ELOHIM MOSTRA A FACE APAVORADA DE PICASSO

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© João G afe ira , 2 0 1 9 © Waf book s , 2 0 1 9

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A PAV O R A D A D E E L O H I M

João Gafeira

Wa f B o o k s

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AGORA era o em príncipio da tua face que se entranhava noutras

faces resguardando olhares e retraíndo-se em fome e agonia capítulo a capítulo

e colhia-se a glória do invisível-pai e tomava-se a luz à luz do teu nome no odor em que a àrvore doce e potente é santificada nas imagens-bichos

e as nações assementavam a pintura na luz prenhe da mais porca luz

ó viçosa, não lhe toqueis nem incendieis a indiferença que se deixa cravar pelas machadas bifrontes e pelas causas entrançadas que se sacodem nas vestes dos sacerdotes e nas relações dos números

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e apimentavam-se as faces da verde expandidura do teu amor que é o explendor dos vales a brotar, a filmar-nos a fruta do espírito

e as cortesãs mijavam fino na cesta campestre com arroz-doce a saber a gengibre

e os rios litúrgicos atravessavam a paisagem na tua visão

e a promeditada paixão florescia em selvagens culpas e vindimas de letras

ó premícias, ó Mãe-Figo aberta para meus nobres dentes sobre as mesas lentas onde se estende e enreda o divino

e o caso foi, ó Terna, que o incêndio benevolente dos teus dedos sobre meu explendor te achou remexedora na gastronomia dos astros antes que o cão se deixasse lambusar pela língua suspensa no arco da aurora que despia a túnica da noite para que lhe

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cravasses teus apetecíveis caninos vindos dos intestinos do inferno

e esverdeceste-te, ó Mãe-Fogo de fervilhante cabeça sobre as anatomias do mundo, com a crueza das cartografias, das danças de Adonai, ó tu que és bêbada de dilúvios e rodeias a cabana onde os firmamentos são adivinhados

e abres o frigorífico onde aguardam sumptuosos peixes que são apetecíveis à imaculada língua e à floresta que irá devorar casas amparadas pela inclemência das constelações e as muitas intempéries do seu cortejo

e é formada uma romaria, e vinde, juntemo-nos, foliemos, pois teu corpo se furtou ao horto e agora quer parir pelas costas e aleitar o mundo pelo ventre

labirinto a dar de mamar às crias muitas e ao incriado

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macia eras, destinada a sacrifício, quando Elohim quadrúpede arrastava suas patas forradas de olhos penetrantes pelos pastos do paraíso onde a vida vinha apinhada antes que incestos e louvores assomassem entre riachos e humidades e fumos e ironias

e eis-me conciliado contigo ó Mãe-Labrys, ó figo-fogo, que te dissolves nos meandros dos números e na cor branca da década e no deus dos pentagramas e na florida trindade e no oito de onde nascem os papiros e no calcar das terras e nos pés de bode dos acólitos de Dionísos

ora isso viu-se em dias de jorros quando apascentavas rebanhos face ao azul cobalto em que se seguravam os céus de Giotto a parir catástrofes bifaces e santos silvestres

e falavas de alvoradas e de como em carne de cobra entrarias no polén dos crepúsculos com tuas irmãs de negras sandálias amparadas por relâmpagos e pelo antanho das neves e pelos tempos escumosos

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e amorosa sobras aos mantos das àguas e à piedade e aos trovões e aos amargos de boca achados no provar a língua ressacada quando a textura das tuas mãos encontra o suor salgado das minhas testas

e ficaste ao sol no àpice inclinado, nas tremuras carregadas de felicidade, com as ganas de penetrar as àrvores com a saliva a escorrer-te da beleza da lingua, com o caminho desbravando tormentos, com a pintura a coar a ambrosia e a beleza em redor a humedecer e a arredar feitiços para que a tua mansidão me transformasse, matéria simples buscando formas, pura predação amorosa, transformando-se devorando na cousa amada

e tuas quintuplas falangetas encheram o ecran antes de se apoderarem da vista que se livra do embaciado da vidraça

e souberam da boa aparecença que se chamaria Adonai que é demolhado nos afazeres de refazer a criação, sublime perfeição que faz travellings sobre teu dorso e que te acha a nuca

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soberana, ó senhora onde meus desejos se afadigam a lavrar versos, a orar, a urinar, a correr a cortina com gestos decididos de modo a ocultar a perfeita ironia e os modos repetitivos de encantar as coisas

e o que é bom são os corvos pousados nas videiras da melancolia, ó breve facilitadora de clemências, rainha atrasada na iliuminura decrépita, insaciável cozinheira das razões furtivas

e ela continuou descascando vidas como ervilhas ouvindo-se o bater da porta e o vento refrescando a ira que atravessava o vale abrindo o caminho às passadas luminosas dos deuses, com adjectivos e atributos miríficos, acariciando o opaco corpo por cima da manta que a cobria e lhe descobria os contornos amolgados com pudor e exactidão

e deitava-se no templo do arvoredo enquanto sacudia a cortina de cena deixando os dedos dos pés expostos à luz dos holofotes do Senhor seu amigo, desde as fundações que arregaçavam a

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arquitectura celeste, até aos gestos mistéricos que se abriam na grande porta de Eleusis com sinceras ganas e doces aspeitos

e saciava-se na luz e nas batalhas das eclosões

era uma cama-templo-árvore onde o bem cheirava a madresilva e o mal bebia bebidas fortes com filubisteiros, megeras, hereges e canibais

e tu folheavas o livro de pés descalços na tua casa de armadilhas, na tua salvação despudorada a que todos se posternam

e logo percorrias as gravuras feita cobra insidiosa nos dedos que dobravam os cantos das páginas, nesses sublinhados da alma a reter as curvas do compasso de Deus, conferindo exactidão ao despejo demiúrguico

e apegar-se-á o cortejo dos manifestos divinos às tuas partes brunidas de luxúria e ardor místico até que as sétimas margens

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larguem suas peles de antílope caçado quando o sopro da tardança corre no entardecer antigo das profanações e das anamnéses anfíbias

e fechas o livro temente aos salmos que salvam, assustada com a cúmplicidade entre El e o Adversário, entre o Belo e o Horrível, já que Picasso em seu retiro se criou macho em redor do explendor obsceno quando a manhã terrosa açoitou com chicotes de luz a mulher que amputava seus espantosos cabelos com a tesoura recolhida entre prazos de vida

e as nádegas do horto engendraram fulvos dias que estendiam a acalmia e a glória entre candelabros e incenso

e a ave pousou nos ombros onde descaiam as meadas de fios do labirinto, da tua cabeleira-texto, onde entrançaras os enigmas da cura e do pudor e da insensatez

e foste em esverdecente morrer arrastada com chaves no bolso até à embocadura a engrandecer o òcio removente — brusco

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touro calcando neves planetárias que se desocultam nesse gesto a entrar pela alcatifa a sentir-se o peso em carne e o ruído das vestes a deslizarem entre pós e ácaros

são bruscas as belezas de bondade zoológica com que Elohim esfrega a pilosidade turva e espinhosa dessa pelugem de fêmea, brecha adocicada prestes as rebentar sob o umbigo onde se desvela o horto e as poalhas da eternidade e a múltiplicidade se faz mãe raiada e apocalíptica

e viu o homem sua fogueira a arder-se alma na carne amarga dos filhos que o buscavam nas circumvalações da cidade ante o fulgor dos semáforos quando se acendem com fósforos muito riscados a fruta da sabedoria e o seu sabor lhes sabe à luz súbita que sacode todalas as trevas

enrodilhada na bicheza carnívora ela faz-se molhar e deixa que a luz bruxuleante se apague no nome que rodeia a terra, no nome que a torna secreta quando mostra à camera o arredondado dos peitos e usa o sacro sudário como guardanapo

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que acomoda com ternura nas golas puritanas que tão bem engomou para mais esta refeição, para mais outra reflexão

desenhas o búzio onde vislumbras a obscura cabeça que vomita a fecundidade e a sabedoria e o génio avassalador e colocas-te de joelhos com o peso esférico do universo na carne escorreita e as mãos sobre as coxas a doerem canseiras e filhos e rectidão de espírito

és a solidão ensaboada com bordados e carne a salgar de grande bovino decepado, vaca, mãe de vitelos, viúva de touros que resplandeceram na pradaria e agora jazem em nacos à cata de especiarias com a moral incongruente de quem a escreve com os dedos nervosos num pensar abstracto pouco antes de a frio devorares o bicho

és enredada na teia-de-aranha da eternidade poética infundindo terror aos insectos voltejando no odor da àrvore do êxtase

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que era ninfa ah isso era, rio em que Elohim ia andando em busca do um morrer-se aguçando sorrisos na pálida fagia de arrecadar caretas no correr das ampulhetas

e da sua magnificência salvava-te a humildade e enxertava-te o pudor de reconhecer as metáforas em arrebatamentos

e quis o Deuses vomitar espelhos onde arrebatadamente mergulhavas em Suas glórias

e quiseram prová-Los no desavindo sabor do alho encruado e na salsa que se encostava às postas do Grande Peixe

e os céus encurvavam-se e juntaram-se às couves que cortavas para migas com a naifa que herdaras das ofensas dos teus antepassados, lâmina que outrora retirara os testículos a Cronos e a Abelardo

e o deus do horto ornava solitário a sua hora na sedosa lingerie de junho & lavrava a chuva do esverdecer

