associação, “os atores e dirigentes já verificaram que o nível da programação do Festival é muito elevado - somos muito exigentes com o nível de qualidade das companhias internacionais que trazemos ao Festival - e a reflexão que as companhias de teatro cabo-verdiano fazem é que, para estarem presentes neste evento, têm que estar à altura. Há um investimento muito forte por parte dos agentes teatrais, por forma a apresentarem um produto de qualidade e isso tem-se refletido muito na evolução do teatro nacional nos últimos cinco anos.”

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em palco, há todo um processo que dura meses, e a maior parte dos grupos que existem, tem grandes dificuldades em conseguir lugares para ensaiar”. Porém, para João Branco, a construção de um grande Centro Cultural no Mindelo, agregador de várias expressões artísticas, entre as quais o teatro, também não se revela a melhor solução, e justifica ao afirmar que “dentro da atual conjuntura económica

que, a percentagem de tempo que é utilizado, é mínima. Muitas vezes as pessoas queixam-se, sem terem a noção daquilo que aqui temos e que não sabemos aproveitar”, justifica.

global, seria um total desperdício de recursos, primeiro com a sua construção e depois com a sua gestão, manutenção e preservação”, e aponta alternativas, ao afirmar que, ”há espaços que estão completamente desaproveitados e que se fossem devidamente recuperados, serviriam perfeitamente para colmatar as falhas que existem. Por exemplo, o espaço da Academia Jotamont - que é um espaço que a Câmara Municipal possui há alguns anos – está completamente mal aproveitado. Além do auditório, tem imensas salas que poderiam ser utilizadas para dar aulas de música, de dança, ou para realizar outras atividades. O certo é

pois conforme diz, “se analisarmos do ponto de vista estético, artístico, criativo e plástico, nós ainda temos todo o mundo por descobrir. Há coisas que foram feitas no final do século XIX que nunca passaram em Cabo Verde. Há centenas de autores universais que nunca foram representados pelas nossas companhias. Isto demonstra que há todo um terreno pronto para receber ainda muita coisa e o meu desejo é que esse terreno continue a germinar e a originar projetos inovadores e interessantes, independentemente de ser eu ou outra pessoa a impulsionar o teatro, quer seja em São Vicente, quer a nível nacional.” 

Sobre o futuro do teatro cabo-verdiano, o seu maior desejo é que no dia em que se tiver que se retirar, o teatro continue com a sua pujança e com a sua capacidade de evoluir e inovar,


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Cultura

Centro Nacional de Artesanato e Design

Estimular

o empreendedorismo dos artesãos nacionais Manuel Fortes, licenciado em Artes Visuais e professor de Educação Artística, é um homem otimista em relação ao futuro do recém-inaugurado Centro Nacional de Artesanato e Design. Com sede na cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, o Centro tem por missão fomentar o artesanato cabo-verdiano e servir de ligação entre os artesãos, a sociedade e a economia nacional.

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Conforme refere, “com a atual visão do governo relativamente à cultura, e em particular ao artesanato, conseguiu-se impulsionar a classe artesã para um novo patamar de empenhamento no desenvolvimento da atividade”. Cabo Verde passou por um período em que o artesanato se encontrava em estado moribundo, com

“o conhecimento tem que continuar a ser transmitido às gerações mais novas, por forma a não deixar morrer esse precioso bem nacional, que é o nosso artesanato”

a ser transmitido às gerações mais novas, por forma a não deixar morrer esse precioso bem nacional, que é o nosso artesanato”.

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anuel Fortes, natural de São Vicente e atual responsável pelo Centro Nacional de Artesanato e Design, cedo iniciou uma carreira académica totalmente dedicada ao artesanato tradicional. A sua formação iniciou-se precisamente no Centro Nacional de Artesanato, tendo como tutor, o mestre João Fortes e alguns dos seus membros fundadores, nomeadamente Bela Duarte, Luísa Queirós e Manuel Figueira. Apesar de continuar a exercer de forma esporádica a atividade de artesão, dedica-se quase que em exclusivo à formação profissional de novos artesãos, pois como afirma, “o conhecimento tem que continuar

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é uma mais-valia para o exercício e crescimento da atividade, por forma aos artesãos não ficarem tão dependentes de patrocínios ou financiamentos do Estado, pois está provado que os artesãos conseguem viver da sua arte, contudo, por vezes, falta-lhes esse espírito empreendedor, capaz de os autonomizar”.

“atualmente vive-se um despertar do artesanato tradicional caboverdiano, onde os artesãos sentemse motivados a contribuir com o seu saber, com as suas ideias e acima de tudo, com os seus produtos”

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os artesãos desmotivados e sem espaços para promoverem os seus produtos, o que levou, inevitavelmente, nos últimos anos, a uma reduzida produção de artesanato tradicional. Com o renascimento do Centro Nacional de Artesanato e Design, pretende-se “fortalecer a ligação entre os artesãos e o ministério da cultura, por forma a impulsionar a atividade”, afirma Manuel Fortes.

