De volta ao bรกsico
Powerlifting
Instituto Phorte Educação Phorte Editora Diretor-Presidente Fabio Mazzonetto Diretora-Executiva Vânia M. V. Mazzonetto Editor-Executivo Tulio Loyelo
De volta ao bรกsico
Powerlifting
Treinamento funcional, esporte de alto rendimento e prรกtica corporal para todos
Marilia Coutinho
Sรฃo Paulo, 2011
De volta ao básico: powerlifting – treinamento funcional, esporte de alto rendimento e prática corporal para todos Copyright © 2011 by Phorte Editora Rua Treze de Maio, 596 CEP: 01327-000 Bela Vista – São Paulo – SP Tel/fax: (11) 3141-1033 Site: www.phorte.com.br E-mail: phorte@phorte.com
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ _____________________________________________________________________________________________ C897p Coutinho, Marilia De volta ao básico: powerlifting – treinamento funcional, esporte de alto rendimento e prática corporal para todos / Marilia Coutinho. - São Paulo: Phorte, 2011. 392p.: il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7655-308-3 1. Levantamento de peso. 2. Treinamento com pesos. I. Título. 11-1084.
CDD: 613.713 CDU: 613.72
24.02.11 25.02.11 024753 _____________________________________________________________________________________________
Impresso no Brasil Printed in Brazil
Para Melina, minha filha. Para EugĂŞnio Koprowski.
Agradecimentos e reconhecimentos
Prefiro o termo “reconhecimento” a “agradecimentos”. Reconhecer, para mim, é mais que agradecer: é dar conhecimento ao mundo de que a ação, intervenção ou iniciativa de alguém tem um valor intrínseco e determinou um evento. No caso, a existência deste livro. Assim, eu reconheço em primeiro lugar Eugênio Koprowski, sem o qual o Básico, ou Powerlifting, talvez não existisse no Brasil, portanto não teria sentido escrever um livro sobre isso. Agradeço – agora sim ‑ a Eugênio não apenas seu papel pioneiro, mas ter acreditado em mim e me apoiado, mesmo quando certos movimentos básicos pareciam mais sonho do que realidade. Em segundo lugar, reconheço Gilson Clemente. Foi Gilson que me apresentou ao powerlifting. Se eu não soubesse o que é powerlifting, não escreveria um livro sobre isso. Tem mais: Gilson me ensinou tudo o que é realmente importante sobre esse esporte e partilhou comigo a vontade de fazer dele um instrumento de inclusão social. Eu queria saber o que era powerlifting – ele me convidou para uma visita à GCA, em Paraisópolis, São Paulo. Eu tinha um sonho – ele me deu uma realidade. No momento em que entrei na GCA e vi o banco de supino, o suporte de agachamento e as anilhas coloridas, sabia que nunca mais sairia dali. E por
“ali”, refiro-me à tríade powerlifting-GCA-Paraisópolis. Então, foi Gilson que me apresentou ao powerlifting e também catalisou essa relação de devoção incondicional que eu tenho com o esporte. Sem essa relação, não haveria livro. Até aqui, continuamos na lógica. Daqui para frente, os reconhecimentos não seguem uma perspectiva hierárquica. Este livro jamais existiria se não fosse Waldemar Guimarães. Um dia, Waldemar me disse com toda a candura que eu era muito burra por não ter publicado “meu” livro ainda, perdendo tempo com bobagens. Se não fosse esse empurrão, o livro não passaria de uma intenção num horizonte perdido. Reconheço o papel fundamental de meus generosos colaboradores: Mendinho e Judy (Eumenes Leite e Judymeire Delago), Eric e Erica (Eric Oishi e Erica Batista Bueno), Gilson já foi, e tem o Danilo (Danilo Batista). Eles cederam seu precioso saber tácito, que valorizo mais do que o codificado. Se fosse por uma ordem cronológica, ou, o seu oposto, atemporal, minha família viria antes. É muito difícil uma família apoiar uma guinada profissional tão radical como a que fiz, da qual um dos resultados é este livro. Difícil uma família de professores, artistas, profissionais técnicos e intelectuais achar bacana que uma filha-mãe-irmã vire as costas a uma trajetória acadêmica quase linear, depois do pós-doutorado, e vá misteriosamente brincar com uma barra e com anilhas de aço. Muito difícil entender que incorporado aí existia um projeto maior. Requer não apenas aceitação e tolerância, mas fé, mesmo. Então, agradecidos e reconhecidos sejam Melina, Dr. Moacyr Coutinho, D. Lila, Mauro, Laerte, Lena e toda a sua progênie. Todos os revisores técnicos oficiais e extraoficiais foram fundamentais: Alexandre Melo, técnico e treinador de fisiculturistas, basistas, lutadores (CREF: 008853/P-RS), Bernardo Aron, fisioterapeuta (CREFITO 14998), Marcel Gandra Martins, educador físico, consultor e administrador na área de fitness e esporte (CREF 003468-G/SP), Renato Futigami, atleta de levantamento olímpico, educador físico e preparador esportivo (CREF 061078-G/SP), Kleber Caramello, atleta de supino, preparador físico de atletas (CREF 3771-P-DF), César Augusto Laurenti, mestre de kung fu (arte marcial chinesa), terapeuta e filósofo, Leonardo Caramori, mestre de tai chi chuan, Carlos Mota, atleta, comentarista e escritor sobre esportes de força e treinamento funcional de força, Bruno Chaves Reis, técnico e consultor em metodologias de