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e achou na Assíria a divinal semente que nos embriaga pelas mãos do herói da cidade de Ur

e a morte entornava suas ternuras na erma terra com ritmos e devoções enquanto descalçavas tuas meias, avestruz erguida num só pé

e o homem ficou a comer a sua face-corpo de incandescente harmonia pois antes comera-nos a nós com o vício vocabular com que tinhamos refeito Elohim — ostra emplumada no mais insano gongorismo

e o junho aracnídeo amava a àrvore que respirava a intensidade dos dias nos narizes em que o Deuses se ostenta contra as máscaras com que Os procuras

e envidraçando o ar espargiam-se as maneiras de nos dizeres a intensidade clamando num plano fixo cheio de saliva e café com canela e cardamomo

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e o campo acampava nossas intímidades devolvidas em pele no acaso florido e untuoso

e o campo, te o digo, declara que comerás de ti e de mim na identidade confusa das nossas carnes por sobre o abismo onde moram as aguas que chegam pelos canos arriba

dá-me uma escuta escura, mia senhora, capaz de servir vosso coração desencoraçado, acolhes este polegares que te cedem exacta ternura por onde se movem os nós dos ossos

e a noite caçava enganos no vapor que tamborilava a manhã que rapava o incenso púbico à mulher que abençoava a cadência jubilante de suas mamas nos passos e a agudeza feérica dos mamilos resguardados

e o ritmo silêncioso dos ofídeos enroscava-se na voz que se confundia com o esbracejar da mão a refazer as imagens onde morrem as àguas em anrriscados trajes e nas lágrimas das mães a santificarem-se pelos filhos, sua incógnita cruz

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e a hora será rodeada de moscas varejeiras e será pasto para olhos de águia e para a infindas carícias

e viu-se a pele curtida que dissimulava o crepitar dos adufes que propiciava a aleivosia aos crentes e o sacríficio dos cabritos no alto do monte sagrado

e o apanicado grunhido das trompetas e das setas era desferido nos homem debaixo dos entendimentos com mãos cheias de números perfeitos, dando ouvidos aos múrmurios dos arroios de Havilah

a dança estrelada de falcões assombrava o reduto da infância e voava breve e era escapanço do exílio e das tempestades

e a terra trouxe-a a ela regada e saborosa como bife a fritar para o marido que lhe dava nas trombas bêbadas enquanto a tristeza se abatia na ferocidade das faces

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e a hora esticava os ossos maduros, seus terros tendões, e arqueava as sagradas sobrancelhas no túmulto das entregas

e as especiarias equilibravam os extremos de amor polvilhando o vazio e temperando os movimentos dos abraços

e O Deuses que manipulava a máquina da prenhez envolveu em amêndoadas folhas tua indiferença de santa noiva para sossegares o ardor do deus que dá a beber

pois ela comerá teus olhos e comerá os dizeres com que empurras a criação para o fabulário impúdico no qual enxotas as unhas, as àguas e os anos em que te tomaram doutrinas funestas

e ouvem-se as fontes a sussurrar no coro escarlate da terra, pois toda forma se demora em arborescências por entre a sombra gelada do oceano que encomendamos na horta agora que cozinhamos com as sobras frígidas do silêncio a terra em brasa

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e subimos na escada à expandidura da rosa e à imobilidade da erva e à observância dos girassóis

e que toda a árvore seja a expansão de senhorear a semente ou a matriz do saber que se pagina na obscuridade ambígua do corvo com úbricos escólios e que arreda as suaves setas que banham as tripadas manhãs tropicais

e nesse pó estavam as vidas — negação rolando no rio enrolado

e Elohim era penetrado pelo fedor da terra e as violentas sementes devastavam os ermos em renovada ebulição

e o calcanhar deu-se por momentos ao mar cujo riso nos serenava e a tarde ia tomando do silêncio as neblinas e perfumava o granito e as estevas

e o prisma apartava o silêncio em que suava Elohim sabente que o sémen do oceano vocifera e que a terra será vapor ou folha comestível

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e o pequeno bicho devorou a árvore cadente e tombou sobre o sacro túmulo do Minotauro rodeado de orquídeas e caracóis percorrendo até às vértebras sacras

e a estrela fez a terra ressuscitar, mãe lápis-lazuli junto ao pórtico que dá sobre as metafísicas e os ritmos da sedução e os arrebiques das religiões

e disse a Mãe que a côr das mangas alumia as adagas e enrola o louva-deus e mordisca o ventre e bebe a àgua pluviosa do estar bem e do dar-se mal

e teus rebanhos abreviavam das fontes genésicas e os quatropatas com a língua prometida levavam Babel no focinho

lambiam o pelo ao homem cerrando o tomilho nos guizados e fixando a abundância entre vidas e vales

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e disse o Minotauro do fundo do trono — esconde teus segundos e sê o incendiário prenhe de grandeza e envidraça teus secretos gestos duplas vertentes

e o Adonai, arteiro, envergou o papel de cobracabra que nos criou machofêmea sob a asa tenebrosa Do Deuses

pois a terra torna ferozes suas flores e implode o corolário, de maneira que chegando ao sete a vida é encomendança e é estreitada pelo Guihon e pela recordação do confronto das costelas dos deuses e das colunas que aparam os céus em suas danças vivas remexedoras de toda ave que ostenta o horto em que pescados foram teus dias

e assim os céus empurram Elohim e frutificam na caça e na semente onde a unha rasga os meses e faz jorrar gotas do membro macho e desfere sobre as flores o frecheiro fulgor que é a sapiência em que folgou o Heden

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e com um só dedo fendendo a terra procuras no humús e no barro a incauta essência de que nos aparelharam e de que nos faremos herdados e incandescentes

porque dela vibrarão orquídeas na gratitude dos saldos de Elohim, ora rindo de tudo, ora recusando esponsais, ora dissolvendo noivados — e assim e para o quase todo o sempre

e abafaste teu sexo em chamas da Dama de Açafrão que se confronta com a pressão dos céus e o vôo seco da àguia das trevas

e acolhes as gotas dos deuses magros que se empanturram de ambrosia e ornam os relvados odoríferos em que o homem clama pela noite de Orfeu

e daí o homem amplia os céus e a face principesca de Adonai

e acaba por devorar a indiferença difundida pela ave escura de Elohim cujo dente arrodeia os dias juntamente com o grito

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genital do girassol e o arrefecido rugido de toda erva infernal arrebatada ao rubro anel celeste

o gesto devorante de tudo comer-te-á, dado que a terra quer de Elohim o saque à árvore que perfuma conjugações de carnes

e tu tapaste com uma almofada o entendimento, mas o entendimento fez subir a escuta à sua superfície e das tuas carnudas orelhas brotaram vides

e os homens adolesceram para a expandidura fatal que envidraçava as origens onde o nove era a prenhez que apimentava os actos junto aos quais Elohim se desnudava e o dez a perfeição da esfera-abismo de Eros antes do cortejo de todos os restantes números

e arrefecemos na noite embruxada arreando os mendigos do frio faminto

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porque os anjos são meros actores da servidão nos pântanos dos céus onde se ajuntam as nuvens e se espalha o terror de Adonai através de palavras frementes e fabulosas

e o que desejamos é ser terrestres e argilosos e plenos

e as Damas querem desfrutar o saber que se destila na quietude, no rebordo das actividades quadrúpedes e na ruminação que engole as coisas da terra e no tomate que amadurece o nariz fálico do bebado

então os mensageiros imitaram do homem a húmidade e o grito arborescente da acre estepe que Elohim entre-fez como odor de óleos bons

e pôs as garras à chuva enquanto subia Adonai-pai a ladeira do horto com sementes nas mãos tão nu, tão actor, despedido por inclemente empresário

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e foi ao mar senhorear as marés e lançou as sementes assementando nas àguas salgadas e chamou a todas as margens tomadas dos uivos das àguas a Dama de Açafrão para que fosse a noiva vindora de marinheiros e naufragos

e estendeu a sua foice e cortou a figura escarlata cuja sombra rugia submersa pelo dilúvio dos sabores dos animais degolados no quintal divino

e as horas eram bichos bestiais que em matilhas procuravam homens para devorar

e El criou o machofemêmea e foi por bem e foi pelo desejo que o campo se abriu em espirais antes da meada de Teseu encomendar labirintos e de Pasiphae se pornografar pela calada com todos os engenhos e monstruosidades

e fizeram disso sete anos numa só noite, do baço aos ventrículos, dos pulmões aos cornos do minotauro onde a lua encontra seus novelos de vidamorte

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e a cobra se enroscou nos cornos do caduceu, no duplo triângulo púbico e no entrançado de Hermes

e foi à horta tomada por abismal sapiência para florir ovos órficos de onde deuses-escrituras se desentranham no fumo das letras, nos rolos nascidos das gemas, com o tirso engalanado, com os olhos revirando para o rigor do transe

e ria e repartia a sua simpatia pela pobreza extrema dos que se humilhavam por debaixo das estrelas inferiores e dos planetas encardidos

e a cobra guardava a humilhação num lenço que antes estivera nos beiços de Ariadne, a pura puta dos deuses e a mais virginal entidade

e disse a Picasso: mesmo morrendo não morrereis pois todos estamos em deuses nos transformando, pela poesia na pintura, no desenho, nas carnes, nos ardores, e pela pintura na poesia,