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A criação da Associação de Artesãos de São Vicente, já em fase de instalação, é outra iniciativa integrada no programa do governo em prol da atividade, que visa a coesão dos artesãos em torno dos interesses da classe. Conforme comenta Manuel Fortes, “tem havido, por parte dos artesãos, uma grande procura de informação, quer ao nível de iniciativas que o ministério está a preparar, quer mesmo na procura de programas de formação”, e acrescenta que, “atualmente vive-se um despertar do artesanato tradicional cabo-verdiano, em que os artesãos se sentem motivados a contribuir com o seu saber, com as suas ideias e acima de tudo, com os seus produtos”. O Centro Nacional de Artesanato e Design, pretende fomentar um espírito mais empreendedor nos artesãos, pois como refere o responsável, “o empreendedorismo

Outro dos propósitos do Centro Nacional de Artesanato e Design é tornar o artesanato cabo-verdiano mais funcional. Conforme explica Manuel Fortes, “houve uma época em que o artesanato nacional se tornou mais decorativo, o que encareceu substancialmente as peças produzidas, tornando a sua venda mais difícil. Com a recuperação do artesanato funcional, pretendemos que os artesãos produzam mais, a preços mais baixos, possibilitando assim um maior retorno financeiro pelo seu trabalho”, afirma.


São Vicente é a ilha com maior taxa de desemprego em Cabo Verde, e o artesanato pode contribuir de forma efetiva para a diminuição desse flagelo nacional. Conforme explica Manuel Fortes, “existem algumas experiências interessantes, que mostram que os jovens, se forem bem conduzidos, aderem facilmente ao trabalho artesão”, e dá o exemplo de algumas ações de formação que foram realizadas em bairros periféricos problemáticos em algumas ilhas, “em que ao fim de uma semana de trabalho, os jovens mostravam-se em condições de darem continuidade à aprendizagem com a produção

O Centro Nacional de Artesanato e Design, pretende ser igualmente um local agregador da cultura nacional, onde os cabo-verdianos possam testemunhar a sua identidade cultural. Pretende ser um polo dinâmico, com mostras, exposições, simpósios, conferências, ações de formação capazes de promover o encontro entre artesãos de diversas especialidades e o público.

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“o artesanato pode ser um contributo para a diminuição da taxa de desemprego e tornar-se num veículo pedagógico capaz de incentivar o crescimento económico de Cabo Verde”

Pretende ser um local de discussão e de encontro de ideias e acima de tudo, que possibilite e estimule a atividade económica do artesanato nacional.

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Também a melhoria da qualidade dos produtos manufaturados é um dos objetivos do Centro. Para tal, conta com um gabinete de design e qualidade, apto a contribuir na embalagem e apresentação das várias obras comercializadas. Com esta medida, pretende-se combater a invasão de artesanato proveniente de outras regiões de África, muitas vezes sem qualidade, e que por escassez de produção nacional, são vendidas como artesanato cabo-verdiano.

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dos seus próprios produtos”. Um dos exemplos de produtos saídos dessas ações de formação aos mais jovens, são os carrinhos de lata, os quais são vendidos aos turistas por 10 Euros. Conforme declara Manuel Fortes, “tal contribui de forma significativa para o rendimento dos jovens, o que se revela um fator decisivo na diminuição da delinquência juvenil, alguma dela, precisamente por falta de ocupação profissional”, e conclui que “se for bem orientado, o artesanato pode ser um contributo para a diminuição da taxa

de desemprego e tornar-se num veículo pedagógico capaz de incentivar o crescimento económico de Cabo Verde”. Atualmente, o Centro Nacional de Artesanato e Design, conta com uma mostra permanente de parte do seu inestimável espólio, onde o público poderá apreciar obras de tecelagem e tapeçaria, instrumentos musicais tradicionais, panaria, olaria e alguns artefactos utilizados na produção das peças. Aos jovens artesãos, Manuel Fortes aconselha muita dedicação e motivação, pois como afirma, “por vezes querem-se resultados rápidos, o que nem sempre é possível obter, mas se acreditarem no que fazem e procurarem a melhor forma de aperfeiçoar, promover e rentabilizar os produtos que criam, mais tarde ou mais cedo, os resultados esperados serão alcançados e o Centro Nacional de Artesanato e Design, estará sempre aberto para os ajudar a atingir esse objetivo”. 

Mestre João Fortes

Uma vida

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dedicada ao artesanato nacional

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mestre João Fortes, formado no âmbito da intervenção no artesanato cabo-verdiano, entrou para o Centro Nacional de Artesanato (CNA) como artista plástico há mais de 30 anos. Com o lema “não deixar morrer a tecelagem tradicional”, participou no primeiro programa de formação lecionado pelo Centro, ao nível da tecelagem tradicional, da tapeçaria e do batique. Considera os conhecimentos transmitidos pelos mestres Bela Duarte, Luísa Queirós e Manuel Figueira, membros fundadores do CNA, como fundamentais para o seu percurso, quer ao nível técnico, quer como formador. É o elemento mais antigo do Centro Nacional de Artesanato e Design. Já viu o espaço que ajudou a

formar mudar de nome duas vezes. Considera-se um artista artesão, pois como apaixonado pela pintura, consegue interligar de forma exemplar as duas expressões artísticas. Com uma carreira internacional ao nível das artes plásticas, João Fortes continua a trabalhar em prol do artesanato nacional, nomeadamente na formação profissional. Sente-se um homem orgulhoso por muitos dos seus alunos, alguns deles já consagrados, terem atualmente os seus próprios estúdios e já terem conseguido algum reconhecimento. O seu grande objetivo é continuar o trabalho desenvolvido, por forma a engrandecer, cada vez mais, a cultura cabo-verdiana e o seu artesanato tradicional. 


Mestre João Fortes

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A história da casa do

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Senador Vera-Cruz

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edifício onde se encontra instalado atualmente o Centro Nacional de Artesanato e Design, possui uma história grandiosa. Foi mandado construir, por volta de 1890, pelo senador Augusto Vera-Cruz, um homem abastado, proveniente da ilha do Sal, mas que vivia em São Vicente. Como era um benfeitor e altruísta, preocupava-se muito com o povo, nomeadamente as gentes de São Vicente. Antes da sua morte, cedeu o palacete para que aqui se instalasse o primeiro liceu da ilha. Depois, com o aumento da população, o espaço revelou-se insuficiente e o liceu teve se ser transferido para outro local da cidade.

