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G iuseppe von L änder

Ensaio de Fabrizzio Tedesco

Ser visto é uma forma fragmentária de imortalidade (John Rindpest)

Giuseppe é um artista discreto quanto às excentricidades que nos tem vindo a sugerir em flashes de sublime. Cultiva relativamente à arte e ao art world uma forma subtrativa e ambígua, um distanciamento escrupuloso, uma vez que considera efémero, demente e cómico o que aí se passa.

Para ele, mais importante do que ser artista, é a exercitação da actividade poética e filosófica na produção de imagens e invisibilidades, onde se traduz a experiência do divino desligada de qualquer religião viva e de qualquer culto estático e estereotipado.

Von Länder acredita na pintura, na capacidade das imagens irem trafi cando pulsões e forças que vêm de um mundo mais antigo, de uma zona animal e esplendorosa onde se forjam os fios da lógica e a luz encantatória da teoria. Sabemos como von Länder faz coincidir a espontaneidade com o meticuloso, o pormenor com o amoroso, a ironia com a pura entrega. Agora confrontamonos com o seu legado: o respeito pelos seus mergulhos e inquietações, e a von tade de continuar uma obra que tanto pode aspirar a uma condição canónica quanto abeirar-se do jocoso e do fútil. Sabendo que nos rodeiam milhentas imagens irrelevantes, as fulgurantes obras de Giuseppe von Länder são muitas

vezes intuídas e sentidas antes do vislumbre das suas aparências. Há uma sen sação de numinoso na sua vizinhança que as antecede. A apetência de presença que emana da secreta existência do seu trabalho potencia-se nos corpos e antecede o frente-a-frente e a representação dada nas obras. Nunca me dei conta de uma apropriação do sistema de arte actual tão ambiciosa quanto a dele, dado que a quer integrar num círculo mais vasto e aberto que a livre apetência pelo Eros Apocalíptico e pela auto-denegrição. Von Länder fá-lo com delica da provocação, com as refinadas astúcias da ideologia — que se degladiam no âmago da sua obra. Tampouco conheci quem tivesse entusiasmo tamanho na produção de imagens.

p aradoxa e tretaterismo

Desenho, pintura e escultura eram formas culturais e terapêuticas milenares, que agiam com eficácia sobre as pessoas, mesmo as que não as viam. As vantagens tecnológicas das obras feitas com novos materiais estão muito atrasadas quanto às acções mágicas e terapêuticas de outrora. Estas são palavras de Giuseppe von Länder. Para ele, cor é já sinónimo de cura. O vocábulo grego pharmakon (φάρμάκον), que de um modo geral designa droga ou remédio, tem também o sentido de fórmula encantatória, e em Em pédocles de cor e pintura. Desde sempre, Giuseppe von Länder desenhou, pintou e criou peças volumétricas, sobretudo no início dos anos 80. Nos anos 90 quando as galerias mainstream começaram a torcer o nariz à pintura, ele acentuou a prática do desenho e da pintura de uma perspectiva mais misteriosa, focando-se na ligação aos pensadores eleáticos e aos principais Upanishades. Os problemas da pintura vinham associadas às suas investigações sobre rituais órficos e mistérios eleusinos. O seu trabalho reforçou-se no final dos anos 80 com a leitura dos 4 volumes de Jean Bollack sobre o poemas “físico” de Em

pédocles, e a publicação em 1995 por Peter Kingsley de Ancient Philosphy, Mystery and Magic. O encontro casual com Thomas McEvilley em Innsbruck no Outono de 1997 levou-o a uma exposição surpreendente no ano seguinte no Kunstwerein de Frankfurt chamada Eccentric Spaces. Von Länder expôs aí, numa das salas, os atributos de Hermes um caduceu, uns sapatos alados, um top hat alado, um monte de pedras, tudo coberto de pigmento dourado, assim como uma vasta série de desenhos preparatórios. Na sala ao lado mostravam-se em vitrines fragmentos de pseudo-papiros, a Esfera de Parménides e o Ovo de Phanes, numa alusão ao já referido orfismo. Para von Länder, a diferença entre a Esfera, como plano total e indiferenciado da actualidade do É, e o Ovo como evidência dóxica do mundo e do nascimento, perecimento e renascimento de todas as coisas, é o momento fulgurante do indissolúvel pensamento-imagem. É nessa ligação identitária e diferenciadora ao mesmo tempo, que se manifestam to das as possibilidades, diz von Länder.

