NÓS GENTI - Nº1

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Edição 1 - Janeiro ‘12

Propriedade: Palanca Média Produções | Cabo Verde: 500$00 - Portugal: 7,00 Euros - Resto do Mundo: 9,00 Euros | Email: info@nosgenti.com | www.nosgenti.com

Pedro Pires

Exemplo de boa governação Padre Campos

Ligar a fé ao povo de Cabo Verde

David Jasse

Alavancar o crescimento económico

Ulisses Correia e Silva

Privilegiar a qualidade de vida na cidade da Praia

DESCO

Reforçar a presença em Cabo Verde

Tó Alves

Embaixador dos ritmos tradicionais




Nesta edição

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O exemplo da boa goveração no continente africano

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Editorial

4

Cabo Verde

Palavra, compromisso e missão Da descoberta à atualidade

20

Padre Campos

30

Rosalina Barreto

33

NÓS GENTI CABO VERDE 1

Pedro Pires

Ligar a fé ao povo Trinta anos a contar a história da Cidade Velha Cidade Velha

Berço da cabo-verdianidade

44

Rui Amante da Rosa

50

Pedro Rodrigues

54

Tó Alves

Renováveis custam mais que o combustível Escrever o sentimento ímpar dos cabo-verdianos

36 60 68

Ulisses Correia e Silva Privilegiar a qualidade de vida na cidade da Praia

David Jasse

Alavancar o crescimento económico de Cabo Verde Olhares

76

Henrique Batalha

80

Hotel Trópico Pestana

88

PROFI_T

92

DESCO

92

TAAG - Crescer em novos destinos Uma referência na cidade da Praia Crescer em tempos de crise Reforçar a presença em Cabo Verde Estatuto Editorial

Embaixador dos ritmos tradicionais

Ficha Técnica NÓS GENTI EDIÇÃO Nº 1 | PROPRIEDADE: Palanca Média Produções - Rua 5 de Julho, nº70 - 3º Andar - Plateau - Praia - Cabo Verde (Tel. +238 2619860) | email: info@nosgenti.com | www.nosgenti.com | DIRECTOR: Luís Neves WRITER: Pedro Matos | CONSELHO EDITORIAL: Silvino Lopes Évora, Luís Neves, Tereza Teixeira, Isabel Santos, Cândida Barros | PRODUÇÃO: Cândida Barros | PUBLICIDADE: Admilton Santos | FOTOGRAFIA: Pedro Matos | PAGINAÇÃO E PRÉ-IMPRESSÃO: Visioncast - Interactive Solutions, Lda | IMPRESSÃO: Rebelo Artes Gráficas, Lda | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PREÇO DE CAPA: 500$00 (Cabo Verde) - 7 Euros (Portugal) - 9 Euros (Resto do Mundo) | Interdita a reprodução, mesmo parcial, de textos, fotografias ou ilustrações sob quaisquer meios, e para quaisquer fins, inclusive comerciais. | Impressa em papel produzido por empresas certificadas com a norma ambiental ISO14001.

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Editorial

Palavra, compromisso e missão

N

os dias de hoje, muitos dos que mantêm responsabilidades ao nível social, económico e político, abrem por vezes mão dos valores mais nobres da “Palavra, Compromisso e Missão” em prol da autodenominada “inclusão no mundo globalizado”. Muitas vezes, com esta expressão, apenas pretendem justificar e promover diante dos seus concidadãos, objectivos pouco concretos e intangíveis, que lhes permita governar baseando-se em pressupostos frágeis, os quais relegam para segundo plano méritos como o humanismo, a moral e o compromisso - valores com que todos inicialmente se comprometeram. Pedro Pires é uma das excepções que confirma a regra. É um “bom perfume” nas fragrâncias da “boa governação”, consequência de uma vida consolidada pelos valores da integridade, respeito para com o seu povo, e para com o compromisso assumido com o seu País. Esta postura, valeu-lhe no final do seu último mandato como Presidente da República, a atribuição do prémio Mo Ibrahim, em reconhecimento pela excelência da sua liderança e boa governação. Pedro Pires sintetiza por si só, os objectivos a que nos propomos com o lançamento desta nova publicação: a promoção do empreendedorismo sustentado, como base nos valores humanos universais e de compromisso. É por isso para nós, motivo de grande orgulho e honra, poder contar com o seu extraordinário carácter e espírito de liderança, como personalidade de capa desta primeira edição. Tal como o nosso anfitrião, temos por objectivo a divulgação da nossa cultura, gentes e tradições. Pretendemos fomentar o espírito empreendedor, destacando os nossos jovens e propagar a sua criatividade e genialidade, quer ao nível das artes e cultura, como em termos sociais e empresariais. Por fim, pretendemos elevar o mérito daqueles que fomentam e promovem o crescimento sustentado de Cabo Verde. Contamos consigo nesta manda de palavra, compromisso e missão.

Luís Neves


NÓS GENTI CABO VERDE 1

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CABO VERDE

Da descoberta... à atualidade.

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Cinco séculos depois da sua descoberta, Cabo Verde enfrenta agora o desafio do progresso e do crescimento. No contexto presente de estabilidade e paz sociais, o país goza de credibilidade junto de governos, empresas e instituições internacionais, o que contribui para o relançamento da sua economia e, consequentemente, para o progresso da nação.

O

conhecimento destas ilhas é, provavelmente, anterior à fixação no arquipélago por parte dos portugueses. Descritas como inicialmente desabitadas, as primeiras ilhas a serem descobertas foram provavelmente Santiago, Maio, Boa Vista e Sal, em 1460, pelo veneziano Cadamosto ao serviço da coroa portuguesa. As ilhas de Brava, São Nicolau, São Vicente, Rasa, Branca, Santa Luzia e Santo Antão terão sido descobertas, em 1462, por Diogo Afonso.

Cabo Verde tinha então uma situação estratégica fundamental, não apenas para a exploração da costa africana e do caminho marítimo para a Índia, mas também para o tráfego de escravos, o qual conhece um período áureo entre os séculos XVI e finais do século XIX.

Este ano, é também marcado pela chegada dos primeiros colonos, sendo as ilhas de Santiago e Fogo as primeiras a serem povoadas. Na ilha de Santiago é então fundada a primeira cidade construída por europeus nas colónias, a Ribeira Grande. Para incentivar a colonização, a corte portuguesa estabeleceu uma carta de privilégio aos moradores de Santiago no incentivo do comércio de escravos da Costa da Guiné. Os escravos eram capturados e levados para o arquipélago, de onde seguiam mais tarde para trabalhar nas produções de cana-de-açúcar, café e algodão, quer no Brasil, quer nas Antilhas. 1460 - 1462 Descoberta das ilhas de Cabo Verde por navegadores portugueses. As ilhas foram oficialmente descritas como “desabitadas”.

1462 O Rei D. Afonso V de Portugal doa o arquipélago a seu irmão, o Príncipe D. Fernando, o qual posteriormente viria a dividir a

ilha de Santiago entre dois donatários. A colonização europeia começou pela Ribeira Grande, no sotavento de Santiago.

1466 Em Cabo Verde, colonos do Algarve, região de Portugal, rogam à Coroa e recebem autorização para negociarem escravos, actividade que se viria a menter nos séculos seguintes.

1469

1479

A Coroa emite o primeiro “contrato de concessão” para a compra e venda de escravos e autoriza o comércio em toda a África Ocidental, exceto Arguim, na costa da Mauritânia.

O Tratado de Alcáçovas e depois o Tratado de Tordesilhas (1494) estabelecem os domínios territoriais de Portugal e Espanha, divididos por uma linha longitudinal a 370 léguas para ocidente de Cabo Verde.

1472 Um Decreto Real concede aos habitantes de Santiago o privilégio de possuírem escravos.

1533 A Vila de Ribeira Grande é elevada à categoria de cidade.


em franca expansão a apanha e comercialização da urzela e do sal.

Enquanto decorria uma intensa atividade mercantil, acontecia também o processo de fusão de raças e culturas. De facto, muitos dos primeiros colonos brancos foram expulsos para Cabo Verde sem as suas famílias e estabeleceram ligações com mulheres escravas. Vários destes colonos (ou seus descendentes), mudaram-se para a Alta Guiné, criando uma classe de intermediários - os “lançados” - que viria a desempenhar um papel fulcral na expansão do tráfico de escravos, e consequentemente, no lugar de destaque que Cabo Verde ocupou na história da economia da África Ocidental. Um grande número de “lançados” chegou mesmo a casar com mulheres africanas, como forma de consolidar a sua posição social em várias sociedades da região e, por diversas ocasiões, os seus interesses políticos e económicos chocavam com os dos portugueses. No final do século XV, Cabo Verde produzia milho, fruta, legumes, algodão, anil e gado. Estava

Contudo, com o domínio espanhol em Portugal (1580-1640), a situação económica do arquipélago agrava-se, nomeadamente devido aos ataques dos piratas ingleses, holandeses e franceses, que atacavam embarcações e cidades, raptando e destruindo, mas que, ao mesmo tempo, proporcionavam aos escravos oportunidades de fuga para as regiões interiores remotas onde se vão formando comunidades de africanos livres conhecidos como “badios” (vadios). Dos diversos atacantes, destaca-se o famoso corsário inglês, Sir Francis Drake que, no século XVI, saqueia e queima a Ribeira Grande. É, aliás, devido à grande vulnerabilidade aos ataques exteriores que, no século XVII, a capital de Cabo Verde é transferida da Vila da Ribeira Grande, para um local militarmente mais defensável, a Praia. Os ataques de piratas prolongaram-se até ao princípio do século XVIII. No século XVIII os portos de Cabo Verde, voltam a adquirir uma grande importância para as navegações de longo curso que cruzam esta zona do Atlântico. A caça à baleia, a partir do final do século contribui igualmente para reanimar os seus portos. Entre as culturas que são introduzidas, destaca-se a do cultivo do café em 1790, primeiro na ilha de S. Vicente e depois nas restantes. No entanto, a aridez do território e a extrema irregularidade do clima, tornaram-se um sério obstáculo ao seu desenvolvimento. Apesar dos acordos entre Portugal e a Inglaterra para a proibição do tráfico de escravos, mesmo depois da sua interdição a norte do equador (1815),

1583

1654

1701

1808

Fomes e secas assolam Cabo Verde. Os frágeis ecossistemas das ilhas demonstram bem os efeitos dos danos causados pela ocupação.

Com a restauração da Monarquia Portuguesa e a recuperação do Império do Brasil, o tráfego mercantil entre Portugal e as ilhas sofre uma drástica redução.

Uma carta real ordena que os donos de escravos cessem de obstruir os casamentos entre homens livres e mulheres escravas.

1596

1687

O Rei D. Filipe II de Espanha ordena a construção de fortificações por cima da Vila de Ribeira Grande, para defesa contra piratas.

A Coroa Portuguesa proíbe, por decreto, a venda a estrangeiros de panos produzidos em Cabo Verde, sob pena de morte.

Os Estados Unidos decretam a abolição oficial da importação de escravos. No entanto, a instituição da escravatura continuaria nos EUA até o presidente Abraham Lincoln assinar a Proclamação da Emancipação em 1865.

1740 A escala regular de navios americanos em Cabo Verde facilita o início de um fluxo de emigração exclusivamente masculina para a América.

1869 Em Portugal, por decreto real,


Cabo Verde assiste então à fusão definitiva entre europeus e africanos num único povo, o cabo-verdiano, detentor de formas de estar e de viver muito próprias, tendo o crioulo como seu idioma principal. A partir do século XIX, a única atividade que começa a demonstrar capacidade de proporcionar alguns benefícios à economia local é a exploração do sal nas ilhas salineiras de Maio, Boa Vista e Sal, agora sob o controlo dos seus habitantes que, desta forma, passam a fornecer este bem aos estrangeiros em condições mais vantajosas que anteriormente. esta atividade comercial prospera na região. Barcos espanhóis, franceses, brasileiros e ingleses, escalavam os portos de Cabo Verde cheios de escravos para o Brasil, EUA, Cuba e outros lugares com os quais os portugueses mantinham relações comerciais. O fim efetivo do comércio de escravos, no século XIX, provoca uma profunda crise nas ilhas. Também o desenvolvimento de plantações, acaba por ter efeitos devastadores no ambiente: a destruição de enormes manchas florestais para dar origem a explorações agrícolas agravam as condições climatéricas em períodos de seca.

A posição estratégica de Cabo Verde, torna-se um ponto de escala obrigatório para os navios que se deslocam de, e para o atlântico sul. Devido a esse facto foram então feitos importantes investimentos no arquipélago. Entre os mais significativos destaca-se a colocação de faróis, e sobretudo a reconstrução do Porto Grande do Mindelo (Ilha de S. Vicente), para o abastecimento dos navios de carvão e óleos, em 1885. A atividade portuária

Cabo Verde, atravessa, então, vários períodos de crise que se prolongam através dos séculos, estimando-se que mais de 120.000 pessoas tivessem sido vítimas de fome e seca entre 1774 e 1975. Estas condições, impulsionadas com a abolição do comércio de escravos em 1876, levam a que o interesse comercial do arquipélago diminua drasticamente, passando a vida local a assentar numa economia de subsistência.

é abolida a escravatura nas colónias.

1910

1926

A monarquia é derrubada e nasce a República Portuguesa

Um golpe de estado derruba o governo em Portugal e lança o regime fascista do “Estado Novo”.

1887 O Brasil, o principal comprador de sal da ilha do Sal, aplica uma taxa de direitos de importação elevada como medida protecionista da sua emergente indústria nacional de sal, o que marca o ponto de viragem na história da economia da ilha do Sal.

1920 A contagem da população do arquipélago é de aproximadamente 160 000. Há um excesso dramático de mulheres solteiras em algumas ilhas, devido à elevada vaga de emigração masculina.

1934 Protestantes empunhando bandeiras pretas marcham nas ruas do Mindelo, em São Vicente, contra a falta de atitude do governo em face do aumento da fome. Sob liderança de Nho Ambrosi-

no, um chefe local popular, os protestantes saqueiam depósitos de alimentos e estabelecimentos comerciais, num acontecimento que é celebrado como a “revolução do Capitão Ambrósio”.

1939 O governo de Benito Mussolini é autorizado a construir um aeroporto de escala na ilha do Sal para apoiar os crescentes


acabou por se tornar numa significativa fonte de receitas do arquipélago. Nesta época foram também amarrados os cabos submarinos (Western Telegraph Company, em 1874), ligando Cabo Verde (Praia da Matiota em S. Vicente) à Madeira e depois ao Brasil. Em 1886 Cabo Verde ficou ligado a África e à Europa através de cabo submarino. Ainda assim, e em consequência das muitas e variadas dificuldades que o arquipélago enfrenta, é iniciado nesta altura um dos fenómenos mais marcantes da história de Cabo Verde: a emigração. Secas prolongadas e epidemias continuaram a provocar milhares de mortes e uma enorme emigração. A partir de 1880, estes emigrantes constituem já importantes comunidades permanentes nos portos baleeiros dos EUA, como New Bedford, Providence, Nova Inglaterra, etc. Em finais do século XIX, dezenas de milhares de cabo-verdianos começaram a ser compelidos ao trabalho forçado nas plantações de São Tomé e Príncipe. Entre 1900 e 1922, por exemplo, foram enviados para as plantações de São Tomé 23.978 cabo-verdianos, prática que se prolongou até 1974. Nas primeiras décadas do século XX, Cabo Verde, conhece um singular desenvolvimento cultural e educativo, o que contrastava com a sua pobreza económica. Ainda sob o domínio colonial, concretamente depois da instalação da ditadura em Portugal em 1926, e apesar de alguns investimentos portugueses, o arquipélago continua a denunciar a falta de um interesse sustentado nas suas condições de vida. Prova disso é a marcha organizada em Junho de 1934 por Nho Ambrosino, um chefe local popular, que encabeçou um grupo de manifestantes

contactos de Itália com a América do Sul.

1940 - 1950 Estudantes luso-africanos em Portugal começam a organizar-se ativamente e adotam a estratégia do Pan-Africanismo e da libertação nacional. À frente deste movimento de estudantes, estavam Eduardo Mondlane, fundador da Frente

através das ruas de Mindelo, em São Vicente. Este grupo, empunhando bandeiras pretas, manifestou-se contra a falta de resposta do Governo às crescentes condições de fome, saqueando depósitos de alimentos e estabelecimentos comerciais, num acontecimento recordado na arte e na canção cabo-verdiana como a “revolução do Capitão Ambrósio”. A partir dos anos quarenta, vão acontecendo algumas revoltas espontâneas por parte de uma pequena fação do povo rural “badiu” da Ilha de Santiago, contra o Catolicismo Português e a administração colonial. Este grupo assume um movimento de cariz político a partir dos anos 60, sendo os seus membros chamados de “rebelados” e aderindo ao PAIGC, criado por Amílcar Cabral. A luta pela independência eclode em 1964 na Guiné, que, conduzida por Amílcar Cabral, pretende construir uma pátria comum com a Guiné. A economia Cabo-verdiana manteve-se ao longo de décadas deficitária, apesar da proteção que gozam os seus produtos em Portugal.

de Libertação de Moçambique (FRELIMO), Amílcar Cabral, fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e Agostinho Neto, primeiro presidente do Movimento pela Libertação de Angola (MPLA)

e Cabo Verde (PAIGC). Cabral, nascido na Guiné de pais cabo-verdianos, era engenheiro agrónomo, poeta e pan-africanista. Comandou a prolongada luta política e armada pela independência tanto da Guiné-Bissau, como de Cabo Verde.

1956

1957

Amílcar Cabral funda o Partido para a Independência da Guiné

(3 de Abril) Tropas portuguesas abrem fogo sobre trabalhadores

em greve nas Docas de Pinguita, no porto de Bissau, Guiné, matando mais de cinquenta pessoas. O PAIGC inicia a luta armada de treze anos pela independência.

1973 (20 de Janeiro) Amílcar Cabral é assassinado na sua sede da Guiné-Conacri por agentes do governo colonial.