Nos finais da década de 30, dá lugar ao Clube Recreativo da alta sociedade mindelense, e passou a ser denominado de Grémio do Mindelo. Durante a 2ª Guerra Mundial, a casa foi cedida, a título temporário, ao exército, transformando-se num quartel militar. Quando terminou a guerra, volta a acolher o Grémio do Mindelo, onde só se abria para sócios e para as pessoas de elite da ilha, as chamadas gentes de morada. Reuniam aqui, e aqui instalaram, nos anos 50, a Rádio Barlavento, que foi um importante veículo de comunicação para o povo são-vicentino. Muitos artistas, entre os quais a Cesária Évora, gravaram os seus primeiros discos na Rádio Barlavento.


Posteriormente, com a independência, o povo mostrou-se insatisfeito pelo facto de o espaço estar a ser utilizado apenas por um grupo de pessoas e, numa revolução popular, restituíram a Rádio Barlavento e a casa, ao povo da ilha. A Rádio Barlavento deu então lugar à Rádio Voz de São Vicente. O primeiro ministro de então, o comandante Pedro Pires, ofereceu o espaço ao Centro Nacional das Artes onde foi ampliado por forma a realizarem-se outras atividades culturais. Criaram-se salas de desenho, de tecelagem, uma loja que vendia os produtos produzidos e onde se dava formação a novos alunos. Funcionou também como entreposto dos artesãos da ilha, onde todas as quartas e sextas-feiras, chegavam produtos do artesanato local produzidos noutros pontos de São Vicente. Foi uma época de grande atividade, com formação profissional, simpósios onde participavam artistas de renome internacional, exposições e um espaço permanente de produção, nomeadamente de tapeçarias e tecelagem tradicional. Havia igualmente um conforto económico, pois como o Centro produzia e comercializava os seus trabalhos, as receitas eram aplicadas na expansão e no fomento da atividade. Contudo, e apesar de ser uma instituição autossustentada, com a mudança dos sucessivos governos, foi decretado o seu encerramento e o Centro Nacional das Artes viu-se privado dos seus funcionários, e acabou por definhar e se extinguir.

◀ Senador Vera-Cruz

Com a atual estrutura governativa, a casa do senador Vera-Cruz, vê ressurgir o projeto inicial e atualiza-se para acolher o Centro Nacional de Artesanato e Design, onde a par de uma mostra permanente, pretende estimular a componente de formação às novas gerações e fazer renascer o artesanato tradicional como forma de contributo para a economia nacional.

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Mais uma mudança nos membros governativos e mais uma alteração ao nome do museu, que desta feita passa a ser chamado de Casa do Senador, que embora estivesse vocacionado para as artes, perdeu o estatuto de museu.

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Após quatro anos sem qualquer atividade, o Centro reabre como Museu de Arte Tradicional, no entanto sem a pujança de outros tempos, com menos funcionários e sem produção própria.

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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Artesão

Albertino Silva

O associativismo é fundamental para o futuro do artesanato nacional

As dificuldades que os artesãos sentem em vender as suas obras, é talvez um dos factores para o reduzi-

No que se refere a apoios oficiais à divulgação e desenvolvimento da actividade, estão a ser dados agora os primeiros passos, nomeadamente ao nível do Ministério da Cultura, o qual se mostra sensível à organização da classe, por forma a facilitar a sua promoção, quer a nível nacional, quer internacionalmente. Recentemente,

do número de profissionais da classe. Albertino Silva considera-se no entanto uma excepção à regra, pois consegue viver exclusivamente da sua arte. No entanto, também admite que sempre que necessita de complementar o seu rendimento, tem, por vezes, que recorrer a outros trabalhos artísticos ao nível da construção civil, nomeadamente com a produção de balcões de cozinha em pedra. Tal como relata, “estas dificuldades não são fruto da indiferença das pessoas, antes pelo contrário; as pessoas admiram e valorizam muito o meu trabalho, mas o certo é que há actualmente uma crise económica instalada, o que faz com que as pessoas com menos recursos, tenham que dar prioridade a outras coisas mais imediatas”, desabafa.

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studou mecânica na Escola Industrial e Comercial do Mindelo, mas o gosto e o fascínio pelos trabalhos manuais, levaram-no a frequentar várias acções de formação em artesanato. A vontade de aprofundar os seus conhecimentos, fez com que fosse dos primeiros a frequentar o curso de Artesanato Contemporâneo em Pedra, ministrado no Mindelo. No entanto, nutre igualmente um fascínio muito especial por outros materiais, nomeadamente o metal e a reciclagem artística de calçado. Foi precisamente com trabalhos executados sobre sapatos velhos, que Albertino Silva passou a ser mais conhecido em Cabo Verde. Actualmente, é com alguma mágoa que verifica que, desse primeiro grupo de artesãos que concluíram o curso, é o único que continua a exercer a actividade e que faz dela a sua forma de vida.

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Albertino Silva, artesão do Mindelo, desde criança que, com o pai e os irmãos, adquiriu habilidades com ferramentas, através da experimentação sobre diversos materiais. De espírito livre e criativo, considera-se um homem satisfeito com o reconhecimento que as pessoas demonstram pelo seu trabalho.