o n ariz do t irano Giuseppe von Länder expôs em 2001 A Lógica da Dialéctica obras sobre a lógica em Parménides e Zenão, sobre o enigma e a estrutura do ques tionamento dialéctico. O artista considerou ali que seria necessário regressar ao hapenning e quebrar o circuito da previsibilidade da performance e do alhe amento do espectador da arte. Quem vai a uma exposição deve participar activa mente numa espécie de maiêutica e aceitar o desafio que lhe é proposto sobre a forma dialogal (Länder). Inspirando-se nos diálogos O Sofista e Parménides, de Platão, von Länder fez-se filósofo activo contra a escrita e o sistema, envolvendo os que quisessem participar num processo de libertação oral através do questionamen to filosófico, político e artístico. Os objectos e as peças então expostas aludiam ao carácter anti-tirânico de Zenão (Il naso del tiranno) que, numa famosa ane dota, depois de a pedido do tirano ter denunciado amigos e comparsas deste,

ao simular ao ouvido mais uma denúncia, ou lhe arranca a orelha, ou o nariz, ou morde a sua própria língua cuspindo-a de seguida na face do tirano. Na mesma exposição, foi também disposta uma lista de teses paradoxais na base de plintos com esferas. Para este artista um catálogo é uma traição, assim como a história de arte. O que lhe interessa é o confronto contextualizado com os espectadores durante a exposição. O catálogo é a imobilização das obras na perspectiva curatorial em vista de um futuro (e duvidoso) revisionismo desta. o incomunicáve L

L’incomunicabile (sopra Gorgia), de 1999, foi uma exposição que continha um cubo de 2,5 x 2,5 metros onde se convidavam as pessoas a entrarem nuas e ficar lá durante 5 minutos, sem ver, ouvir, cheirar, tocar, saborear ou tocar nos limites da caixa. Nenhuma sensação senão a de si e a de estar isolado.

As conclusões da sua experiência é que esse incomunicável é comunicá vel, ainda que de um modo insuficiente: quando Gorgias fala do não-ser trata-se de acrescentar mais incomunicável ao mundo, mais não-ser ao ser, como sombras que se projectam. O advento do não-ser é o da sombra na pintura, o surgimento da som bra projectada. O Ser é luminoso mas acaba por criar na sua distância uma esfera de sombra e de indizível. O não-ser é o místico. (Länder) a s fi G ueiras de o rfeu

Em outubro de 2001, a projecção de um filme de von Länder, Il Ritorno di Orfeo a l’Arte, concebido como poema a partir do Testament D’Orphée de Jean Cocteau, foi muito mal acolhido pela crítica e o meio. Aí, o artista assume-se

como figura vinda de um não-tempo que está sempre a cruzar-se com um tempo apocalíptico. O final é selado por um cartaz de cinema anunciando a ressurreição de Orfeu e do cinema, a estrear em breve numa sala, em Panavi sion. Em vários momentos, o filme confronta-se com a sua publicitação, como se fosse um sucesso ou um fracasso, em vários trailers distintos que funcio nam num mise en abyme retórico, acelerando os planos profusamente estáticos, passando da enfadonha maneira de Straub/Huillet para o estilo travelling do início do Touch of Evil.

Na exposição seguinte, Chaosmogonia, em 2003, Länder propôs uma aproximação entre paradoxologia e pornoecologia o Eros destrutivo da dia léctica é uma pulsão que despe e transgride todas as categorias. É também um Eros fecundo que abre para as fundações de uma nova sociedade arborescente.

