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O legado de um estadista chamado Lula
Um próspero Brasil para os brasileiros O presidente Lula mais parece um daqueles lances improvisados e generosos da vida do que um resultado da história. Contrariando todas as expectativas e previsões de quando assumiu o governo há oito anos, sai do Palácio do Planalto com a maior popularidade da história nacional e um legado deixado por poucos líderes que conduziram nosso país: um novo e grande Brasil, para os brasileiros. por Ricardo Schaefer - fotos Ricardo Stuckert A vitória de Lula nas eleições presidenciais em 27 de outubro de 2002 surpreendeu o mundo. Pela primeira vez após a ditadura militar, a esquerda assumiu o poder maior do país. Sendo o Partido dos Trabalhadores (PT), por essência ou história, um partido de oposição, de crítica e de contestação, analistas nacionais e internacionais prognosticaram o caos. Temia-se um Estado assistencialista nos máximos níveis, a gestão irresponsável de um país pleno de recursos e aproximações perigosas que poderiam levar o Brasil a adotar as práticas da Cuba de Castro, da Venezuela de Chávez, do Equador de Gutiérrez.
Retirante nordestino, menino que vendia amendoim e laranja no cais de Santos, torneiro mecânico e líder sindical, Lula tinha uma biografia absolutamente fora dos padrões para alguém que chegava ao poder. Em sua trajetória de vida, sofreu as duras penas da pobreza e da exclusão. Nas suas campanhas, que o levaram a sucessivas derrotas nas urnas, ele denunciava o “comportamento predador” da economia gerida por multinacionais e pelas altas finanças. A sua vitória nas eleições presidenciais de 2002, por consequência, era vista como o momento derradeiro de revide de um percurso histórico de poucos êxitos, com grandes perdas para o país.
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O curso da História, porém, não é linear, e certas vezes surpreende com reviravoltas inesperadas – em alguns casos, providenciais. Lula mudou. Foi capaz de aprender com a realidade, deixando posições bastante arraigadas do passado e transitando para novos postulados. Sobretudo no segundo mandato, impulsionado por uma conjuntura favorável, deu liberdade e estimulou segmentos basilares da sociedade, promovendo o progresso do país. O resultado nós vemos hoje. Após oito anos de governo, o balanço da sua gestão desfruta de reconhecimento nacional e internacional. Com uma popularidade que atingiu índices inéditos na história política brasileira, é recebido com festa nas suas viagens pelo país. No contexto global, também por mérito de sua atuação, deixamos para trás o complexo de inferioridade diante das outras nações e finalmente passamos a nos orgulhar de um papel que se vinha delineando há certo tempo, mas difícil de ser reconhecido pelos próprios brasileiros: o de potência política e econômica, democrática, com respeito, prestígio e reconhecimento internacionais.
A ERA LULA Eleito em um período em que a crise econômica estendiase pela América Latina, Lula assumiu a condução de um país com uma dívida pública estratosférica de US$ 260 bilhões. Em 2002, 55 milhões de brasileiros estavam na pobreza, dos quais 31 milhões viviam mensalmente com meio salário mínimo e 24
Cerimônia de posse como Presidente da República, em Brasília, em 2003
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Discurso durante lançamento do Programa Bolsa Família, em 2003
milhões, com menos de ¼ de salário mínimo, na condição de extrema pobreza. Para afastar as ameaças à economia, reuniu uma equipe de excelência para assessorá-lo, à qual deu plena autonomia. Medidas fortes foram tomadas: compromissos foram assumidos, como o respeito aos contratos e obrigações; preservou-se o superávit primário; reduziu-se a vulnerabilidade externa e mantiveram-se os instrumentos do câmbio flexível e do regime de metas para a inflação; combinou-se o crescimento com políticas sociais consistentes e inovadoras; implementaramse programas prioritários contra a fome; e foram realizadas reformas estruturais democratizantes e modernizadoras. Na qualidade de primeiro cidadão de origem humilde que assumiu a Presidência, Lula não se deu o direito de errar: “Eu tinha para mim que, apesar das dificuldades imensas que eu ia enfrentar, não podia fracassar de jeito nenhum”. Para tanto, aprendeu com a escola da vida. Dono de um instinto político e de um poder de absorção e aprendizagem incomuns, não se cansa de dizer: “Amadureci muito no poder”. Sendo a política a arte de exercer o poder em vantagem de todos, Lula foi um grande artífice do seu mister. Costuma afirmar que, no seu governo, “não houve segmento da sociedade que ficou de fora: do empresário mais rico ao cidadão mais pobre”. Em relação às oportunidades geradas e ao desenvolvimento social promovido, comemora: “Criamos mais de 15 milhões de empregos formais, 27 milhões de brasileiros saíram da condição de pobreza e 37 milhões ascenderam socialmente”. No seu mandato, a renda per capita brasileira subiu para US$ 10 mil,
Ao lado do ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, durante cerimônia de inauguração da Expo Fome Zero, em 2004
Pronunciamento no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em 2005
aproximando-se do padrão de países desenvolvidos, e a forte ascensão da população fez com que, pela primeira vez, a classe média fosse a maior no país. A taxa de desemprego chegou a 5,7% em novembro de 2010, a mais baixa desde o início da série histórica em 2002, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A PUJANÇA ECONÔMICA “Fizemos da distribuição de riqueza um elemento essencial do crescimento da nossa economia”, afirma o presidente. Do ponto de vista econômico, a redução da vulnerabilidade externa, o equilíbrio macroeconômico, a diversificação do comércio exterior e a potencialização do mercado interno de bens de consumo contribuíram para posicionar o país em um novo patamar de desenvolvimento. “O brasileiro passou a consumir mais, fazendo a economia girar em ritmo constante e sustentável”, complementa. Durante o governo Lula, o Brasil passou de devedor a credor internacional. No início de sua gestão, existiam US$ 60 bilhões em reservas internacionais, dos quais US$ 30 bilhões eram do Fundo Monetário Internacional (FMI). Hoje, o país tem US$ 285 bilhões só no Banco Central e já saldou a dívida com o FMI, ao qual emprestou US$ 14 bilhões. Lula deixou a Presidência com uma estimativa de crescimento da ordem de 7,6% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo projeção do Banco Central na última quinzena de 2010, e, ao publicar o seu
Discurso durante reunião dos presidentes dos países membros do Conselho de Segurança da ONU, em Nova Iorque, em 2005
Pronunciamento à nação no Parlatório do Palácio do Planalto, durante cerimônia de posse para o segundo mandato, em 2007
balanço de governo, disse que o Brasil deve tornar-se a quinta maior economia do mundo em 2016. Outro grande acerto do governo foi a liberdade econômica e o incentivo dados ao empreendedorismo formal, ampliando as linhas de financiamento e simplificando a burocracia, sobretudo para as micro, pequenas e médias empresas – segmento que constitui um dos principais motores para o desenvolvimento econômico do país. As micro e pequenas empresas (MPEs) são, atualmente, responsáveis por 25% do PIB e pela geração de 16,5 milhões de empregos formais (37,8% do total). “Os empresários nunca ganharam tanto dinheiro como no meu governo”, afirma Lula. Em relação ao comércio exterior, além do fortalecimento das parcerias comerciais já tradicionais com a Europa e os Estados Unidos, as exportações para os países que compõem o BRIC – Rússia, Índia e China –, somadas, passaram de US$ 5 bilhões para US$ 24 bilhões entre 2002 e 2009, um crescimento de 380%. O governo festeja também os recordes sucessivos das exportações agrícolas. “Teremos a maior safra de grãos em 2010: 148 milhões de toneladas”, relatou o presidente. O balanço de governo 2003-2010, divulgado pela Presidência em meados de dezembro passado, apresenta dados que ilustram a situação encontrada quando Lula assumiu o mandato: uma taxa de câmbio de R$ 3,53 em dezembro de 2002; um risco país elevado, de 1.460 pontos; inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 12,5%; uma dívida líquida do setor público de 60,6% do PIB; e desemprego de 11,7% ao final de 2002, segundo dados do IBGE.