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nos deslumbramento das frases sobre frases, camadas a atraír camadas, metáforas a desvairar linhas

e acrescentou dentro da amêndoa e nos campanários que as maneiras do sémen seriam o fruto da íntimidade na arbórea deglutição do vosso ventre

e ah como gostaria de ser verdura cadente e estrela comediante e homem provando os suco animais das bailadeiras sobre céus aveludados onde florescem avelaneiras

e refez a terra num painel ou num ícone com patas e carne e restos de de couve-flor dessa que é boa aos olhos do deuscarneiro mal morto

e fez bem ao campo que se adoentara com neves mas já convalescia nos desenhos das próximas caçadas

e sentiu o bom da dor da Dama a parir palimpsestos e a criar vidas e a engendrar animais do homem com astros a nascer do

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vermelho tórrido da terra que será mais vermelha e lapidar nos ritmos da arte de comer e de saborear a asa de todos os desejos

e Adonai fez erguer na tenda falcoeira dos céus a trança da semelhança

e à asa tornarás a alma como feitiço que se esgueira na ambivalência das máscaras — foi o que lhes disse com os dentes cravados na manhã viva

e assim a mão afagou a dentadura e ergeu-se uma onda de sopros onde Adonai encrespou a moldura do mundo a que chamou vaca entre as vacas

e na tarde estendeu a arte culinária e quedou-se no centro das ervas com tangas de couro e prometeu a Adonai corsages floridas que só isso é digno do deus do horto

e uma máquina tomada de vontade de destruír refez num àpice as coisas que já havia refeito

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e provou o alho nu e folgou e esfregou as suas unhas de deusa em sua cara enquanto cães ladravam e galinhas cacarejavam e a imagem do bode que canta se assenhoreava dos glúteos e os grilos folgavam em redor das fontes nocturnas

porque era o espelho-amante de Elohim, tão piramidal e primordial em seus augúrios

e viu a principar princípios arrodeado de filhos que lhe estendiam a mão para lavrar céus e desferir setas amorosas

e ela comeu o mal arrancando o coração à couraça e defecou-o como bem

e a terra fervilhou os caminhos e seu corpo foi exorcizado pelas linhas do poema e seus pés fremeram na expulsão com letras de fel

e a cabeça estava colada às horas e às orações

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e disse: eis um homem que mergulha com rectidão no mar de Elohim

e cristalizou nas àguas as danças dos mensageiros e deu recordação dos factos circunscritos, dos sonetos luxuriosos de Aretino, das veias do caralho de Louise Bourgeois e dos labirintos tímidos de Borges

e disse então que o desejo era feito de quatro apanhamentos que desenham os olhos da revelação na pele e que estendem o olhar nesses olhos à monstruosidade que abraça os apocalipses com pimentos e variados acompanhamentos

e soube que a tarde removia o lavrar com que fraguara torres palrantes e que o seu saber era bom

e assim santificou os mares e se apercebeu da santidade das amaras viandas

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e apartou uma estrela que se deixara morder pela cobra demiurgica macha que mordia a cauda a outra cobra fêmea que lhe modia a cauda

e foram os nomes maneiras a adornarem os passos do Minotauro-Messias com submáscara de Picasso

e disse ao amante que temesse a hora e as duas prostituas de indigo que se refugiaram na concha aquando da abertura da caça ao riso e na demanda das cinzas da Medusa

e disse Elohim: não é o mar que arma meus servos mas é a vela que leva meus nervos

e à curva chamou expandidura emquanto seu braço sacudia o soalho e agravava os aspectos da terra no se deixar tombar assim em violência tanta, em vemência tântrica

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e ao que é recto chamou queimadura e desenho vindo da linha que vem do fio de fiar no fuso os retornos de entrar e saír no corpo-labirinto de Ariadne-Minotauro.

e disse da dor o lugar inóspito onde o homem toca o silêncio arrogante e questiona as errâncias do grito antes do mito

e havia cristais inquietos no templo carnívoro onde desenhava circulos concêntricos do ânus até à boca

e a sua língua com plumagem de ave de rapina persistia no desenho onde ia traçando centros do mundo vários nascidos de um umbigo de antanho

e as luminárias arrodearam nos deuses as mãos ambas que dançaram lombares

e a gordura era expelida das articulações e o súor arregaçado no pescoço

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e Elohim sentiu-se bicho de gente agitando os dons domésticos das cobras vindas entrançadas da penumbra enxuta de Asklépio

e ao largar a pele de cobra se fez a carne do Deuses mais tenra e doce, iguaria multicolor ou droga a rodar no orvalho das múltiplas manhãs

e barrava chocolate nos calendários celestes e massajava os lombos afrodisíacos das àrvores embandeirados

e no diverso tempo chamou a Elohim: fruto da estrela e nariz de alento

e à terra chamou árvore do fruto que a degolarás com a faca que fendeu o ventre do Minotauro

e saboreou o feijão temperado com a Ira de Ananké e fez um traje à terra que se repartia pelas mudanças da luz

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e escondeu-o deus no ventre da mulher na horta crepúscular em que se viu trespassado

e comeu-a e ficou-lhe com restos do sexo nos dentes

e havia a face que confessava que ouvira e que fizera filhos e que ficara ferida de escurecer na escuta

e disse aos filhos que seriam feridos pelas maneiras e espantados pelas alumiações

e recriou a terra como máquina de sextos sentidos pois havia que lavrá-la a quatro mãos a partir da vulva egípcia que vertia oráculos em papiros e se esfregava no lápis lazúli

e amendoou a face com pó de feijão seco até se transformar em amendoa mística, esse Elohim cujo tronco sexuado e peludo cozinhava a tarde animal com mãos brutais

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e disse: criei as coisas na intermitência de estar pasmado para aqui como muito cão assementando filhos de homem nas encruzilhadas

e as àguas foram bebidas na sede imensa das coisas e das almas

e fez estrelas à sua maneira, verdades dissimuladas no excesso, com o gosto de abocanhar e os molares arregaçados e as gengivas azedas

e foi passear a dor e deu-lhe de comer e afagou-lhe o pelo com feitio fácil de medos amanhados

e cheirou com húmidade o ouro das infâncias, a poalha que luzia depois das sestas, as uvas na mesa e os guardanapos dobrados com primor de anciã

e colocou cabeças no cume cujo nome é oculto, costurando o muito a seu modo, como se fora cabeço de cabeças ou rosto que mastiga excessos de se mostrar tão à sua vontade

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e sentiu a terra com os pés e ficou ali remexendo com unhas e com Apolo no ventre

e o cheiro a tomilho dava para rir nesse mundo por senhorear, nesta vida não senhoreável, sobre o halo de sémen com a mãe da divindade descendo a escada desnuda e um bando de anões futuristas a prepararem-se para mais um escandalo genésico

e as gotas da àrvore de Adonai sustinham o orvalho que era penetrado pelo bafo dos anões que se despiam também e deixavam as roupas estendidas no corrimão

e a mãe dos deuses vestia a tarde de negro e enegrecia em orientais pedrarias

porque Elohim era a esposa cor de safira recebendo os bordados vestidos da pitonisa e seduzindo os filhos do Heden enquanto tu traças, em ti de ti, linhas que te dilaceram o rosto de deusa que és e não és

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e para ti medusou Elohim a terra com ganas de quem quer pintar a toureira que se faz penetrar pelo touro antes de o matar na arena

e os espectadores desfaleciam espantados pela máquina de arejar com leques a morte defronte que completava o modo de o mundo ser criado em cromos para cadernetas onde se vislumbram luminárias pelas quais a terra é o bem privado de Adonai que se adormidou sobre os céus e se resfastelou na sesta enquanto as sogras extraiam as tripas às noras na carvoaria

e foi no vôo de Elohim sobre as suaves nuvens que reparou que Ariadne urdira bem a meada da história que adormidara o Minotauro com sedativos fortes sobre o nariz atento de um funcionário público supostamente cretense

a própria Afrodite se transformara por momentos em Minovoca e Minocabra dançando sobre o cadáver de Astérion a lírica dança das constelações

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e o alento do semitouro morto chega-te a ti que te escamoteias sob a pele leoparda nessa neura vistosa e viral que manchará de figuras as brancas folhas da sorte

pois coleccionas hálitos vindos dos Hádes e misturas-os com a fruta do dia no centro aureolado de todos os centros

e bates com a porta na face de outro Elohim usando teu manto de manchas arredondadas para ostentar a glória feroz

e arrancas estrelas de ténebra à carpete nocturna que foi negociada ao nigromante egípcio com a obscuridade em redor e a cobra enroscada na vistosa virtude

e disse a Minovaca: comi mais uma vez o Adversário cabeludo com azeitonas e cuspi os caroços sobre a terra a cheirar a cinzas ainda mornas com a recordação das unhas de Ariadne a cravarem-se na pele àspera de Picasso

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e Picasso e Ariadne riram na ardósia da ira e no azul marinho que ampliava as sombras frescas do horto e refazia a partir das costelas do terroso golens femeninos e pequenas criaturas que se masturbavam com cornos de unicórnio protegidas pela neblina do horto de Adonai cujo nome é Hebel

e o Deuses disse: não comais terra e deixai que os remexedores lavrem naturalmente para que o novelo de ouro grave a voz de Adonai que refresca as tardes e que polvilha os céus qual silente bolo bom de se comer

e Yeshua fritou as salsichas para Elohim e firmou a tradição maldita de recusar sacrifícios para os deuses prostrando-se numa encruzilhada onde se deixou cozer em cruz ao sol

e deixaram a melancolia invadir em onda de descontentamento o dia com garras que rasgavam os testículos do antigo touro de Tarquínia