c oisas a tornarem se coisas Em Prosciutto con Ferrari in contesto dionisiaco (2002) von Länder formalizou e resolveu o conflito entre o que se aniquila e o que se desfruta: a ficção de usufruir um autmóvel que é símbolo de velocidade embriagante, novo riquismo e exibicionismo sexual é confrontado com o carácter visceral do presunto des tinado à deglutição. Em contexto dionisíaco, o ambiente dissolve as formas e os poderes numa única pulsão que está presente quer no Ferrari, quer no presunto voracidade, excesso, perda de limites e de identidade. Para quê? Estamos longe da atitude ready-made de Marcel Duchamp. Nada aqui é frio, contempla tivo ou maroto. O Ferrari e o presunto são mais Ferrari e presunto mesmo que os confundamos com a habituação a tudo ser obra de arte. Há uma atracção mágica entre ambos que desmistifica, pela efectiva vulgaridade, a aspiração dos objectos à sofisticação intelectual e ao embuste dos textos críticos. Von Länder parece mais perto (e de uma forma mais radical) da insistente rosa que teima

em ser rosa de Gertrude Stein. Há que comer o presunto e andar desabridamente de Ferrari invocando a iminência do perigo e as leis da transgressão? Ou nada disso? O que se pretende aqui é transformar as coisas em si mesmas, operação mais difícil em arte do que a de se fazerem passar por outras. A literalidade é preferível à alegoria. A coisa em função reconhecível e habitual é mais bela e preferível ao ready-made, insiste o artista. s omos os demónios do desenho Estas são operações “pornoecológicas” que criticam as práticas da moda, duplicando-as. É significativa a declaração do artista: No meu percurso, fiz dese nhos, pinturas, objectos, instalações, arquitecturas e, em algumas ocasiões, paradoxos pornoecológicos e obras tretatéricas. Nós somos o arrependimento que coroa as obras. Noutra performance, Länder escreveu a seguinte frase no chão com mar cador dourado Noi siamo gli demoni dell disegno. Aqui o artista sublinha que, se por um lado se integra (embora problematicamente) na tradição minimalista e conceptual, por outro o seu carácter tautológico não é isento dos paradoxos de uma biografia inextricável, que no fundo é resistência a conceitos e palavras. Ele coloca-se então, como diz, no perfume do fundo que antecede as coisas. a L quimia do n u L o

Em 19 de Dezembro de 2003, o crítico Francesco Costa fez a curadoria da exposição Fame dell’Alchimia nas Scuderie do Palazzo Ruspoli em Roma: Carlo Terragni apresentou um cego de barba branca sentado numa cadeira de palhinha e rodeado de escaravelhos; Giullio Alessandrino exibiu uma tartaruga

em cuja carapaça estava escrito o nome de Aquiles em grego antigo (querendo com isto dizer que Aquiles e a tartaruga seriam o mesmo?); Giuseppe von Län der veio com seu Hermes de skate um actor vestido desse deus percorrendo as galerias e o pátio das cavalariças do palácio incansavelmente. O contraste entre as obras dos 3 artistas formava um todo e uma pertinente reflexão sobre a transformação e a não transformação. Na opinião de von Länder, o espaço da arte é um deixar-se cair na consciência da eternidade, e o erro é a tentação de acreditar no movimento, mesmo quando se imprime aceleração ao skate. A conclusão é: eppur non se muove. No catálogo, ecoando as pretensões destes 3 artistas Francesco Costa assevera:

O ouro é dado no processo alquímico, não no seu termo, mas antes de todas as operações, e de qualquer transformação. O ouro é a substância original de qualquer substância. Tudo no mundo é já o ouro almejado. (COSTA, Francesco (2003), Alquimia dell Nullo, Milano, Rizzoli, pag. 27)

z eus

ZEUS foi uma instalação sobre a possibilidade de transformar a plu ralidade do sujeito no Uno do divino e que formou o título de uma exposição mistérica (nas palavras do próprio) a 5 de abril de 2007 na Stanza dell Cervo em Taranto. Na semi-obscuridade são queimados incensos vários e escutados alguns hinos órficos acompanhados de risos, choros e desabafos do artista intercalados com excertos de músicas de Yannis Xenakis remixadas com danças latino-americanas. Nas paredes, vê-se escrita a famosa tirada do pitagórico Ar quitas de Tarento:

Com efeito, para te tornares sábio, nas zonas em que até hoje tens sido ignorante, tens que o aprender de alguém ou descobrir por ti próprio. O que de outrem foi ensinado ser-te-á estrangeiro, e o que descobriste provém de ti e é o teu próprio bem. Mas é muito difícil e raro encontrar sem buscar, o que é acessível e fácil quando se busca, mas impossível para o que não sabe buscar.

o retorno do c araco L à d eusa

Depois de um longo hiato sem expôr, Giuseppe von Länder retornou ao tema da imortalidade e à superação da entropia no dia simbólico de 21 de Dezembro de 2012, um período particularmente catastrófico do ponto de vista de alinhamento de planetas, de acordo com o calendário Maia, e então alvo de exploração mediática, como uma espécie de fim do mundo. A data foi clara mente o término de um ciclo, mas também um ponto de inflexão no tra balho de Länder que vivera durante esse ano em atmosfera ostensivamente depressiva.