Encontro com o diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, em Buenos Aires, em 2007
Lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no Palácio do Planalto, em 2007
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Com a política monetária adotada do início do governo até 2010, o documento mostra que foi possível reduzir a taxa básica de juros (Selic) de 25% ao ano para 10,75%. A inflação medida pelo IPCA passou para um índice próximo de 5%. O saldo de crédito bancário subiu de 22% para 46,2% do PIB e o spread (diferença entre a taxa de captação e a cobrada dos clientes) caiu de 31,1% para 24,3%. O prazo médio de crédito, segundo o balanço do governo, aumentou de 227 para 457 dias corridos.
UM NOVO BRASIL PARA O MUNDO Em relação à política externa, Lula deixou para trás o complexo de inferioridade da nossa diplomacia recente, ousou em diferentes situações e orientou-se pela concepção de que o Brasil deve assumir um papel crescente no cenário internacional, projetando uma imagem externa altiva e soberana. Independentemente de qual fosse a nação que tinha de enfrentar, defendia os interesses brasileiros. “Eu nasci político. Toda a minha vida, desde 1969, foi negociar. Perdi muita coisa, ganhei muitas outras, mas negociar é a arte maior de fazer política”, exprime o presidente, que utilizou esta sua característica em diferentes episódios da diplomacia internacional. Com acertadas políticas econômicas e sociais favorecidas pela conjuntura externa, e o consequente crescimento do país, Lula chega ao final do seu governo ostentando mais de 80% de aprovação, índice jamais alcançado por qualquer um de seus antecessores. A aprovação pessoal do presidente também atingiu um recorde histórico, de 87% de aprovação, segundo dados da pesquisa Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgada em dezembro de 2010. Poucos dias antes de deixar o governo, o presidente Lula deu uma entrevista exclusiva à Performance Líder na qual falou sobre suas conquistas, sobre a projeção do Brasil no cenário internacional e sobre o seu futuro e o futuro do país.
Como era o Lula de 2002, em seu primeiro mandato, e como é o Lula de hoje? Talvez a mudança mais significativa tenha sido em relação à experiência que eu tinha quando assumi e a que acumulei depois de oito anos na Presidência. Quando fui eleito, eu tinha sonhos, mas também muita preocupação em relação às possibilidades de concretizar, dada a quantidade de problemas acumulados e considerando o peso das forças do atraso. Eu tinha para mim 10
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“QUANDO FUI ELEITO, EU TINHA SONHOS, MAS TAMBÉM MUITA PREOCUPAÇÃO EM RELAÇÃO ÀS POSSIBILIDADES DE CONCRETIZAR, DADA A QUANTIDADE DE PROBLEMAS ACUMULADOS. EU TINHA PARA MIM QUE, APESAR DAS DIFICULDADES IMENSAS QUE IA ENFRENTAR, NÃO PODIA FRACASSAR DE JEITO NENHUM.”
que, apesar das dificuldades imensas que ia enfrentar, não podia fracassar de jeito nenhum. Qualquer governante da elite pode errar à vontade e até exagerar no direito de cometer erros. Agora, se eu, um operário, um retirante da seca, não desse conta do recado, meu Deus do céu, ia cair o mundo. Eu não seria o único a ser punido. Iriam dizer que ficou provado que um homem do povo jamais teria condições de governar. E, com isso, todo cidadão da classe trabalhadora estaria excluído da possibilidade de vir a governar o Brasil por décadas. O dado concreto é que se antes eu enxergava pela frente um enorme desafio, hoje sinto que passei pela prova e que vou entregar o país em condições infinitamente melhores do que as que recebi. E minha felicidade é maior ainda porque vou passar o bastão para uma representante de outro segmento – o das mulheres – que nunca havia governado o nosso País.
Como o senhor vê o crescente interesse das potências estrangeiras, em especial os norte-americanos e ingleses, no Brasil? Esse fenômeno me parece natural. A economia brasileira dá sinais claros de solidez. Antigamente, dizia-se no Brasil que era preciso crescer primeiro para depois distribuir. Nós invertemos essa equação. Fizemos da distribuição de riqueza um elemento essencial do crescimento da nossa economia. No Brasil,
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atualmente, as pessoas sentem que existem oportunidades para melhorar de vida, de que amanhã podem estar em melhores condições do que hoje. Elas sabem que isso pode acontecer, porque nos oito anos do nosso governo criamos mais de 15 milhões de empregos formais, 27 milhões de brasileiros saíram da condição de pobreza e 37 milhões ascenderam socialmente. Isso nos torna um mercado muito atrativo para os nossos parceiros. Temos também outros ativos fundamentais, como instituições democráticas consolidadas, além da nossa biodiversidade e dos recursos energéticos, como os do pré-sal, que despertam muitos interesses no exterior. Nos próximos anos, vamos realizar pelo menos três eventos esportivos de grande visibilidade, como a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, que vão ampliar esse interesse renovado pelo Brasil.