O derrube da ditadura em Portugal, a 25 de Abril de 1974, precipitou a independência de Cabo Verde e da Guiné-Bissau. No dia 26 de Agosto de 1974, em Londres e depois em Argel, o governo português reconhece o Estado da Guiné-Bissau, assim como o direito de Cabo Verde à independência. O PAIGC é também reconhecido como o único e legítimo representante dos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Em Dezembro de 1974, o PAIGC e Portugal assinam um acordo que instaura o governo de transição que virá, mais tarde, a preparar as eleições para a Assembleia Nacional Popular que, a 5 de Julho de 1975, treze anos depois do início da luta armada, proclama a independência do país. Cabo Verde passou depois de 1975 a ser governado em regime de Partido único, segundo um mode-

lo de inspiração marxista. Dadas as dificuldades económicas procurou seguir uma escrupulosa política de não alinhamento por nenhum dos blocos políticos em que o mundo se dividia. Algumas políticas pouco adequadas agravaram, contudo, nos anos oitenta, os problemas do país. A unificação com a Guiné é abandonada em 1980, na sequência de um golpe de estado. O PAIGC dá lugar ao PAICV, restringindo a sua ação a Cabo Verde. Em 1991, foi finalmente estabelecido um regime democrático. Em Janeiro deste ano, nas primeiras eleições livres do país, Aristides Pereira foi afastado da presidência. Apesar das enormes dificuldades, Cabo Verde apresenta hoje um panorama económico e social bastante promissor. 

1973

1975

1975

1991

(24 de Setembro) O PAIGC declara a independência da República da Guiné-Bissau. Luís Cabral, irmão do falecido Amílcar, é o primeiro presidente do país.

(5 de Julho) A independência da República de Cabo Verde é proclamada na Praia. Aristides Maria Pereira é eleito o primeiro presidente da nação. Foi Secretário-Geral do PAIGC após o assassínio de Amílcar Cabral. Pedro Verona Pires, nascido no Fogo em 1934 e oficial das forças armadas na Guiné, foi eleito Primeiro-Ministro.

(11 de Novembro) Angola assume a sua independência, sob o governo do MPLA. Agostinho Neto é o primeiro presidente da nação. Agostinho Neto, médico de profissão, esteve preso em Cabo Verde pela polícia secreta portuguesa. Muitos cabo-verdianos rurais em Santo Antão e noutros locais têm memórias gratas do Dr. Agostinho Neto.

(13 de Janeiro) Primeiras eleições multipartidárias em Cabo Verde. Carlos Wahnon Veiga (do MdP Movimento para a Democracia) é eleito Primeiro-Ministro

1974 (25 de Abril) As forças armadas portuguesas derrubam a ditadura fascista, em Lisboa, na chamada “revolução dos cravos”.

1991 (17 de Janeiro) António Mascarenhas Monteiro, antigo Presidente do Supremo Tribunal, é eleito Presidente da República.




E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Artigo de capa

Pedro Pires

O exemplo da boa governação

no continente Africano Pedro Verona Rodrigues Pires, nascido a 29 de Abril de 1934 na Ilha do Fogo, cedo tomou consciência da necessidade de lutar por um ideal mais promissor por todos os que não se resignam ao fatalismo. Nesta entrevista envolvente e transversal às várias fases da sua vida, Pedro Pires, relata-nos na primeira pessoa, o seu percurso de vida, as suas convicções e anseios.

Eu não sou da primeira geração dos líderes da luta de libertação. Eu serei de uma segunda linha. A primeira geração, é formada por Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Mário de Andrade, Marcelino dos Santos, Mondlane entre outros. A minha geração é já uma segunda linha, que cedo começou a receber informações e dados dos movimentos de libertação do continente africano, nomeadamente informações provenientes de outros países africanos que iniciaram os seus movimentos antes dos nossos. Essas informações foram essenciais, pois permitiram-nos obter alguma inspiração, acrescida da experiência vivida por outros em situações semelhantes. Há um facto que nos tocou directamente e que acelerou a nossa consciencialização: a Independência do Congo e o assassinato de Patrice Lumumba a 17 de Janeiro de 1961. Estas duas circunstâncias foram um dos choques que antecederam a revolta, por exemplo, em Luanda, a 4 de Fevereiro. Outro facto foi o convívio com outros colegas, especialmente os angolanos, com os quais estava mais próximo, pois tive por companheiro no serviço

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Em Cabo Verde, as crianças e os adolescentes tiveram que, cedo, ganhar o sentido da responsabilidade. Só para lhe dar um exemplo, quando tinha 12 anos, tive de sair do Fogo para fazer o exame de admissão em São Vicente, e tínhamos de ir de barco. Isso mostra um pouco a responsabilidade que tínhamos, o que nos dá um fortalecimento do espírito e um sentido de dever. Esse é o lado que terá contribuído para a formação da minha personalidade. Vivíamos num meio rural, com todas as condições e obrigações naturais da vida no campo. Isso também contribuiu fortemente para o meu sentido de responsabilidade. Todas estas experiências, acrescidas ainda aos meus estudos na Praia, deram-me um visão

A sua passagem pela Universidade de Lisboa, e os relacionamentos que então teve com outros líderes dos movimentos de libertação da altura, contribuiu certamente para o fortalecimento das suas ideias nacionalistas. Conte-nos um pouco dessa experiência vivida em Lisboa.

Cabo Verde é uma realidade específica no meio das antigas colónias portuguesas. Nasci e cresci na ilha do Fogo, portanto a minha vida e o meu pensamento reflecte precisamente a situação social e económica que naquele tempo se vivia. Tínhamos pouca comunicação com o exterior, e é claro que as influências vindas de fora eram mínimas. Sou o que se pode chamar de um “produto local”. As pessoas do Fogo são orgulhosas, e não gostam de ser repreendidas, de modo que ganhei essa personalidade característica da ilha, o que nos obrigava a ter que fazer um esforço para suportar algumas situações. Desde muito cedo, os meus pais acostumaram-me, a mim e aos meus irmãos, a fazer esse esforço e a ter um certo sentido de responsabilidade.

alargada do país, juntamente com um sentido de comprometimento muito próprio.

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Como é que a sua infância contribuiu para o reforço da sua posição na luta contra o colonialismo?

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militar obrigatório o “Iko” Carreira. Daí que toda a minha aproximação aos ideais da juventude angolana tenham partido, precisamente, deste convívio. A partir desta altura, frequentei a Casa dos Estudantes do Império e é nesse convívio, nesse debate de troca de ideias, que me informei muito mais e formei os meus ideais.

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Não posso esquecer que o contexto político americano da altura foi também um marco determinante, pois nos Estados Unidos da América estava em curso a luta pelos direitos civis, os quais contribuíram decisivamente para a minha visão do mundo, e determinaram a forma como nos deveríamos posicionar no contexto político-social da época. Ao ter decidido abandonar Portugal e juntar-se, na clandestinidade, à luta dos movimentos de independência da Guiné Bissau e de Cabo Verde, terá vivido certamente um dos momentos mais marcantes da sua vida. Fale-nos um pouco dessa sua decisão. Bem, foi uma decisão pessoal, mas também na base da solidariedade com os outros companheiros. Quando decidimos sair, éramos um grupo relativamente grande de estudantes e quadros africanos das colónias portuguesas que estavam em Portugal (este ano, comemo-

ra-se precisamente, os 50 anos dessa fuga). As nossas motivações são sempre muito íntimas. Chegámos à conclusão que tínhamos o dever de participar no processo de libertação dos povos africanos, mas também

“Em Cabo Verde, as crianças e os adolescentes tiveram que, cedo, ganhar o sentido da responsabilidade.” estávamos convencidos que era crucial pôr fim ao colonialismo. Depois de feitas essas opções, a vida tornava-se impossível de ser vivida dentro daquele contexto, e deveríamos aproveitar a primeira oportunidade que aparecesse para mudarmos as circunstâncias. Do meu ponto de vista, era uma consciência colectiva do destino comum, que nos impulsionava a participar na sua realização. E todos participámos de coração nesse processo.


risco associado à tomada de certas decisões, certamente que acataram a mensagem e apareceram para dar o seu contributo, tornando-se muitos deles, outros líderes dos movimentos de libertação africanos. A sua disponibilidade e entrega, não foi só pela via da comunicação. Integrou igualmente a primeira célula de combatentes militares cabo-verdianos. Uma vez que, na altura, eu já tinha mais responsabilidades e experiência política que outros dento do PAIGC, foi natural aparecer como o chefe desse grupo. Foi um novo ciclo que iniciou. Esse ciclo consistia essencialmente na preparação de um grupo de cabo-verdianos para a eventualidade de se intervir em Cabo Verde, no entanto, tal revelou-se impossível e tivemos que entrar num outro ciclo, o da participação directa na luta na Guiné. Esse seu empenho e dedicação coroou-se em 1973 com a sua escolha para a liderança da Comissão Nacional do PAIGC, com a proclamação da independência da Guiné Bissau, assim como, posteriormente, com a nomeação para Ministro Adjunto para a Defesa da República da Guiné Bissau. Como foram as negociações do processo de independência?

De qualquer forma, aprendi a comunicar e consegui persuadir muitos a participarem plenamente neste processo, que é algo imprevisível e que ninguém pode adivinhar como termina. Por causa desta imprevisibilidade, nem todos estão preparados para enfrentar as dificuldades que, de uma maneira natural, vão surgindo. Aqueles que estavam mais preparados e conscientes do

Dá-se 74 e volta para Cabo Verde. Também aqui o seu carácter de liderança vem uma vez mais ao de cima quando lidera o grupo que coordenou as acções do PAIGC em Cabo Verde. Que acções de sensibilização e recrutamento para o movimento de libertação nacional foram, nessa altura, aqui realizadas?

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A minha participação no primeiro governo da Guiné Bissau, depois da proclamação da independência, surge também de forma natural. Nessa altura eu era membro do órgão superior político-militar do PAIGC, o seu Conselho de Guerra. Grande parte da liderança do governo provinha deste Conselho de Guerra, e de forma igualmente natural, fui destacado para o cargo de Ministro Adjunto para a Defesa da República da Guiné Bissau.

Penso que o grande “segredo”, se é que lhe podemos chamar assim, é o facto de possuir uma grande capacidade de comunicação e de persuasão. Penso que, com o tempo, fui adquirindo essa capacidade de convencer e mobilizar as pessoas à participação no processo. É claro que nem sempre é fácil, pois há muitas situações que dependem apenas das pessoas, nomeadamente da sua condição de poderem dispensar do seu tempo e de colocarem de lado certos confortos adquiridos, pois cada um tem o seu projecto de vida e por vezes é difícil mudar essas situações.

1973 foi um ano dramático, pois a 20 de Janeiro, Amílcar Cabral foi assassinado. Imediatamente se nos colocou a necessidade de ultrapassar a situação de crise política que este acontecimento dramático gerou. Era necessário que os responsáveis do PAIGC assumissem as tarefas e responsabilidades que ficaram em aberto. É nesse quadro de reestruturação e recomposição dos órgãos do PAIGC que eu sou designado para a liderança do Conselho Nacional encarregue da preparação da acção política do PAIGC em Cabo Verde.

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O seu espírito de liderança, associado á experiência e sentido de responsabilidade, ajudou-o no processo de mobilização de muitos cabo-verdianos e nacionalistas durante o período que esteve em França e no Senegal. Qual o segredo para este espírito mobilizador?

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Foi um processo que se iniciou muito antes. Procurou-se introduzir em Cabo Verde elementos do PAIGC que estavam no exterior, nomeadamente em Portugal. Es-

A minha indicação para Primeiro Ministro surge no seguimento lógico do trabalho feito no processo de independência nacional. Era a pessoa com maiores respon-

ses elementos, foram os primeiros em Cabo Verde a efectuarem as mobilizações iniciais. Com o reconhecimento do PAIGC pelas autoridades portuguesas como o interlocutor para o reconhecimento do Estado da Guiné e organismo oficial na negociação da independência de Cabo Verde, fizemos aqui entrar os principais quadros cabo-verdianos que se encontravam na Guiné.

sabilidades políticas em Cabo Verde, e era lógico que assim fosse.

Vieram cerca de uma dezena de elementos que com eles trouxeram um novo impulso ao desenvolvimento da mobilização política, de forma ao PAIGC ter a força de levar a população de Cabo Verde a aderir à ideia da independência. Antes de ter vindo para Cabo Verde, liderei ainda as negociações com Portugal para o processo de independência da Guiné Bissau. Isso deu-me muita visibilidade aqui em Cabo Verde, o que me permitiu ter a aceitação política necessária para o sucesso da mobilização. Isso facilitou-lhe, em 1975, ter sido eleito, sem grande contestação, o Primeiro Ministro de Cabo Verde?

“1973 foi um ano dramático, pois a 20 de Janeiro, Amílcar Cabral foi assassinado.” Como encarou o peso das dificuldades e limitações que Cabo Verde enfrentava, logo após a proclamação da independência? Se por um lado estavam as dificuldades e os problemas naturais da situação, do outro estava o entusiasmo. Aliando esse entusiasmo que se sentia nas pessoas, à


no povo. Era preciso trabalhar. Desde cedo sabemos que somos um país pequeno, com as consequentes limitações da nossa dimensão. Era fundamental que todos os cabo-verdianos se empenhassem ao máximo, quer a nível pessoal, quer colectivamente. Ao contrário de outros, que podiam oferecer os recursos que os seus países possuíam, nós, o único recurso que podíamos oferecer, era o resultado desse trabalho. Durante todo esse tempo, utilizei muito uma palavra, que é a “viabilização”. Nós estávamos no governo para viabilizar Cabo Verde. Nesses 15 anos, sempre procurámos soluções, alternativas e recursos para o país. Chegámos à conclusão que era preciso reorientar a nossa política, liberalizar a política económica, e finalmente, liberalizar o regime político. No entanto, também admito que, no seu todo, Cabo Verde ainda é um projecto por concluir. Ainda temos muito trabalho pela frente, e todos os cabo-verdianos têm de ter a consciência que precisam de contribuir para a viabilização total deste projecto que é Cabo Verde, por forma a nos tornarmos auto suficientes. Olhando para trás, sente que executou em pleno o seu papel ou sente que houve algo que gostaria de ter feito e não o conseguiu realizar? Bem, fiz o possível, e estou satisfeito com o possível que eu e os meus companheiros realizámos. Esse realismo na aproximação e equacionamento dos problemas, bem como da fixação de objectivos, foi fundamental. Não podemos viver ansiedades ou frustrações pelo que fizemos ou deixámos de fazer, pois o que fizemos foi o possível, e na minha opinião, não foi mau. Foi o responsável pela introdução do multipartidarismo em Cabo Verde, fomentando a consciência democrática no povo cabo-verdiano. Como vê hoje a democracia em Cabo Verde?

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Sempre transmiti às pessoas o realismo da nossa condição. Não tínhamos uma vida fácil, logo não havia a possibilidade de facilitarmos, nem podíamos criar fantasias

Foram 3 mandatos ininterruptos caracterizados por grandes avanços na melhoria da qualidade de vida do povo cabo-verdiano. A que se deve este sucesso na sua governação?

“Cabo Verde ainda é um projecto por concluir. Ainda temos muito trabalho pela frente”

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esperança da juventude cabo-verdiana, sem nunca esquecer o realismo das dificuldades que tínhamos pela frente , iniciámos o trabalho. E foi preciso muito trabalho, empenho e sacrifício para juntos ultrapassarmos as dificuldades. Sabíamos que o nosso futuro apenas dependia do nosso desempenho, pois os recursos eram poucos e tínhamos que servir de exemplo a todo o povo.

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Era preciso introduzir um novo impulso de forma a permitir que o país progredisse. Por outro lado, era necessário que o país pensasse no seu futuro e se responsabilizasse, pois sabíamos que iríamos ter pela frente muitos desafios: os desafios da liberalização da economia e os desafios das diferenças sociais, com as obrigações que elas acarretam. Por isso, era preciso analisar e optar. É possível que muitas pessoas não tenham percebido esses desafios, mas tínhamos a noção que precisávamos de aumentar a responsabilidade dos cabo-verdianos pelo futuro do seu país. Houve um ciclo de 15 anos, findo o qual, pensámos que seria oportuno iniciar um outro, em que a participação das pessoas deveria ser mais ampla, com a possibilidade de, eventualmente, poderem fazer outras opções. Após um período de relativa ausência da vida política, em 2001 regressa e candidata-se à Presidência da República, onde vence as eleições. Considera essa vitória como um reconhecimento do povo cabo-verdiano ao seu desempenho enquanto governante do país? A minha candidatura à Presidência da República teve como objectivo poder resgatar a luta de libertação nacional, os seus princípios e os seus símbolos, tendo em conta o que se tinha passado durante os dez anos anteriores. A minha vitória nas eleições é uma prova que o povo também dá importância a esses princípios, daí que, de certa forma, se possa dizer que houve esse reconhecimento. Sempre fiz política a favor do desenvolvimento de Cabo Verde e das suas gentes, daí ser natural que houvesse um certo reconhecimento dos cabo-verdianos pelo trabalho desenvolvido.

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Durante os dez anos que foi presidente, Cabo Verde tornou-se num exemplo de governação em África. Que desafios se deparam a Cabo Verde na actual conjuntura económica mundial?

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Do meu ponto de vista, existe um instrumento fundamental para vencermos os desafios e ultrapassarmos as dificuldades, que é a edificação do Estado de Direito. É este Estado de Direito que dá protecção aos cidadãos e

cria a possibilidade de todos poderem, sem restrições, participar na vida política. O meu engajamento foi no sentido de estimular a consolidação das instituições do Estado de Direito, dando sempre atenção à justiça, à segurança, à defesa do país, ao “clima” político estável, etc., de modo que é esta consolidação do Estado de Direito e das suas instituições, que transmite confiança aos cidadãos. Outra preocupação, foi sempre a criação de um ambiente que permitisse uma boa governação do país, tudo fazendo para garantir a estabilidade e a sua governabilidade. Entendo que o desígnio do país deva estar acima dos interesses partidários e particulares, pois o país, não tendo grandes recursos, apenas pode evoluir com base na co-responsabilização partilhada de todos. Penso que esta foi a minha contribuição para com o meu país. Na sua opinião, quais são as grandes apostas estruturais em que os actuais governantes se devem empenhar, por forma a garantirem o crescimento sustentável e a melhoria das condições de vida dos cabo-verdianos? Este é o momento em que as responsabilidades ultrapassam os governantes. Neste momento, cabe a cada cidadão responsabilizar-se pelo futuro do país, e não ficar à espera que sejam os governos a resolver os problemas. Não podemos estar numa situação em que uns exigem e outros têm de encontrar soluções. As soluções têm de ser encontradas em conjunto, sendo um dever de todos a participação no encontro das resoluções dos nossos problemas. Para mim, este é um momento para uma boa escolha de prioridades, da poupança e do bom uso dos poucos recursos que temos, mas também é o tempo da responsabilidade individual dos cidadãos, pois os novos sucessos de Cabo Verde, são da responsabilidade de cada um de nós. Por outro lado, penso que se deve diversificar as relações económicas internacionais com outros parceiros. Isto já tem vindo a ser feito, havendo neste momento um esforço para trazer investimento privado externo, possibilitando-nos reduzir o peso da ajuda pública ao desenvolvimento. Temos de projectar as nossas acções, de forma a reduzirmos gradualmente as nossas dependências externas e darmos mais atenção aos nossos recursos internos, que, apesar de limitados, podem ser

“Era preciso introduzir um novo impulso de forma a permitir que o país progredisse.”