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o Ministério organizou um Fórum do Artesanato em São Vicente, precisamente para motivar o associativismo entre artesãos, e assim facilitar a defesa dos interesses do grupo. Também ficou prometido um Centro de Artesanato para a divulgação dos trabalhos dos vários artesãos que trabalham na ilha. No entanto, conforme diz Albertino Silva, “ainda há alguma indiferença por parte de alguns organismos oficiais, e a prova disso, é que, por exemplo, se entrarmos num qualquer gabinete de uma Câmara Municipal, é raríssimo encontrarmos peças de artesanato local, o que é uma pena”.

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O certo é que muitas das peças produzidas pelos artesãos de São Vicente, acabam por ser adquiridas por estrangeiros, que reconhecem o mérito e a singularidade do seu trabalho. Conforme nos relata o artesão, “a falta de divulgação, é talvez o principal motivo para a fraca expressividade do nosso artesanato além fronteiras”, e dá um exemplo de como com um pouco de promoção,

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“ seria importante que houvesse mais intercâmbio de ideias, de experiências, por forma a que se pudessem partilhar técnicas e estratégias de divulgação e promoção conjuntas” as coisas poderiam ser diferentes, pois conforme conta, “na Feira de Arte Contemporânea em Madrid, onde tive oportunidade de expor, apresentei o trabalho dos sapatos, o que chamou a atenção de muitos galeristas internacionais que visitavam a exposição, e através


desses contactos, enviei muitas peças para França, Itália, Holanda e outros países da Europa”. Embora não seja uma actividade de larga escala, é talvez uma boa referência para o potencial do artesanato cabo-verdiano além fronteiras. Albertino Silva aponta a falta de interligação entre as várias expressões artísticas em São Vicente, como um dos factores para o não aproveitamento de algumas oportunidades existentes, as quais, conforme refere, “com apenas alguma coordenação, poderiam ser uma mais-valia para todos os artistas da ilha e até mesmo do arquipélago”, e aponta o caso concreto do Festival da Baía das Gatas, ”que é o exemplo mais evidente da desarticulação entre promotores culturais e artistas, pois trata-se de um evento cultural, que trás a Cabo Verde, e em particular a São Vicente, milhares de pessoas sensíveis a todos os géneros de arte e que poderia ser uma excelente oportunidade para os artesãos mostrarem os seus trabalhos. Há uma notória falta de articulação por parte dos organizadores, pois

Em relação ao futuro da actividade e da classe, Albertino Silva está bastante optimista, pois como ele mesmo diz, “depois dos encontros com o Ministério da Cultura e a Câmara Municipal do Mindelo; com os projectos turísticos que o país está a promover; com os programas de intercâmbio cultural que o Estado celebrou e com o empenho dos artesãos em se associarem, permitindo assim a coesão da classe, o artesanato cabo-verdiano tem grandes possibilidades de crescimento, contribuindo de forma efectiva para a economia nacional, e, acima de tudo, tornar-se um veículo privilegiado na divulgação da cultura de Cabo Verde”.

Para o artesão, o associativismo é a chave para impulsionar e desenvolver a actividade. Na sua opinião, “o grande problema dos artistas, incluindo os artesãos, é que cada um fica no seu canto. Seria importante que houvesse mais intercâmbio de ideias, de experiências, por forma a que se pudessem partilhar técnicas e estratégias de divulgação e promoção conjuntas”, e conclui dizendo que “o associativismo é fundamental para o futuro do artesanato nacional”.

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saíamos todos a ganhar”, e acrescenta que “sendo os recursos escassos, todas as oportunidades deveriam ser aproveitadas - é apenas uma questão de conjugar interesses em prol do desenvolvimento de São Vicente e de Cabo Verde.”

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“o grande problema dos artistas, incluindo os artesãos, é que cada um fica no seu canto”

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E: Luís Neves | W: Pedro Matos

Sociedade

Padre Gonçalo Carlos

É necessário voltar a olhar

para a interioridade humana Há seis anos como diretor da Escola Salesiana de Artes e Ofícios, o Padre Gonçalo Carlos é um homem confiante no futuro do desenvolvimento pessoal dos jovens, e no progresso socioeconómico das gentes de São Vicente. Contudo, alerta para a necessidade de uma introspeção pessoal em cada um, como

Conforme diz o Pe. Gonçalo Carlos, “este trabalho de reconstrução, contou com o apoio das gentes da ilha, assim como com a colaboração da Província Portuguesa da Sociedade Salesiana auxiliada pela Fundação Calouste Gulbenkian”. Inicialmente, foram criados os pavilhões para albergar os cur-

Em 2005, inaugurou o seu pavilhão desportivo. Foi um acontecimento com grande significado para a comunidade salesiana, pois conforme explica o Padre Gonçalo, “para Dom Bosco - o patrono da Escola - eram necessárias três condições para se poder ensinar: um bom cozinheiro, um campo para praticar desporto e uma capela, por isso a inauguração do gimnodesportivo foi um acontecimento que nos deu muita alegria”. Atualmente, a Escola Salesiana de Artes e Ofícios, está em fase de consolidação do en-

sos profissionais de alfaiataria, sapataria e carpintaria. Na década de 70, foi construído um lar para estudantes, que, por escassez de estabelecimentos de ensino nas outras ilhas, ou por falta de recursos financeiros, não podiam continuar os seus estudos nos locais de origem. Nos anos 90, e fruto da cooperação com o governo alemão, a Escola de Artes e Ofícios integrou o ensino profissional e recebeu o ensino secundário geral.