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e abandonaram o sémen numa praia para que dele nascesse de novo a Afrodite das Fessureiras, a que sodomiza deuses estrangeiros contra a àrvore com um godmiché de ouro fabricado por Hefaisto

e ambos acharam: quão bom é o horto! e a verde lingerie fica a matar nos alvos braços da deusa do amor cujos beijos ardem como pimenta cayene e entalam o silêncio na ratoeira a cheirar a môfo de rata frígida

e que Adonai te seja a adaga que santifica os Falsos Messias, vítimas da ilusão e da imprudência

e Elohim não prega o olho de tanto se acariciar

e crucifica com espinhos de rosa mística o corvo que se funde com a noite enquanto Ariadne dança com cauda egípcia de deusa gata porque deseja devorar os ratos apolíneos que lhe procuram o recessos do labirinto

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e Elohim desenrola da sua lingua de papiro os nomes das coisas que assentam sobre o mundo com precisão e o deixam entalado no limbo do Inominável

e por muito bom que seja de saborear quedou-se na solidão de auto-devoção e de auto-devoração reproduzindo-se em orações, coitos e mistérios

e Elohim fraguou um corolário sobre as luminárias e fez-nos pensar que há àrvores que seguram o céu e clamam pelo fulgor em que ele folga assediado por flechas das ângustia dos homens e pela chuva àcida que vai jorrando na grande escuridade celeste

é o próprio Adonai que chove à sombra da múmia lúbrica para si mesmo — torneira incontrolável que encharca os dias e os enche de verduras

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e estendeu a expandidura dos céus com o amor perfeito e soberbo que deixa de apascentar cabeças para que se tornassem errantes espectros de revoluções

e as cabeças brotaram em orquídolos e logo foram cozidas para Adonai com as batatas de Elohim e as lebres que caçou no Heden

porque para se manterem os hortos vivem de mortes diversas e as sementes devoram a terra e a terra alimenta-se de cadáveres de aves e da erva onde assementamos os amanhãs

e as figuras do desejo estão prenhes do teu cadáver que os bichos remexedores adoram e tu danças a dança do labirinto, a dança dos intestinos, a dança dos grous, a dança que todos os olhos procuram para as pupilas bailarem e os corações acelararem

e Afrodite adormidou os deuses e estes foram levados nos braços de Hypnos e era mesmo bom o sono que se abatia sobre

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o junho gordo enquanto os sátiros engoliam a terra e devoravam nacos de céus andantes

e sentias-te tão animal nesse junho que respirava Elohim e as suas faces recusadoras da vista

e Adonai criou machos para copular diante das luminárias embandeirando as vertigens de Havilah onde o brilho abunda e onde a brisa despe seu vestido e as mãos da deusa idolatram as mãos de se ser deusa

e passeavas no bafo da tarde com o teu galgo que as tabuínhas registam com fúria caligráfica

e as estrelas surgiam como sórdidos pantomineiros a tentarem enriquecer com chulos sem escrúpulos a beber àguas minerais e a oferecer dobermans numa ara em sacríficio a Elohim

e Deméter sentia o cheiro pandémico a queimado como droga que estonteia a divindade e que dá brilho de corpo de mancebo

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à deusa que corre a cortina dos milagres assentando sua força no temor e na oclusão

e fez-se Elohim ainda mais arteiro dissimulando-se na flor da eternidade e entregando a noite às serpentes que semeiam flechas fatais nos prados floridos e arrastam com elas as danças terríveis que excitam a primavera e tornam ternos adolescentes em violadores crápulas

e disse Elohim: façamos àrvores cujos frutos são luminárias com vidas incendiárias e cães cuja voz tritura os crentes para que os artistas possam senhorear na criação e o mar se incendeie num clamor amatório com verbenas a adornar os troféus de pesca

e fez-se o dia varão para que o desejo sossegasse ao sol com as sementes engolidas pelos dentes canibais da terra e massajadas pelas àguas subterrâneas que a irrigam

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pois quando comes maliciosamente a flor vergasta o homem e espanca-o à sua maneira com a delicadeza genésica que lhe ofertou o Deuses

e andarás ao pó dos dia e lavar-te-ás com àguas poluídas e tentarás limpar em vão as máculas anteriores à separação dos elementos porque a mácula é inseparável do fruto e da pureza

e quanto mais te purificares mais máculas semearás em teu redor

e lavrarás Baubô, a vulva da Dama, e depositarás teu sémen na sua vasilha e teu calcanhar nu sentirá a textura desagradável do solo escaldante e calvo

e foi deste modo que se plantou o renome e se removeram as glórias das antigas bailadeiras

e o siso entrou em saldos diante do riso suscitado por Baubô e o amante rodou a maçaneta da porta da rua antes de lhe buscar o

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ventre com olhos de rei micénico com direito a desfrutar dos despojos que lhe foram consagrados

e nesses dia a cobra seduziu Ariadne e o seu riso foi a verdura de uma comédia escabrosa que escondia o Heden dos fiscais das finanças que se desnudavam em hoteis baratos com travestis angelicos e moscas verdes

e escrevinhavam notas diligentes e deixavam os móveis pegajosos e lavavam-se demasiado até a pele ficar completamente da cor do óxido de zinco

e comiam trajados a rigor os salmonetes do mal e penduravam a dor a oriente enquanto a Musa se crucificava na vassoura arteira, essa orgíaca orquestradora das tarefas domésticas

e guardavam-na com carrancudas estrelas que encorcovavam os céus com angustias distantes

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e a voz da expandidura era estridente em seu peito que arfava os ares imensos que aí chegavam vindos de confins exóticos e de sarcófagos insígnes

e a semente da escuridade toldava os céus do horto cuja àrvore era infestada de víboras e de macacos que aí guardavam seus cachos de bananas e suas crenças imorais

e retirou o centro a Elohim, ou seja, folgou prazeres na terra cuja viva erva assementava a expandidura e multiplicava o multiplicar

e roubou o ninho ao ramo leixando o marido coroado das moscas de Zeus desfazendo o voluptuoso animal da glória dos instantes

e a àrvore assementou estridente no ventre da Dame aux Escargots que nos ofertou o mapa de seus lombos e sua pele divinamente babada

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e do vapor seus gestos sedutores procuraram o peito para que fizesse força na alma até que a cobra se erguesse da base da coluna e a percorresse até vir-se em deusa

e demoradamente a escuridade se desfez e lhe retiraram da carne os labores de estender roupa, essa reluzente roupa de que O Deuses se vestira

e disse: sete patas comerei e oito patas florirão e serei coroada de luzes natalícias: primeiro como S. Pedro dos Histriões na trágica paródia de Yeshua, desencabeçado, e depois como raínha da Noite, mãe inviolável que agraça os que se dissolvem no crepúsculo e buscam o Oriente nos hinos que antecedem e esfregam sonhos

e pões os pássaros em fritura de óleo, essas aves de Papagueno, que as mandaste apanhar para que cantem em teu ventre, e esganem a voz firme nos trilos da trovoada

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e ficaste com a face de Adonai metida em tua figuração de nu de deusa da graça em estátua, coagulada na pose em tronco fugido e pássaro fazendo de pássara

e as faces eram polvilhadas com coentros para pitéu inesquecível

e foi-se ao mar com setenta bichos e sentiu teu vergão que cospe gozos nos lombos

e estava uma multidão alarmada na arena havendo a cobra a acariciar os glúteos sublimes da Dama de açafrão esparramada numa gigantesca fruteira e tinha malvas nas madeixas do cabelo

e em redor roía os calos ao Adôn que se amancebara com um pastor de camisa súada e rosto imberbe

e era uma choradeira, vindo a música da terra que arrastava sedimentos de outros tempos, de outras mortes, de tudo já ter sido alheio em extensão e esplendor

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e na grelha caíram-lhe as faces de vergonha verdíssima de raivas e arreliando em coriscos

decerto fizeste uma malvadez infame a teu irmão e a tua sorte é estar um dia primaveril senão levavas nas fuças com a talha de agua que se arrebentaria em ti em cacos e aguas

e levavas com urina na tua cabeleira de galã de galinheiro, de merdolas aprumado e obidiente

e no teu nome a cauta imagem apagar-se-á doravante com a borracha do esquecimento ágil

porque é que ficaste escondido sob o pelo da ovelha como Ulisses durante sete noites enquanto a terra estrebuchava sobre os pentelhos de arame da Celestina?

Porque espevitaste minha ira mediadora das façanhas dos reis Persas?