A exposição consistia numa sala com 21 camas e 12 mesas onde os visi tantes se podiam deitar e onde era servido carpaccio e mulso (vinho misturado com água e mel). No centro da sala a mesa maior estava adornada com ade reços dionisíacos — uma máscara, dados, um espelho, um tirso com folhas de Hera, etc. Um vídeo projectado em grande dimensão desenvolvia uma notícia de última hora: Os homens nascem imortais.

Numa das versões do seu Sagio sull’Immobilità (Ensaio sobre a Imobili dade), ele escreveu: O homem nunca deixa de intervir diretamente sobre si mesmo, mesmo que o seu tempo interno pareça avançar, retroceder ou sumir-se. A vida não se prolonga, fixa-se. Mantém-se num casulo, numa casca como a do caracol que parece emanar espaços em espiral. O segredo está em atravessá-los subtilmente, como uma formiga arrastando o fio do pensamento dentro da casca.

Estas palavras não só fornecem a melhor explicação para o tempo, como proporcionam uma boa introdução a outro trabalho que apresentou no dormi tório das monjas no Centro del Carme, em Valência: trono para sentar o espaço e acumular poder. A obra consistia numa imitação do famoso trono cretense do palácio de Minos junto à parede em frente a um enorme alguidar com água em gesso e umas botas de borracha lá dentro. Simultaneamente uma cobra de grandes proporções deambulava pela sala. Os espectadores podiam andar nela à sua vontade, sentindo a inquietação que o animal lhes provocava.

n unca saímos da mesma exposição Num desafio à mutabilidade e entropia, von Länder realizou três exposições exactamente iguais com a diferença perfeita de três anos (a 13 de Março de 2009, 13 de Março de 2011 e 13 de Março de 2014), consistindo em pintu ras de quadrados negros, cabeças de bois empalhadas e frases de Ad Reinhardt ( Art is too serious to be taken seriously e Only a bad artist thinks he has a good idea. A good artist does not need anything). A única diferença estava no título indicado no convite. Na primeira vez chamava-se Ritorno (retorno), na segunda vez Tempio (templo), e na terceira Principio. O efeito de completa reapropriação das mesmas obras não só produziu um efeito de negação do tempo como foi um statement de refutação da inexistência da mutabilidade heraclitiana :

Nunca saímos da mesma exposição. Ao mesmo tempo nunca saímos do momento em que nos constituímos como pseudo-paródia de outros artistas que nos precederam. Aqui os deuses continuam presentes. Julgo que tentei inverter o fenómeno Ménard fazendo do artista o melhor e mais completo apropriador da sua obra, fiel a um núcleo de pensamento imutável. A minha intenção como apropriador não é diferir mas enfatizar. (von Länder, Giuseppe intervista imemmorabile, Corriere della Sera, 15 Julio 2014)

O Retorno antecede o Templo e este o Princípio. Ou nem por isso? O Nostos coincide com o Sagrado e a Novidade? f oto G rafia e iconoc L asma Von Länder expôs uma série de retratos de figuras de artistas relevantes em grande formato, convidando o público a atirar setinhas de pubs para as obras, que se vão completando e degradando ao longo do tempo pelas lacera ções introduzidas.