treinamento em powerlifting. Essas pessoas deram seu tempo para ler capítulos deste livro e fazer comentários críticos. Outras pessoas que leram e fizeram comentários críticos importantes foram Dr. Marco Antonio Gabrielli Jr., Fernando Canteli, Gilson e Mendinho, e, obviamente, meus avalistas (prefacista, apresentador e autores de notas de recomendação): Rodrigo Koprowski, Dr. José Maria Santarem, Eugênio (de novo) e Waldemar (de novo). Sinceros agradecimentos à minha primeira editora na Editora Phorte, Talita Gnidarchichi e também aos atuais, Tulio e Nathalia, além de Fabio Mazzonetto, claro. Aos fotógrafos Rafael Sato e Paulo Lima, pelo trabalho impecável, meu reconhecimento e gratidão. Como não acredito em teoria sem prática, reconheço e agradeço o papel fundamental dos meus parceiros Orion Manipulação Esportiva e Fitmuscle. As pessoas que as representam foram bem mais que patrocinadores: foram amigos. Na categoria empresa-amigo entra também a Wynner Academia, a Nutrafit e o Instituto Biodelta. Em amigos, os do powerlifting merecem reconhecimento por tudo o que passamos juntos de muito bom e não tão bom. São muitos para nomear aqui. Na categoria amigos-além-do-powerlifting, entra um seleto grupo que me acompanha há anos e me incentivou sempre: Braulio Colmanetti, Alexandre (Jaka) Melo, Stevie Ramos, Franck Rodrigues, que me conhecem desde antes de eu conhecer o powerlifting. Por último, fechando a lista com chave de ouro, meus queridos amigos e parceiros para tudo, Rodolfo Peres e Paulo Muzy, com quem falo todo dia, que cuidam de mim, que me seguram quando eu fraquejo e, antes de tudo, que entendem o que isso significa para mim. Reconhecidos e agradecidos sejam, todos.
Prefácio
Em oportuno momento a Editora Phorte lança este excelente trabalho de Marília Coutinho. Tenho certeza de que todas as pessoas interessadas em exercícios físicos apreciarão a leitura deste livro, sejam praticantes informais, atletas, técnicos, estudantes, especialistas ou pós-graduados nas áreas da atividade física. A revisão histórica é extensa, esclarecendo as relações do levantamento básico com outras modalidades esportivas e com o contexto geral do condicionamento físico e da reabilitação. A força muscular é reconhecidamente a aptidão básica para todo ato motor, seja na vida diária, no trabalho físico ou no gesto esportivo. Os exercícios com pesos, cuja prática atualmente é conhecida como musculação, desenvolvem todas as qualidades de aptidão física, sendo a força a mais estimulada. Esse fato justifica a denominação treinamento de força, muito utilizada na área do treinamento esportivo. Os exercícios básicos do treinamento resistido com pesos podem ser conceituados como os mais tradicionais, que utilizam apenas uma barra com anilhas e que são reconhecidamente eficientes e relativamente seguros. Ainda no contexto histórico e conceitual, Marília Coutinho aborda com muita propriedade a evolução do esporte dos pesos no Brasil. Em meados do século XX, os atletas dedica-
dos ao treinamento resistido eram conhecidos como halterofilistas, por utilizarem quase exclusivamente halteres, e competiam em “melhor físico” ou em levantamento de pesos. Em nível internacional, os levantadores de peso competiam no Olimpic lifting ou no Powerlifting. Neste, as provas utilizavam movimentos dos exercícios básicos da musculação. O levantamento olímpico, competição de muita técnica e potência (força com velocidade), encontrava algumas dificuldades para a sua popularização: as onerosas barras olímpicas importadas, o grande espaço necessário para a sua prática adequada e a necessidade de instalação das plataformas de madeira apenas junto do solo, em razão dos grandes impactos do equipamento. Por essas razões, o levantamento olímpico era geralmente praticado em clubes esportivos. O Powerlifting não tinha essas limitações e tornou-se muito mais popular, sendo os seus atletas oriundos das academias de “cultura física”, termo da época para a musculação atual. As