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ai de ti mulher, que a Caim irasceste com punhetas de câmara entre mamas badalhocas!

e como te dissera: fui a Adonai nu e pobre em eras de saldos, numa rifa da missa, num calote canalha, entre canapés de ferrovelho, entre sedas de vizirs fatimidas

e foi sobre a seda que Picasso acariciou os rebordos do ânus do céu e que a noite houve por noiva a Grande Lésbica e desfrutou de cabo a cabo as anatomias perfeitas, com força e suavidade e salsa e merengue e samba sobre o orgão decapitado de Tamuz e o lençol cheio de sangue côr de violeta genciana

e os olhos a espreitaram a cena de porrada no prédio em frente com a manicure na retrete a vingar-se das crianças, a insultar as filhas de Caim, suas putas de merda e o teu filho é um bi punheteiro que anda a desgraçar as filhas de Enos

então muito emproada e senhora do seu salmodiar arrancou um tufo de pelos do peito de Cain diante de Picasso que tinha

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renascido da sua masturbação e removido os objectos do seu lugar e os eus da sua autoria que houveram começado a sózinhar-se nas ângustias dentadas

e irasciam por conta própria e na cozinha grassava um odor a minhocas de pesca e Yaval até comentou: com ganas assim não tens de matar o coelho nem esfolá-lo vivo com a faca japonesa tão cara e cortante que te deu o primo

e a mulher pariu um aroma por cima da lula e ficou pálida e desvanecida e salpicada de pimentas com setas emprestadas a S. Sebastião no lugar do desejo e com tachos a ferver e tomates a pelar

e achava que Hevel se tinha apoquentado com a mendiga perfumada e se enamorara dos seus olhos côr de couvelombarda e seus cabelos côr de fossa de cemitério

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e ela parecia jeitosa e meiguinha a esconder pecados nas algibeiras e a engomar as saias das amantes russas do senhorio porque a alma é a órbita de um centro invisível

e atentou ao que lhe diziam e nem piou e comeu com um final de namorico muito foleiro, que ele merecia um ensaio de porrada dado por uma pessoa que eu cá sei e posto a ferros isso mesmo e a levar chicotadas psicológicas de treinadores na retrete a cagar bolas de futebol

e disseram em coro alentejano: jazerás no relvado mais teu irmão e serás crucificado pelos adeptos inda antes do campeonato findar sem que tu e teu team tenham vencido qualquer jogo

e Metusael Metusael não queria acreditar: já não dava mais para a caixa com vistas para o mar e com a velhice piolhosa à perna e coças acumuladas no campeonato e feridas no baixo ventre

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e a piscina era novinha em folha com cocotes a fazer broches a jogadores suplentes no jacuzzi importado do Canadá com decoração neo-rococó e louças côr-de-rosa e o adjunto de treinador a grelhar côxas de rãs e o cão-de-àgua a apanhar chuveiradas do jardineiro

e o melhor é desculpar Cain que nem sequer é cavalheiro nem tem modos e tal e coiso coiso e só se deslumbra com os desenhos que se formam fortuitos na paisagem

ele não andou a sacar guita a Lemech com lamechisses da treta nem andou a vender o cúzinho a Set e já tá cheio de cabelos brancos, coitado, e foi para terras distantes a ver se não lhe chamavam nomes horrorosos

e untou uma pedra com azeite e ofereceu holocautos a um tal e tal, e irasceu-se outra vez e com as faces descaídas matou-o todinho com as mãos quando preparava a lebre em vinha-dealhos e a mulher lavava a rata menstruada numa vasilha de barro

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e esta disse: adquiri madeiras para queimar a meu marido condignamente que as miudezas de Hevel conheceu bem junto ao períneo, já que tinha um nome a matar, mesmo que Tubalcain toque uma marcha fúnebre no orgão elétrico no funeral e Nahamah saiba carpir em boa putaria e Elohim fique ali na sombra sem piar feito um capo indiferente à grande história do mundo e à sombra do conhecimento dos dias

e sete vezes será enforcado aquele que se atrever a bufar sobre os bafos de Caim

e será suspenso gentilmente sobre a imagem maldita do espelho que triste cobre os pecados em falta com ordenados em atraso e despedimentos colectivos e o barulho de uns gajos com naifas

pois serás sete vezes menino e sete vezes teu nome será ocultado e movido serás por um agente secreto das profundesas do céu

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e disse Caim: eu desenho ao desnudar-me no campo como mulheromem livre cheio de pelos e cheia de graça em meu conocaralho divino

e respondeu-lhe O Deuses: matarás pelo prazer de matar e lavrarás a terra com tédio e sentirás a violência do ferro e os enxames de vespas a picarem-te

e dependurarás a harpa em salgueiros sabente que em Sião tuas primas fazem bicos aos superintendentes de Babel e emprenham de mercadores fenícios

e a sorte não as favoreceu com um pastor temente a Adonai nem com um tangedor que recorde Hevel cujo nome será sete vezes sete vezes esquecido

e Picasso esfregou na tela o esquecimento com òleo gordo e grelhou o irmão junto a couratos de Minotauro e tripas de Prometeu e a musa cómica a achincalhar o drama, a achar que

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aquilo dava um epitalâmio tenebroso em que se espetam cravos na noiva e lhe atam os pés, que é o seu a seu dono

e espancaram-na na tela com Caim a semelhar que matava a seu Senhor e a embalsamar-lhe as faces e o nome que fora levado por serpes para a colmeia onde as abelhas condensaram a memória de Hevel que se preparava para nova morte na arena do dito e do não-dito, o que acabou por ferir e ofender a quem conheceu Hevel que gostava era de umas boas favas

e Caim olhava Hevel ao espelho com dignidade apinocada mui presente na sua emérita pessoa com bicos-de-papagaio nos artelhos, pensando na corrida de touros em que lhe espetaria bandeirilhas

e outrora sete vezes fodera Caim a velha Lilith que conhecera numa tarde de verão a banhar-se no rio com velhos a espreitar e escaravelhos no colo

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e a voz de Hevel agradou às varoas pois era voz de condenado boa para ser pintada numa tela aproveitada de um saco de serapilheira que sobrara a um saque

e vós ó senhoreadoras, escutai tal pedaço de voz dirigindo-se a Adonai ampliando as intenções de Caim, pois está claro é um pedinte que inscreve a aurora nos dominios do arbítrio picado do Oriente com molho à espanhola

pois incandesces e erotisas o cavalheiro de cobre com ares de basilisco e o horizonte triste coitadinho muito funcionário público que armou um setenta e um à paixão de Ariadne carcomida de gorduras e rugas e infestada de parágrafos sem fim, pedintes de esmola por encomendança da Gertrude Stein

e a sua vizinha matou sem misericórdia o turista americano que se enfrascava todas as noites e que ficara com as faces feitas num oito e meio e guardava num cofre a orelha de Van Gogh embalsamada e que dela fez bela cabidela

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e um servo do faraó transcrevera o varar da escuta e as fórmulas mágicas que encantariam as ganas do pintor que emprenhara da vasta máquina de chicotear influências e nelas atentara na medida em que se ajuntaram sete dignos percursores para propalarem sobre Hevel vestido de harpista com dedos finos a tentarem parir Adonai numa sonata maniaco-depressiva

e Hevel desaparecia na sua vergonha de não ter dado ouvido às feministas futuristas a entrarem furibundas com onomatopeias estrepitosas nas bordas da sonata que entrestecia as traseiras do desejo e que abria a Yehudah uma vasta melancolia

e fluia no seu dorso de laranjeira cravada de rosas que o cativeiro a fizera escrava de piratas mauritanos que amavam o mar inclemente e que carregavam o coração de Cibele com os dentes de um deus canibal do Egipto

e detestavam o deserto e a sua vastidão labiríntica que engole da areia os portões e que destrói a clara boca e estampa uma infinidade de rugas nos servos

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e colavam-se às festividades de Adonai e entrançavam por detrás mancebos que tombavam no lado oposto às orações livres que se cravavam na pele em danças poéticas atormentadas

e atavam-se a ti, ó malva perfumada na estrada noiva dos camiões errantes que percorrem os quilómetros inimigos e que assobiam no cerrado horizonte com o pudor da arte recombinatória

e permitiam que a Dama Arteira sumice na paleta do cântico em rolos sagrados com equimoses nas escolias que dão nozes às enguias que têm dentes postiços de deusas esguias aguentando rancores nas vanguardas polifónicas vigiadas pela policia à paisana

e a deixarão a salivar as antenas dos dias ao esvaziá-los através da ilustração perpétua com comentário de escurecidas noitadas a ditar postas de pescada com rabos nas bocas

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e essas tomá-las-ão com aperdrejamentos aos traidores reais e à imobilidade turbulenta das profecias e às máculas fedorentas dos legisladores

e a boa da noite será transcrita nas harmonias que vomitam oas maleitas dos dias

e a perfeição dos maldicentes será a fecunda tribo dos astros aprontados na doce contagem das estações aprumadas

e as acções extremas serão desovadas das açordas poéticas enquanto os garfos te desenham o corpo, as ataduras das pernas, as rosas sovaqueiras e a luz coada no sítio da sina

e as harmonias jorrarão por clisteres com a acutilante fragância das noites frutadas no pouso das lombares

e aí havia cágados a transportarem àrvores e burros a lamberem a escritura nas vésperas de se afeiçoarem ao entardecer com crânios a despertar nos retratos de S. Jerónimo

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e a onda ressurrecta encobria os perpétuos falhanços Do Deuses e as géneses associadas

e com a anatomia veloz dos metatarsos afinavas a pincelada de onde surgia o desenho, tão entornado, acutilante cutelo que torna imprudênte a grã magia que escangalha o mundo

e eras o antídoto aos espelhos a desforçar contra qualquer correção

e perseguido O Eles se ajuntará com fecunda impaciência à revolução permanentenente traduzida de onde se desenrolam e explodem os varões que ampliam o casulo da obscuridade a descascar as eternidades

e a história desflorará as acções e ajuntará o pudor dos cautos heróis que os clichês encobriram num grosso tempero com cardamomo e asafétida