É claro que depois de uma longa vida de militância e de liderança política, ser reconhecido pelo trabalho desenvolvido ao longo dos anos, é sempre reconfortante e motivo de satisfação. Este reconhecimento é uma prova que todo o sonho e esforço pela luta de libertação africana, pela qual sempre me empenhei, é uma causa justa e motivo de grande orgulho para todos os cabo-verdianos. Este prémio, é como que o coroar de tudo

Que mensagem gostaria de deixar a todos os cabo-verdianos que sempre olharam para si como um estadista que sempre lutou pela democracia, pela estabilidade e crescimento do seu povo? É uma mensagem muito simples, muito objectiva, mas muito real: o trabalho sempre compensa. Devemos sempre trabalhar na busca dos nossos ideais e investir no empenho e dedicação por esses ideais, pois os resultados, esses, mais tarde ou mais cedo, acabam por surgir. 

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Este prémio irá permitir ainda concretizar um outro sonho, que é o de trabalhar a história da nossa luta de libertação nacional, trabalhar na consolidação do Estado Soberano de Cabo Verde e criar um grupo de trabalho em torno das minhas memórias, pois acredito que a nossa história, devemos ser nós mesmos a contá-la.

Em reconhecimento do excelente trabalho que realizou na transformação de Cabo Verde num modelo democrático de estabilidade, crescimento e prosperidade, foi-lhe recentemente atribuído de forma unânime por um júri, o prémio Mo Ibrahim 2011 que premeia a Excelência de Liderança e Boa Governação em África. O que representa para si esta tão importante distinção?

isso. Depois de tanto tempo na política, terminar com um prémio destes, é sempre agradável e fortificante.

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fortemente desenvolvidos, nomeadamente na agricultura e nas pescas, assim como tirarmos mais partido da nossa localização geoestratégica.

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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Figura

Padre Campos

Ligar a fé ao povo Quando se fala da Ribeira Grande, em Santiago, é impossível dissocia-lo da génese dos seus habitantes. É dos membros mais antigos da comunidade, e falar da Cidade Velha, é falar do Padre Campos, um homem atento e preocupado com a evolução que actualmente vive a sociedade que o acolheu, há mais de 50 anos.

Nunca me arrependi de ter vindo. Como missionário, quando cheguei a Cabo Verde, tive que me desligar da terra que me viu partir, e integrar-me

Quais as grandes diferenças entre aqueles tempos e os dias de hoje? Eu não acho que hajam diferenças essenciais. Há as diferenças normais, pois os tempos são outros. Houve mais progresso material. Não digo que o progresso espiritual não tenha também evoluído, mas sem dúvida houve muito mais progresso material que espiritual. Abriu-se caminho à emigração o que permitiu que as pessoas pudessem sair e ganharem lá fora a sua vida. Muitos foram para Portugal, para a Holanda, para os Estados

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Cheguei a Cabo Verde a 4 de Outubro de 1954, já lá vão quase sessenta anos e, no entanto, parece-me que apenas passaram cinco curtos anos. Tenho esse dia na memória, pois fui mandado para cá e logo tomei contacto com as pessoas. Eram umas pessoas amáveis, simples, abertas. E essa memória nunca mais se esquece. É uma memória agradabilíssima, pelo carácter das pessoas. O que mais me impressionou foi o modo como estão à vontade connosco e nós com elas.

Depois fui para a Boa Vista durante 2 anos e meio, findo o qual regressei à Ribeira Grande, onde passei desde então a maior parte da minha vida, sempre com o mesmo espírito de missão. A minha maior preocupação foi aprender o mais possível com o povo, de forma à minha integração poder ser o mais completa e abrangente possível, de maneira à mensagem cristã que transporto ser bem entendida pelas gentes.

Que memórias guarda dos primeiros tempos que chegou a Cabo Verde?

na vivência e nos costumes do povo que me recebeu de braços abertos. Comecei a minha integração a acompanhar o pároco que então aqui exercia.

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T

ido como um homem simples, solidário e generoso, o padre português Custódio Ferreira de Campos é considerado por todos, uma forte ligação entre o povo cabo-verdiano e a Igreja. Recebeu-nos na sua humilde mas acolhedora casa, para ao longo de mais de uma hora, nos contar a suas experiências, preocupações e expectativas relativas ao futuro do povo que tanto ama.

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Unidos, onde ganharam condições que cá não podiam ambicionar vir a ter. No entanto, o progresso espiritual e o progresso cultural não acompanharam o desenvolvimento verificado ao nível material. Quando chegou a Cabo Verde, começou o sua actividade sacerdotal no Tarrafal. O que é que o motivou a começar precisamente aí?

Bem, em Portugal eu ouvia falar tanto mal do Tarrafal, com todas as situações ali vividas pelos presos políticos, que quando aqui cheguei, pedi imediatamente para ser destacado para lá, precisamente para confirmar pessoalmente, se era verdade ou não tudo o que diziam do Tarrafal. Depois de dois anos a missionar lá, depois do que vi e presenciei, concluí que a paixão é que dominava as mentes das pessoas.


Rua Dr. Julio Abreu nº3 cp.710 - Praia, Cabo Verde Telf. +238 2601980/90 Fax: +238 2616042 adei@adei.cv - www.adei.cv

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Como é lógico, ninguém gosta de estar preso, ninguém diz bem da prisão, mas eu queria ver com os meus olhos. Concluí que as paixões falam muito mais alto que a verdade. Tomei conhecimento da prisão por dentro, conheci o pessoal da prisão, que eram portugueses e alguns cabo-verdianos. O que eu vi é que o modo de vida deles na prisão, em termos materiais, era muito melhor que o modo de vida que havia, por exemplo, na Praia. Em sua opinião, a presença portuguesa em Cabo Verde ajudou a criar a identidade característica do povo cabo-verdiano? Sem dúvida nenhuma. O governo português, tomou conhecimento das dificuldades que o nosso povo sentia. Chegou-se ao ponto em que Salazar disse “não pode morrer nenhum cabo-verdiano à fome, pois são nossos irmãos” e o governo fez tudo o que estava ao seu alcance por esta gente. No entanto também devo dizer que este é um povo diferente. Qualquer pessoa que chegue a Cabo Verde, sente-se como que em casa. No en-

“A minha maior preocupação foi aprender o mais possível com o povo (...)” tanto se for a outros países de África ou da Europa já não é assim. Há uma diferença radical entre este povo e outros povos. Onde podemos ver esta diferença é no amor do cabo-verdiano pela sua família. O cabo-verdiano faz tudo pela sua família. A ideia de sair de Cabo Verde e ganhar o sustento noutras terras é sempre com o objectivo em mente de um dia voltar e poder ajudar os seus. Esta é uma característica muito especial deste povo. Para mim esta é a grande diferença do povo cabo-verdiano. Como viveu o momento da proclamação da independência de Cabo Verde? No dia 5 de Julho de 1975, quando se proclamou a Independência Nacional no estádio da Várzea, viveu-se um momento maravilhoso. O Presidente da República, Aristides Pereira, e o Pedro Pires, fizeram um discurso em português extraordinário. Todo o povo teve a noção que aquele era um momento histórico. A bandeira portuguesa desceu e subiu em seu lugar


a bandeira de Cabo Verde. Tudo ocorreu de maneira pacífica, pois toda a gente concordou com a independência do país. Não quer dizer que não tenham havido algumas escaramuças e zaragatas, mas tudo sem grande importância. No entanto, também se tem de reconhecer o papel apaziguador da Igreja em todo o processo. Apesar da mudança de regime, a Igreja sujeitou-se às novas autoridades de Cabo Verde legitimamente constituídas, no entanto sem nunca abdicar da fé em Deus. Quase toda a sua vida evangelizou na Ribeira Grande. Como vê a perda de importância quando esta foi relegada para segundo plano após a construção da cidade da Praia e, no seu ponto de vista, o que esteve na origem dessa mudança? Houveram vários factores que contribuíram para essa perda de importância, no entanto, para mim, o factor principal foi a insalubridade associada ao paludismo. O paludismo foi um mal que matava aqui muita gente e ninguém conhecia a doença.

Chamavam-lhe “a doença da terra”. Essa doença matava gente do povo, do clero e até governantes. Derivado a isso, em 1760 a rainha Mariana Vitória de Bourbon, Rainha de Portugal, ordenou que a capital fosse transferida para a Praia, pois o clima era melhor, e não havia tantos mosquitos. Esta é mais uma prova que a colonização dos portugueses foi muito diferente da dos ingleses ou franceses, por exemplo. Inclusive os ingleses afirmavam que Portugal não colonizou, mas sim, cristianizou. Daí que os portugueses se tenham fixado com tanto sucesso aqui. O factor fundamental para este sucesso foi sem dúvida o cristianismo. Cabo Verde sempre teve um papel importante para Portugal. Naquele tempo, era essencialmente um ponto de passagem na descoberta o caminho marítimo para a Índia. No entanto, enquanto a Europa se preocupava com guerras religiosas, Portugal virou-se para o mar, (daí se compreender que em 1500 Portugal tenha chegado ao Japão, levando conhecimento e cultura - a primeira


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arma que chegou ao Japão foi levada pelos portugueses) e Cabo Verde teve um pequeno papel, mas muito importante, nesses marcos únicos e históricos de Portugal. Daí que a história de Cabo Verde não possa ser dissociada da história de Portugal. Esta é a verdadeira razão da união destes dois povos. Prova da importância de Cabo Verde no processo de evangelização, é a presença aqui, na Ribeira Grande, da primeira Sé Catedral dos trópicos, a primeira de toda a África. A Sé Catedral foi inicialmente dirigida por um jesuíta Francisco Santa Cruz, em 1546 e em 1700 estava destruída, devido à Pirataria que se instalou aqui aquando da perda da soberania de Portugal para os Espanhóis. Quando Portugal recuperou a sua soberania, uma das primeiras ordens dos reis de Portugal foi enviar bispos para cá, por forma a continuarem o trabalho de evangelização da igreja. Naquela altura, havia uma série de dialectos já instalados nas ilhas. Como era a comunicação entre os evangelizadores e o povo?

Vou-lhe dar um exemplo: quando morre alguém, fazem uma festa, matam um boi e convidam muitas pessoas. Esse hábito é importado da Gui-

Hoje vive-se num mundo globalizado, onde os usos, hábitos e costumes dos povos, são influenciados por outras vivências provenientes de outras culturas com diferentes formas de estar e pensar. Qual a influência que todos estes novos meios de comunicação têm no povo de Cabo Verde? Cabo Verde, apesar de ser formado por ilhas, não está separado do mundo. Hoje a maior parte das

Bem, falar de cultura cabo-verdiana é muito discutível. Estas ilhas eram desertas, não havia pessoas, não havia tribos, logo não havia “raiz”. Ao contrário de outros países africanos, com um tribalismo enraizado de milhares de anos, Cabo Verde, como não era habitado, não possuía essas raízes. Daí que a cultura que se diz “cabo-verdiana”, seja na realidade uma cultura importada.

né e de outros países com as tais raízes tribais. As danças, como por exemplo, o batuque, são na sua maioria danças com cariz de incitamento sexual, importadas de outros países africanos.

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As danças, os cantares tradicionais e a cultura cabo-verdiana, tiveram a sua origem onde?

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A questão do crioulo é uma questão muito engraçada. O crioulo não existia como dialecto, o que havia era o português mal falado. O crioulo surgiu mais tarde com a vinda dos escravos da Guiné Bissau, que passavam por aqui na sua viagem para a América Central. O convívio dos dialectos desses escravos com o “português mal falado” dos portugueses que aqui estavam, deu origem ao crioulo. E tudo começou precisamente aqui, na Ribeira Grande.

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pessoas tem televisão e rádio. Isso é importante, pois as pessoas têm que conhecer o que se passa à sua volta, o que acontece no mundo. Agora é importante saber filtrar o que realmente interessa. Vou-lhe dar um exemplo: o caso das telenovelas. Toda a gente vê as telenovelas, mas nem se apercebem do mal que elas fazem. As pessoas não conseguem separar a realidade da ficção, e as novelas influenciam de forma negativa a vida das pessoas. Por isso, há que saber filtrar o que a comunicação social nos transmite, pois nem tudo é real e nem tudo é bom. Quem tem essa responsabilidade de ensinar a filtrar as informações? Bem, isso é outro ponto. É uma responsabilidade não apenas da Igreja mas também do Estado. Deve haver uma colaboração mútua entre as duas entidades. Transmitir os direitos das pessoas, mas também as suas obrigações. A comunicação social fala sempre dos direitos das crianças, dos homens e das mulheres, mas esquece-se de

incutir as suas obrigações para com a sociedade, o que leva a um aumento, por exemplo, da criminalidade, que era coisa que não existia por aqui. Por isso tem de haver uma cooperação estreita en-

“(...) os nosso governantes, professores e pessoas com responsabilidade cívica têm que dar o exemplo.” tre o governo e a Igreja de forma a que se incuta na sociedade essa responsabilidade, esse respeito pelo próximo, e aqui a comunicação social tem um papel importante, pois tem a obrigação de transmitir as mensagens directamente às pessoas. Além disso, o exemplo tem de vir de cima. O povo tende a imitar os mais poderosos. Logo os nossos governantes, professores e pessoas com responsabilidade cívica têm que dar o exemplo. Não podem adulterar a história, não podem distorcer os factos, têm que os transmitir de forma clara ao povo, pois sem isso, não há uma consciencialização real da sociedade. Diante dessas preocupações, quais são os principais anseios que tem para o futuro de Cabo Verde? O principal anseio é o da obtenção da paz. Normalmente as pessoas associam a palavra paz a conflitos físicos, mas a paz é muito mais que a ausência desses confrontos. Quando falo em paz, falo num sentido lato, pois “a paz é a tranquilidade na ordem”, logo se não houver ordem não existe paz. No entanto esta paz não se obtém sem sacrifícios. É preciso ordem material e ordem espiritual, sem uma não existe a outra. Primeiro temos que procurar a paz espiritual, para depois alcançarmos a paz material. É reconhecer os direitos e os deveres das pessoas. O meu direito acaba quando começa o próximo. Se ensinarmos isto aos mais novos, estaremos sempre em paz. 



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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Histórias do povo

ROSALINA BARRETO

Trinta anos

a contar a história da Cidade Velha Quem visitar pela primeira vez a Cidade Velha, na ilha de Santiago, certamente se irá cruzar com uma das suas figuras mais emblemáticas e marcantes. Rosalina Barreto, pessoa querida da Ribeira Grande, é o testemunho vivo das mudanças que a cidade tem vindo a registar ao longo dos últimos anos.

R

osalina Barreto, cedo despontou para as dificuldades que atormentaram os habitantes da Cidade Velha. Da sua juventude, recorda uma cidade totalmente diferente da atual, onde “haviam muitos edifícios religiosos, campos verdejantes e árvores de fruto. Havia muitas laranjeiras, coqueiros e mangueiras. Havia muita cana, com a qual se fazia grogue e açúcar”, refere. Antigamente chovia muito e, conforme relembra, “era tudo muito vistoso. Depois, com a chuva cada vez mais rara, tudo se alterou. Atualmente a população também é em menor número, pois os recursos não chegam para muitas pessoas. Se antigamente se podia viver apenas da agricultura e da pesca, hoje em dia, tal é mais difícil”, diz. Com uma nostalgia na voz, Rosalina Barreto recorda-se que “antigamente tudo era mais alegre. Todos os dias se comia cachupa com peixe, e uma vez por outra, lá vinha a cachupa com carne, principalmente nos dias de festa. De manhã fazíamos cuscuz para o pequeno almoço. Por vezes havia leite de cabra ou vaca. Ao meio-dia, depois da

escola, comíamos feijão cozinhado com couves e com cana. A gordura era o óleo de coco”, e acrescenta que “apesar de tudo, naquela altura havia saúde, coisa que agora não existe”.


lata, “eles diziam que era pecado e o governo, que não queria confusão com a Igreja, lá nos dizia que também era pecado [risos]. Mas isso só acontecia aqui em Santiago. Nas outras ilhas podia-se dançar, que não havia proibição". Apesar destas contrariedades, desde muito jovem que Rosalina Barreto foi devota à Igreja. Tal fervor valeu-lhe a total confiança do Padre Campos, que, há 36 anos lhe confia a chave da igreja local, e diz com grande orgulho, que “é uma tarefa que apenas se pode atribuir a quem realmente é de confiança”.

“(...) apenas sobram alguns capazes de transmitir o conhecimento que foi passando de avós para pais, e destes para os mais jovens.” Criou onze filhos sozinha, sem nunca ter baixado os braços perante as adversidades da vida. Como forma de conseguir um trabalho onde pudesse ganhar mais algum do sustento para a família, já depois da Independência, Rosalina Barreto matricula-se na escola da cidade da Praia, onde, conforme relembra, “o senhor Calú ensinava os mais velhos”.

As festas que se realizavam na cidade, eram um momento de grande alegria para o povo da Ribeira Grande. Foi durante estas festas da Cidade Velha que Rosalina Barreto conheceu o batuque. “Começávamos a ensaiar uma semana antes de a festa começar.” No entanto, conforme nos confidencia, “no tempo dos portugueses, eles impuseram que não podia haver o batuque - “Desliga o batuque” - diziam eles. E pronto, acabaram por o proibir. Era uma proibição do regime português, mas, acima de tudo era uma proibição dos padres que tinham vindo de Portugal.” Conforme nos re-

Após concluir o ensino, foi trabalhar para o Estado. “O meu trabalho foi cuidar da Cidade Velha, da sua manutenção, por forma a estar sempre bonita para quem nos visitava. Depois trabalhei como guia onde pude transmitir aos turistas alguma da história que faz da cidade uma das referências culturais de Cabo Verde”, atividade que ainda hoje mantém e da qual muito se orgulha. Ao visitar a Cidade Velha, procure por Rosalina Barreto e aprecie as suas histórias, pois como ela mesmo nos diz “já há poucos a contar a história do nosso povo, pois com a emigração, apenas sobram alguns capazes de transmitir o conhecimento que foi passando de avós para pais, e destes para os mais jovens”. 