competições eram chamadas de “exercícios básicos” ou de powerlifting. Nessas competições não se realizam exercícios, e sim provas, que, por sua vez, exigem força sem velocidade, portanto, não são de potência. Com o início das competições de powerlifting no final da década de 1970, havia a necessidade de inserir a modalidade no contexto oficial dos esportes brasileiros, e não era possível utilizar um termo em inglês. Por inadequação de “exercícios básicos” e por analogia com o levantamento olímpico, surgiu a ideia de levantamento básico. Adicionalmente aos aspectos históricos, Marília Coutinho aborda as questões técnicas, fisiológicas e filosóficas envolvidas com o levantamento básico com o entusiasmo de quem pratica a modalidade com amor e dedicação. A abordagem do sistema pilates e do chamado “treinamento funcional” é muito adequada e oportuna, por remeter o leitor a considerações críticas importantes. Toda forma de atividade física deve ser considerada pelos profissionais da área, porque o sedentarismo é uma grande ameaça à saúde. As pessoas devem ser estimuladas a realizar o tipo de exercício que mais gostam, para manter a adesão. No entanto, com o propósito de justificar novas formas de exercícios, muitos profissionais fazem afirmações sem base em evidências e comparações negativas com relação a outras formas de atividade física que não podem ser justificadas pela ciência. Considerações teóricas podem justificar a proposta de novas formas de exercícios, mas não justificam comparações conclusivas.
A eficiência e a segurança do treinamento resistido, incluindo os seus exercícios básicos, têm sólidas bases em evidências científicas, e esse deve ser o critério para qualquer comparação com outras formas de exercício. Embora a formação universitária de Marília Coutinho não tenha sido nas áreas da atividade física, a competência da autora em todas as áreas do conhecimento abordadas neste livro justifica a recomendação de sua leitura.
Dr. José Maria Santarém
Apresentação
Foi com muita honra que aceitei o convite da Marília para falar sobre esta obra e sabia que seria uma incumbência de grande responsabilidade. Isso porque minhas considerações devem fazer jus à qualidade do conteúdo, muito bem-elaborado e irretocável, e à autora, uma profissional de destaque no mundo do esporte e no âmbito acadêmico, além de atleta de alto rendimento em levantamento básico, com títulos e recordes regionais, nacionais e continentais. Com base em estudos científicos e em sua própria vivência no esporte, Marília conseguiu reunir nas páginas a seguir todos os esclarecimentos necessários para se conhecer a fundo esse esporte, que chama de nobre Arte. Ela assim o designa numa demonstração de paixão e, acima de tudo, respeito pelo que faz. Quem não conhece o powerlifting vai poder dirimir todas as suas dúvidas. Quem já é praticante vai poder tirar todo o proveito possível de seus treinos e quem já é atleta vai aperfeiçoar-se e tornar-se mais competitivo. A linguagem não poderia ser mais adequada. Marília “conversa” com o leitor, com toda a didática de uma professora experiente. Ela descreve, de maneira agradável e envolvente, suas experiências ligadas à prática do powerlifting. A essas experiências incorporou dados históricos, científicos e todas as informações necessárias para a compreensão do esporte. Marília
reúne nesta obra também um grande volume de pesquisas que fez ao longo de sua ligação com o esporte, o que enriquece ainda mais este trabalho. Acredito, firmemente, que nada se compara à sabedoria para derrubar mitos e inverdades sobre qualquer atividade humana. E essa deve ser a maior contribuição desta publicação: levar conhecimento e informação a todos os que o lerem, sejam atletas ou não. Somente o saber pode atrair o verdadeiro interesse das pessoas e difundir o esporte, seja ele qual for, em sua plenitude. Outro mérito desta obra é colaborar para a função da atividade física na prevenção e na cura de diversos males. Uma grande preocupação de Marília, além, claro, de mostrar os movimentos e a técnica para sua execução, foi dar grande importância aos aspectos nutricionais e suplementares para os praticantes do esporte. Tenho certeza de que a leitura do livro De volta ao básico: Powerlifting – treinamento funcional, esporte de alto rendimento e prática corporal para todos vai contribuir para o conhecimento, a prática e o desenvolvimento do powerlifting no Brasil. E para acabar com o rótulo de esporte marginalizado, que, conforme ela mesma diz, tem muito para evoluir.