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e as epopeiam célebres serão refugadas numa sertã do sertão, num forno do estrelas tradutoras, na antecâmera da ténebra patafísica onde os deuses estão presentes e na vulva eterna da anti-perséfona

e virão ah os dias com olhos sinistros eia que incendeiam as lubrificadas maquinas literárias recombinando as avós obscenas com sobrinhos oblíquos que gatinham

e eia virão por noites para se amolar a faca hieroglífica onde reluzem os coleópteros antigos que fomentam a contramão onde o Deuses afina o pranto na guitarra

pois morrei dos vituperadores com machadas douradas a ceifarem vossas ideias astutas e não deixai que a gramática vos denuncie as gorduras dos versos

e asseai os dentes enchendo de glória as albas babosas

e propagai o hálito inabitável que favorece o divino

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e desenrolai sobre as tetas da abundância o rolo da sabedoria de Cibele cuja voz se escapa nas encruzilhadas e amarga nas traduções e sobra aos furores das labrys e se ajoelha em afamados prostíbulos

porque os crânios estão à tua porta, vorazes, mascarados de musas soturnas e tu despes-te com a pá que tens entre as pernas e com a qual enterraste os cadáveres dos nossos antepassados, esses terríveis mamadores de cabeças e condensadores de espectros que te psicanalisam a partir da morte

porque a contagem dos olhares vigilantes encobre os rolos da má-lingua onde a oportunidade fervilha em arrepiados desenhos

e a luz fomenta o pudor e se ensenhora da sabedoria que desenrola o bosque que recolhe os ovos da galinha na arte que é o ornamento com que a avó traduz as alvoradas no seu modo de recombinar a tradução com pensamentos de lebre e feijão

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verde e batatas requentadas que se declaram nas papilas gustativas com terrível ternura

e as obras atravessam velozes os inabitáveis desertos onde se despenham estrelas cadentes e se abatem camelos no matadouro dos saberes e onde se aperfeiçoa a fome com política e as oportunidades de salmoura

e a ténebra morará no azul indigo do pranto e as paletas exultarão aprumadas para o furor da claridade

e hão de sujar as imagens do pensamento em decomposição enquanto definham as reticências

e este canto pariu-se na vastidão com pelo na venta e a tinta preta que sobrou ao escorrer de teus cabelos oleosos

e a face purulenta de Enos soube o que acontecerá que foi por sua vez parido pela voz primaveril de Lemech que se encerrara

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nas pirâmides como uma ficha secreta que encantaria o mundo e devolveria a sombra ao seu oposto

e Enos escreveu o livro que encharcaria a primavera de entusiasmos que irião recomeçar na proximidade da voz de mulheres desnaturadamente jovens que se inclinam sobre a vaca que fode no fogo

e foste afagada na tela do amor visitante e irritou-se a pele carneira de Esaú escamada na fraternidade sobre a comichosa pentelheira da primavera

e exclamou-se a sorte de Adonai que derrete os lugares, que desvela os explendores do campo, que despendura a pura irmã Ariadne, essa Dama dos Caracóis

e o vasto do nome das terras pariu um Adôn de pelado pipi que deu sete vidas a Cain, que ressuscitou na mandrágora e que suspendeu os sinais do recomeço no perdão retorcido, na mão

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suave que acaricia as ovelhas e na ferida em que a noite encontra sua colmeia com a deusa mestra de corpo raiado

e o Adôn descobriu irmãos clandestinos em tocas arrepiadas nos campos oblíquos

e Adôn despiu-se para descascar a aurora, para a amar com olhos deliciados quando por baixo Lemech fazia passar por desfiladeiros camiões militares dantescos onde Elohim largava seu sémen-bomba

e Cibele bordava com fina agulha o olho de Buñuel e envolvia o arrependimento de Caim num lençol de gás que paria o menino Jesus e o seu irmão Tomás numa ravina onde erravam enormes manadas de orações

e batiam em cegos que atentavam à glória do senhor e ameaçavam restabelecer uma ordem monótona e monástica para o novelo do mundo

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e vergastavam os devotos e deixavam nos perfeitos cavalheiros o vergão da divindade ou da felicidadade

e Caim disse: pari uma âncora cor de malva mesmo no centro do Heden onde se recolhem os suspiros de Adonai

e Caim tinha fotografias de ovelhas no seu port-folio de pastor e esteve sempre com o coração na tradição do Adôn mui guardador e flautista

e agarrou numa corda e enforcou Hebel na àrvore do saber bem e saber mal, áevore da gula que gera a divindade

e Caim fez-se filósofo e fez parir a sua mulher um filho a que chamou Fosse O Que Fosse

e a terra estava coberta de pragas e pomares e brechas e camaleões

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e eram muitos os adoradores do púbis de Hava que gerava Seth que já vinha com máscara fálica nas trombas

e mal chegou ao mundo encostou logo a sua face à parede enxuta da história do homem

e debaixo das suas trombas suavam demiurgos de demiurgos que eram deuses caprichosos e desesperados

e chamou-os movido por enormes carantonhas que incandesciam no corpo carregado de eflúvios que salpicavam o dorso onde serpenteavam primaveras

e trepidavam os campos e velhas chicoteavam os netos que levavam a cabo uma limpeza à voz e exortavam as demais mulheres a escutar Lemech

e emplumaram a tosta barroca de Hevel por cima da sua leviandade poética

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e Hevel era um nada de nada com vaidades vanitosas, um pó de pó a ser limpo com espanadores arcaicos a ferir sua força, uma orelha de onde nasciam àrvores que colhiam as humidades com primor

e irou-se Hava e o seu filhou exclamou: queres o rabinho lavado com àguas de malva?

ao que a Hava replicou minuciosamente: desterraste-me e eu não sei ser guardiã da noite nem do espelho e só posso perdoar eh por comparação se me ofereceres a tua bochecha esquerda e se me disseres que me amas no túnel com rápida intensidade pelo buraco onde se escancaram as janelas do Libano onde baixarás as calças para arrecadares felizes açoites

e levá-los-ás em recordação como mácula de querenças para a grande cidade com os rebanhos que criaste em Gilhad naqueles tempos brilhantes, assim como a teus escudos e a tuas imagens

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e levarás e lavarás pedaços de odores que fecharás em frascos nos apartamentos e repetirás o refrão: encontrar-nos-emos encontrar-nos-emos nalgum amor melhor

ó minha irmã, minha noiva, desencoraçaste-me com o olhar minha tão atrevida amada

e de seguida folgaste por trovar meu odor no braço a tombar em violência em plano de Maplethorpe com o sovaco vislumbrado com formigas e cócegas

e espezinhaste-o no chão, ó velha de negras lágrimas saíndo do fel, das fadigas do fígado, das impudícias dos intestinos, da sabedoria das entranhas

e o sangue imponderável espargia vapor no pito da Dama enamorada dos seus caracóis-labirintos

estou fechado no teu amor de cerva, ó minha amada sempre soterrada em especiarias da Etiópia

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és a noiva antiga das palavras abundantes, a melodia xaroposa e trágica do belcanto, a adolescente azul que deposita mel na ponta do pénis picassiano

és a letra que cozinha as fábulas e o cabeço escancarado de capitulos nas janelas da boca que suga outras bocas

desferes palavras aguçadas por entre os dentes estrelados enquanto seguras com fervor o saber da maçã junto às rolas do peito que tenta voar-te da carne

gengivas sangram sobre a carne salgada onde deitas o pimentão e os cominhos e o alho esmagado e o alecrim e as escrituras

pranteaste as cabras trucidadas por um comboio de guerra que atravessa teu mundo contra as porcas pombas dentro dos nocturnos de Chopin que as tias tocam em pianos a cheirar a ranço, encafuadas e felizes sobre estrelas a lamberem as paisagens funestas

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e as manchas menstruais de Cibele derramadas no quintal excitam-te e de seguida procuras-te num espelho em que descobres a face como ventre, vestidura e cuecas, criança e maga, mácula e chama, sacra espiral e quadrado onde sopros acampam endemoninhados

o faro de cães persegue-te no horto babado e na fruta inclinada sobre a morte do duque de Alba que vem da Hespanha e desperta nos rebentamentos de mísseis com um rebanho balindo em despautério junto às muralhas sitiadas onde os Aqueus jogam aos dados

e o teu murmúrio de prazer povoou o cabeço do céu e ofereceunos palavras de ordem e ruídos de desordem que desenterraram os antigos deuses do ópio das suas vis mortes

e ò tu que és vernácula e brilhas em banhos de Shiva com lágrimas de sessenta e nove querenças, que bebedeira escura queres?