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vinda dos Salesianos para Cabo Verde, remonta ao início dos anos 40 do século passado, quando um grupo de três padres e três irmãos se instalaram no seminário da Vila da Ribeira Brava, na ilha de São Nicolau. Uma década depois, a convite do Bispo da Diocese D. Faustino Moreira dos Santos, o Padre Francisco Leite Pereira acompanhado pelos restantes cinco salesianos, transfere-se para São Vicente, onde iniciam a recuperação das instalações do antigo Hospital Militar, dando origem ao atual espaço da Escola Salesiana de Artes e Ofícios.

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forma de contributo para o equilíbrio e estabilidade da sociedade atual.

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sino geral, preparando-se para lecionar até ao 12º ano de escolaridade. Pretende acompanhar o desenvolvimento das novas tecnologias, acompanhar o desafio da qualidade educativa e continuar a ser uma escola de referência, quer em São Vicente, quer no resto do país.

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A Escola Salesiana tem por finalidade a educação cristã e humana dos jovens, tornando-os capazes de assumir as suas responsabilidades na sociedade dos nossos dias. Aliando à instrução a formação plena dos jovens, pretende educar segundo o modelo do Projeto Educativo de Dom Bosco. Quando em 1841 Dom Bosco começou a recolher das ruas de Turim os jovens que, sem formação e emprego vagueavam erraticamente desprovidos de orientação social, iniciou um modelo de formação inovador e socialmente ativo, que consistia em tornar o aluno consciente e responsável dos seus atos. Este modelo formativo é, ainda hoje, a base de orientação da Escola Salesiana de Artes e Ofícios, em que os jovens são ajudados a encontrarem-se em todas as suas dimensões, sejam elas humanas, espirituais ou morais. Tal como no tempo de Dom Bosco, “os jovens de hoje necessitam de sentir que há alguém que se preocupa com eles, e esse é um

dos objetivos do nosso sistema educativo”, refere o diretor, e adianta que, “tal como no início dos salesianos em Cabo Verde - que contavam apenas com três padres e três coadjutores - e que, face às condições e recursos que tinham fizeram um trabalho de verdadeiros heróis, também, atualmente, as necessidades e desafios que se nos deparam são muitos, mas temos de arregaçar as mangas e continuar o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido desde esses tempos, pois mais que diagnosticar os problemas, temos que lhes dar respostas, pois a nossa sociedade mudou. É atualmente uma sociedade pluralista, modernizada e global. É uma sociedade de comunicação, de novas tecnologias e de velocidade, como tal, espera respostas imediatas. Em diálogo com os jovens, temos que perceber que respostas procuram face aos desafios que esta sociedade lhes coloca”, e conclui dizendo que, “antigamente, estava claro o que a sociedade precisava, mas hoje não é assim tão evidente. Os próprios jovens vivem uma incerteza existencial, o que os leva a não saberem o que pretendem. Por isso, a nossa resposta perante estas novas realidades, tem de ser concertada e articulada num diálogo permanente”. Para o Padre Gonçalo Carlos, um dos motivos que origina esta incerteza vivida atual-


formação académica e científica de qualidade. Por outro lado, a amabilidade é fundamental para o desenvolvimento de todas as competências sociais dos mais jovens,

Na sociedade atual, essa falta de amor ao próximo é muitas vezes substituída por hábitos consumistas, aos quais os mais jovens são particularmente vulneráveis. Esta vulnerabilidade, “combate-se com a interioridade do sagrado, que faz parte do ADN humano, mas que, ultimamente, a sociedade tem relegado para segundo plano”, refere. “Temos de estar atentos às necessidades espirituais de cada um, pois todos nós necessitamos de um motivo para viver, para esperar e para lutar. Os jovens não são exceção, e quando olham em seu redor e vêm problemas como o desemprego, o alcoolismo, as drogas e a prostituição, ficam desorientados nos seus objetivos de vida”, e conclui que, “se esses problemas não forem resolvidos à luz da fé, através de princípios cristãos, tornam-se motivos de desencorajamento. É por isso nossa obrigação, através desse elemento espiritual, ajudar os jovens a saber esperar, lutar e a não desistir, pois há um sentido para se viver e esse sentido está para além do tempo”, e termina dizendo que, “apesar das grandes dificuldades que todos os dias se nos deparam, se cada um de nós fizer o bem, rapidamente e em conjunto, ultrapassaremos as contrariedades do nosso mundo. Alguns dos problemas que atualmente se observam na sociedade, provêm da dissociação entre a interioridade espiritual e o mundo físico. É pois nossa obrigação, voltar a equilibrar estas duas componentes essenciais ao ser humano, para assim conseguirmos ultrapassar muitos dos problemas da nossa sociedade.” 

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Desde sempre que a escola salesiana tem essa missão de evangelização, que a par da educação e baseada numa pedagogia cristã orientada para o valor do evangelho, faz a ponte entre os jovens e Deus. Tal como refere o Padre Gonçalo, “o grande objetivo da Escola de Artes e Ofícios, é criar um ambiente onde todos, incluindo a comunidade educativa, sintam e expressem o amor ao próximo, baseado em princípios cristãos”.

Para combater esta desagregação de valores morais e sociais, o sistema educativo salesiano, assenta em três pilares fundamentais: a razão, a amabilidade e a ligação com Deus. Conforme explica o Pe. Gonçalo Carlos, “a razão leva a que nos esforcemos a ajudar os jovens no desenvolvimento das suas potencialidades. Para isso, necessitamos de nos empenhar em construir uma escola de qualidade, em que professores, educadores e auxiliares de ação educativa, possuam

nomeadamente a tolerância, o respeito e o civismo, o que lhes permite sentirem a escola como a sua segunda casa. E finalmente a religião, que, hoje em dia, é um desafio para toda a comunidade salesiana”.