Boa leitura a todos!
Eugênio Koprowski
Prólogo
As quatro dimensões do powerlifting Como toda grande arte, o powerlifting tem várias dimensões, que também definem níveis diferentes de sua aproximação com um praticante. A primeira dimensão é a Técnica. Como em qualquer esporte que envolve movimentos complexos, multiarticulares, bem como coordenação, capacidade para imprimir potência em determinadas fases e isometria em outras, o powerlifting requer paciência e determinação para se dominar a técnica. Existem várias abordagens para o aprendizado da técnica, mas uma coisa é certa: embora muito se possa acrescentar e melhorar pela leitura de textos, fotos e até mesmo vídeos, nada substitui a vivência. O aprendizado da técnica tem uma proporção muito alta de conhecimento tácito em relação ao conhecimento codificado, o que quer dizer que há coisas que só são apreendidas de praticante para praticante. De preferência, de um mais experiente para um menos experiente.
Embora eu tenha me esforçado para descrever com detalhe cada levantamento, em cada um de seus aspectos, e até mesmo transferir a experiência concreta de técnicos com os quais convivi, técnica se aprende fazendo com outros que fazem também. Ainda dentro das várias abordagens, existe a mais didática e direta, que é dar o mínimo de instrução possível no início e ir “lapidando” o movimento à medida que o aprendiz assimila esses quanta de informação. Faz sentido, considerando que é informação demais para ser digerida de uma só vez. Um exemplo seria: “Pegue a barra e agache, do seu jeito.” Sai algo podre. “Ok, agora tente pegar a barra e contrair o abdômen, a coxa e o glúteo, projetando o glúteo para trás.” Sai algo um pouco melhor. Com o tempo vai se ajeitando a pegada, o ponto de contato da barra nas costas, a inclinação da cabeça, a abertura da perna etc. Eu gosto dessa abordagem e foi assim que eu mesma aprendi, com meu primeiro técnico, Gilson Clemente. À medida que eu ia me confrontando com a necessidade de ensinar a técnica de cada levantamento a outras pessoas, tinha de tomar certas decisões. Já havia passado por várias “escolas” e observado outros técnicos, lido muita coisa e convivido com atletas diferentes. Mais que isso, talvez pela herança das artes marciais, penso que cada levantamento tem a sua “intenção”, um “movimento essencial” que se realiza quando permitimos. E que, se o praticante consegue entender a natureza interna e própria desse movimento, o resto da técnica fica mais simples de ser assimilado. Assim, achei mais fácil ensinar muita gente a agachar ensinando a saltar antes. Ou simplesmente a ficar de cócoras. Às vezes, “caricaturar” o movimento: “esqueça os joelhos, agachamento não é sobre joelhos. Imprima sua intenção ao quadril, que é onde tudo começa”. Também notei que a quantidade de informação necessária depende somente da relação da pessoa com a informação. Existem pessoas que escutam, perguntam, discutem, discutem, discutem e aí entram embaixo da barra e executam. Existem pessoas que entram embaixo da barra e executam, e aí olham para você e perguntam: “Deu certo?”.