Hoje, o Brasil é visto internacionalmente como uma grande potência econômica, sendo considerada uma das principais nações do mundo. A que se deve este reposicionamento internacional? E em termos de diplomacia internacional, quais foram as suas maiores vitórias na Presidência? De fato, nos últimos anos temos colhido uma safra de boas notícias. Tudo é fruto do trabalho duro dos brasileiros e do acerto das nossas políticas. Diferentemente do passado, pudemos realizar essa transformação mantendo o equilíbrio macroeconômico e reduzindo consideravelmente nossa
Lula exibe lamparina com o nome do Programa Luz para Todos, em 2007
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Guido Mantega, Lula e Henrique Meirelles em reunião plenária dos ministros da Fazenda do G-20 Financeiro, em São Paulo, em 2008
vulnerabilidade externa. Triplicamos e diversificamos nossas exportações. Deixamos de ser eternos devedores para nos transformarmos em credores internacionais. No passado, muitos de nós gritávamos nas ruas do Brasil “Fora FMI”. Hoje, emprestamos 14 bilhões de dólares ao Fundo para que ajude, sem as duras condições de outros tempos, os países pobres e em desenvolvimento. A redução de nossa vulnerabilidade externa, nosso equilíbrio macroeconômico, mas, sobretudo, a diversificação de nosso comércio exterior e a formação de um enorme mercado interno de bens de consumo contribuem para colocar o Brasil em um novo patamar no cenário internacional. Quanta diferença de outros tempos, quando as crises do México, da Ásia e da Rússia nos levaram à beira do abismo! Adotamos uma política externa mais afirmativa, que investiu na nossa relação com a América Latina, África e Ásia, sem ignorar nossos laços tradicionais com a Europa e os Estados Unidos. Esse conjunto de medidas nos permitiu enfrentar e superar a crise econômica mundial sem sobressaltos. Penso, no entanto, que o mais importante foi a realização de toda esta grande transformação econômica e social, preservando e aprofundando nossa democracia. É evidente que, em um mundo dominado pela incerteza, pela desigualdade e pelas tentações autoritárias, a experiência brasileira não poderia passar despercebida.
Com relação ao desenvolvimento e à integração dos BRICs, quais os riscos e oportunidades para o Brasil? O grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) nasceu há dez
Discurso na sessão de apresentação da candidatura Rio 2016 ao Comitê Olímpico Internacional, na Dinamarca, em 2009
Cerimônia de assinatura de contratos do Programa Minha Casa, Minha Vida, em São Luís, em 2009
anos como uma sigla que sinaliza o início de profundas mudanças no mundo que conhecemos. Essas mudanças começam com o fato de que o grupo já representa 15% do PIB mundial. Se o desempenho que esses países tiveram ao longo da última década continuar, o BRIC formará, em 2050, o mais poderoso bloco da economia global, superando o peso somado de Alemanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Afinal, esse grupo aglutina países onde tudo se dá em grande escala e tudo apresenta enorme potencial. Representamos quase metade da população mundial, 25% da área terrestre do planeta e contamos com recursos naturais abundantes. Apostamos numa articulação diplomática criativa e pragmática, que demonstrou nosso compromisso com o enfrentamento de desafios globais, como a crise financeira, com a segurança alimentar e com a produção de energia num contexto marcado pelas ameaças de mudança climática. Queremos investir na cooperação, em matéria de ciência e educação, entre países que apostam na revolução do conhecimento. Também é grande o potencial para cooperação em áreas de tecnologia avançada. No plano comercial, nossas exportações para Rússia, Índia e China, somadas, passaram de US$ 5 bilhões para US$ 24 bilhões entre 2002 e 2009, um crescimento de nada menos que 380%.