Cidade Velha

Construída do sonho dos descobrimentos portugueses, foi porto de abrigo, em 1497, de Vasco da Gama e um ano mais tarde, Cristóvão Colombo. Fruto do cruzamento dos primeiros europeus e dos negros da costa de África, nasceu aqui a miscigenação, não apenas física, mas essencialmente cultural. Aqui nasce o homem crioulo, com cultura própria, nascida dessa mesma mestiçagem. Na Cidade Velha fica a mais antiga igreja colonial do mundo, a Igreja da Nossa Senhora

A Cidade Velha foi ainda capital eclesiástica e civil de Cabo Verde. Fruto da sua importância para a coroa, foi aqui que foi erigida a Sé Catedral, a primeira que os portugueses construíram no continente africano. Atacada por piratas em 1712, ficou praticamente em ruínas, como ainda hoje pode ser observado. Devido aos ataques frequentes de piratas e corsários (sendo o corsário inglês Francis Drake e o francês Jacque Cassard os mais famosos), foi iniciado, em 1587, a con-

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do Rosário, construída em 1495 no estilo gótico manuelino (português), e na qual terá pregado o Padre António Vieira, em 1652, na sua viagem para o Brasil.

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ocalizada a 15 Km da capital de Cabo Verde, a Vila da Ribeira Grande de Santiago, por todos conhecida como Cidade Velha, é o berço da nossa nação.

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Berço da cabo-verdianidade

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que caísse em ruína, levando os navegadores a preferirem o Porto da Praia de Santa Maria, localizado apenas a seis milhas da então capital, culminando na transferência, em 1769, do governo para esta nova localização e a sua sequente elevação, em 1858, à categoria de cidade.

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Actualmente considerada Património Mundial da Humanidade, a Cidade Velha marca o ritmo da história de Cabo Verde, pois aqui, há mais de 500 anos, começou a nascer uma nação. 

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strução do Forte Real de São Filipe para defender a cidade e o seu porto. Contudo, em 1712, após um violento ataque de corsários franceses, foi completamente pilhado e incendiado, tendo sido novamente erguido na segunda metade do século XVIII. A importância que a Ribeira Grande desempenhou na história é incalculável. Situada a meio caminho entre o continente africano, a Europa e as Américas, foi fonte de aprovisionamento dos navios e importante entreposto comercial, principalmente de escravos provenientes da costa africana. No entanto, fruto da cobiça de piratas, da exposição do seu porto, e dos pântanos que se formavam nas estações das chuvas, originando inúmeros focos de doenças, fez com




E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Municipalidades

Ulisses Correia e Silva

Privilegiar a qualidade de vida na cidade da Praia A cidade da Praia, na Ilha de Santiago, acolhe 25% da população residente de Cabo Verde. Por si só, tal representa um enorme desafio administrativo, o que aliado à actual conjuntura económica internacional desfavorável, torna a gestão da capital de Cabo Verde, num complexo, rigoroso e criativo exercício de governação.

Se recuarmos um pouco no tempo e analisarmos a evolução desde a independência até aos dias de hoje, verifica-se que o crescimento é notório. Houve grandes progressos por parte da população no acesso aos bens essenciais, nomeadamente significativas melhorias na aquisição de alimentos, acesso a habitação, educação, saúde e cultura.

Pela sua dimensão, pelo facto de ser a capital do país, acrescido de nela residirem um quarto da sua população, a cidade da Praia também concentra a maioria dos recursos técnicos de Cabo Verde. É na Praia que se encontra a administração pública, que estão sediadas as principais empresas do país e, como consequência, a oferta ao nível da formação e mercado de trabalho tem uma maior expressão. Daí que o próprio peso que o município tem, seja um pouco o reflexo desta disponibilidade de recursos humanos especializados. Existem várias universidades, vários centros de formação profissional e escolas técnicas de formação. No que respeita à Câmara Municipal, e segundo o

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A sua capital, a cidade da Praia, contribuí com cerca de 50% para o PIB do país. Aqui se concentram a maioria dos serviços que alimentam a economia, nomeadamente serviços ligados à administração central do Estado, financeiros e transportes. “Há uma grande concentração da actividade económica do país aqui na Praia, o que quer dizer que todo o processo de desenvolvimento e crescimento da própria cidade, contribui fortemente para o crescimento do próprio país”, afirma Ulisses Correia e Silva, Presidente da Câmara Municipal da Praia.

Crescimento sustentável

Para Ulisses Correia e Silva, “houve um marco importante, que tem a ver com o municipalismo, que começou por volta de 1991, já no período da democracia. Houveram pequenas localidades que se autonomizaram (S. Domingos, Calheta, Tarrafal, entre outras), o que contribuiu de forma significativa para o seu desenvolvimento”, acrescentando que, “tal demonstra que a gestão autárquica em Cabo Verde teve um papel significativo no desenvolvimento do país, quer criando oportunidades, quer lutando por recursos, competências e por pessoas interessadas no desenvolvimento das suas próprias localidades.”

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C

abo Verde está em crescimento. Há muito que abandonou as estatísticas de país em via de desenvolvimento. No entanto, os desafios que agora se colocam são maiores, pois há que manter, e se possível aumentar, o nível de progresso até aqui alcançado.

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seu presidente, no que diz respeito ao ensino, “existe uma politica um pouco selectiva, uma vez que não é competência do município participar na área da formação de uma forma abrangente. Essa é uma responsabilidade do governo.” Ulisses Correia e Silva acrescenta que “a competência da Câmara

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Municipal é apenas ao nível da educação pré-escolar, e nessa área desenvolvemos várias acções, nomeadamente ao nível do apoio às famílias mais carenciadas. Também aos filhos de pais carenciados, damos apoio no acesso a cursos de formação profissional, mais especificamente ao nível do pagamento das propinas escolares. O mesmo procedimento temos com jovens carenciados que frequentam o ensino superior aqui na cidade da Praia. É por isso uma intervenção um pouco mais selectiva, mas que representa um grande esforço para a Câmara Municipal”, conclui. Este apoio social, acompanhado por uma maior e melhor oferta no ensino, tem contribuído de forma significativa para uma menor saída da população jovem para frequentar o ensino no exterior.

Fomentar a qualidade de vida da população

O aumento de esperança de vida para os actuais 74 anos, é uma prova da melhoria da qualidade de vida das populações. A taxa de mortalidade infantil também foi reduzida consideravelmente e os níveis de desenvolvimento humano tiveram progressos significativos. Para se atingirem estes indicadores, teve de haver um grande trabalho, que envolveu também as próprias populações. A estratégia do executivo que actualmente lidera a Câmara Municipal da Praia vai exactamente nesse sentido: aumentar a qualidade de vida dos seus munícipes. “Nestes três anos e meio que estamos à frente da Câmara Municipal, definimos um caminho muito claro, que é o de dotar a Praia de maior qualidade de vida. Queremos que seja uma cidade com um bom nível de saneamento, uma cidade mais apresentável para quem cá mora e para quem nos visita, com espaços verdes e que, seja capaz de criar auto-estima nos seus moradores, de forma a eles mesmos se sentirem motivados a cuidar do seu próprio espaço. Queremos que seja uma cidade que possa contribuir para que hajam oportunidades de emprego, uma cidade competitiva do ponto de vista económico e que seja uma cidade inclusiva, pois a forma como a cidade foi crescendo nestes últimos anos, criou várias zonas de construção e ocupação que, durante muito tempo, conheceram fenómenos de marginalização, com impactos extremamente negativos ao nível da segurança, da delinquência juvenil, inexistência de infra-estruturas básicas, etc.”, afirma o actual presidente.

“... todo o processo de desenvolvimento e crescimento da própria cidade, contribui fortemente para o crescimento do próprio país”


O próximo grande objectivo do autarca é “conseguir levar os ministérios para outros pontos da cidade. Actualmente está em curso a construção de uma cidade administrativa que irá concentrar grande parte dos serviços do Estado. Quando se conseguir libertar esses edifícios, poderemos criar a oferta de

Também ao nível da reforma administrativa, a cidade da Praia tem servido de modelo. A informatização do sistema de licenciamento comercial, por exemplo, permitiu que a partir de um só local (na Casa do Cidadão e na própria Câmara Municipal), fosse possível tratar de todas as questões de licenciamento necessárias ao exercício da actividade. No entanto, tal como constata o autarca, “ao nível dos municípios há ainda muitos desafios. Em áreas cuja agilidade de resposta é essencial, como por exemplo, na área dos licenciamentos urbanísticos, ainda há muito trabalho por fazer para a simplificação de processos e dar resposta às solicitações em tempo útil.” No entanto, existem outros desafios que se colocam. O problema do desemprego entre os jovens, que atinge actualmente cerca de 42% desta franja

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Reformas e desafios

Também ao nível da regulamentação têm sido dado passos importantes, como, por exemplo, as alterações que foram recentemente introduzidas no comercio informal na zona do Plateau, por forma a condicionar a anarquia que se estava a instalar. “Precisamos que as pessoas sintam que é impossível avançar sem regras e sem ordem”, acrescenta o autarca.

apartamentos para jovens, residências para estudantes e outro tipo de equipamentos sociais. “

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Actualmente a Câmara Municipal está a desenvolver trabalhos profundos na reconstrução de fachadas de edifícios, limpeza de zonas degradadas da cidade, na requalificação urbana de determinados bairros, através da execução de importantes obras de saneamento, acessibilidades e infra-estruturas desportivas.

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da população, é um fenómeno preocupante e grave. Embora para o autarca “não seja um problema directo da Câmara Municipal, pois esta não possui capacidade de gerar oportunidades de emprego”, há uma tentativa de minimização da situação através da criação de algumas oportunidades. Ulisses Correia e Silva apresenta alguns exemplos, ao afirmar que “se tivermos projectos para implementar mais saneamento básico no município, embora não criamos emprego qualificado, criamos emprego para a mão de obra indiferenciada, onde também se verificam elevadas taxas de desemprego; se tivermos mais dinheiro para criar mais espaços verdes, também criamos mais empregos".

Fomentar parcerias para criar riqueza

Uma área onde a actual gestão municipal se tem fortemente empenhado, é na criação de parcerias público-privadas como forma de fomentar o investimento e criar riqueza. No entanto, estas parcerias assumem um contexto diferenciado de outras que se promovem noutros países. Tal como refere o presidente da câmara, “o conceito de parcerias público-privadas que aqui executamos é diferente do que existe, por exemplo, em Portugal, onde se fazem

“Nestes três anos e meio que estamos à frente da Câmara Municipal, definimos um caminho muito claro, que é o de dotar a Praia de qualidade de vida.”

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Actualmente a Câmara Municipal está a subcontratar empresas para a recolha do lixo urbano, o que para Ulisses Correia e Silva “é uma outra forma de gerar empregos”. Remata, afirmando que “as cidades podem gerar emprego, o problema que se nos coloca é que o grosso dos recursos estão concentrados ao nível do governo.”

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compensações para se explorar determinado tipo de actividade. O nosso conceito é diferente. Possuímos terrenos no domínio municipal, e como as empresas têm muitas vezes necessidade de efectuarem inves-


O sucesso de qualquer projecto depende sempre da forma como o abordamos The success of any project always depends on how we approach

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“... a gestão autárquica em Cabo Verde teve um papel significativo no desenvolvimento do país, quer criando oportunidades, quer lutando por recursos, por competências e por pessoas interessadas no desenvolvimento das suas próprias localidades.” timentos, o que nós podemos fazer, é dar o direito de superfície, por exemplo, durante 30 anos, para a exploração desse espaço. O empresário concorre, elabora o projecto, arranja o financiamento, constrói e explora. A nós, paga-nos uma renda fixa que é actualizada anualmente.”

Com base neste modelo, estão actualmente em implementação vários projectos, tais como um complexo desportivo em Palmarejo, melhorias em execução no estadio da Várzea, entre muitos outros. Ulisses Correia e Silva finaliza afirmando que, “desta forma ganhamos uma infra-estrutura e ainda recebemos uma renda”.

Um conceito diferente para o turismo na Praia

Na cidade da Praia pretende-se dinamizar outro tipo de turismo: o turismo voltado para os negócios e eventos. Segundo o autarca, “não é possível criarmos aqui um tipo de turismo do género do da Boa Vista, do Sal ou do Maio, pois não temos praias para o efeito, logo o turismo balnear aqui na Praia está fora de questão. No que estamos actualmente empenhados, e aproveitando o facto de sermos a capital do país, é na aposta do turismo agregado a conferências, congressos e negócios. Queremos igualmente associar o turismo à cultura. Temos que apostar na diversidade de ofertas culturais, fazendo a complementaridade com a Cidade Velha, pois em termos de património, esta tem uma oferta imbatível.”

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Para impulsionar este conceito, existem já projectos em marcha. Na baixa da cidade, estão actualmente a nascer cinco hotéis, fruto de investimento privado. Na zona do aeroporto, está em fase de negociação outro empreendimento hoteleiro, vocacionado para curtas estadias, a que estará associado um centro de conferencias. Existe ainda outra iniciativa privada para a construção de um grande centro de congressos na cidade.

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Ulisses Correia e Silva, adianta ainda que “está em fase de ultimação uma grande sala de espectáculos coberta, com capacidade para 3.000 mil pessoas, com todos os equipamentos necessários a este tipo de actividades.” Em termos culturais, a cidade da Praia tem actualmente 2 festivais musicais com perfil internacional e que segundo o autarca “têm atraído desde produtores estrangeiros, produtores esses que inclusive têm fechado contratos com os nossos músicos. São festivais que, pela sua qualidade e dimensão, são óptimos motivos para a promoção internacional de Cabo Verde. Há inclusive algumas negociações em curso com Angola, onde se pretende, a pretexto destes festivais, criar uma serie de roteiros turísticos integrados nos programas dos eventos e que proporcionem às pessoas, durante uma semana, desfrutar


A relação entre o governo central e os municípios é uma relação fácil?

Também em curso estão a decorrer acções de formação com uma associação brasileira, para o fomento da reciclagem e brevemente serão introduzidos ecopontos pela cidade da Praia. “Para nós, as questões ambientais têm que ser incutidas às pessoas tal como incutimos o aprender a ler e a escrever”, diz.

Garantir a continuidade dos bons projectos

Dentro da alternância política própria de um regime democrático, a continuidade dos bons projectos autárquicos tornou-se num dos grandes objectivos do actual mandato de Ulisses Correia e Silva. Para o autarca, “o que anteriormente era prática comum, vai deixar de se poder fazer, e serão os próprios munícipes que não vão deixar que se façam, pois agora há regulamentação”, e dá um exemplo: “antigamente se chegasse aqui alguém e pedisse uma bolsa de estudo, o Presidente da Câmara não tinha qualquer critério regulatório na sua atribuição. Era tudo feito com grande arbitrariedade. Por isso, estabelecemos um conjunto de regras e de regulamentos, que foram aprovados e publicados, e que colocam fim a esse tipo de práticas. Se as regras estiverem definidas e a administração for sólida, as instituições funcionam independentemente de quem estiver na governação. Desta forma garante-se a continuidade dos bons projectos para o desenvolvimento do nosso país.” 

Por exemplo, o governo cobra aos municípios o pagamento de IVA como se fossemos uma empresa a fazer determinada obra. Se eu asfaltar uma via, o governo cobra-me o IVA dessa obra. Além de encarecer todo o investimento, cria-nos por vezes algumas dificuldades de tesouraria, isto apesar de a lei ser explicita, ao referir que os municípios estão isentos do pagamento de quaisquer impostos e taxas, da mesma forma que o governo está isento de quaisquer taxas e impostos municipais. São coisas como estas que, apesar de estarem na lei, o governo tem uma interpretação diferente, o que penaliza os municípios. Da mesma forma, se não aplicássemos a lei, poderíamos cobrar ao governo o imposto sobre o património, por exemplo. Noutros países não encontramos municípios com este tipo de problemas! Podem ter outro tipo de problemas, mas cumprem as leis e as regras. 

O projecto “CASA PARA TODOS” é a solução para Cabo Verde? Sempre tivemos uma divergência com o governo no que diz respeito a este projecto. Há de facto um défice de oferta de novas construções, mas o grande problema aqui na cidade da Praia é a necessidade de se efectuar trabalho sobre as habitações existentes. Quase todos os dias recebo aqui na Câmara Municipal, pessoas a solicitar intervenções nas suas casas. Isto acontece porque são habitações antigas que foram construídas há muito tempo, por administração directa, muitas delas de forma clandestina. Quando chega o período das chuvas, algumas correm o risco de ruir. Há muitas habitações inacabadas, com falta de acesso à rede de esgotos, à água, falta de casa de banho, etc., etc. Por isso, em minha opinião, devia-se começar por priorizar a resolução dessas situações. Devia-se requalificar, reordenar, reconstruir, pois não é possível fazer desaparecer toda essa realidade de um momento para o outro. Mais de 70% da realidade se enquadra nesta situação, daí que, em minha opinião, os recursos devam ser canalizados para a resolução destes problemas e só depois se deveria partir para outro tipo de soluções. Por isso, afirmo que o projecto “Casa para Todos” não é a solução milagrosa para os problemas de habitação de Cabo Verde: apenas irá resolver uma parte ínfima do problema. Depois há as questões culturais, pois é uma ilusão pensar que as pessoas se vão deslocalizar todas das zonas onde actualmente habitam e onde estão estabelecidas para, de um momento para o outro, irem todas morar num prédio. Isso é irreal.

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Encontra-se em fase de conclusão o Centro de Educação Ambiental, que tem como principal objectivo a sensibilização dos jovens para as questões relacionadas com o ambiente. Do projecto, faz parte “um autocarro itinerante que irá percorrer os bairros, distribuindo material informativo. Em simultâneo, será exibido na televisão pública um programa televisivo com o qual esperamos alterar um conjunto de comportamentos cívicos que precisam de ser melhorados. Há que incutir nas pessoas os bons hábitos de forma a que possam valorizar o meio em que habitam”, reforça o autarca.

Sensibilizar para melhorar

Devia ser uma relação fácil, uma vez que é regulamentada por lei a qual estabelece quais são as competências dos municípios e quais as competências do governo. Estabelece ainda regras para as relações financeiras e fiscais. O problema é que muitas vezes essas regras não são cumpridas, e aí cria-se alguma tensão.

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da nossa cultura, do nosso artesanato e poderem visitar locais históricos tais como a Cidade Velha ou o Tarrafal.”

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E/W: Jorge Montezinho | F: Quim Macedo

Atualidade

Rui Amante da Rosa

Renováveis

custam mais do que o combustível Rui Amante da Rosa, que foi membro da comissão instaladora do Instituto Nacional de energia, responsável da rede na Electra, entre 1980 e 1984, e que hoje é empresário no sector das energias amigas do ambiente, faz uma jornada pela história do aproveitamento do sol e do vento, que começou logo nos anos 70, chegando a uma conclusão, no mínimo, provocadora: Cabo Verde devia apostar na energia nuclear.