Finalmente, não se deve achar que técnica é conhecimento revelado. Garanto que Moisés não deixou cair acidentalmente a pedra em que estavam inscritas as técnicas para os três levantamentos. Existe técnica, existem escolas, estilos e existe o “jeitão do sujeito”. É preciso respeitar todos, sem descaracterizar o esporte. A segunda dimensão é a Neural. Nosso sistema nervoso leva um tempo para entender que há um novo conjunto de tarefas, em nova intensidade e frequência, a ser desempenhado. É comum certa frustração inicial com a própria força, que só pode ser superada com estímulo e alguma, ainda que bem rudimentar, explicação sobre essa dimensão. “Você é forte, mas demora um tempinho para essa força aparecer. Precisa ter paciência, você tem?” Sobre isso tentei discutir nos capítulos que abordam a transferibilidade neural e os próprios levantamentos. A terceira dimensão é a Mental. Por mental refiro-me ao mesmo tempo ao conjunto atitudinal constituído por componentes cognitivos e emocionais, estudado pela psicologia esportiva, e ao famoso e misterioso “controle da mente sobre o corpo”. Ninguém sabe muito bem como isso funciona, mas procurei apresentar um mix palatável ao leitor, juntando experiências de atletas e minhas, e também o que há na literatura científica a respeito disso. O que posso garantir, tendo praticado muitos esportes, é que, talvez no powerlifting mais do que em outros, a dimensão mental é determinante para a excelência na performance. É quando o movimento executado é a manifestação de algo já feito, refeito e dominado antes mentalmente que ele se torna perfeito. A última dimensão é a Transcendental, e sobre ela não falo neste livro. Apenas digo que eu, pessoalmente, levanto peso e dedico minha vida a isso porque, num levantamento perfeito, todas as fronteiras do “eu” se dissolvem e nos integramos ao Todo. Isso é a transcendência, o encontro de você com você mesmo e com algo maior, se existir. Não são muitos os que passam por isso, mas quem já passou não apenas jamais esquece, como passa o resto da vida buscando repetir e ir além. É a busca do Cálice Sagrado. Eu acho difícil a gente encontrar, mas a busca dá sentido a uma existência. Não há um só caminho para isso, e eles nem mesmo são excludentes: você pode fazer orações, meditar, levantar peso ou fazer tudo isso junto. Eu digo que essa separação não exis-
te e um levantamento perfeito é um diálogo (oração) sem palavras com o que quer que exista, se existir, de maior e mais abrangente em nós. Digo que é uma forma intensa de meditação. Finalmente, é uma expressão de alegria, de homenagem à Vida e de reencontro (re-ligare). Eu levanto peso por isso. Agora, você pode levantar peso para manter uma boa saúde, para melhorar sua estética, para ganhar troféus, para melhorar sua autoestima, para conquistar garotas ou garotos, não importa. Mas será que depois disso consegue mesmo olhar uma barra olímpica carregada como um simples pedaço de aço? Como será explicado na Parte 1, o termo em português Levantamento Básico, que designa o esporte cujo nome em inglês é powerlifting, tem uma história no Brasil. Países diferentes adotam expressões diferentes para o mesmo esporte, mas todos reconhecem o termo em inglês powerlifting. No Brasil, entre os atletas, técnicos e praticantes, há quem prefira e defenda um ou outro. Temos os basistas de coração e aqueles que dizem que o esporte tem um nome só, powerlifting, como basquete é basquete, e não mais bola ao cesto. Para contentar uns e outros e permanecer na neutralidade nesse tocante, já que em tantos outros me posiciono, uso os dois termos ao longo do meu texto. Assim, sinta-se à vontade nestas páginas, seja você um basista, um powerlifter ou um curioso sobre esta nobre Arte.
Sumário 1 O esporte do levantamento básico e o condicionamento 25
1.1 Um pouco de história 1.2 Powerlifting: que esporte é esse?
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2 Condicionamento geral 67 2.1 Conceitos básicos 67 2.2 Aprendizado motor e consciência corporal 73 2.3 Foco e proatividade do praticante 76 2.4 Força, resistência e outras capacidades funcionais 78 2.5 Aspectos fisiológicos da força em suas várias expressões 82 2.6 Força máxima e adaptação neural 84 2.7 Peso livre versus máquinas 88 3 Os levantamentos: características biomecânicas, fisiológicas, neurais e as escolas de treinamento no Brasil 99 3.1 O agachamento 101 3.2 A escola de agachamento de Eumenes (Mendinho) Leite 108 3.3 O supino 124 3.4 Escola Eric Oishi de supino 134 3.5 O levantamento terra 144 3.6 Escola Gilson Clemente de levantamento terra 152 3.7 As grandes escolas internacionais: Westside Barbel, Metal Militia e as tradições da Europa Oriental 196
4 Treinamento funcional 207 4.1 Powerlifting como treinamento funcional e treinamento funcional para powerlifting 207 4.2 A história do treinamento funcional via preparação esportiva 209 4.3 Treinamento funcional como parte da preparação esportiva 215 5 O planejamento do treino
241 241 246 258 260 272
6 A mente do atleta e o que se pode aprender com ela
279 279 286 288
7 Aspectos nutricionais do treinamento para basistas
297 297 300 301 307 310 319
8.1 Performance e proteção: estudando o carry-over de equipamentos 8.2 Roupa-suporte 8.3 Faixas 8.4 Cinto 8.5 Outros equipamentos