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mente pelos jovens, é o facto de as próprias famí lias terem alterado os seus padrões religiosos. “Antigamente, havia uma sociedade essencialmente católica, seguidora dos ensinamentos de Cristo. As famí lias eram frequentadoras assíduas da comunidade eclesial, e isso tinha implicações diretas no comportamento da sociedade. Hoje em dia, ao nível da escola, mais de 50% dos alunos não é sequer batizado, o que faz com que esses conceitos morais que eram transmitidos de geração em geração, se estejam a perder, originando uma perda de valores que se ref lete ao nível comportamental dos mais novos”.

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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Associativismo

Manuel Monteiro

O associativismo é o segredo para o sucesso empresarial Há 12 anos à frente dos destinos da Câmara de Comércio, Indústria, Agricultura e Serviços de Barlavento (CCIASB), Manuel Monteiro, consultor financeiro de profissão, é um presidente empenhado em proporcionar uma nova dinâmica ao associativismo dos empresários do Barlavento.

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s Câmaras de Comércio são uma realidade ainda recente em Cabo Verde. As primeiras a serem constituídas apareceram nos finais da década de 90. Inicialmente, foram criadas duas, uma para a região do Norte e outra para o sul do país. Neste momento, há já uma terceira, vocacionada para o comércio e o turismo, que se encontra sediada na Ilha do Sal. Como se encontra representada a CCIASB na zona norte do país? A sede da CCIASB está localizada na cidade do Mindelo, em São Vicente, embora tenhamos delegações nas outras ilhas, nomeadamente em Santo Antão e no Sal. Mantemos presença em São Nicolau na Boa Vista e Maio através de representações, feitas normalmente por um dos nossos associados, embora este modelo, por vezes não funcione tão bem quanto seria desejável, como tal estamos empenhados em criar delegações em todas as ilhas da região do Barlavento.

Que ações estão a ser implementadas por parte da CCIASB, para reforçar o interesse dos seus associados? Acabámos de fazer a fusão entre a CCIASB e a Associação Comercial do Barlavento. É uma forma de reforçarmos os nossos interesses conjuntos, pois uma vez que tínhamos atividades idênticas, achámos por bem reunir competências e associarmo-nos num único organismo, o que permitirá potenciar mais e melhor as nossas atividades. Quais as razões de fundo que levaram a essa fusão? Acima de tudo foi um pedido dos associados das duas instituições. A Associação Comercial era uma instituição octogenária. A própria Câmara de Comércio foi incubada na Associação. No entanto, como a CCIASB tem uma atividade mais alargada e abrange mais ilhas, concluiu-se que não valia a pena ter duas instituições a fazer a mesma atividade. Apesar de toda a sua história, a própria Associação estava a perder dinâmica.


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Os próprios associados saem beneficiados com esta fusão, pois, primeiro pagam apenas uma quota única, e depois podem usufruir de uma série de serviços que a Associação Comercial não exercia. Em conjunto, com os mesmos meios e com mais associados, poderemos fazer mais e melhor. Foi uma solução em que todos saíram a ganhar. No atual quadro legislativo, o governo fez sair uma lei que regulamenta a atividade comercial e industrial. Como é que a CCIASB pode auxiliar estas medidas do governo? Cabo Verde tem sofrido grandes alterações ultimamente, não só pela dinâmica do próprio cabo-verdiano, como também, pela entrada do país na Organização Mundial do Comércio. As câmaras de comércio têm sido um parceiro de excelência na implementação das reformas que o nosso governo tem vindo a aplicar. Um exemplo concreto, foi dado a quando da introdução do IVA, em que as câmaras acompanharam o aparelho estatal na divulgação junto da comunidade empresarial, demonstrando a necessidade do governo na introdução deste novo imposto.

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Também ao nível do licenciamento comercial, as câmaras de comércio têm sido parceiros privilegiados do Estado. Atualmente, este tipo de licenciamentos, pode ser feito nos nossos balcões. Tal permite uma desburocratização dos processos e um ganho extraordinário em termos de tempo e eficiência. É o próprio Estado a referir que o licenciamento feito pelas câmaras de comércio é mais célere e mais eficaz. Fruto desta experiência e dos

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bons resultados obtidos, está igualmente em estudo a possibilidade de executarmos igualmente os licenciamentos industriais. Neste impulso que se pretende dar à nossa economia, as câmaras de comércio têm tido um papel proativo, contribuindo de forma efetiva para os objetivos do governo. Em termos efetivos de procura de parcerias com investidores externos, como tem contribuído a CCIASB para a captação de indústrias de transição ou mesmo entrepostos comerciais e de mercadorias? É a Cabo Verde Investimentos - uma instituição do Estado - que tem por missão a coordenação do investimento externo no país. No entanto, muitas vezes quando um empresário estrangeiro pensa investir, começa por solicitar informações junto das câmaras de comércio, pois estão em todo o território nacional. Em função do que nos é perguntado e atendendo ao estatuto de investidor externo, fazemos o seu encaminhamento para este organismo nacional. Contudo, podemos auxiliar nos estudos económicos e nas análises de mercado, fornecendo uma visão mais particular do mercado aos investidores externos. Relativamente à questão de valorização do país como um centro estratégico de distribuição, dou-lhe o exemplo dos 10 anos de parceria que mantemos com o Brasil. O empresário brasileiro, vê atualmente Cabo Verde como um importante parceiro para escoar e distribuir os seus produtos para o continente africano. Penso que se pode aproveitar a estabilidade e segurança política de