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ual é o panorama actual das energias renováveis em Cabo Verde? Há projectos bem pensados ou ainda se está numa fase de experimentação? Deixe-me começar pelo início. Cabo Verde deu os seus primeiros passos nas energias renováveis no início do século passado, com a instalação de bombas eólicas em poços. Em 77/78, iniciámos estudos e projectos para a produção de energia Eólica e Solar, na altura feitos pelo Departamento das Energia Renováveis do Ministério de Desenvolvimento Rural e depois pela Instituto Nacional de Investigação Tecnológica, financiados pela Holanda, Dinamarca e outros países, e apoiados por técnicos desses países. Foi assim que começámos as nossas experiências e a recolha de dados nessas áreas. Conseguimos demonstrar que Cabo Verde tinha excelentes condições para a exploração das energias renováveis. Em 1991, com a mudança do governo e a reestruturação dos ministérios, pararam os projectos nessas áreas, tendo sido retomados em 94/95, com os projectos da instalação dos parques eólicos de São Vicente, Sal, Santiago e Brava, e do Pro-

grama Regional Solar que consistiu na instalação de trinta e uma bombas solares nas ilhas de Santiago, Maio e São Nicolau. Após a instalação dos parques eólicos, a Electra poupou em combustível mais de quarenta mil contos no período de um ano. Mas, apesar dos ganhos, as energias renováveis caíram de novo no esquecimento. Os sistemas instalados foram funcionando até faltarem peças. Na falta de meios para as reparações, foram parando um atrás do outro. Com a privatização da Electra, o sócio maioritário, a EDP, estava mais interessado na produção das energia com meios convencionais do que na produção com as energia renováveis. No início de 2002, houve um projecto com o Banco Mundial (BM), que consistia no aumento da potência dos parques eólicos, em que o BM financiava uma parte do projecto e a Electra a outra parte. Por falta de interesse dos accionistas, e de meios, este projecto também não foi avante. Houve um outro projecto com o BM, que previa alimentar com energia fotovoltaica 12.000 casas, localizadas nas zonas remotas. Houve muita discussão, como seria montada a engenharia


financeira e a cobrança dos consumos de energia. Mas, após tantos estudos e gastos, sete anos depois terminou tudo e as habitações que seriam contempladas com este sistema continuam sem energia. A partir de 2007, é que se retomou o sistema das energias renováveis, mas regressou-se a ele num âmbito em que toda a gente andava também à procura dos equipamentos para essas energias renováveis, porque com os incentivos dados pelos países da União Europeia, tornou-se um negocio rentável para os produtores independentes na Europa. Portanto, com a procura maior que a oferta, o custo dos equipamentos ficou elevadíssimo e nós não podemos suportá-lo. Depois, o governo tentou alterar a política da produção das energias, dos combustíveis fósseis para as energias alternativas. Mas, ultimamente, enveredou-se pelas energias renováveis de uma forma com a qual não concordamos. E não concordam porquê? Não concordamos porque os custos das instalações são elevados, uma vez que os contratos foram por adjudicação directa. Isto traz um custo de exploração elevado por KW/h [Kilowatt/hora]. Aliás, os custos que a Electra tem de pagar por cada KW/hora consumido da central solar, pelas informações que temos, andam à volta dos 30$. Já os custos da Central Eólica são 17$ [KW/hora]. Mas, a Electra tem ainda um consumo mínimo obrigatório. Mesmo que não consuma essa energia, tem que pagar por ela.

Não há forma de alterar esse cenário? Onde ir buscar o dinheiro se os outros o trazem e nós não? Como vamos dar a volta a isso? Com uma política mais proteccionista? Não acredito. Não acredito que o governo proteja as empresas cabo-verdianas. Vou-lhe dizer, de forma franca, as empresas cabo-verdianas estão praticamente todas na falência. Com dívidas enormes ao INPS, ao Estado, aos fornecedores. Dívidas enormes que não estão a conseguir ultrapassar. E nos últimos cinco anos, piorou substancialmente. E vêem o governo com vontade de dar a volta a isso? Veja como está o mundo inteiro. Não sabemos como vai ser, mas, as dificuldades são muitas. As próprias empresas estrangeiras, que estão cá, penso que dentro de pouco tempo vão começar a retirar-se porque não haverá dinheiro para lhes pagar. Aliás, essas associações públicas/privadas que foram feitas vão terminar. Já não há mais dinheiro para elas. Não sei como é que vai ser. As empresas estão cá para ganhar dinheiro, não para fazerem figuras bonitas.

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Numa altura em que o governo fala da necessidade de fazer crescer a economia, de criar riqueza, de criar emprego, qual é o papel que o Estado tem dado aos empresários cabo-verdianos do sector? Nós não somos beneficiados em nada. Aliás, concorremos em pé de igualdade com as empresas que vêm de fora, tendo elas certas isenções que nós não temos. A maioria desses projectos é concebida por essas empresas, que procuram financiamento junto dos bancos com o aval dos seus estados. Ou seja, as empresas arranjam os financiamentos, trazem-nos e fazem os trabalhos. Ora, as empresas cabo-verdianas não sabem onde ir buscar os financiamentos. Não temos cobertura do Estado para a montagem de projectos dessa envergadura. Por isso mesmo, não conseguimos competir.

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Só para fazermos uma comparação rápida, a Electra paga pela energia solar 30$/KW/h, pela energia eólica 17$/KW/h. Quanto é que se paga pelos combustíveis? A Electra, estando a produzir com Fuel 218, paga 75$10 por cada quilo, e pelo Fuel 180 paga 67$5 também por cada quilo. Sabendo que para produzir 1KWh são necessários 218 gramas de combustível, temos um custo médio de produção de cerca de 14$/15$. Portanto, neste momento, o custo das energias renováveis é superior ao custo de produção com fuel por KW/h.

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E até onde pode Cabo Verde pedalar? Nós não temos pedais. Temos de ficar a aguardar que nos dêem. Nós não exportamos nada. Não produzimos nada. Estamos a centrar-nos no turismo, mas é tudo ainda muito incipiente. Cabo Verde está a fazer uma folia enorme porque recebeu 700 mil turistas num ano. As Canárias recebem 12 milhões e a economia das Canárias, de facto, gira à volta do turismo. Nós, quando é que atingiremos isso? E é realista pensar em atingir números desses? Penso que sim. É preciso que nos dediquemos a isso verdadeiramente. É preciso que se trace uma directiva virada para o desenvolvimento do turismo. Porque, até agora temos andado a trabalhar arcaicamente, posso dizer isso. O próprio governador do Banco de Cabo Verde já chamou a atenção para isso, que o turismo em Cabo Verde é fruto de uma procura espontânea. E o turista vem e não volta, porque as condições que teve cá não o satisfez. Agora, o bom turista é aquele que vem e regressa. Regressando às energias renováveis … Ainda há muito para se fazer. Muito. E por onde temos de começar? Temos de ter meios. Por exemplo, nas pequenas ilhas, a Electra continua a utilizar o gasóleo como matéria-prima para produção. O custo do litro de gasóleo é de 108$. O peso específico do gasóleo é 860 gramas. O KW/hora produzido nessas centrais ronda os 28$30. Quando a tarifa da baixa tensão doméstica é de pouco mais de 32$, assim, de facto, a Electra não conseguirá ultrapassar os custos elevados de produção. Agora, nessas pequenas ilhas podia apostar-se forte nas energias renováveis. Tentando quebrar o custo elevado. Mas, como já disse, a procura das energias renováveis é enorme. Os custos também estão a aumentar. Há que se fazer um estudo profundo para medirmos bem a rentabilidade das renováveis. Mas, não deveria ser ao contrário. Quando se vende cada vez mais a imagem do mundo verde, despoluído, esse cenário não deveria ser acompanhado de incentivos à sua implementação? Os incentivos foram dados pela União Europeia e uma série de outros países. Mas, acabou. Já não há mais incentivos. A crise mundial pôs-lhes um fim. A partir de agora, cada um tem de pedalar pelos próprios pés.

E, se calhar, até pensa em cá residir … Exactamente, porque temos condições para isso. Tem é de haver uma aposta forte nesse sentido. Ouço falar no turismo há cerca de 25 anos, e continua tudo igual. Ainda voltando às renováveis, quando o governo apresenta as metas que propõe para a penetração desse tipo de energia [50 por cento até 2020], mas ao mesmo tempo não dialoga com os empresários cabo-verdianos, está apenas a fazer publicidade ou há mesmo um interesse sério em alcançar esses objectivos? Os passos que o governo deu ultimamente criam a impressão que o governo quer avançar e que tem um rumo certo. Temos é de aguardar para ver se conseguimos chegar a esses 50 por cento. Mas, não podemos esquecer que mesmo com as eólicas e os painéis solares a produzir, os grupos térmicos [geradores alimentados a combustível] continuarão funcionar, porque em caso de variação do vento, ou do sol, têm de garantir que a energia não falta. E essa meta, 50 por cento de energias renováveis, é alcançável? Não acredito, porque isso requer um investimento enorme e não é só nas energias renováveis, é na própria produção térmica. Nas outras ilhas, continuaremos com pequenas centrais, com pequenas potências, onde não se alcançarão esses


Quais seriam as grandes vantagens para Cabo Verde do uso da energia nuclear? A energia nuclear é aquela que apresenta custos mais baixos de produção. Para Cabo Verde bastava-nos uma central de 100 Mega Watts, praticamente, nem resíduo tem. Devemos começar a preparar-nos para o futuro, e o futuro será a energia

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Energia solar é uma má aposta em Cabo Verde? Se quisermos demonstrar que temos energia solar, podemos continuar a fazê-lo. Mas, veja-se o que se passa com os dois parques solares instalados, ninguém tem informações sobre eles. Para além do custo de manutenção da limpeza.

Por falar nas diferentes ilhas, qual é o impacto da própria geografia do arquipélago na penetração das renováveis? Eu penso que devemos avançar, essencialmente, para os aerogeradores. Onde a energia produzida é mais barata. Aí teríamos grandes sucessos. Avançando para as solares, já não penso que seja viável. Com as solares temos uma produção de sete horas e meia por dia. E não se esqueça que o sol nasce, a central começa a produzir, 10 por cento, 15 por cento, e vai subindo. Das 12h às 14h está-se, por exemplo a 60 por cento da capacidade de produção da unidade, e depois começa a cair outra vez. Enquanto que as eólicas conseguem ter uma média de produção anual muito boa.

É um defensor da energia nuclear. Seria a melhor solução para o país? O governo já mexeu nisso, já procurou que pertencêssemos à Organização das Energias Nucleares, e já fomos aceites. Eu penso que é o futuro. Neste momento, por exemplo, está a falar-se do problema de Israel e do Irão. Se, por acaso, Israel resolver atacar o Irão, prevê-se que o barril do petróleo passe a custar o dobro. Onde teríamos dinheiro para comprar o combustível? Espero que não suceda nada, claro, mas é só para ver a nossa fragilidade. Temos de arranjar algo que nos abasteça. Quando há qualquer problema a nível internacional o que se corta primeiro? O transporte marítimo. E nós somos ilhas. Aliás, neste momento, quase não há navios para Cabo Verde. Chegámos a ter uma média de cinco navios por mês, neste momento temos um, no máximo dois. E isso está a provocar um estrangulamento enorme no abastecimento alimentar e outros. E o que se está a fazer para combater isso?

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50 por cento. Porque é necessário ter um backup Talvez Santiago, São Vicente e o Sal consigam. As outras, não estamos a ver. E quando falamos de 50 por cento é a nível nacional. 2020 é amanhã.

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nuclear. Há uma quantidade enorme de navios que funcionam a energia nuclear, que passam aqui pelo porto da Praia, por São Vicente, já ouviu uma notícia de acidente com algum desses navios? Precisávamos de uma central pequena dessas. Pelo menos, para nos libertarmos um pouco mais. E estas centrais têm uma duração de vida superior a cinquenta anos. Enquanto não há centrais têm de haver medidas que encorajem e promovam a eficiência energética. Essas medidas existem? O governo já tomou umas medidas, há uns quatro ou cinco anos, mas já passaram à história. E pode-se fazer qualquer estudo, entregá-lo, que ele não sai da gaveta. Porque os custos do investimento para essa eficiência são elevados inicialmente. A longo prazo é que se têm vantagens. Por isso, vamos continuar como estamos. Mesmo ao nível dos electrodomésticos não há uma formação aos consumidores. Ensiná-lo sobre qual o tipo de equipamento que deve comprar. Ainda não é tarde, penso que o Ministro da Educação pode começar a preparar uma nova geração de consumidores. Se apostássemos um bocadinho na eficiência energética, teríamos grandes lucros. Poupança energética que nos leva também para as políticas ambientais. Qual é o panorama em Cabo Verde? Temos tentado introduzir, em Cabo Verde, mas não tem sido muito fácil. Aliás, muitas têm causado problemas a certos investimentos, e não sei se será de bom-tom a persecução dessas políticas. Falamos de quê? De estudos de impacto ambiental que têm provocado grandes problemas a grandes investimentos. Acho que estamos a ser mais papistas que o papa. Temos tentado introduzir legislação que vem de fora, com certas exigências externas, que não nos beneficia em nada.

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E a aposta na reciclagem? (sorriso) Qual é a população de Cabo Verde? Qual é o consumo de Cabo Verde para montar uma unidade dessas? Não há consumidores. Cabo Verde é pequeno. Nem mercado tem.

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E uma aposta na exportação dos produtos já reciclados, vidro, plástico, ferro-velho? O ferro-velho tem sido exportado, mas ninguém entra nessa área porque não é rentável. Aquilo que se produz aqui, diariamente, que volume representa? A Praia é uma aldeia. A reciclagem não se consegue rentabilizar. Depois de fazer a recolha e pagar os transportes marítimos não encontrará comprador devido a esses custos. Podemos reciclar, mas, depois fazemos o quê com isso? Ficamos cá com a matéria-prima? Se são sectores para esquecer, o que pode exportar Cabo Verde? Peixe. Dediquemo-nos à pesca. Mas a sério. O que exige investimento. Há dias, em São Vicente, falou-se de uma unidade

que está a exportar uma tonelada de peixe por semana e fez-se uma festa. Isso demonstra a nossa dimensão. Um grande alarido por uma mera tonelada. Regressando à energia, que é um dos problemas mais referidos por todos, desde aos investidores ao governo. Com renováveis, com a Electra, com privados, haverá solução algum dia? Qual é a potência que temos instalada? É necessária uma vontade. Como eu digo, a energia foi sempre relegada para segundo plano, desde a independência. Nunca houve um Ministério da Energia neste país. Houve sempre só ministérios de qualquer coisa e energia, sabendo-se que essa qualquer coisa anterior não funciona sem energia. Portanto, a energia sempre foi o calcanhar de Aquiles de Cabo Verde, desde a independência. E porque é que tantos anos passados se está ainda quase no ponto de partida? O problema foi económico. Se houvesse dinheiro, teríamos ultrapassado isso. A energia em Cabo Verde é uma área onde pouca gente investe, seja bancos, seja instituições internacionais. Para nós, por causa da nossa dimensão, dão pouquíssimo. A Electra para se desenvolver precisa de lucros. Em toda a parte do mundo a energia dá dinheiro. Aqui, o Estado não tem dinheiro para investir. A única maneira de resolver o problema é subir a tarifa, mas depois as pessoas não podem pagar. É um ciclo vicioso. 



Pedro Rodrigues

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Escrever o sentimento ímpar dos cabo-verdianos

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Cantado e interpretado pelos grandes nomes da música cabo-verdiana, Pedro Rodrigues é dos poetas e compositores mais sublimes que Cabo Verde viu nascer.

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atural da ilha do Fogo, cedo emigrou para Angola, terra que adotou como sua segunda pátria. Aqui fez todo o seu percurso de vida académica, desportiva, social e profissional. Carregar a distância da Mãe-Pátria que para trás tinha deixado, despontou-lhe a genialidade da veia poética que, embora adormecida, inconscientemente herdara do avô. Da sua infância em Cabo Verde, apenas lhe ficou gravada a imagem da erupção vulcânica que presenciou

na ilha do Fogo. Recorda que “foi um acontecimento muito dramático. O meu pai – que era funcionário público - encontrava-se destacado em Timor, e foi a minha mãe que teve de enfrentar toda a situação sozinha”. Chegou a Angola muito jovem, no ano de 1952. O pai tinha recebido ordem de transferência para Luanda e ainda nesse ano, a família mudava-se para a terra que o iria marcar ao longo da vida. Passou quase toda a sua infância em dois bairros carismáticos de Luanda: primeiro na Maianga e de-


E/F: Luís Neves | W: Pedro Matos

Enquanto estava em Portugal, foi integrado no exército onde acaba por conhecer o amigo Maiuka, que se viria a tornar, mais tarde, o seu grande companheiro musical. A primeira música que fez, foi no dia de Natal de 1969, na Guiné. Fez a música “Batuque é Feitiço” que reflete o despertar de uma nova realidade - a consciência do homem negro - após sofrerem um ataque ao quartel onde estavam. Conforme relata, “o impacto daquela noite marcou para sempre a minha vida. Então fui para o quarto, peguei numa viola, e ainda sob o efeito daquele ataque, recordei a coragem que os guerrilheiros tinham tido, o que me inspirou profundamente. Essa música viria a marcar aquela geração em Angola. As pessoas cantavam o “Batuque é Feitiço” mas sempre às escondidas. Apenas se gravou o tema depois do 25 de Abril. A partir desta música é que eu comecei a compor”.

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despertar para a música e a poesia, iria acontecer mais tarde, quando foi estudar para Portugal. Embora a sua mãe lhe falasse regularmente do seu avô, Pedro Cardoso - extraordinário poeta que nos anos 20 do século passado fez o primeiro compêndio do Crioulo e foi um dos grandes defensores da cultura cabo-verdiana – foi em Portugal, quando começou a conviver diretamente com estudantes compatriotas que a música despertou sentimentos até então, para ele, desconhecidos. Ao fim do dia, juntavam-se todos e, segundo Pedro Rodrigues, “era sagrado... lá saía uma guitarrada. E aquilo começou a mexer comigo”.

A sua juventude em Luanda fica precisamente marcada por essa dualidade de relacionamentos entre cabo-verdianos e angolanos. A sua formação experimentou o grande impacto das relações com personagens que participaram da grande mudança que Angola viria a encetar, quer no campo político, social, quer desportivo e cultural, e dá o exemplo da sua atividade desportiva iniciada no Atlético de Luanda, onde conheceu “pessoas extraordinárias, que para além do aspeto meramente desportivo, começaram também a incutir-me outros valores, pelos quais me regi o resto da vida. Toda a minha carreira artística, profissional e desportiva, foi desenvolvida em Angola, e essa afinidade com Angola e os angolanos é muito estreita: marcam a minha vida”, e conclui dizendo, “é um relacionamento que define o que hoje sou como pessoa”.