8 Equipamentos no powerlifting: história, biomecânica, performance e uso atual
321 329 330 340 352 360
9 Palavras finais
365
Referências
369
5.1 Planos, estratégias, metas e o tempo 5.2 Periodização 5.3 Estratégias de treinamento no powerlifting 5.4 Periodização para o atleta e para o praticante em busca de condicionamento 5.5 Overtraining, overtraining central e preparação competitiva
6.1 Corpo e mente 6.2 Competição, performance e atitude mental 6.3 Treinamento mental
7.1 Especificidades das demandas do treinamento em levantamento básico 7.2 A composição da dieta: manipulação nutricional 7.3 As necessidades energéticas e o metabolismo anabólico do atleta de powerlifting 7.4 Dietas pré-campeonato quando é necessário reduzir o peso corporal 7.5 Suplementação 7.6 Checklist
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O esporte do levantamento básico e o condicionamento
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Hoje existe um consenso celebrado em bases precárias entre comunidade médica, profissionais da atividade física e tomadores de decisão política de que é necessário manter algum “condicionamento físico” para que as pessoas tenham saúde, desempenho e até mesmo felicidade. Do que consiste esse tal “condicionamento”, entretanto, ainda é objeto de disputa. De qualquer forma, alguém que preste atenção no debate ou mesmo pense mais tecnicamente percebe que o condicionamento não é uma capacidade, mas um estado ou condição, determinado por diferentes componentes. Dentre eles, um é a força. Quão relevante ou prioritário varia segundo a escola de pensamento. Em geral, quando se pensa o treinamento resistido, de força ou musculação, pensa-se apenas no aumento da força ou da massa muscular. Além disso, o pensamento sobre a força, de maneira geral, até pouco tempo atrás, enfatizava o aumento da capacidade de exercer força de um determinado músculo, ou conjunto de músculos, contra uma resistência. Assim, o desenvolvimento das metodologias para o aumento de força colocou em foco o músculo motor primário para determinados movimentos, procurando sempre o melhor isolamento possível deste em relação aos demais componentes do movimento.
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Toda uma indústria de aparelhos para exercícios resistidos se desenvolveu principalmente a partir dos anos 1960. Os aparelhos para exercícios, de maneira geral, buscam o maior isolamento do músculo motor primário no movimento ao torná-lo guiado. Assim, dentro da linha de esportes de hipertrofia muscular (fisiculturismo e suas diversas modalidades, como fitness, figure etc.), foram enfatizadas diversas metodologias em que o foco, por motivos óbvios, era o músculo. Como esses esportes têm como objetivo a produção, por técnicas controladas de treinamento e dieta, de uma relação equilibrada entre volume e definição muscular, foi importante desenvolver metodologias que permitissem isolar o melhor possível cada músculo ou grupo de músculos. Enquanto isso, algumas tendências no mundo dos esportes tomavam forma. Os esportes de força, particularmente o levantamento básico, ou powerlifting, e o levantamento olímpico, evoluíam. Marcas cada vez maiores eram atingidas e técnicas de treinamento para o aumento da força máxima eram desenvolvidas. Esses esportes, especialmente o powerlifting, foram ganhando popularidade entre praticantes de academias. Com o crescimento e a institucionalização da prática como esporte, a discussão técnica sobre treinamento para força máxima evoluiu e se diversificou. Novos modelos de periodização e de estratégias de treino foram desenvolvidos. Paralelamente ao desenvolvimento da indústria de equipamentos sofisticados (máquinas) e à discussão, na comunidade científica e técnica, sobre a “forma estrita” para a execução de exercícios de maneira que aprimorasse ainda mais o recrutamento do músculo motor primário no movimento, o treinamento funcional para os esportes foi tomando forma e gerou um conjunto de estratégias distintas para o treinamento resistido. Essa foi uma tendência importante a partir dos anos 1970. Até os anos 1960, por exemplo, apenas alguns times de futebol americano realizavam treinamento de força durante os meses fora do período competitivo. Hoje, essa é a base da preparação desses atletas durante todo o ano. Desde sempre e até os anos 1970, preconceitos e falsos pressupostos associavam força à perda de flexibilidade e potência. Assim, jogadores de basquete eram poupados da musculação para que não perdessem a capacidade de encestar. Hoje, a força e o treinamento com pesos são requisitos para o bom jogador desse esporte. No beisebol, o treinamento de força foi finalmente aceito como
