CHATS

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© Jorge Judas 2019 © Waf Books 2019


C H A T S J ORGE J UDAS

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CHATS

Le chat de la voisine Qui mange la bonne cuisine Et fait ses gros ronrons Sur un bel ĂŠdredon dondon Le chat de la voisine Qui s'met pleines les babines De poulet, de fois gras Et ne chasse pas les rats Miaou, miaou Qu'il est touchant le chant du chat Ronron, ronron Et vive le chat et vive le chat Yves Montand



A CÔR DO DONO

— policromáticas gargalhadas? — farei versos em metidas estradas.


CONTRAPUNTO BESTIALE ALLA MENTE

Gosto de gatos livres de donos. Gosto de esquinas alumiadas. Gosto de aprofundar amigos. Gosto de gente lĂşcida & amorosa. Gosto de beber sem me embebedar. Gosto de sorrir a desconhecidos. Gosto de dar gargalhadas. Nunca cessei de continuar.


MERZ

Ainda era petiz e o vizinho do lado além de um enorme Columbano tinha belos quadros do Escada, do qual, confesso, não sei se lhe vi a pessoa, mas lembro-me da primeira retrospectiva inaugurada a 4 de Dezembro de 80 na noite em que Sá-Carneiro morreu calcinado. Eis-me agora burguês, 30 e tais natais a mais, sem gatinhos, filhos crescidos, com a rica sensação de ter falhado. Falham sempre os pais e os filhos, não os gatos, são as questões radicais. Os gatos não crescem. São bebés burgueses bons para dadaístas com consultório como Huelsenbeck , e não dadas papás como o da Merzbaum.


ARROSOIR

Dedicatórias são exercícios de estilo e bajulações em que sou inábil. Mas faço. Vai amor nelas? Vai. Prefiro abraços. Delével escrita de corpo e ar. Não lhes dou importância ao ponto do remorso (que aliás rima com tremoço). Como em tudo, o importante é dar e não ligar pevas a recreminações adolescentes de filhos que, simbólicos, nos querem matar. Prefiro regar poemas, aparando-os, fazendo-os florir em nomes outros — mais dedicatórias, melhores amores.


VOSSA MERCÊ

Estou-me nas tintas para se são g/ratos ou não aqueles a quem ofereço livros. Detesto o ar submisso do muito obrigado! Há sempre Cordélias com pudores e recatos esses mais fiéis leitores que agradecem intímamente lendo. Só vos darei livros, meus amigos, para que me não sejais vassalos.


IMATURO

As primeiras experiências amorosas ficaram quarenta e tal anos soterradas debaixo da morte do pai. Um primavera, um terraço. Inábeis beijos. Muitas carícias. Um erro decerto. Foi então, que entre mitologias e piscinas se revelou o bardo borburando.


MORENESS

Começo por dizer que toda a poesia está a mais, é um excesso, quiçá disfarçado de mínguas. Pressa em dizer por dizer, impaciencia em punho ante o ignoto. Não lhes acho o tal vagar polidor senão não quereriam vingar em tinta passando páginas, só em mármore. Rigores obstinados são manias de censores, fetichismos e soberbas de humilismos mascarados. O verso vivo não precisa do caixote do lixo. Se o mudas, o abres ou escaqueiras nada disso tem a ver com perfeições, brancuras, estátuas, epitáfios. Que o rio te traga palavras, acrescenta o bebedor.


NO ANSWER

Morrer nunca é resposta. Os mortos não respondem. E morrer-se vem de antemão em qualquer parte de parágrafo. Entradas e saídas, de aqui, sempre daqui. Versos boquiabertos. Haveria não-respostas havendo-as? Il n'y a pas de solution parce qu'il n'y a pas de probléme. (Duchamp) There ain't no answer. There ain't gonna be any answer. There never has been an answer. That's the answer. (Gertrude Stein).


A PROPÓSITO DE TCHOUANG-TSEU

Só a vida interessa. mesmo nos sordidíssima, nos detalhes canalhas , nos reversos, entendendo-se da poda ou não. Quem sabe o que os outros entendem? Pergunta chinesa que supõe éne graus. E que sabes tu do que entendi ou não quando aplaudi ou censurei, se é que aplaudi ou censurei, ou o soube, bem melhor, nas rugas a rodear sobrancelhas? E de mãos a abanar, preplexo, sem saber se te entendo ou me entendes insisto: só a vida interessa.


A LÂMINA NA ILUMINURA

Em Mozart não há cautelas. É tudo ao molho num ápice. Tão rápidamente quanto passar do faça-se luz ao e a luz foi dia um. Simultaneidade do aparecer das coisas. Luzes, volutas, àguas, números, bichos, verduras. Traduzido o sentido há-de apunhalar-te.


MOBILIÁRIO PARA POETAR

Ouvindo o Cohen não sabia o que ouvia. Foi no ano terrível da primavera. O que cativava era a declamada melodia, a voz, e mais que tudo a foto da contracapa. com uma mesa, uma cama e uma rapariga loura numa secretária a escrever à máquina. Era a poesia. E cá estamos a teclar.