É precisamente o desporto, mais concretamente o futebol, a sua primeira paixão. Pelo Atlético de Luanda, foi atleta federado, destacado e reconhecido como um dos grandes desportistas de Angola. No entanto, o

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pois na Praia do Bispo. Pedro Rodrigues confessa, “Angola é a minha segunda pátria. Aqui fiz a escola primária e o liceu”, e conforme nos afirma, “estes são os períodos que mais nos irão marcar ao longo da vida”. No entanto, apesar de longe, Cabo Verde era presença constante no seu quotidiano. “Luanda sempre teve uma comunidade muito forte de cabo-verdianos, e, talvez por isso, nunca perdi a ligação a Cabo Verde. Bastava-nos deslocar ao Prenda [bairro típico da cidade de Luanda], para pensarmos que estávamos mesmo em Cabo Verde”, ironiza.

Personalidade

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Após a Independência, Pedro Rodrigues conheceu um período de grande atividade criativa, fruto da euforia que então se vivia. Naquela altura compôs muitas músicas de cariz politico, no entanto, houve uma que teve maior impacto: “Canseira sem Medida”, que foi gravado por vários artistas,

que vivia em Angola. Então ele fez-me um pedido dramático: que eu comunicasse às autoridades cabo-verdianas o seu único desejo - morrer em Cabo Verde. Ele já estava em São Tomé há mais de quarenta anos, sem nunca ter ido à pátria. No dia seguinte, quando acordei e olhei para o lado, o homem estava morto. Foi um tremendo choque para mim. Por isso fiz a “Canseira sem Medida”, onde me limitei a fazer a música, pois a poesia tinha-me sido dada por esse compatriota, que ao fazer aquele apelo dramático, me inspirou a compor um dos temas mais conhecidos da minha carreira”, relembra Pedro Rodrigues.

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Esta passagem da sua vida define a sua linha poética. Para Pedro Rodrigues, “o estilo que define um artista depende do estado de espírito e dos acontecimentos que nos marcam. Quando há acontecimentos que nos tocam, a poesia surge de forma espontânea”.

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de onde se destacam nomes como, Cesária Évora e os Tubarões. “É uma música que transmite uma experiência real que eu vivi”, recorda. “Em 1978 fomos festejar o 5 de Julho [dia da Independência de Cabo Verde] a São Tomé. Na altura pertencia ao "Grito di Povo" que era um conjunto de angolanos e cabo-verdianos que tinha por objetivo a divulgação da cultura musical dos dois países. Depois de uma noite musical, tínhamos agendado um jogo de futebol contra uma equipa local da nossa comunidade. Como sabiam que eu tinha jogado futebol, convidaram-me a jogar. Embora um pouco contrariado, pois estava cansado da noite anterior, acabei por aceitar e fui participar. Por sorte ou azar, durante o jogo, o guarda-redes da equipa adversária, num golpe de infelicidade, partiu-me uma perna e eu sou internado no hospital. Enquanto estou internado, conheci uma enfermeira, filha de emigrantes cabo-verdianos, com a qual comecei a falar em crioulo. Ao lado da cama onde estava, vejo um indivíduo muito atento, a olhar para mim, que a certa altura me pergunta, também em crioulo, se eu era cabo-verdiano. Respondi que sim, mas

A base poética das suas músicas, que para o artista é o fator principal para o sucesso de qualquer composição, é a sua vivência. “Grande parte das minhas músicas está relacionada com a minha própria vida, nomeadamente a problemática da emigração, que foi e continua a ser, uma das facetas mais marcantes dos cabo-verdianos”, e conclui, “muitos saíram de Cabo Verde e foram para outros países onde sofreram autenticas situações de escravatura. Talvez por a emigração me ter tocado de forma direta, é um dos temas que mais retrato”. É a força das suas mensagens que fez com que a sua poesia encontrasse interpretes como Bana, Cesária, Ildo Lobo, Tito Paris, Tonecas Marques entre muitos outros. No entanto, e apesar de se sentir honrado por todos eles, houve um agrupamento que o projetou: os Tubarões. Conforme nos refere “toda a fase inicial da minha carreira devo-a a eles. Tive um grande incentivo do Luís Morais e do Ildo, que sempre me apoiaram a escrever. Durante dois anos, os Tubarões gravaram nove músicas minhas, daí que os considere como os principais impulsionadores da minha carreira”, salienta Pedro Rodrigues. A música e o crioulo foram das maiores fontes de resistência ao regime colonial, e tal como acontecera com Eugénio Tavares e B.Léza, encontraram nas palavras de Pedro Rodrigues uma arma poderosíssima na mobilização e motivação de todo um povo. No entanto, Pedro Rodrigues


Oh oi oi Nhos leva’m ca nhôs dixa’m Cabo verde é qu’é nha terra ‘M qu’rê volta ma’m ca podê C’atcha ninguem pa da’me di mon Oh oi oi Nhos leva’m ca nhôs dixa’m Cabo verde é qu’é nha terra ‘M qu’rê volta ma’m ca podê C’atcha ninguem pa da’me di mon [...]

Pedro Rodrigues considera que “a raiz da cultura e tradição cabo-verdiana foi precisamente as correntes migratórias que sempre marcaram o país, sendo esta uma das maiores riquezas de Cabo Verde, e a qual terá sido o baluarte da resistência ao colonialismo, muito mais forte que os próprios tiros”, e continua, “a cultura são os nossos poetas, os nossos músicos, o nosso povo. A maior prova da força da nossa cultura e tradição, é que os nossos emigrantes nunca perderam as suas referências culturais, por mais tempo que passem fora da sua terra natal”.

Ao nível musical, pretende completar um projeto antigo: reunir num CD, com o apoio de vários interpretes amigos (principalmente musicos da sua geração, fazendo a ponte com os mais novos), o trabalho que tem vindo a realizar ao longo destes anos. “Vai ser um projeto que me irá dar grande prazer. Penso que durante o próximo ano, vou começar a dar forma a esta ideia”, adianta.

Profissionalmente, Pedro Rodrigues sente-se um homem plenamente realizado. Iniciou a sua atividade bancária ainda no tempo colonial. Assistiu e participou ativamente no processo da tomada da banca após o 25 de Abril. Com a Independência e com o sequente abandono de quadros, “as capacitações dos que vieram,

Às gerações mais novas de músicos e artistas, Pedro Rodrigues aconselha a que “façam tudo para a dignificação da nossa música, que é parte do património. Trabalhem em conjunto, modernizem, mas tenham sempre em mente a defesa do que é realmente nosso, pois Cabo Verde sempre teve músicos de grande qualidade, capazes de perpetuar a nossa cultura e tradição.” E termina lembrando-nos: “A música é uma arma poderosíssima na união dos povos, pois a música irmana e perdoa”. 

Oh nha guente Nha cancera ka tem medida Oh nha guente Oh qu’afronta qu’m passa Oh nha guente Trinta ano di Sao Tomé Leva’m familia dixa’m mi sô Cu nha tristeza e nha sodade

eram mínimas, mas havia uma grande entrega por parte de todos. Apesar das grandes lacunas, conseguiu-se o fundamental, que era a passagem do testemunho”, recorda. Em Agosto, Pedro Rodrigues completou 40 anos de atividade bancária. Encontra-se atualmente reformado, mantendo, no entanto, a sua ligação à atividade como assessor de um banco angolano, pois, conforme refere, entende que deve transmitir toda a experiência que foi adquirindo ao longo da carreira, pois, como diz "há muita coisa ao nível da banca que não aparece nos livros, como tal, é minha obrigação transmitir aos mais jovens, este conhecimento que só se adquire com a experiência”.

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Oh nha guente Nha cancera ka tem medida Oh nha guente Oh qu’afronta qu’m passa Oh nha guente Trinta ano di Sao Tomé Leva’m familia dixa’m mi sô Cu nha tristeza e nha sodade

Para o poeta, “se a juventude for educada nas escolas tendo por base a nossa tradição, acredito que as raízes não se perderão”, e aponta um exemplo concreto: “veja-se o caso do Funaná, onde tem havido um trabalho extraordinário de evolução e modernização, sem no entanto perder a base que constitui o estilo tradicional”, concluindo que “é fundamental o diálogo da juventude com os mais velhos, por forma a perpetuar a tradição. Se houver este diálogo, a música vai-se modernizando, sem, no entanto, perder a sua essência inicial, pois há necessidade de se defender o que realmente é nosso, sob pena de virmos a ser engolidos pela globalização, o que provocará a descaraterização do nosso povo”.

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também alerta que “hoje vemos muitos jovens a trilhar outros caminhos na música, quer por influencia da globalização ou por mudança de paradigma da escrita”, no entanto, considera que essas influências “não podem destruir a essência da nossa base cultural, onde a música assume um importante papel, e que tem que ser defendida e preservada”, e acrescenta que “tem de haver um esforço para manter essas raízes e tradições, esforço esse que envolva mesmo a estrutura governamental no quadro educativo”.

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Embaixador dos ritmos tradicionais

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Tó Alves

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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Música

Nascido na ilha do Fogo no seio de uma família de músicos, António Pina Alves, por todos conhecido como Tó Alves, adoptou, em criança, o chocalho, feito de latas de leite condensado e algumas sementes de plantas, como o seu “brinquedo” preferido. Por vezes, travava uma verdadeira guerra com os seus irmãos, pela oportunidade de poder acompanhar o pai, músico exímio, nas músicas que tanto gostava de ouvir. Do pai, João Alves, mais conhecido por Djonzinho, herdou ainda, além da educação musical, o respeito pela música, pelos instrumentos e pelos seus executantes.

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ara Tó Alves, “a música é a maior satisfação que a vida pode oferecer”, e todos os dias dá graças por poder usufruir do prazer que a música lhe proporciona.

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É um intérprete defensor da música tradicional cabo-verdiana, considerando-a parte da identidade do seu povo, uma identidade mística e mesclada, tal como a sua música o é. Tenta ser fiel aos ritmos originais de Cabo Verde, admitindo que, “actualmente, é difícil aos jovens interessarem-se pela música tradicional, uma vez que existem muitas influencias provenientes de outros ritmos”.

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Tó Alves, vê a música tradicional cabo-verdiana como um meio privilegiado para a divulgação de Cabo Verde no mundo, das suas gentes, cultura e tradições, e como tal, “gostava que, pelo menos cinquenta por cento da música produzida em Cabo Verde, fosse música tradicional”. Para ele, a música não tem fronteiras, é uma linguagem universal e por isso, há que a saber usar na divulgação das várias mensagens que com ela se podem transmitir. Através da música, “é possível passar uma mensagem positiva às futuras gerações”, e isso “é uma das minhas responsabilidades enquanto músico”, conclui.

Na génese das suas músicas estão as mensagens que transmite. No respeito pela tradição musical cabo-verdiana, considera que as suas músicas, são, à semelhança das músicas tradicionais originais, “como que cartas faladas, que, quem não sabia escrever, cantava”. E recorda-nos que “antigamente, todas as casas tinham um livro de música. Sempre que alguém cantava, tentava-se encontrar alguma pessoa, de preferência com uma boa caligrafia, que as escrevesse, de modo a essas letras não se perderem no tempo”. O seu segundo trabalho discográfico, “Bençon”, é a sequência lógica do primeiro disco, editado em 2007. “Trata-se de dar continuidade às mensagens incluídas em "Mãe mas Justa", onde consigo juntar as crianças, os jovens e os mais velhos, todos reunidos num só trabalho, o que para mim, é motivo de grande orgulho

“... o que realmente hoje nos falta é mesmo a «bençon» de antigamente.”


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e satisfação.” O disco agora editado, passa-nos a mensagem do que é a bençon, e qual a sua importância para os dias de hoje. “Antigamente, quando ouvíamos os nossos mais velhos nos darem bençon, ficávamos mais fortalecidos, pois era um sinal de consideração e respeito. Mesmo com a barriga vazia, quando a mamã nos dava a bençon, era como se ficássemos cheios, e isso era para nós muito reconfortante. Era como uma forma de protecção. Os mais pequenos antes de irem dormir tinham de passar na cama dos país e pedir a bençon e isso era como que um lençol que nos aconchegava a alma. Aquela bençon era o lençol para o nosso espírito. Depois íamos para a cama e dormíamos com os anjos e os nossos país ficavam contentes por

“Através da música, tento passar a minha própria identidade, as minhas raízes e a maneira de ser do nosso povo.” uma vez mais, terem cumprido o dever deles como protectores. É interessante como que antigamente éramos protegidos só com a boca e hoje temos que nos proteger com armas. O que realmente hoje nos falta, é mesmo a bençon de antigamente.”

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Para as novas gerações, Tó Alves gosta de transmitir uma mensagem simples, mas ao mesmo tempo que reflecte a sua maneira de ser e a essência da sua música: não esquecer as raízes e a sua identidade. “A identidade diz tudo de uma pessoa, de um povo, de uma nação. Através da música, tento passar a minha própria identidade, as minhas raízes e a maneira de ser do nosso povo. Esse é o meu grande objectivo. Aos jovens músicos gostaria de expressar todo o meu apoio na procura incessante de novas formas de evoluírem e de criarem música. Que descubram a sua identidade e que contribuam com a sua inteligência para novas descobertas”, conclui.

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Tó Alves, com a sua forma única de escrever e de compor, com a sua maneira de estar e comunicar, pretende ser um marco de inspiração para todos aqueles que criam, promovem e divulgam, a música tradicional de Cabo Verde.



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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Economia

David Jasse

Alavancar o crescimento económico de Cabo Verde Esta entrevista foi-nos concedida ainda no exercício da função de Presidente da Comissão Executiva doBanco BAI Cabo Verde. Pela sua sensibilidade, resultados obtidos durante o período em que exerceu a função e pela actualidade do próprio tema , publicamos agora na íntegra.

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um passado recente, o mercado bancário cabo-verdiano caracterizava-se por um número reduzido de operadores, essencialmente focados no sector de retalho e empresarial, com uma cota de mercado de 70%. Actualmente, o mercado evoluiu e novos bancos apareceram para colmatar as necessidades existentes. Para David Jasse, anterior presidente da Comissão Executiva do Banco BAI Cabo Verde - um dos mais recentes bancos a instalar-se no mercado - “a banca de investimentos e a banca coorporativa são segmentos que não se encontram activamente servidos pelos bancos mais antigos”, e acrescenta, “naquela que é a actual fase de desenvolvimento da economia cabo-verdiana, julgo que seja oportuno surgirem bancos com outro perfil, com mais aptidão ao risco e com capacidade de estruturar soluções de financiamento que permitam alavancar o crescimento económico de Cabo Verde.” Nos últimos anos, o crescimento económico do país, foi essencialmente assente no investimento estrangeiro associado ao sector turístico e imobiliário. No entanto, segundo David Jasse, “o investimento no sector hoteleiro exige um conjunto de infra-estruturas que, Cabo Verde, internamente ainda não consegue proporcionar e que dificilmente serão financiadas por bancos offshore ou bancos não locais”, o que abre o caminho ao aparecimento de novos bancos com capacidade para assumir esse papel.

Uma das contingencias deste tipo de operações mais inovadoras e mais complexas é, segundo David Jasse, “a falta de quadros bancários mais especializados que possuam conhecimentos específicos para o exercício de determinadas funções”.

Uma das formas de minimizar esse constrangimento foi a necessidade de se criar uma Associação de Bancos e Seguradoras de Cabo Verde, como forma de lidarem com questões de interesse comum, sendo a formação uma delas. Para o banco BAI Cabo Verde, “uma parte significativa do investimento do nosso projecto de implementação vai para a área da formação”, acrescenta o gestor. Por opção


estratégica, aproximadamente 80% dos quadros que formam o banco BAI, são elementos novos no sector que durante oito meses receberam formação intensiva por forma ao banco iniciar as suas actividades em 2008. Um projecto que está a ser preparado é a criação de um Instituto Superior Bancário. O modelo para esta instituição ainda não está perfeitamente definido, mas segundo David Jasse, “numa primeira fase poderia ser desen-

volvido em parceria com a Universidade de Cabo Verde, através de um curso ou licenciatura para bancários. Posteriormente poderia evoluir para um mestrado”, e conclui que, no arranque do projecto, todo o suporte académico poderia ser fornecido pelo Instituto de Formação Bancária de Portugal. Quando comparado com outros países africanos, Cabo Verde possui um quadro legislativo e regulador da actividade bancária bastante moderno. Estão regularizadas as sociedades parabancárias de leasing e factoring, as sociedades gestoras de fundos de investimento e os próprios fundos de investimento e as sociedades de capital de risco, que, na actual conjuntura económica mundial, podem-se constituir como importantes instrumentos para o financiamento de alguns projectos estruturais. Segundo David Jasse “esses instrumentos podem sobretudo resolver uma questão que agora começa a ser crucial para Cabo Verde: a carência que existe ao nível da mobilização de capital fixo”, adiantando ainda que “a maior parte dos projectos está com níveis elevados de endividamento face aos capitais próprios e

“a banca de investimentos e a banca coorporativa são segmentos que não se encontram activamente servidos pelos bancos mais antigos” são necessárias soluções que venham a melhorar o equilíbrio e a distribuição de capitais em termos de financiamento dos projectos”. Esses mecanismos podem ser importantes na resolução de algumas necessidades de refinanciamento, para além de que servirão para atenuar aquilo que são alguns constran-


gimentos dos bancos para o financiamento de determinados projectos, devido às exigências regulatórias em termos de gestão de risco. Uma das possibilidades adiantadas pelo actual assessor, seria a existência de “um mix de várias instituições financeiras capazes de dar

“o sistema tributário caboverdiano cria, de certa forma entraves ao surgimento de alguns projectos de investimento”

Jasse, dá-nos o exemplo da construção de um empreendimento turístico imobiliário onde “no acto da contratação de uma empreitada, o IVA incide imediatamente sobre esse contrato, o que acarreta um custo mais elevado no início do investimento”, e aponta como uma solução o facto de que “se houvesse um deferimento em termos de liquidação do imposto, o acesso ao crédito tornar-se-ia mais fácil, e o financiamento à execução financeira desses projectos era muito mais simples, o que permitiria haver muitos mais projectos em execução.”