aplicativo e o novo formulário do Cadastro Único, que permite caracterizar melhor as situações de pobreza e conhecer mais o público-alvo do Bolsa Família. Também merece destaque o início da operação do Sistema de Gestão do Programa Bolsa Família, que vai permitir maior integração entre os diversos sistemas operacionais que dão suporte à gestão do Programa. Outra frente de aprimoramento do Bolsa Família refere-se ao acompanhamento do que é exigido em relação à educação e à saúde. Hoje, cerca de 90% das crianças entre 6 e 15 anos e 80% dos adolescentes entre 16 e 17 anos têm a frequência escolar acompanhada. O Ministério do Desenvolvimento Social e o Ministério da Educação têm feito esforços para que esses percentuais, já altos, continuem aumentando. Entre outras vantagens, isso vai representar muito mais chances de crianças e jovens entrarem no mercado de trabalho em condições muito melhores do que as que seus pais enfrentaram. O mesmo acontece na área de saúde, em que o acompanhamento dos compromissos das famílias aumenta ano a ano. Finalmente, também é importante o estabelecimento de regras para o reajuste periódico dos benefícios.
Na sua visão, o que o Brasil pode ensinar aos demais países? Em quais aspectos o Programa Bolsa Família pode ser aprimorado? O Programa Bolsa Família pode ser aperfeiçoado sob diversos aspectos. Ainda em 2010 entrará em operação o novo
Encontro com chefes de Estado e de governo do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), realizado em Brasília, em 2010
Cerimônia pelo início da extração de petróleo em escala comercial da camada pré-sal, no Campo Baleia Franca, em 2010
O Brasil não tem a pretensão de ser melhor do que os outros, mesmo porque, apesar do muito que caminhamos, ainda há uma longa estrada pela frente. Afinal, o abandono e os problemas acumulados eram muito grandes. Nós podemos levar
Encontro com chefes de Estado e de governo do G-20 em Seul, em 2010
O chanceler Celso Amorim entrega a Lula o prêmio Estadista Global, concedido ao presidente em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial em 2010
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a outros países, sobretudo para os que convivem com situações de miséria e de fome, a experiência dos nossos programas sociais bem-sucedidos, como é o caso do Bolsa Família, sobre o qual estávamos falando. Estamos não só oferecendo o peixe, uma medida emergencial, como ensinando a pescar. Criamos o Próximo Passo, que se constitui num programa de capacitação em algumas áreas, como construção civil e turismo, para que os beneficiários do Bolsa Família tenham condições de caminhar com as próprias pernas e possam abrir mão dos benefícios. Esse programa não só contribuiu para retirar da situação de miserabilidade um enorme contingente de pessoas como tornou-se também uma mola para o crescimento. Quem recebe os benefícios consome imediatamente. O dinheiro volta a ser injetado na economia – os que recebem compram do comércio, que tem de se reabastecer, demandando vários outros setores, produzindo uma onda que permeia toda a economia. Os programas sociais e seus desdobramentos na economia, ao lado da valorização dos salários, principalmente do salário mínimo, produziram milhões de novos consumidores, que estão fortalecendo como nunca o nosso mercado interno e, portanto, toda a economia. Essa experiência pode ajudar muito os países mais pobres, que ainda convivem com contingentes expressivos da população em situação de miséria crônica.
O presidente Lula do 2º mandato incentivou o empreendedorismo, ampliando linhas de financiamento e simplificando a burocracia que atrapalha o pequeno e microempresário. Com essas iniciativas, o senhor considera que está nascendo uma nova geração de potenciais grandes empresários? Como enxerga esse segmento? As micro e pequenas empresas (MPEs) são muito importantes para a economia e a sociedade brasileira. Elas representam 25% do Produto Interno Bruto e cerca de 99% dos negócios realizados. São ainda responsáveis por 16,5 milhões de empregos formais, o que representa 37,8% do total no País. Se for considerado apenas o setor privado, os empregados com carteira assinada das micro e pequenas são nada menos do que 47,4% do total, ou seja, quase a metade. As MPEs constituem o segmento econômico ideal para o surgimento de grandes empreendedores e o governo federal está fazendo tudo o que está ao seu alcance para auxiliar no nascimento de uma nova geração de empresários brasileiros de sucesso. Todas as ações promovidas no meu governo para o segmento das MPEs tiveram como objetivo a formalização 14
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“EU POSSO GARANTIR QUE NÃO VOU VESTIR O PIJAMA. ESTOU COM MUITA ENERGIA E CONVENCIDO DE QUE, COM A EXPERIÊNCIA QUE ADQUIRI AO LONGO DESSES OITO ANOS, TENHO MUITO PARA CONTRIBUIR COM O MEU PAÍS E COM OUTROS TAMBÉM.”