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dispensável a qualquer esporte – o que varia é a maneira como ela é integrada na preparação específica para a melhora da performance e na prevenção de lesões. O resultado dessa tendência, fortemente impulsionada pela milionária indústria dos esportes populares como o futebol, o tênis, o basquete e o beisebol, foi o desenvolvimento de uma sofisticadíssima área de treinamento funcional (de força). Essa tendência vem se estabelecendo a partir dos atletas de elite. A geração atual de esportistas tem tipo físico e desempenho diferentes dos das gerações anteriores: é mais musculosa, tem menor percentual de gordura e é mais flexível. Aos poucos, no entanto, a percepção de que o treinamento de força é muito mais do que o aumento de massa muscular e da capacidade de exercer força contra uma resistência foi se difundindo entre os profissionais do treinamento, que trabalham com a população em geral, e gerando novas perguntas. Nos anos 1990, aumentava o número de pesquisas sobre adaptação e transferência neural. As implicações práticas de várias das complexas abordagens experimentais sobre a organização do movimento do ponto de vista do sistema nervoso central (SNC), de certa forma, questionam a validade universal da estratégia de treinamento de força para o condicionamento que privilegia o isolamento do músculo motor primário. Em primeiro lugar, as pesquisas mostraram que a transferência é limitada e que, portanto, o treinamento é bastante específico para um determinado movimento que envolve toda a cadeia cinética. Em segundo, trouxe à luz outros aspectos da especificidade do movimento, como a potência, a coordenação etc. Essas tendências jogaram nova luz no tradicional treinamento com pesos livres e nos movimentos multiarticulares. O foco do movimento deslocou-se de um músculo ou grupo de músculos para um sistema articular. Isso levou alguns profissionais da área de condicionamento a cogitar novas abordagens ao condicionamento que incorporassem essa perspectiva, tanto para a preparação esportiva como para o condicionamento geral de qualquer indivíduo. Os movimentos multiarticulares mais completos e mais complexos no repertório do treinamento resistido são os levantamentos codificados pelos esportes do levantamento básico
O esporte do levantamento básico e o condicionamento
base da preparação física nos anos 1980. Na verdade, a força é uma capacidade funcional in-
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e olímpico. Assim, alguns preparadores físicos utilizam esses levantamentos como base para o treinamento funcional de seus atletas. Embora ainda pequeno, há também um número de profissionais que confronta o paradigma da progressão pedagógica que retém o praticante amador nas máquinas, introduzindo-o precocemente aos levantamentos, que têm se mostrado seguros e benéficos sob vários pontos de vista. A experiência tem mostrado que os levantamentos promovem tanto o ganho de força em amplitudes e cadeias “naturais” (usadas nos movimentos que as pessoas realizam na sua vida cotidiana, como levantar-se de uma cadeira, apanhar objetos no chão, erguer malas, abrir janelas etc.) como estimulam a coordenação do praticante. Finalmente, os levantamentos são “divertidos”. Esse não é um aspecto desprezível do condicionamento geral. Um dos principais fatores de fracasso nos programas de condicionamento, relatados por praticantes, é o tédio da repetição mecânica e alienada dos movimentos guiados. Não só eles se tornam “chatos” como, aos poucos, vão perdendo utilidade: o praticante, sem concentração ou envolvimento, não é capaz de utilizar cargas compatíveis com um estímulo hipertrófico adequado. Com o tempo, o tédio e a frustração acabam levando ao abandono do programa. Os levantamentos, em contrapartida, requerem atenção e interesse do praticante. Constituem-se, portanto, num treinamento adicional: o treino da concentração ou foco, trazendo benefícios para o desempenho intelectual e para o controle do estresse. Durante um levantamento, o praticante desenvolve uma percepção cada vez mais acurada quanto ao seu equilíbrio, bem como às articulações e aos músculos envolvidos em cada etapa do movimento. Assim, os levantamentos desenvolvem, além dos ganhos esperados de um treinamento convencional, as capacidades cinestésicas, a concentração e o controle mental. Minha esperança, com este livro, é apresentar o powerlifting sob seus vários e fascinantes aspectos: em primeiro lugar, como um esporte apaixonante e injustamente marginalizado. Em segundo, mostrar que o powerlifting se presta como subsídio para um completo treinamento funcional para quase todo praticante recreacional, com duas vantagens adicionais: é barato e desenvolve capacidades mentais que o homem ocidental vem perdendo e, com elas, perdendo a guerra contra o estresse. Em terceiro, que
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especializada e que aqui no Brasil temos representantes dessa estirpe de produtores intelectuais: os treinadores que inventam estilos, treinos funcionais e modelos de periodização. Finalmente, este livro é minha humilde retribuição à comunidade de basistas brasileiros e a esse esporte que me deu um lar e um sentido de transcendência. Fala aqui, nesse momento, mais a basista que deixa seu suor e sangue nos tablados do que a especialista em informação técnica na área da saúde. Sem emoção, conceitos são insossos e chatos. Sem emoção, as ideias não têm brilho. Sem emoção, não existe powerlifting. E sem powerlifting, não existe a minha emoção. Powerlifting é treino funcional, é esporte de adrenalina, mas também é a melhor coisa que inventaram depois do pecado original e do chocolate (historicamente, o pecado original e o chocolate antecedem o powerlifting).