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Quando questionado sobre a articulação do sistema tributário cabo-verdiano com o sistema de financiamento bancário, David Jasse é peremptório: “o sistema tributário cabo-verdiano cria, de certa forma, entraves ao surgimento de alguns projectos de investimento”, e justifica, “o sistema de tributação do IVA é um dos casos em que não havendo um tratamento especial para projectos de raiz, a carga tributária que se põe ao investimento operacional é bastante elevada”. Em Cabo Verde, o IVA é cobrado no momento da facturação, ou a quando da contratação de serviços. David

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resposta a algumas das solicitações do mercado”, e conclui dizendo que “as sociedades de capital de risco terão um papel importante na promoção daqueles investimentos que, sendo importantes, também apresentam uma componente de risco mais elevada. Estas instituições deverão ser capazes de, de uma forma especializada, medir esse risco e através de recursos próprios de capital no exterior, financiar essas operações, o que certamente permitiria que determinados projectos fossem financiados”.

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No entanto, alguns especialistas defendem um Estado que não pode deixar de cobrar determinados impostos, mesmo antes de os investimentos estarem em execução, isto porque muitas dessas operações são tituladas por empresas offshore, que se limitam a ser empresas de transição. Tal actuação acaba por criar grandes perdas fiscais para os países em via de desenvolvimento. Quando questionado sobre este argumento, David Jasse explica que “Cabo Verde tem uma insuficiência de meios monetários internos capaz de fazer face à realização de determinados investimentos, no entanto, tem de haver uma política e um discernimento prático para a viabilização e concretização de alguns investimentos estratégicos”, e conclui dizendo que “o estado não pode abdicar do seu direito de cobrar impostos, pois são uma das fontes de receitas para a execução das suas funções, no entanto, há alguns desses impostos que devem ser associados ao momento da realização de receita efectiva”, acrescentando que “isso criaria outras condições para a execução financeira de determinados projectos, que são fundamentais ao desenvolvimento do pais.”

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“apenas faz sentido desenvolver o sector imobiliário, na escala que tem ocorrido nos últimos anos, se existir um mercado de turismo que rentabilize esses projectos” No entanto, um problema se coloca ao sector imobiliário em Cabo Verde: como é um sector que está fortemente dependente a actividade turística, à semelhança dos países desenvolvidos, esta actividade sofre da inexistência de garantias reais e dos custos de refinanciamento de hipotecas, o que aliado ao custo eleva-


do da construção no país, leva a que o sector imobiliário seja uma actividade de risco. Para o bancário, “o custo da construção e a falta de inertes e matérias primas, representa um custo adicional à edificação de determinados empreendimentos.” Se acrescentarmos o facto de o mercado interno ser extremamente pequeno, incapaz por si só de viabilizar a maior parte dos investimentos do sector, “apenas faz sentido desenvolver o sector imobiliário, na escala que tem ocorrido nos últimos anos, se existir um mercado de turismo que rentabilize esses projectos”, e remata dizendo que “se não existir o negocio do turismo, esses imóveis têm um valor económico de mercado, que no nosso ponto de vista é zero”, concluí.

Questionado sobre o perigo de se concentrar a actividade bancária numa só actividade económica (o turismo), o bancário é peremptório ao afirmar que “esse risco é real, havendo mesmo alguns bancos a operarem no mercado, que se confrontam com esse problema”, no entanto, acrescenta que “ a curto prazo não se vislumbra o surgimento de actividades económicas em Cabo Verde com a mesma dimensão que permitam essa diversificação de risco”, e sugere “uma reflexão de forma a definir como é que Cabo Verde se pode desen-

“Cabo Verde está próximo de três continentes e deve usar essa vantagem como plataforma para o surgimento de novas actividades”

oferta. Não pode ser só sol e praia, há aspectos culturais que podem ser valorizados, há aspectos da própria geografia das ilhas que podem ser aproveitados. Finalmente existem várias potencialidades, como, por exemplo, o mar, que não estão a ser explorados e que permitiriam a Cabo Verde ser uma atracão pela diferença. Há condições para a prática de desportos de vela, para desportos de pesca e que constituiriam um diferencial e uma mais valia para quem quisesse viver a experiência de umas férias diferenciadas.

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Cabo Verde tem uma história recente e interessante naquilo que é o seu crescente papel no negócio do turismo mundial. Tem características próprias que o tornam atraente, tal como a sua localização, a proximidade com os mercados, a possibilidade de ser uma alternativa aos destinos turísticos “tradicionais”. No entanto, tem o desafio de tornar o seu pacote mais atractivo - precisa diversificar a sua

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A questão está em entender como é que Cabo Verde se pode posicionar no mercado turístico global, que sectores de diferenciação tem e pode gerar, para continuar a ser um mercado interessante, sem nunca deixar de estar atento a fenómenos globais que possam ter impacto nacional. O conhecimento desse negócio e a antecipação daquilo que serão as tendências é que, de alguma forma, permitirá a diminuição dos factores de risco.

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entanto, acrescenta que “é necessário reforçar o papel do sector financeiro cabo-verdiano, através da aquisição de outras capacidades, outras competências, por forma a dar suporte ao surgimento dessas actividades”, adiantando que “talvez fosse de considerar a revisão do actual modelo, podendo equacionar-se um sistema onde coexistisse a banca local e a banca offshore”. Em jeito de conclusão, o membro da Comissão Executiva do banco BAI Cabo Verde, afirma que estes dois primeiros anos de actividade do banco que iniciou e viu crescer, “foram dois anos que marcaram a capacidade de conquistar um espaço no mercado, com uma imagem de marca reconhecida e respeitada”.

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volver baseando a sua actividade no turismo, sem nunca deixar de lado alguns sectores que não estejam dependentes dessa actividade.” O turismo é um negocio cíclico onde os destinos estão na moda em determinadas alturas e, por razões subjectivas, muitas vezes deixam de o estar. Neste momento, Cabo Verde possui uma oportunidade, fruto das actuais crises na Tunísia e no Egipto, que levam os turistas a procurar outros destinos. É importante que haja uma estratégia clara, para que se beneficie desta oportunidade. Cabo Verde é um país estável, homogéneo e menos susceptível ao aparecimento de instabilidades sociais, por isso, é imperativo que aproveite a oportunidade.

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Para David Jasse, Cabo Verde tem desenvolvido uma estratégia assente na sua principal vantagem competitiva: a localização geográfica. No entanto, na sua opinião, “deveria estar a incrementar estratégias assentes naquilo que são as tendências ao nível do desenvolvimento do comércio internacional, isto é, as novas rotas de navegação, as novas rotas comerciais, as novas parcerias que se estão a estabelecer na economia global, associadas àquilo que é a necessidade de flexibilização por forma a poder servir vários mercados”, e justifica ao afirmar que “Cabo Verde está próximo de três continentes e deve usar essa vantagem como plataforma para o surgimento de novas actividades, quer ao nível de entrepostos portuários e aéreos, quer mesmo como base operacional para algumas multinacionais que queiram operar em países vizinhos”, no

Não duvida da viabilidade e do sucesso no processo de implementação do banco, pois na sua opinião “o banco BAI Cabo Verde está implementado de forma a que num futuro muito curto, possa ganhar um papel importante no sector financeiro do país”, não só pelo seu posicionamento no mercado, mas também “pelo papel que irá representar no desenvolvimento de relações entre Cabo Verde e Angola, pela capacidade substancial de mobilizar recursos financeiros em mercados alternativos e pela possibilidade de estabelecer parcerias que irão mudar o cenário do sector financeiro

“Julgo que dentro de cinco anos, vamos ser um dos principais bancos deste mercado” em Cabo Verde”, e conclui que “neste momento, estamos a criar um grupo de bancários com outra cultura, , outra forma de estar no mercado, o que irá constituir um factor de diferenciação. Julgo que dentro de cinco anos, vamos ser um dos principais bancos deste mercado”. 



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Olhares


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O sucesso de qualquer projecto depende sempre da forma como o abordamos The success of any project always depends on how we approach

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TAAG

Crescer em novos destinos

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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

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Henrique Batalha

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Há quatro anos como delegado da TAAG – Linhas Aéreas de Angola em Cabo Verde, Henrique Batalha é um homem com a ambição de tornar a companhia aérea angolana, numa das mais competitivas a operar no país.

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ara o delegado da TAAG, "Cabo Verde possui um nível muito elevado em termos de aviação civil, fruto da própria organização do país." Apesar de ser um país pequeno, Henrique Batalha é da opinião “que o mercado cabo-verdiano é um bom mercado para a TAAG, com grandes potencialidades de crescimento, fruto da boa governação e organização, para a qual contribui a hospitalidade e respeito do seu povo”, e acrescenta que “Cabo Verde é um país

onde se pode trabalhar com toda a segurança, o que para a aviação civil é fundamental”. Quando a TAAG iniciou as operações comerciais em Cabo Verde, há cerca de 8 anos atrás, foi uma aposta cheia de dúvidas uma vez que se levantavam muitas questões em torno da própria rentabilidade da rota. O aparelho utilizado, um “velhinho” 737-200 também não ajudava, que obrigava a várias escalas, "uma comercial em São Tomé e uma


companhia, nomeadamente ao nível da requalificação e capacitação humana, que é um dos nossos grandes problemas, pois a TAAG é o espelho do pais em termos de aviação civil”.

Quando questionado sobre a possibilidade de novas alianças entre a TAAG e outras companhias aéreas com mais experiência, Henrique Batalha éperemptório ao afirmar que “as novas alianças são sempre importantes, no entanto não nos podemos esquecer de melhorar a nossa própria

Atualmente, a rota Luanda/São Tomé/Praia, fruto do empenho e dedicação do funcionários e colaboradores das Linhas Aéreas de Angola, conta já com passageiros fidelizados. A ocupação desta linha é presentemente de 90 a 100%, o que segundo o seu delegado “é um resultado excelente”. 

Com a transferência da frequência que a TAAG mantinha para Cabo Verde - a rota Luanda/São Tomé/Sal – a companhia aérea angolana apostou fortemente na frequência Luanda/São Tomé/ Praia, com resultados extremamente positivos. Segundo Henrique Batalha, “houve um aumento de mais de 40% de tráfego, o que se reflete numa procura muito intensa destes novos destinos”, adianta.

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“Cabo Verde é um país onde se pode trabalhar com toda a segurança, o que para a aviação civil é fundamental”

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técnica em Abidjam ou Accra". Atualmente, com a utilização dos 737-700 que equipam a novíssima frota da TAAG, “o quadro alterou-se significativamente, quer em termos de tráfego e comodidade, quer, acima de tudo, em termos de eficiência”, observa Henrique Batalha, destacando ainda o facto de já não haver necessidade para a execução da escala técnica, reduzindo substancialmente o tempo de voo para Cabo-verde.

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Hotel Trópico Pestana

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Uma referência na cidade da Praia

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Em 1996 a cidade da Praia viu nascer um projecto hoteleiro que se distinguia de tudo o que até aí existia. O Hotel Trópico rapidamente se tornou uma referência na ilha de Santiago, quer pela qualidade, quer pela sempre crescente procura dos seus serviços.

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esde a sua aquisição em abril de 2003 pelo grupo Pestana, o Hotel Trópico sempre apresentou bons resultados, reforçados pela abertura, em 2005, do aeroporto internacional da Praia. Fruto de todo este sucesso, encontra-se actualmente em fase de ampliação, o que deixa antecipar mais uns largos anos de êxito. Jorge Xavier, o seu diretor geral, dá-nos a sua visão do sector hoteleiro na atual conjuntura económica mundial.

Quais as sua expectativas para esta unidade hoteleira? A resposta está a ser dada neste momento através da ampliação da unidade, que vai passar dos actuais 51 para os 92 quartos. Iremos também proceder à renovação da piscina. Isto demonstra bem a confiança que temos, não só na empresa, mas também do desempenho económico do próprio país.


E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Já se sentem actualmente os efeitos desta crise? Há que salientar que, à semelhança de outros países, há dois tipos de turismo em Cabo Verde: há o chamado turismo de negócios e o turismo de lazer. Até pelo aumento da concorrência que se tem vindo a verificar, com a abertura de algumas unidades de pequena dimensão, a actual crise económica afecta igualmente a componente business na qual nos posicionamos. No entanto, neste momento, a procura, embora com um aumento de concorrência, continua a ser suficiente para quase todos. Pelo menos, os que conheço e oferecem qualidade aos clientes, sobrevivem perfeitamente na cidade da Praia. Quanto à procura turística na componente lazer, Cabo Verde tem beneficiado, tal como outros países, da actual crise que o sector tem registado no norte de África.

“É fundamental que Cabo Verde comece a ter quadros seus a gerir as empresas localizadas cá.”

O nosso cliente tipo é essencialmente empresário, quadro executivo ou técnico, que vem com objectivos bem definidos e que, por isso, passa aqui meia dúzia de dias. Tem as suas reuniões, os seus encontros e quando atinge os objectivos, vai-se embora. A nossa taxa de ocupação ronda dos 80%. Como não temos sazonalidade, não temos os “picos” característicos do turismo de lazer. A taxa de ocupação do hotel é bastante plana. Há uma pequena quebra em Agosto e Dezembro, relacionada com o facto de nessas alturas as pessoas e as empresas se encontrarem de férias.

Como classifica os actuais serviços proporcionado pelo Pestana Trópico Hotel? Nós queremos sempre mais e melhor, tanto assim é que estamos a fazer um investimento vultuoso na renovação do hotel. Atendendo às circunstâncias que nos rodeiam, entendemos que, em termos de fiabilidade, brilhamos, porque não temos falhas graves; não falha a luz, não falha a água, não desaparece nada dos quartos. As pessoas quando entram neste hotel sabem com o que podem contar. Sabem que é um hotel simpático e o comentário que mais me fazem é o de se sentirem em casa - este é o melhor elogio que nos podem fazer.

Em termos de formação dos funcionários, acha que estão à altura do reconhecimento já conquistado? Todos os nossos funcionários possuem as condições básicas de formação, educação e seriedade. Quando os seleccionamos, é porque entendemos que reúnem as condições básicas de honestidade, seriedade, dedicação e responsabilidade. Depois, temos que os munir de ferramentas que lhes permitam exercer o seu trabalho. Quando cheguei ao Trópico, procurei não estragar o rumo que havia; não inventei a pólvora, apenas tentei procurar não estragar o que já havia e acima de tudo fomentar a cultura do grupo Pestana.

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Estou convencido que, devido às condições muito especiais em que o Pestana Trópico se insere, a crise, embora nos afecte - porque afecta toda a gente - será de certa forma minorada pela racionalidade das medidas que temos vindo a aplicar.

Qual o perfil dos vossos principais clientes?

Embora não seja um especialista na área económica, vejo com alguma preocupação a actual conjuntura. Cabo Verde não passará incólume a esta crise, mas penso que, nestes últimos anos, têm sido tomadas várias medidas para minorar os seus efeitos. É evidente que estamos a antever que vem aí uma "borrasca" e neste momento o que estamos a fazer é vedar as portas e janelas e ver os possíveis furos que hajam no tecto obviamente, estou aqui a fazer uma pequena analogia - para quando essa borrasca chegar estarmos preparados e não sermos demasiado afectados por ela.

O Algarve beneficiou disso, a Madeira beneficiou disso, as Canárias beneficiaram disso… todas as regiões geográficas fora dessa área beneficiaram, porque os turistas balneares deixaram de ir para a Tunísia, Líbia e Egipto. Até Marrocos, mesmo sem problemas, foi prejudicado, pois as pessoas têm medo e também não vão. Cabo Verde também tem beneficiado com isso, mas esta é uma situação conjuntural e não estrutural.

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Como está o actual contexto económico mundial a influenciar o sector hoteleiro em Cabo Verde?

Atividade

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Há ainda a grande preocupação em lhes proporcionar formação. Um fenómeno muito recente e que constato com muito agrado é que, já temos a trabalhar entre nós pessoas saídas da “primeira fornada” de técnicos formados pela recentemente criada Escola de Hotelaria e Turismo de Cabo Verde. São cinco pessoas: duas na cozinha e três para as mesas e bar, e embora já o esperasse, estou agradavelmente surpreendido.

Considera então a formação profissional em Cabo Verde como essencial para o desenvolvimento da actividade?

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É essencial. Em relação à escola que agora iniciou a sua actividade, encontra-se neste momento a formar quadros para a área de produção, nomeadamente para a cozinha, restaurantes e bares. Há depois um segmento intermédio ao nível da área da administração (recepção e controle) que depois chegará à gestão. No entanto, estes são processos gradativos e evolutivos que demoram o seu tempo.

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“O melhor que Cabo Verde tem para oferecer é o seu povo, a seriedade das suas gentes, a sua dedicação e honestidade...” É fundamental que Cabo Verde comece a ter quadros seus a gerir as empresas localizadas cá. Este é um dos objectivos da escola e o grupo Pestana identifica-se com este objectivo. Numa primeira fase, vêm quadros da sua confiança - como é o meu caso - e numa fase


posterior procede-se à contratação de cidadãos nacionais.

O mercado hoteleiro em Cabo Verde, é um mercado com potencial de crescimento? É um mercado com potencial de crescimento, mas também não caiamos no exagero de pensar que se pode desatar a abrir hotéis. Eu costumo citar o exemplo de Maputo, onde começaram a abrir hotéis uns atrás dos outros e actualmente estão todos a concorrer entre si, pois já não há procura para tanta oferta. Nós temos uma carência ligeira na parte da oferta, mas não é assim tão grande como isso. Quando se fala em abrir mais hotéis, as pessoas têm que se lembrar de quantos aviões aterram no aeroporto, pois são essas pessoas que vão ocupar os hotéis. Muitos dos que viajam nesses aviões até terão raízes cá ou terão relações cá e não precisarão de hotel. Enquanto aterrarem apenas 1 ou 2 aviões não haverá assim tanta necessidade de novos empreendimentos. Haverá espaço para mais alguns quartos, mas não de forma a que se abram tantas novas unidades.

Quais são os incentivos do governo para o desenvolvimento da actividade hoteleira em particular e do turismo em geral?

Eu não falo em incentivos, falo na ausência de complicações. O Estado cabo-verdiano não é um Estado rico que se possa permitir conceder incentivos a nível financeiro. O que acho bastante positivo é, para já, a ausência de corrupção, simplificação de processos, boa vontade e isenções de algumas taxas. Também o facto de se permitir o expatriamento de rendimentos legitimamente obtidos sem grandes complicações, é bastante significativo. Se houver um investimento estrangeiro, o accionista vê remunerado o seu investimento e pode usufruir dos seus dividendos sem complicações, desde que, obviamente, sejam cumpridas as normas exigidas por Cabo Verde. Estes são os principais incentivos.

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As pessoas não se podem esquecer que, por exemplo, quando há um evento, 2000 ou 3000 quartos não chegam, mas esse evento acontece uma vez em dez anos. Um hotel tem que ser vendido 365 dias por ano. Aí é que surgem os problemas. As pessoas que não pensem que temos aqui uma falta de quartos significativa, pois tal não é verdade. Temos uma carência de talvez 100 quartos. E 100 quartos multiplicados por 365 dias, são muitos quartos para a cidade da Praia.