Para quando o arranque do Centro Internacional de Negócios? O Centro Internacional de Negócios é mais um exemplo de como as coisas, apesar de legisladas, quando passam à prática, por vezes não funcionam como o esperado. Apesar de a lei ter saído em janeiro de 2011, ainda não funciona, pois não foi regulamentada. Quem o deve gerir é a Cabo Verde Investimento em parceria com a FIC - Feira Internacional de Cabo Verde. No entanto, nenhuma destas duas entidades possui competências de base para desempenhar esse papel, pois este não é o seu objeto social. A conclusão a que se chegou foi que, quem possuía as melhores condições e competências para a execução do projeto era o Parque Industrial do Lazareto, que apesar de pertencer à Câmara Municipal, tem uma participação da CCIASB e uma percentagem de 30% do Estado cabo-verdiano. Além de vir a receber o futuro Centro Internacional de Negócios, que outros planos têm para o

Que mensagem deixaria aos empresários, nacionais e externos, que queiram investir em Cabo Verde? Em relação aos empresários nacionais, que façam mais uso do associativismo como forma de aumentarem o seu volume de negócios. Cabo Verde é um país pequeno, e se os empresários ainda tentarem fazer as coisas de modo individual, ainda o tornam mais pequeno. O associativismo pode ser a chave para, por exemplo, as importações conjuntas, em que os volumes negociados serão forçosamente maiores e em que os custos associados serão repartidos. Esse associativismo, poderia levar até à formação de uma Central de Compras conjunta, em que os empresários poderiam negociar outras condições financeiras mais vantajosas, e isso era bom para o país. Para o investidor estrangeiro, sugeria que visitasse Cabo Verde e visse as potencialidades do mercado. A nossa estabilidade política é por si só uma garantia que, qualquer investimento feito no país, é um investimento seguro. Aliando a este fator, a amabilidade do nosso povo - sempre pronto a ajudar - o clima estável e temperado, e um sistema pouco burocrático, faz com que Cabo Verde seja hoje, um dos países africanos mais interessantes para se investir, pois certamente não se irão arrepender. 

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À medida que os projetos vão sendo implementados, como é feita depois essa parceria com os investidores externos? Quando o processo burocrático do projeto termina, o investidor, de uma forma geral, associa-se a uma câmara de comércio, precisamente pela nossa dinâmica e por sermos profundos conhecedores da realidade do mercado. Embora se possam criar empresas no dia, há depois certos pormenores no terreno que demoram o seu tempo, e nós podemos ser uma mais-valia para o arranque efetivo dos projetos.

Mas sempre que temos oportunidade, quer seja em missões empresariais que efetuamos a outros países, quer seja através de protocolos de cooperação, divulgamos e promovemos o potencial de Cabo Verde, para se poder tornar num importante hub de distribuição para o continente africano.

Parque Industrial do Lazareto, que se encontra atualmente estagnado? O problema do Parque Industrial do Lazareto começou pela forma como foi estabelecida a fixação das empresas. Inicialmente utilizou-se o modelo de concessão do espaço, onde os empresários tinham que arrendar a área ocupada. Esse modelo revelou-se um problema à implementação das empresas. Entretanto, negociou-se com o Estado a possibilidade de se adquirirem os terrenos, por forma às empresas se sentirem mais motivadas ao investimento. Esse modelo já trouxe alguns resultados animadores, com a instalação de algumas unidades industriais. Com a crise mundial, algumas empresas que estavam a operar, começaram a deslocalizar e algumas delas até a fechar. Tem sido um projeto que tem avançado em contraciclo. Apesar das dificuldades, os terrenos do Parque Industrial do Lazareto estão praticamente todos reservados, por isso, estamos confiantes que, num curto espaço de tempo, o parque recomece novamente a operar e a captar novos investimentos, pois foi criado precisamente com este objetivo.

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Cabo Verde, como forma de incentivar os empresários a criarem os seus entrepostos de distribuição no nosso território. Contudo, também existem alguns problemas operacionais que é preciso ainda ultrapassar, nomeadamente ao nível dos transportes. Houveram alguns projetos de intercâmbio que não avançaram, como, por exemplo, com Angola, por falta dessas carreiras marítimas regulares, que têm sido bastante constrangedoras para a implementação dos investidores estrangeiros.

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F: Pedro Matos

Atualidade

Helena Leite

São Vicente

tem tudo para dar certo! Uma pedra rara! Um diamante em bruto com muito por lapidar para poder mostrar, em todo o seu esplendor, o brilho imenso que, mais dia, menos dia, rasgará a estranha e incomum inanidade sobre a ilha para resplandecer de beleza, energia e progresso.

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ue lhe são reconhecidas características ímpares; que tem um quê de exclusivo na atmosfera que a diferencia das suas nove ilhas irmãs; que se lhe conhecem referências que a distinguem no teatro, na literatura, na música, na boémia; que campeões mundiais lhe cobiçam as potencialidades para os desportos náuticos; são constatações que já não podem ficar-se por isso mesmo.