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ó minha companheira sectária cheiras bem e teus óleos são dos da melhor mácula de carne e não te miro inteira nos espelhos dos espelhos: és só presença e querança em mil pedaços repartida

e trovas-te na insaciabilidade dos muitos transladando-se com pimenta e noz-moscada

como podes pensar em comer fruta e snifar os nardos e a coca na vagina da gata persa que o tradutor confunde com um Rubaiat no amparo do lar de teceira idade e no pitéu do pito académico?

e ela então disse: o meu mamilo é a medida do mundo que se aguenta na rocha como ovo da paixão de Yeshua-Vénus

e ela referia-se a hortos a exaltar, a celebrar no eco pop do poço onde se suicidara a prima feia e onde caíra um pedaço de merda de morcego e uma merenda com papas de aveia e pacotes de leite com chocolate

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porque é melhor ao deus passar por um buraco da agulha do Heden do que ascender ao céu através das pontas dos ciprestes

e vi uma cabeça marcial que deambulava com ciganitos em festas tecno e transe a calcorrear a terra e a aventar Evohés

e és uma montanha de especiarias a vender no mercado negro quando o vulcão amanha na sua lava o pensamento crucificado de Empédocles e os fragmentos lixados de Heraclito

e fazes contrabando de favos de mel e finges que cortas a língua com uma gilete porque imitas uma performance antiga de um idiota qualquer que viste numa revista velha de arte

e gostas da Gina Page e do John Cage e outros lobos maus que levam tau-tau com ramos de cipreste

e ficas com as imagens a fervilhar na diluição menstrual da tinta da china que corre no sangue antes de se inserir na ponta concisa do pincel

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e sabes que os patos-bravos degolam raparigas de alterne na mata depois de as filmarem nas mais brutais merdas e uma matilha de lobos vai devorá-los aos filhos-da-puta

eram moças que se afermosaram demais nas chantagens e nas gorjetas predilectas e nas migalhas de trufas no cabelo com pele de arminho na idade do armário e fotografias de narcotraficantes da Amazónia com bigodes, cicatrizes e pistolas

ò noiva cabeçuda e explendorosa, a mirra que cultivas no horto do apartamento explode em sombras tóxicas nas missivas que envias às autoridades

e andarei em demanda de desejos com caloteiros atestados e um cego a acompanhar em realejo a condenada que come as migalhas e mete o dedo nu no buraco das formigas e lambe couve-lombarda crua

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e assopras àguas que levam mais depressa o teu noivo egípcio para a outra colina onde deuses crocodilos devoram os segredos de mel que adoçam o mundo cagando depois bolas hieroglificas

e tu esfregas carvão no desejo, no teu sexo-deus, e lavas esse corpo com a tinta que te trouxeram dos confins do japão para tanta chinfrineira

e escreves mais um ensaio sobre a escrita aconceptual com a mão esquerda de caligrafia incerta e olhos de gazela, com a letra tomando-se à letra, com preto de choco e branco de alho francês

a tua arte emplumada de escrever é uma cesta de tomates que o deus da escrita aceita em sacrifício no templo de Toth

e mordes à bruta com dentes azulejados

e queres contrapor a claridade do divino contra a dança da morte dos guerreiros em Ilion cheia de pus e amizades

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e lambes a ferida e as ligaduras do prisioneiro anarquista às mãos do torcionário franquista que tem que ser humilhado pelo próprio caudilho e enrabado pelo cavalo de um sargento e espezinhado pela puta do empresário com botas de guerra

ah como ela é companheira do fascista fetichista na sua intragável fermosura!

e és uma Paloma de vaudeville e gostas de comer rosas enquanto te açoitam a prima comunista com ortigas que são muy buenas para fazer um caldo fervoroso de angustias

depois trincas romãs e fazes um escabeche com pombas da paz e farás também uns arrozes com o sangue do prisioneiro desse anarquista que levava o rebanho a passear em desfiladeiros a ver se alguma cabra caía no precepício enquanto lia Stirner e se recordava de uma exposição do Miró com curiosidade patuda

porque tem de haver uma transparência de fundo que salve as coisas de serem engolidas pelas paisagens mesmo que o olhar

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não salve e que os tigres da ira façam pactos de amizade com os cavalos da instrução de Guernica

o teu amor Palomita alegrava-me nas horas em que a fomeca apertava, mas desencoraçaste-me, cono trafulha, já que o teu amor em linha recta prefere empresários de botifarras a comer enxutos chouriços com tortilha

e os teus lindos olhos Paloma, que os vermes os devorem depressa, mete-os na linha do comboio antes que a escuridão negando se aparte para sempre da luz!

e que as querenças mais manantes destilem do coração um fel de frutos!

e quando ias à fonte o Picasso dizia-te piadas, que guapa!, e levava-te para trás das àrvores, o garanhão minorca, que lhe agradava a fruta do horto, o leitoso labirinto, os borbotos, as meias tricotadas por tua avó

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e cuspia caroços de azeitona sobre os lentes da Universidade de Compostela com os seus cús académicos pendurados numa excelsa retrete destinada a recolher caca para fazer sábios remédios para os futuros estudantes de complicadas literaturas aplicadas

e insistia em curas à custa de lágrimas eruditas atoladas nas notas de rodapé a eletrocutarem a cabeça d'el-rei enquanto os moços de fretes comiam a fruta primeva e o rei David derramava esperma na horta, no escarlate das iluminuras moçarabes do apocalipse de Liebana

e os azulejos traduziam a cena com o pincel entre os dentes de Picasso, entre chamas obscuras de amor mui transviado

e mamavas boquerones e pimientos del piquillo nos cojones dissimétricos e incenso e mirra a abarrotar o horto quando os dois olhares se cruzavam em dois comboios com destinos melindrosos

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e o papagaio sentou-se sobre o horóscopo ao lado da vidente que se suicidará deixando dois gémeos por criar e dinheiro nenhum nem um tuste nem uma rupia uma peseta nada

e a lareira ficou acesa e havia um rato a espreitar entre o monte de carvão e um naco de queijo na solidão da lancheira

e a noiva morenita levantou o véu e o noivo lambusou-a possesso em redor do monte de vénus copiado à vista de Santa Teresa de Àvila

e os surrealistas queriam pular convulsivamente em cima do teu sofá de pele de touro ou enfrentar o olhar fatal de uma auriga embriegada de velocidade moderna

e o torso de Man Ray continuava envolto em cordas de um bandolim de Picasso que odiava jogar xadrês e contentava-se com uma bisca com cartas inspiradas em figuras de Velasquez que estavam bêbadas e não encontraram nenhuma garrafa de vinho no armário só um ninho de enormes aranhas zebradas

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e Picasso esforçara-se por pintar paisagens que se confundiam com caveiras e garrafas de vinho que sugeriam mulheres nuas a tentarem ser abstractas e a saber a açafrão nos interstícios do osso-buco

e o cálamo desenhava o buraco mortal do bandolim e a noiva mística nas moradas de Santa Teresa com túnicas cheias de pregos ao lado de crucifixos também cheios de pregos que queriam melhorar as profecias com os olhos a revirarem junto à companheira de olhos garços e ao santo urinol na vigilia da anti-arte

e a viúva derramava dezoito primaveras negras antes dos outonos vermelhos esperando que um dia renascesse em flor de verde pino

e no altar abandonou-se a Adonai por causa do samba e do Carnaval em Nice com Kiki de Montparnasse a beliscar o duríssimo mamilo da Vénus de Milo

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e os gatitos assanhados mijaram nas banhistas do Cézanne

e as crianças comeram gelados depois de um bife do lombo muito mal passado

e a tela serviu para limpar o rabinho macio da amante do Picasso que ficou sujo de verde esmeralda que custou depois muito a saír e a esconder das limpezas arregaçadas da Olga

e o Pablo não cortara as unhas e subiram os juros naquele belo dia em que se empoleiraram as cabras em Mougins e as tendas se estenderam em Tripoli mais uma vez com vistosas laranjas e aniz estrelado e tanques a passear

e a mercearia tinha uma promoção a condizer com a inflacção

e Gertrude Stein aguardava com um parvo qualquer no seu Ford imponente

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que se despachassem porque Tirésias convidara-os para jantar com lágrimas abundantes soltando-se da sua cegueira

e o motorista ficara a comer salsichas alemãs na cena ao lado e a atirar pedras a um cartaz com um Chihuahua a fazer acrobacias para uma garrafa de àgua mineral enquanto Moisés irrompia na cena e partia a loiça literalmente

e estrangulou o sumo-sacerdote e apanhou um táxi para a terra prometida seguido por furibundos cães de caça saídos de um vaso grego do período geométrico

mas Yerusalaim está fora de questão e a costureirinha pôs-se a bordar um macaco a comer um nacho comprado num supermercado em recuerdos de Sião

e Moisés acabou por arranjar emprego como actor em filmes bíblicos com voz de canastrão enquanto Adonai estendia a sua mão de Kolosso e derramava fluxos de àgua sacra sobre as nações

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e as éguas esperneavam e a porteira viu tudo na televisão esparramada e comovida a assoar-se a um lenço encardido e depois apinocou-se para ir a um baile no clube recreativo com marinheiros de camisolas às riscas que assentavam a matar em Picasso que cuspia na grande noiva de Duchamp e se aperaltava com resoluta vaidade

e Picasso enaltecia o bom coração de Estaline emborcando garrafas de vinho rosé e cantarolando a Internacional com a voz entorpecida

e a senhorita Stein ficou descontente com as porcarias dos poemas do Pablo em salmoura de salvação, em gongorismo dadaísta e venéreo e cenas de putamadre

estende os teus raios no interior da pintura que habita o exterior da escrita ó divino Pablo, disse-lhe ela armada em esposo!