MARIN MARAIS

Em oitenta e picos, pela rua Garrett, sob o teu guarda-chuva nos beijamos e nunca mais nos voltamos a beijar nem se sabe porquê. Mais abaixo, numa discoteca de LP's e pautas, comprei dois vinis do Marin Marais. Um soberbo barroco desentranhava-se das tripas da gamba. Sete cordas a fabricar labirintos, escusas, incursões caprichosas, dobras, duplicidades. Podia-se ouvir num mau pick-up sem os marrecos da Gulbenkian pelas costas a cochichar. Quando lá ia aos concertos, nos intervalos, só me apetecia saltar ao eixo.


FANTASY NOVEL

Nesta fria primavera depois dos terrĂ­veis incĂŞndios e mortandades do ano passado, viajei para a mais erma Beira, a dos penedos e das giestas, e estava tudo tĂŁo coberto de florzinhas que fiquei enjoado de tanto explendor.


O DIA DO JUÍZO

Almada Negreiros foi muito mais que o grande escritor e pintor que poderia ter sido, passe embora alguma piroseira aqui e acolá, que de qualquer modo é menos pirosa que a prosa do Prado Coelho. Posso embirrar-lhe a soberba até. A sua direcção única era o contrário do sê plural como o universo do Pessoa, e era aí que as suas sobrancelhas se encontravam com o nariz a pingar do Salazar. Mas sendo a Alegria a coisa mais séria da vida e o diálogo com o outro que não nos pomos a sabê-lo, não há maneira de o contornar.


PULOS

Há alturas em que confundo (de propósito?) o Mário Cesarini de Vasconcelos com a Maria Velho da Costa, só porque um é Mário e a outra é Maria, e são as mesmas letras iniciais. Vejo-os como dois coelhos pulando na cama numa pensão de putas, lá no Cais. E não me perguntem porquê. Talvez sejam incompatíveis (há gostos e gostos!), mas como poderia deixar de os associar? Vêm assim à baila uns versos gamados ao Mário pelo Nuno de Bragança — Convém que seja noite porque ele ri e o seu riso é uma coisa insuportável uma feérica praia muito limpa coberta de pancada muito escura.


O AMOR À MODA ANTIGA

Deprimia-me aquela montra, como me deprimia a loja. Entrava e os discos não apeteciam. Por fim vieram livros a preço de saldo e por sete paus comprei, do Bottéro e do Kramer, l'erotisme sacré, à Sumer et à Babylone. Portas antigas acabam por fechar-se.


ENTROPIA

Hoje sรณ nos damos com chats.


LIÇÃO DA BOTÂNICA

A nespreira do quintal dos meus avós que ficava nas traseiras de uma escola primária ao lado da suposta casa dos Maias (e que a Madonna habita agora) foi a àrvore que me ensinou a patinar.


ESMOLINHA

Paraísos a um euro e cigarrilha é pouquechinho para um mísero bêbado venha de Chelas, Luanda ou Gaia. Paraíso seria dar-lhe tudo, mesmo tudo, ou, com o inferno como brinde, a sorte grande, versão euromilhões.


TEORIA DO VALOR

Sabemos que tudo vale a pena se a alma não for pequena. Citação estafada que dá conta do tamanho das almas que não valem a pena se a vida desdenharem. Sendo a morte uma elisão a vida é sucessão de permanentes ganhos ao lado dos que não vieram ao mundo ou dos que já cá não estão. Assim nos encontrou o amor, esse vasto acrescento, reinventando tudo e deixando tudo por reinventar.


O TRAFICANTE NO PARAÍSO

Pode-se deixar de morar numa fatalidade chamada Lisboa? A coisa está preta, vem nas notícias da net. E recordo um taxista perorando: isto é o paraíso, e sabe que mais, anda aí muita malta a correr, a treinar para caminhar sobre as brasas do inferno. Pode-se elogiar os sem-abrigos e criticar o preço da habitação? è claro que os Rimbauds do bairro sempre podem pegar na mochila ir para um Harrar medonho, para um puro logradoro num subúrbio com moscas, mortos e baratas. Eis a possível poesia desse filão e deixem-se de extases ante Kiers e Corboz!


DUETTO BUFFO DI DUE GATTI

Certos críticos literários cá da terra, os melhores, gaiato e gato, foram ao pelo a outros animais estando ou não na berra e acabaram num dueto ao desacato na ratoeira da parvoeira.


ENSAIO

O verso escalavrado. O verso encancarado O verso escaqueirado. O verso escorraรงado. O verso escarafunchado.


THE LAST RIDE TOGETHER

São mais ou menos mundo repletos de ecos, de ressacas.

os poemas

Os sons não sumem, o volume é que baixa, e fingem-se mudos, tal a discrição. Tudo o que foi dito assevero-te continua a tagarelar muito ao fundo: acamadas camadas de ecos de ecos de ecos. E eu cometo a estupidez de dizer Herberto Eco, quando queria dizer Umberto Hélder. É desses insultos que se alimenta a recepção. Tens um guronzan aí à mão?


este folheto goi escripto pr Jorge Judas em Outubro de 2018 e publicado em Marรงo de 2019 pelos Wak Books



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