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Neste cenário de ilha aprazível e tranquila, onde o agreste dos montes e montanhas se suaviza nas encostas e vales em beleza magistral; e as chuvas de verão vestem de verde a paisagem nua, para dar ainda mais encantamento à ilha, S. Vicente apresenta-se-nos - ainda - como uma folha em branco que se nos oferece atrevida, desafiadora e disponível, para nela fazermos o exercício da nossa ousadia e escrevermos, com inspirações no passado mas em linhas modernas a prosperidade do futuro. A história colonial na arquitetura dos edifícios da cidade; os segredos por desvendar que as ruas e ruelas da zona histórica de Mindelo escondem nas esquinas do nosso passado, complementam a lista de potenciais razões para impulsionar S. Vicente a levantar-se, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Com as imponentes montanhas de Sto. Antão a acenar com o turismo rural e o excursionismo de aventura, falta-nos no entanto lubrificar os instrumentos da nossa vontade individual e coletiva para sair da inércia a que S. Vicente parece en-

costada. A alegria eletrizante do povo que de per si conquista e seduz; a originalidade da nossa essência simples e espontânea; a nossa inata capacidade para vencer vicissitudes e galgar barreiras por esse mundo afora para recusar e superar as mínguas a que a natureza adversa sempre nos quis subjugar, mostram que somos capazes e merecemos mais para a altiva ilha de S. Vicente. Longe da retórica dos fóruns e discussões em salas fechadas para discutir as soluções para dinamizar o turismo e revitalizar a economia de S. Vicente e a cosmopolita cidade de Mindelo, afigura-se-me como imperiosa uma mudança de atitude, com efeitos de choque capaz de mobilizar a cidade para um novo ciclo. O tempo, já não é o de nos resignarmos à fatalidade para a qual desde sempre houve quem quisesse acreditar ou fazer crer que S.Vicente está fadada. O tempo é de aproveitar as oportunidades que competem em quantidade com o mar que nos circunda e aguardam que as transformemos em vantagens ganhadoras. Mas as vagas não ficarão à espera que as revertamos a favor de S.Vicente porque os ventos sopram dinâmicos e há sempre outros portos, outros aeroportos e outros povos. Já para não falar dos Paquetes e grandes Cruzeiros que atracam cada vez mais amiúde no Porto Grande, somos privilegiados com uma das dez mais belas baías do mundo, em cuja novel marina aportam centenas de embarcações todos os anos; e onde se amontoam barcos de recreio sobretudo nos meses de Novembro, Dezembro e até Janeiro.


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Provavelmente é sonho, mas enquanto esperamos pelos grandes empreendimentos e investimentos de tantos biliões de dólares repetida e cansativamente prometidos para S. Vicente de há uns anos a esta parte, Mindelo poderia ir tentando por vias mais modestas e humildes, intensificar e diversificar a promoção da sua cultura; dinamizar o seu comércio local e recuperar e estimular a confiança em si própria e criar assim, uma nova atmosfera cultural e de negócios. Temos é que fazer por isso! 

Imagino o quanto poderíamos ir ao encontro dos nossos próprios anseios e das expectativas dos nossos visitantes a quem tanto queremos agradar e impressionar se pudéssemos apresentar a rua da Praia - mesmo às bordas da Baía, na entrada do centro histórico da cidade - como cartão de visitas de S. Vicente. Se em lugar das lojas de plásticos, de roupas e objetos chineses, exibíssemos nessa artéria movimentada de nacionalidades, ateliers de instrumentos de música, de pintores, artesãos, escultores e oleiros. Se se melhorassem as calçadas das ruas ascendentes até aos paços do concelho onde se juntam em harmonia, os edifícios históricos da Câmara Munici-

pal e da Igreja matriz. Se na espaçosa rua de Sto. António se instalassem restaurantes, bares, cafés e esplanadas onde não faltasse nas mesas, entre as iguarias da terra, a suculenta, nutritiva e saborosa cachupa fresca; se por entre o cosmopolitismo das gentes, artistas pudessem pintar e criar ao ar livre e mornas e melodias crioulas soar na rua para surpreender residentes, visitantes e turistas estrangeiros ensinados com Cesária Évora a deixarem-se encantar pelas mesmas melodias com que a nossa diva levantou plateias e arrebatou ovações. Se na Rua de Matijim se encontrassem soluções para a dignificar sem a descaracterizar da sua fama de rua de “passa sab” e, finalmente, se o esplendor do Carnaval não se ficasse pelos três dias de Fevereiro e, fora de época, se exibisse em todo o seu fulgor o apogeu da criatividade dos sanvicentinos nessa manifestação cultural e assim mostrar às rotas turísticas mais viajadas que, à dimensão da ilha, o Carnaval de S. Vicente nada fica a dever ao Brasil.

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Ávidos de novas culturas, o foco dos turistas - sobretudo dos que chegam por mar - é a zona histórica da baixa mindelense, o que decerto será comum em todos os portos onde amarram as suas embarcações. É que esses são os locais com mais e interessantes histórias para contar sobre o passado e o percurso de um povo. É aí que qualquer turista quer começar por saciar a vontade de conhecer mais de uma terra nova. E tudo o que querem, para começar, são pratos da cozinha tradicional que praticamente não existem, enquanto argumentam que se estão em Cabo Verde, não querem menos do que o típico da gastronomia e souvenir’s de artesanato local. Mau grado as expectativas, acabam, em regra, induzidos nas ruas da cidade a levar para casa, gato do Senegal por lebre de Cabo Verde, impelindo o visitante a desvirtuar a “carga” da lembrança pela sua falsa origem e a levar na bagagem, no regresso a casa, um souvenir que promoverá um outro país.

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Parceria e

Irmandade Nô qu’rê Europa como parcêr Ma Africa é nôs irmã Asia e mundo inter Ta merecê nôs morabeza Morabeza, moeda sem tróca El ê sangue, el ca ê pitrol Ê nôs sorrise de felecidade El ê nôs lágrima d’sodade Parceria e irmandade Ê ca d’nher ê ca riqueza Ê dôs bónc’ d’universidade Pa nô prendê lidá c’nôs pobreza E assim na nôs humildade Nô tem paz, nô ta vivê f’liz Nô t’infrentá nôs realidade C’pê na terra e alma no corpo

Letra: Vitorino Chantre

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Ilustração: Anabela Duarte

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