Pablo, aventou Gertrude, estes teus escritos são uma merda da mesma ordem que os desenhos do Cocteau de quem nem

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sequer vale a pena falar, e tens que te renovar fora das trevas das palavras, que quem manda aqui sou eu que não sou parva

ela era a consciência a amargar uma america muito jovem vestida com uma bandeira a rigor logo agora que começara a ganhar umas massas e que se sentia mais moderna por poder comprar antiguidades, porque só te tornas verdadeiramente moderno no momento em que começas a adquirir móveis antigos que combinas perfeitamente com aquilo a que chamaram arte negra

e grelhas uns chicharros com molho à espanhola que o doutor disse que são òptimos para prevenir a gripe com batatas a murro nestes invernos safados em que as deusas nórdicas saiem da neblina e fazem com que as mandrágoras surjam no galinheiros dos nazis com galinhas a cacarejar Wagner

e ainda me esvaio em lágrimas quando me repito inconsequentemente, qual mãe literária e noiva da inovação apaparicando feita pitonisa para jovens americanos à procura

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do oráculo que lhes ilumine os caminhos da escrita depois de andarem a bater com a cabeça em muros de lamentações

ai acho que têm que se despedir das carícias e agarrarem-se ao iceberg que os faz mover para além do garrafão de vinho

e acabaram por calar-se, essa geração que desperdiçou as oportunidades de se livrarem da violência, porque as guerras futuristas haviam esmagado a ousadia poética e restava-lhes escreverem grafitis e esculpirem nos carcomidos muros com violência sexual para serem fotografados pelo Brassai e recordados como criaturas abjectas a desfalecer num obscuro mistério romano

e acordavam vomitados num vomitório por velhos travestis generosos que os lavavam e os tratavam com carinho à altura dos bravos mamilos

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e foi com um golpe de sorte que os navios da nostalgia chegaram ao cais onde desembarcam mulheres de largas ancas e firmes quadricepes e cabeleiras com que chicoteiam

iam com a alma aos ombros e chegavam para desagradar aos vastos senhores que talhavam crianças com palmas da mão chamuscadas pelo bafo dos Ciclopes

e eram vencidos pelo herói que salvara a cidade e que arrastara os amantes para a lama e que atirara das mais altas torres os principes adúlteros e que se duchara depois da fúria que lançou para o Shéol os pretendentes da madrasta enquanto o sol na avenida derretia gelo em copos de àgua e bronzeava meninas de tranças pretas, tranças essas que também servem para punir amantes e para chupar na boca

e os inimigos assobiaram a justiça e subiram a colina e apedrejaram o heroi que fugiu para os rios da lei

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e Iahacob colocou cravos na lapela e festejou a revolução pelas ruas de punho erguido e viu Adonai indignado com os cadáveres das vítimas cobertos de excrementos de pombo

e deixou que a noiva se aproximasse dos anões solteiros que chicoteavam a Dame aux Escargots para os enxutar assim como aos moscardos

e viu as festividades de Adonai nos muros agarrados à Boca da Terra, com pés firmes que se recusavam a mexer e havia línguas a escrever desejos nas pedras dos muros

era a grande taberna do mundo que fertilizava o destino nos equívocos silvestres

e a desenterrar velhas espadas ressuscitou a sorte nas praças

e arremeteu o fantasma suave da revolução indesejada de que se apiedara

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e Iahacob beijou a mama manchada da coquete ruiva do santuário junto à mandrágora alaranjada e picotada feita flor

e cospiu no inimigo que se infiltrara num guizado de lebre furtado no palacete devastado por bombardeamentos republicanos

e comprimido pelas palmeiras lançou sombras sobre as alvas nádegas da duquesa das cinco e meia com chá e bolachas

e os inimigos assobiavam e comiam tâmaras com a mesma mão com que limpavam as fezes e com que acenavam ao Minotauro ferido que partia na barca para Naxos depois de ter cortado com a sua labrys a cabeça de Teseu

A Dama dissera: vem a meus corceis e deixa que o escuro te ensine a ver sem teorias nem dialecticas o peso de teus membros, o arregaçar das saias onde o desenho nasce entre plissados e azedumes com o cio na balança do desconhecimento místico

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e o rabi comentou em bicos dos pés: será que quem fez o furor desfez Yerusalaim?

será que os profetas viram o tempo para além da flecha do tempo?

ou encontraram a trepadeira poética que se agarra à rocha em que se encenam enceradas choradeiras quando é o rebelar-se para si que debilita Ysrael?

e danificaram o muro por onde deslizavam minuciosamente as sombras das lágrimas que fabricavam o estilo desencoraçante

e deixaram as mãos penduradas em cordas junto a orificios na negritude de balanceaream plácidas de encontro à morte

e destroçaram a esperança e ofereceram de bandeja a diáspora que começava na boca graciosamente em vontade de balbuciar por outras línguas com a menina a coçar a cona suja ao sol essa cona tão suja de deus e de sol atravessaso pela maresia

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e vi meus filhos a rebaixarem-se e a cozerem os tijolos vermelhos de Babel e a enaltecer os rios do esquecimento com timbre rugoso e ríspido e rugas de amargura em redor dos lábios

e não hás de cantar mais para teus angustiadores, exclamou com a boca espumosa de quem queria apedrejar as crias dos opressores atirando pedras vãs sobolos rios

e muitas são as fechaduras para tão poucas chaves e raros os sabentes quando a tua amante dorme a fazer-se de morta nos braços de um outro que tanto a cavalgou e a penetrou de todas as maneiras e em todalas partes longamente ardentes

e a tortilha foi ficando ressequida na mesa das formigas com o cheiro a sexo percorrer a casa do saber e o mundo dos mortos

e regas a laranjeira num ano de seca e colocas a lampada para te desfazeres da prenhe penumbra

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e vislumbras a encardida sombra de um chinês astuto que afia facas para esfolar coelhos enquanto teus pés surgem nus na pastagem entre grandes lençois estendendo brancuras

e catas os piolhos a um Homero muito velho e cego incapaz de dar conta de enigmas em que se embrulha

e na areia da praia ele traça versos com uma cana e desenha a Minotaura-Perséfona aleitando os filhos de nádegas estreitas que houve de Teseu

e distanciando-te do altar abandonado querias era viver como um frique numa cabana com o mar perto a rugir com o furor de não haver elohins nem clichês nem teorias

e agarras na ponta da cortina fechando a cena que te desola enquanto Iahacob faz wrestling com um mensageiro que é precisamente o anjo que te desvia dos pensamentos úteis que irritam às miradas do Senhor

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e Adonai tentou reparar os estragos da sua velha ira nos céus quebrados e delicados como cristal de Baviera com novelas e fábulas emprestadas do Ovídio Moralisado

e levas chicotadas e dói-te o fígado debaixo da camisa rasgada e as entranhas estão famintas e querem devorar a florida noite e a lei crápula ao som de aulos e tambores

e a enfermeira meiguinha afaga os velhos com rancores contra o tempo que não dá tréguas embora seja vasto o desejo de prolongar os ímpetos da criação na tatuagem obscena da teta do que aleita a Virgem em suas núpcias com Adonai

e Adonai senta-se no furor desfazendo a depressão num puré de batata e panando a formosura da amante para deleite dos que estão em cativeiro no emplumamento dos dejectos de Sião

e estende a brava máquina dos afectos às mães do furor que cingem os frutos e levantam a clara seda da camisa da noiva no cativeiro em que se desgrenha e em que Picasso lhe desenha o

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peito e o sexo como variante de um jarro que mata a sede dos mancebos que tombam nas ruas pela espada e que são sodomizados depois de mortos, depois do apito final pelo árbito dos anjos sequiosos de um arbítrio arbitrário

porque não há piedade, nenhuma piedade, nem para a noiva, nem para a desflorada, nem para quem dança pavanas, nem para quem tange alaúdes

e a depressão bate nas casadas e o sacerdote pede juros e faz chantagem

e o amor é talhado pelo fogo que queima a cidade, a musgosa Babel de línguas altivas

e rolo onde se acumula a sabedoria e o engenho não salva as gramáticas e eleva-se com suas asas a céus altaneiros

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e a cidade é uma arena côr de malva e escutas a sanha de Adonai e sentes o aroma na carne e na grelha quando mancebos tombam soletrando slogans livres

e a flecha cola-se a ti da cor do tapete que Agamémnon pisou em seu regresso de Ílion

e a noiva dos camiões divinos desesperou nas estradas que alargam os horizontes que pregam sombras com pregos ferrugentos aos caminhos

e direi às fontes o lacrau que dança no papel de parede da noiva que vem trajada de verde com lingua lilás e que desperta com dores nas costas e põe segurelha no guizado de cabrito com batatas e cogumelos e vinho

e cantas em refrão: encontrar-nos-emos encontrar-nos-emos nas noite e no furor leopardo que desfaz a depressão do rei que acumula cereais no torreão do Castelo Perigoso

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e dás-te conta que a formosura e o deleite desolam os angustiadores feridos

e vimos Adonai e o seu poder como suave aroma de flechas curvando-se sobre a criação, estendendo a máquina dos tristes muros às mães fulminantes, com a cabeça a cingir-se ao fruto dos olhos e com a pintura a levantar-se e a clamar e a clarear sobre a seda derramada na camisa engomada da noiva no seu cativeiro incendiário

e na cidade o deus espanca os moradores modernos, que é mui zeloso e ciumento no afã e não quer homens como servos do estendimento de suas palavras

e na fome o rato rói as reses do rabino roubado pois Yehudah veste a tristeza dos rios que se vão em torno às muralhas baralhar os que aí lutam

e alegras-te sobre o vasto deboche da noiva impúdica com o quebrantamento dos salmos em que se ensalsa a pintura e em

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que se emplumam as encomendanças com palmeiras alarmantes a chicotear o amor dos sábios pela ironia divina e pelos juros do amor e suas batatas de arbítrio picado

e como uma coxa sacrificial de borrego és afagada pelo fogo e ardes nas altas moradas em que são talhados os abismos para lá de todo o sempre, de todo o depois de para sempre

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ESTE LIVRITO 3ª VERSÃO

É A

DE UM ESTRANHO TEXTO DE

JOÃO GAFEIRA

ESCRITO EM

2012

E RESCRITO EM MARÇO DE

2019

Q U E F O I D E I M E D IAT O PUBLICADO SEM REVISÕES OU CORRECÇÕES

& COM OS COSTUMEIROS ERRORES PELAS

WAF BOOKS

UMA EDITORA ANSIOSA C O M Ó C ATA N O

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