de uma “cultura do empreendedorismo formal”. Criamos o Empreendedor Individual (EI) em julho de 2009. Hoje, mais de 760 mil empreendedores brasileiros já se formalizaram, por meio deste programa, em cerca de 460 atividades econômicas. Outra ação de incentivo ao desenvolvimento das MPEs é a instituição de linhas de crédito e financiamento. Nós temos também procurado sensibilizar os estados e municípios para que regulamentem a Lei Geral das MPEs. Até agora, dos 5.566 municípios brasileiros, 2.373 (42,64% do total) já aderiram a essa legislação. Diante desse cenário, estou muito otimista com a consolidação dos diversos segmentos das MPEs na agenda social e econômica do País.
O que o senhor aconselha aos jovens para estarem preparados para um Brasil internacional? Eu acho que nossos jovens têm de se preparar para um Brasil cada vez mais integrado no contexto mundial. Desde 2003, nós viemos diversificando mais e mais os nossos parceiros comerciais, acabando com a dependência excessiva de um ou outro grande comprador dos nossos produtos. Se um desses países entra em crise, nós sofremos os efeitos imediatamente. Como eu já disse, nós não abrimos mão dos parceiros tradicionais – de 2003 para 2008, a corrente
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Lula e Dilma Rousseff durante a cerimônia de diplomação da sucessora como Presidente da República
de comércio com os Estados Unidos subiu 100,3% e com a União Europeia, 159%. Se as transações comerciais com esses parceiros tiveram ótimos índices de crescimento, com várias outras regiões os aumentos foram excepcionais. De 2003 para 2008, nosso comércio com o Oriente Médio cresceu 322%, com a América Latina e o Caribe, 342%, com a Ásia, excluindo o Oriente Médio, 410%, e com países da África, nada menos que 421%. Em 2009, houve uma queda forte no comércio internacional, devido à retração dos mercados provocada pela crise financeira. Mas agora, em 2010, já está havendo um processo de franca recuperação. Estamos descentralizando, nos abrindo para o mundo, e descortinando novos horizontes para a juventude. Para dar conta da vigorosa inserção do Brasil no mundo, diversas áreas já estão necessitando do preparo e da contribuição dos jovens. Eles devem se capacitar, por exemplo, no campo dos idiomas, no conhecimento da história e da cultura dos novos países com os quais o Brasil intensifica seu comércio, no conhecimento profundo do Brasil, que precisa se tornar conhecido lá fora, nas várias áreas do conhecimento que são exigidas pelas empresas, que crescem ao transacionar com o resto do mundo.
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Sobre a educação, quais foram os principais avanços do Brasil em seu mandato, e onde ainda devemos avançar? Nossa dívida com a Educação era imensa. É por isso que nós investimos como nunca e ainda temos um grande débito com a nossa infância e com a nossa juventude. Para se ter uma ideia, o Brasil foi o terceiro país que mais aumentou sua média entre 2000 e 2009, de acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Foi também o único país participante do Programa que fixou uma meta – de obter 395 pontos – e não só cumpriu como ultrapassou, obtendo 401 pontos. Mesmo com essa arrancada, nós ocupamos a 53ª colocação no ranking mundial, que avaliou 64 países. Ou seja, estamos fazendo o dever de casa, mas ainda temos muito que avançar. Dentre os fatores que contribuíram para a ampliação e o aprimoramento das políticas públicas de educação no país, destaco o aumento do orçamento do MEC e do FNDE, que mais do que triplicou: foi de R$ 19 bilhões em 2003 para R$ 65 bilhões em 2010. A obrigatoriedade do ensino é outro destaque. Com a implantação do ensino fundamental de nove anos, as crianças, agora, começam a estudar mais cedo. Foi
“ESTOU CONVENCIDO DE QUE NÃO É NECESSÁRIO QUE UM PAÍS PERCA PARA QUE OUTRO GANHE. CONSIDERO QUE, ALÉM DE INJUSTA, É ULTRAPASSADA A ANTIGA CONCEPÇÃO DE QUE UM PAÍS SÓ SE TORNA FORTE SE EXPLORAR, SUGAR AS RIQUEZAS DE OUTROS. O PROGRESSO SÓ É EFETIVO QUANDO HÁ COMPARTILHAMENTO.”