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“...o que eu gosto mais de constatar é o nível de vida das pessoas a aumentar, e isso é notório.”

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Costumo dar este exemplo: numa manhã, consigo reunir-me com a Direcção Geral de Energia, com a Direcção Geral do Comércio e com a Direcção Geral do Desenvolvimento Turístico. Há uma grande vontade em acolher investimento. As pessoas esforçam-se ao máximo para não complicar, o que é algo fantástico. Nos 8 anos que aqui estou, já contactei desde Câmaras Municipais a Institutos de Recursos Hídricos, Capitanias, Direcções Gerais de Turismo, de Comércio, de Ambiente, de Energia e nunca tive um problema sério. Por vezes, pode faltar um papel, ou uma assinatura, mas rapidamente tudo se resolve.

Cabo Verde também tem muita concorrência dos países vizinhos. Companhias aéreas que escalavam no Sal e que recentemente desviaram as suas operações para Dakar, pois foram-lhes oferecidas melhores condições. Cabo Verde tem realmente dificuldades em oferecer condições competitivas devido à sua falta de recursos.

Cabo Verde é um país competitivo capaz de atrair investimento externo?

Quais as suas expectativas em termos de desenvolvimento futuro?

Cabo Verde é um país com características difíceis: poucos recursos naturais, descontinuidade territorial e com um mercado de reduzida dimensão. Torna-se assim complicado convencer alguém a investir para abastecer o mercado local. Como o mercado é pequeno, é muitas vezes mais racional desviar uma parte da produção que se tenha noutro país e envia-la para cá, do que estar a criar investimentos de raiz aqui. O custo real de produção seria elevadíssimo, não haveria maneira de conseguir diluir os seus custos pelo mercado interno. Antigamente o Sal, em termos turísticos, era muito procurado, hoje existe um “desvio” para a Boa Vista. No entanto, espera-se que, ao contrário do que aconteceu no Sal que foi vítima de graves erros, quer ao nível estrutural, quer ao nível ambiental – na Boa Vista haja uma maior consciencialização e responsabilização, e não se voltem a cometer os erros de antigamente.

Gostaria que as condições socioeconómicas se desenvolvessem ainda mais. Ao nível de vias de comunicação e infra-estruturas já se nota um grande desenvolvimento. Ao nível energético essas melhorias também são significativas, com a construção de novas barragens, parques eólicos e solares. Mas, o que eu gosto mais de constatar é o nível de vida das pessoas a aumentar, e isso é notório.

O melhor que Cabo Verde tem para oferecer é o seu povo, a seriedade das suas gentes, a sua dedicação e honestidade, o que o torna, neste aspecto, muito acima do nível de desenvolvimento dos países vizinhos. Mas muitas vezes, isto só não chega.

Quando vim para cá em 2003, o nível de escolaridade nas candidaturas recebidas aqui no hotel era pouco superior ao quarto ano. Hoje vêm com o décimo primeiro, décimo segundo ano ou mais, e isso é bom. Estamos a assistir a um processo evolutivo muito acelerado, esperemos que agora a conjuntura internacional não venha a arrefecer um pouco esta evolução. 



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E: Luís Neves | W/F: Pedro Matos

Empreendedores

PROFI_T

Crescer em tempos de crise

Também Sónia Tavares, alia a experiência obtida durante mais de quatro anos a trabalhar em duas grandes empresas de arquitectura e engenharia, à

Amelvira Tavares [por todos conhecida como Eda Tavares], Sónia Tavares e Kathyusa Tavares, são formadas em áreas distintas, no entanto fundamentais ao sucesso do empreendimento que agora iniciam. Eda, a mais velha, é formada em engenharia civil. Sónia Tavares é formada em arquitectura e urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Kathyusa é licenciada em direito pela Universidade de Santa Úrsula, também do Rio de Janeiro.

Apesar de jovens, as três irmãs contam já com uma vasta experiência profissional, quer em projectos em Cabo Verde, quer mesmo no exterior. Regressada recentemente de Angola, onde se encontram a desenvolver um grande projecto para um centro de estágios para um clube de futebol profissional daquele país, Eda Tavares não esconde o entusiasmo e o orgulho que sente pelo bom desempenho que a PROFI_T tem revelado neste importante empreendimento. “Trabalhar em Angola tem sido uma experiência extraordinária. Além de nos proporcionar traquejo, pois é um mercado novo, dá-nos uma visão mais abrangente das nossas competências e potencialidades”, diz.

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m comum, além dos laços de sangue que as une, têm a paixão pela actividade profissional que desenvolvem. Filhas de um empresário desde sempre ligado à área da construção civil, as três irmãs, complementam-se nas várias valências que formam os alicerces da empresa.

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Nascida do espírito empreendedor de três jovens cabo-verdianas, a PROFI_T, empresa especializada na consultoria, fiscalização e elaboração de projectos de arquitectura e engenharia, pretende afirmar-se no mercado como uma empresa criativa, dinâmica e capaz de fornecer soluções inovadoras no competitivo mercado da arquitectura, design de interiores e engenharia.

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capacidade criativa e inovadora que caracterizam a PROFI_T. No entanto, para quem se quer afirmar no mercado, as dificuldades são sempre muitas. Inserida numa área extremamente competitiva, com a pressão da concorrência de empresas nacionais e estrangeiras que operam há muitos anos no país, a PROFI_T luta pela conquista de oportunidades que, conforme nos confidencia Sónia Tavares, “neste momento de crise que o sector atravessa, nem sempre aparecem.” Para a arquitecta, a situação é ainda mais constrangedora uma vez que “existem áreas com apoios estatais, que recebem incentivos, tais como o comércio, a agricultura e o turismo, no entanto a arquitectura e a construção civil não são abrangidas por esta protecção, apesar de, mesmo com a falta de projectos, termos de contribuir mensalmente para o INPS e para as finanças”, desabafa.

Apesar de contarem com alguns clientes privados, depositam todas as esperanças de crescimento no “cliente Estado” e nas autarquias, pois conforme salienta Eda Tavares, “esses são os grandes clientes, com projectos capazes de criar sustentabilidade às empresas desta área”. Segundo a engenheira, “os projectos nacionais privados também não dão grandes garantias, pois os clientes ainda valorizam pouco os projectos de arquitectura realizados por empresas cabo-verdianas”, lamenta. No entanto, e apesar das grandes dificuldades, no primeiro concurso público em que participam, é-lhes atribuída, em parceria com uma empresa portuguesa, a fiscalização de uma obra integrada no projecto “Casa para Todos”, o que é motivo de grande satisfação para a jovem equipa da PROFI_T. Um dos grandes entraves ao crescimento da actividade é, segundo Sónia Tavares, “o grande número de projectos que vêm do estrangeiro, projectos esses que poderiam dar grande sustentabilidade e serviriam para alavancar as empresas nacionais”, e acrescenta que “em Cabo Verde, são feitos poucos projectos de arquitectura, e quem consegue os projectos ou já tem nome no mercado ou possui conhecimentos que facilitam a sua participação”. Fruto da criatividade, experiência e conhecimento do mercado, a PROFI_T gostaria de conseguir, a curto prazo, ver desenvolvidas algumas das suas mais arrojadas e inovadoras ideias, nomeadamente ao nível do imobiliário turístico, não só na ilha de Santiago, mas também nas ilhas da Boa Vista e Maio, que, consideram, ser o futuro deste sector em Cabo Verde. No entanto, admitem que não é ta-

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“ainda há uma grande falta de

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empreendedorismo dos empresários cabo-verdianos" refa fácil, uma vez que “ainda há uma grande falta de empreendedorismo dos empresários cabo-verdianos, o que faz com que os grandes projectos de imobiliário turístico que aparecem em Cabo Verde sejam estrangeiros”, referem.


É, no entanto, este mercado do imobiliário turístico, o grande impulsionador da área da construção civil em Cabo Verde. Conforme dizem, “apesar dos grandes projectos turísticos terem abrandado, estão a aparecer algumas iniciativas ligadas ao turismo rural, em parceria com empresas estran-

“é no sector privado que as empresas têm que encontrar saídas para a crise (...)"

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Para as responsáveis da jovem empresa, “o que falta em Cabo Verde são oportunidades de negócio”, pois, conforme adiantam, “os jovens cabo-verdianos quando percebem que existem oportunidades, agarram-nas e aproveitam-nas”, e referem a sua experiência pessoal ao criarem parcerias com outros jovens empreendedores nacionais para o

desenvolvimento de projectos conjuntos em áreas de sucesso, tais como o turismo, a agricultura e o lazer", e terminam com um conselho: “os jovens empreendedores têm, antes de se aventurarem em qualquer negócio, de possuir um conhecimento da área onde pretendem investir. Depois há que ter coragem para enfrentar os problemas naturais que qualquer negócio ocasiona e finalmente, deverão ser suficientemente determinados na busca do seu objectivo, sem, no entanto, esquecer que o sucesso não se conquista da noite para o dia”. 

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geiras”, mas conforme salientam, “também nesta nova área não tem sido fácil, pois a falta de financiamento é o maior entrave ao surgimento de novas iniciativas, e neste momento, esta é uma das maiores dificuldades que Cabo Verde enfrenta”. No entanto, conforme admitem, “é no sector privado que as empresas têm que encontrar saídas para a crise que se apoderou desta área de actividade. Embora não apareçam projectos de grande envergadura, há sempre muita procura para projectos residenciais, o que permite manter a actividade.”

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DESCO

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Reforçar a presença em Cabo Verde Constituída em 1989 pelo seu visionário fundador, o sueco Knut Andersson, a DESCO Angola especializou-se na comercialização e manutenção de grupos geradores de elevado desempenho. Cedo de afirmou no mercado angolano como uma das mais prestigiadas empresas nesta área, quer pela qualidade dos seus produtos, quer pela capacidade de resposta perante novos desafios. Com clientes de Cabinda ao Cunene, a DESCO tornou-se um importante parceiro do Estado angolano para o desenvolvimento do país. Levar para Cabo Verde este modelo de negócio é o objetivo principal de Carlos Medina, o novo diretor geral da DESCO.


Apostar na contratação local é um dos principais objetivos da direção da empresa. Conforme refere Carlos Medina, “internacionalizar uma empresa, seja qual for a sua área de atividade, acarreta sempre um grande investimento. Quando se aposta em pessoas locais, esse

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“Cabo Verde continua a ser um desafio, pelo que a estratégia será durante este ano o reforço da presença da empresa no mercado”

Para o diretor geral da DESCO, “Cabo Verde continua a ser um desafio, pelo que a estratégia será durante este ano o reforço da presença da empresa no mercado”. Se inicialmente a aposta passava apenas por parcerias com o Estado cabo-verdiano, atualmente, a DESCO pretende reforçar de forma efetiva a sua presença no país, apostando diretamente no setor privado, com parcerias ao nível comercial, mas também em termos industriais. Apostar numa comunicação mais agressiva e importar o modelo de negócio que está a ser atualmente desenvolvido nas províncias angolanas é o intuito da DESCO para o desenvolvimento da sua estratégia de reentrada no mercado cabo-verdiano.

Aproveitando este interregno, a DESCO apostou fortemente no mercado interno angolano, expandindo a sua presença para outras províncias do país. Segundo Carlos Medina, “a DESCO atingiu em Angola todos os objetivos a que se propôs. No entanto, sempre que alcançamos uma meta, traçamos de imediato uma outra ainda mais ambiciosa, por forma a mantermos a dinâmica da extraordinária equipa que possuímos”. Prova desta dinâmica é o crescimento registado pela DESCO, com taxas que variam, de forma consecutiva, entre os 20 a 25% ao ano. Estes resultados são o fruto da política de expansão que o Grupo DESCO assumiu nestes últimos cinco anos, através da abertura de um centro de comercialização e manutenção em Benguela. Durante

2012 será aplicado este modelo a outras três províncias angolanas, nomeadamente Cabinda, Malanje e Huambo. Tal como Carlos Medina refere, “com mais estes quatro pontos de operação, acrescidos da nossa central em Luanda, a DESCO atingirá grande parte do mercado em Angola, que de uma maneira geral continua a necessitar dos nossos produtos e serviços”.

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Carlos Medina nunca deixou de olhar para Cabo Verde como um mercado com grande potencial. Em 2006, fruto de vários estudos efetuados, assume o comando na abertura de uma sucursal DESCO no país. No entanto, tal como nos confidencia, “o mercado ainda não estava suficientemente maduro e preparado para o modelo de negócio que na altura queríamos implementar”, pelo que o projeto conheceu alguns condicionalismos.

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ssume todos os projetos com igual empenho e dedicação. Tal apego ao trabalho que desenvolve, valeram-lhe em 2010, a nomeação para diretor geral da DESCO. Carlos Medina é um homem satisfeito com o trabalho realizado, no entanto, tal como afirma, “há ainda muito por fazer, pois esta área de negócio está em constante evolução”. Para o antigo diretor financeiro do Grupo DESCO, profundo conhecedor do mercado em que opera, a sua unânime nomeação por parte dos acionistas da empresa para a liderança do Grupo, “acabou por ser um processo natural, fruto do trabalho que tinha vindo a ser desenvolvido”, diz.

Empresa

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investimento é ainda maior, uma vez que, para se manter o nível atingido, há que formar técnicos e quadros que mantenham os padrões da empresa, e isso nem sempre é fácil”. Apostar nos jovem é outra das linhas de orientação desta nova direção. Para o gestor, “os jovens são mais recetivos às novas tecnologias e a novas formas de operar, no entanto, nunca descuramos a experiência e o pessoal com mais anos de casa, que são uma peça fundamental na nossa organização”.

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É exatamente a contar com estes quadros mais experientes e com elevado conhecimento técnico dos produtos que comercializa, que a DESCO pretende implementar o seu modelo de negócio em Cabo Verde. Para a manutenção dos seus equipamentos, o modelo aponta para a formação de fortes parcerias locais. Para tal, irão ser selecionadas empresas com capacidade de dar resposta às exigentes normas impostas pela DESCO. No entanto, toda a formação dos técnicos locais será da sua inteira responsabilidade, que, numa primeira fase, enviará para o mercado o seu pessoal mais capacitado e qualificado. Conforme nos refere Carlos Medina, “disponibilizaremos todo o nosso know how em ações de formação, por forma a garantirmos o mesmo grau de satisfação a que os nossos clientes estão habituados”.

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A DESCO, como representante da conceituada marca de geradores FG Wilson, continuamente investe nesta relação representante/fabricante. Conforme nos relata Carlos Medina, “a aposta da FG Wilson na DESCO tem-se baseado na colaboração mutua entre as duas entidades, quer no desenvolvimento de novos produtos e soluções adaptadas ao mercado onde a DESCO opera, quer, como é lógico, no volume de negócios por nós alcançado.” É, no entanto, ao nível da assistência e manutenção dos equipamentos comercializados, que a DESCO se destaca das demais empresas. Criada de raiz para satisfazer estas necessidades, a SANEL (empresa do universo DESCO), é a entidade responsável por toda a assistência técnica dos equipamentos FG Wilson. Com grande reconhecimento, quer ao nível dos clientes, quer no relacionamento com a FG Wilson, “a SANEL é uma peça fundamental na estratégia de internacionalização da DESCO, nomeadamente para Cabo Verde”, refere o gestor. Apesar de desde sempre estar ligada a fontes de energia convencionais, a DESCO mantém os olhos no futuro e não descarta a possibilidade de vir a operar outras fontes energéticas, nomeadamente ao nível das energias renováveis. No entanto, conforme refere Carlos Medina, “é ainda utópico neste momento pensarmos que podemos depender apenas das energias renová-

veis, pois o custo de exploração dessas energias é, neste momento, incomportável”, e adianta, “o que atualmente

“os jovens são mais recetivos às novas tecnologias (...) no entanto, nunca descuramos a experiência e o pessoal com mais anos de casa” podemos fazer é um híbrido entre as energias renováveis e as chamadas energias convencionais”. Estudos feitos, demonstram que, aos níveis de consumo atuais, as energias renováveis apenas podem contribuir com cerca de 25% das nossas necessidades energéticas, sendo os restantes 75% que ser fornecidos por fontes conven-


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cionais, o que leva o diretor geral da DESCO a concluir que “ainda estamos longe de as energias renováveis se poderem afirmar como substitutas das convencionais”. É ao nível da racionalização dos consumos elétricos, que mais dificuldades se têm verificado em Cabo Verde. Segundo Carlos Medina, “em Cabo Verde os problemas energéticos resumem-se a três fatores fundamentais: a legislação aplicável à figura do produtor independente com as limitações que estes têm para colocar o excesso da energia produzida na rede elétrica; problemas de natureza técnica inerentes à própria conceção da rede (são redes isoladas que não se interligam) associada às perdas no transporte elétrico, que atinge uma média de 30% da energia produzida, e finalmente à disciplina do consumidor.” Para Carlos Medina, “não importa discutir uma política de produção energética quando não há disciplina por parte do consumidor na utilização dessa mesma energia. Em Cabo Verde, faz todo o sentido falar-se, por exemplo, da utilização de contadores pré-pagos, os quais naturalmente iriam racionalizar a utilização energética no país” e conclui, “penso que an-

tes de se falar em energias alternativas e renováveis, a questão da disciplina e da racionalização no consumo, deverá ser uma preocupação do governo, quer ao nível de ações de sensibilização quer mesmo ao nível da formação. É uma aposta que tem que ser feita, pois as energias renováveis, sem esta componente, não irão resolver por si só os problemas energéticos do país.” Apesar de se encontrar fisicamente distante de Cabo Verde, Carlos Medina não deixa de acompanhar, diariamente, os acontecimentos no seu país e conforme refere, “é com grande orgulho que constato que o país está a caminhar no bom sentido, desenvolvendo-se e progredindo. Vê-se melhorias significativas na qualidade de vida das pessoas, e isso é importante. Acredito que com a ajuda de todos, Cabo Verde continuará a evoluir e a proporcionar, cada dia que passa, melhores condições de vida ao seu povo”, e conclui que “tenho todo o interesse, como cabo-verdiano que sou, em levar para a minha terra, modelos de negócio que funcionam, que já deram provas de sucesso noutros locais e que podem ser uma mais valia para Cabo Verde”. 

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Edição 1 - Janeiro ‘12

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Pedro Pires

Exemplo de boa governação Padre Campos

Ligar a fé ao povo de Cabo Verde

David Jasse

Alavancar o crescimento económico

Ulisses Correia e Silva

Privilegiar a qualidade de vida na cidade da Praia

DESCO

Reforçar a presença em Cabo Verde

Tó Alves

Embaixador dos ritmos tradicionais


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