Há no fundo uma justa raiva contra a fotografia e contra os grandes ícones, que faz parte da iconoclastia em potência presente em actos como os dos talibans e os do Daesh. Noutras ocasiões também já solicitara o público para destruir sem piedade imitações dos urinóis de Duchamp, esfaquear cópias fiéis da Mona Lisa e dos Girassóis de Van Gogh, ou alvejar com arco e flecha uma escultura em poliretano reproduzindo (com o seu quê de kitsch) o S. Sebastião de Andrea Mantegna. O que se percebe aqui, na vulgarização icónica é que a fotografia atrai a violência e que a iconoclastia atravessa o tempo como uma raiva contra a beleza e os deuses.

e spe L ho e d estino No livro Arte allo spechio della indiferenza, Nicólo Martorelli descreveu assim a exposição feita por Giuseppe von Länder em Dezembro de 2014, na Galeria Marino Barocchi em Turim:

O artista dilui no espelho o frente a frente com a obra e faz-nos reconhecer a monstru osidade interna através do narcisismo. É a beleza idealizada que nos ameaça vinda não se sabe de onde. No centro da sala, algo obscura, está uma escultura de Hypnos, entre mecanismos fumegantes, e defronte dele um espelho oval. É o sonho que nos descobre como possibilidade, não de sermos outros, mas de sermos o centro da consciência. No lado oposto, suspenso entre duas colunas, há um gigantesco cachimbo com a inscrição: a pintura forma a imobilidade do homem — não há outro destino. t antra no L abirinto

Na exposição de 2015, Tantra no Labirinto, von Länder parece distan ciar-se do olhar sobre a filosofia grega para se encontrar/encantar em caves pintadas com o seu Minotauro tântrico.

Numa das versões expostas, o Minotauro representa na perfeição o papel de Hamlet, ao qual parece condenado sob a perspectiva do conto de Jorge Luis Borges, Astérion. Aí, o semitouro é prisioneiro da sua inabilidade e carácter lú dico e teme lidar com a complexidade do mundo. Na mostra, o Minotauro fezse filósofo perfeito, almejando o seu fim na dilaceração esfíngica, nos fantasmas da mãe e na animalidade do pai. Porém, a esta versão metafísica sucede-lhe outra onde o Labirinto é o lugar de encenação e o Minotauro enfrenta Teseu, que, agora, no papel de guru, não o matará. Teseu usa o fio de Ariadne para libertar o Minotauro do Labirinto, para que aceda à plenitude e à alegria de viver do exterior. Somos todos híbridos, assevera Teseu, somos todos minotauros em vias de reconhecer a sabedoria que vem dos deuses. Esta narrativa é acompanhada por telas de pequeno formato com diagramas abstractos, onde muitas vezes o lastro de sombra dos supostos cornos do Minotauro projectados se deposita em esfumado sobre os cantos. Maurizio Fedele disse da exposição:

Muitas das obras evocavam o neo-construtivismo de um modo negro, sujo, húmido, no qual se sente a presença de um bicho ansioso. Nas paredes, havia vestigios de marradas e simuladas manchas de sangue. A atmosfera da sala era escura, apesar das paredes estarem pintadas com cores pompeianas. O resultado é uma mistura dos actuais dispositivos de sa cralização da museologia com o desleixo das barracas de terror da cultura popular. O artista parece distanciar-se das suas exposições sobre a imobilidade e o pensamento para nos fazer sentir as nossas tripas. Não sei até onde é que esta inquietação o pode levar.

i rreprodutibi L idade e traição

Nunca saímos da era da irreprodutibilidade artística, os deuses não se repro duzem como mercadoria, por mais que sejam ubíquos é a resposta à degradação epocal que Giuseppe von Länder dá. Apercebemo-nos de que não há nada para reconstituir, que a aura se mantém concentrada, que a energia nunca se disper sa, e que a dádiva está sempre no centro das grandes obras de arte.

Mais recentemente, Giuseppe von Länder dialoga num vídeo com uma figura feminina vestida de alegoria do sex. XVI. a propósito dos filósofos do fresco Scuola di Atene, de Raffaello, o seu artista renascentista favorito. No final do vídeo, ele volta-se para essa figura e pergunta: “É tudo verdade?” E a alegoria responde: “é tudo traição em segunda mão, se preferires não te recordar ou suicidar”.

os pontos que condensam as tumultuosas fragilidades do interno, as emoções ilusioni stas que se fazem passar por ideias, exigem figuras na esfera do visível — essas figuras são inseparáveis dos actos de figurar e vis lumbrar e propagam em anamorfoses o que parece surgir como propensão expressiva — ecos de compreensões e equívocos, rasto de um sentir anterior a qualquer origem (sensa ção do mundo antes do mundo)

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