que eu encontrei. Por duas razões principais: porque, ao longo desses oito anos, nós conseguimos construir os mecanismos de promoção do progresso com inclusão social e porque ela ocupou um cargo-chave na administração, participando da elaboração das políticas vitoriosas e conhecendo profundamente a máquina pública federal. Quando cheguei, estava tudo por fazer e eu não tinha o domínio da máquina. Sabemos que ainda há um longo caminho a ser percorrido e o maior desafio é fazer mais e melhor do que já foi feito. Outros desafios serão reduzir a violência a índices aceitáveis, encontrar fontes de financiamento para a saúde, ampliar ainda mais o número de escolas e de vagas nas escolas e investir pesado na qualidade do ensino. Estou convencido de que ela vai enfrentar e vencer todos os desafios, chegando ao final do mandato com um País muito mais próspero e igualitário.
Quais os seus planos a partir de 2011? E a ONU? aprovada, também, a emenda constitucional que amplia o ensino obrigatório e gratuito a todas as etapas da educação básica, dos 4 aos 17 anos de idade. Desde 2005, criamos 214 novas escolas técnicas. Até então, existiam apenas 140 em todo o país. Em relação ao ensino universitário, criamos 14 novas universidades e 126 novas extensões universitárias em cidades do interior do Brasil. Hoje, as universidades federais estão presentes em 230 municípios das 27 unidades federativas. A valorização dos professores da educação básica começou com a instituição, por dispositivo constitucional, do piso salarial nacional. Os professores, diretores e coordenadores pedagógicos em exercício nas escolas públicas têm a garantia de não ganhar abaixo de R$ 1.024,00 por mês. Este valor se refere aos que têm formação em nível médio e cumprem jornada de 40 horas semanais. O desafio, agora, é melhorar a formação dos docentes e incentivar a entrada de novos profissionais na carreira. A educação infantil também merece mais atenção daqui para frente. É preciso construir ainda mais creches e equipar melhor as que já existem, além de capacitar professores para atuar nessa etapa da educação.
Quais os principais desafios para o próximo governante do Brasil? Os desafios são grandes, mas eu acho que a presidente Dilma Rousseff vai assumir numa situação muito melhor do que aquela
Não penso na ONU. Acho que se trata de um organismo que deve ser comandando por um funcionário de carreira, familiarizado com a burocracia e não por um político. Mas eu posso garantir que não vou vestir o pijama. Isso não tem a menor chance de acontecer. Estou com muita energia e convencido de que, com a experiência que adquiri ao longo desses oito anos, tenho muito para contribuir com o meu País e com outros também. Pretendo voltar a percorrer o Brasil, como fiz com as caravanas da cidadania, entre 1991 e 1994. Dessa vez, é para verificar e divulgar tudo o que mudou de lá para cá e também para anotar tudo o que ainda precisa ser feito. Pretendo também levar a nossa experiência no combate à fome e à miséria a outros países da África e da América Latina. São vários tipos de programas que adotamos, capitaneados pelo Bolsa Família, que nos ajudaram a dar uma boa caminhada no sentido da inclusão social. O know how desenvolvido por uma instituição de excelência como a Embrapa, que torna solos antes tidos como inférteis em grandes celeiros de alimentos, também pode contribuir para o progresso desses países. No relacionamento internacional, o ideal é que todos cresçam e com isso sejam fortalecidas as relações comerciais. Porque eu estou convencido de que não é necessário que um país perca para que outro ganhe. Considero que, além de injusta, é ultrapassada a antiga concepção de que um país só se torna forte se explorar, sugar as riquezas de outros. Não há paz nem prosperidade possível se um país vive cercado de carências e de situações conflitivas. O progresso só é efetivo quando há compartilhamento.
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