1.1 Um pouco de história O powerlifting começou para mim no dia em que entrei na Gilson Clemente Academia (GCA) e vi, pela primeira vez, uma barra olímpica e um suporte de anilhas coloridas: vermelhas de 25 kg, azuis de 20 kg, amarelas de 15 kg, pretas de 10 kg e brancas de 5 kg. Naquele tempo, Gilson não havia comprado ainda as verdes, de 50 kg (as mais bonitas, para mim). Ao lado do suporte, havia uma gaiola azul, em cima da qual estava uma barra presa a dois pneus de caminhão. Achei que aquilo tudo parecia uma instalação da Bienal de Arte Contemporânea de São Paulo. Isso foi dia 29 de julho de 2006. Mas o powerlifting nasceu antes disso. Toda vez que vamos contar uma história nos defrontamos com o problema de onde demarcar quando ela começa, o que implica saber exatamente “do que” se trata essa história. No caso do powerlifting, a história pode ser ou muito recente, ou muito antiga. Se considerarmos pertinentes à história em questão todas as manifestações culturais relacionadas aos levantamentos, o resultado será curioso: existem registros do interesse humano no treinamento com pesos desde a antiguidade.
O esporte do levantamento básico e o condicionamento
existe uma produção de conhecimento sobre treinamento resistido negligenciada pela literatura
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Esses registros provavelmente sejam mais mitológicos do que factuais e exaltam os homens de grande força física. Milo de Crotona, o maior dos lutadores olímpicos, é um deles. Há inúmeras versões dessa história, mas uma delas é a de que ele carregou um novilho, possivelmente pesando cerca de 350 kg, por toda a extensão do estádio olímpico. A “pedra de Bybon” é outro registro interessante, envolto em controvérsia. Essa pedra de arenito foi encontrada em Olímpia, datada do século VI a. C. A pedra pesa 143 kg e nela está escrito: “Bybon, filho de Phalos, arremessou esta pedra sobre a cabeça com uma mão”. Outra pedra do mesmo período, encontrada em Thera, na ilha de Santorini, traz a inscrição: “Eumastas, filho de Critobulus, levantou-me do chão”. A pedra pesa 480 kg. Pedras são objetos pesados interessantes passíveis de ser levantados, arremessados e controlados, numa relação corporal muito semelhante à que se tem com pesos livres. Pode-se supor que a relação dos homens com pedras seja antiga e jamais tenha cessado (Oldtimestrongman, 2009). Provavelmente exageradas, possivelmente fictícias, essas histórias falam de uma atração atávica que os feitos de força exercem sobre os homens desde há muito tempo. Se eram tão valorizados, é de se esperar que houvesse treinamento e seleção para essa habilidade. Existem relatos de levantamento de sacos de areia no Egito antigo e também de treinamento com halteres no século II d. C, na Grécia (Hickok Sports, 2008). Assim, a noção intuitiva de que a repetição de movimentos com certa dificuldade resultava na melhora na execução destes – independentemente de qual objetivo ulterior se tivesse – esteve presente desde os primórdios da civilização. Essa é uma história, ou uma forma de contar a história. Digamos que é uma história mais abrangente, a história maior da relação do homem com a própria força. A outra forma de contar a história do esporte, esta com maior rigor, começa com a institucionalização ou o reconhecimento “oficial” do powerlifting como esporte. Esse foi um processo que se iniciou nas primeiras décadas do século XX, mas só se concluiu de fato nos anos 1960.
31
“Homens fortes” entretendo multidões com seus feitos, como vimos, existiram desde os míticos primórdios. Mas foi entre os séculos XIX e XX que os levantamentos de pesos, fossem eles de dimensões codificadas ou não, tornaram-se eventos públicos mais frequentes e organizados, de grande atratividade popular. Surgiram os “homens fortes” (strongmen) profissionais, tanto nos Estados Unidos como na Europa, que ganhavam a vida com tais demonstrações em circos e outras festas e shows públicos. Essa transição na atávica atração pública pela força e as manifestações de seus feitos foram inegavelmente impulsionadas, se não proporcionadas, por um marco tecnológico: a introdução das barras com anilhas. Sem elas, jamais existiriam os “esportes de levantamento” – o powerlifting, o levantamento olímpico e o recentemente institucionalizado all round weightlifting. A partir desse evento, o destino e o nicho do strongman, que muitas décadas mais tarde ganharia enorme popularidade, foi determinado: para ele, ficariam as manifestações de força com pedras, toras e outros objetos do cotidiano (incluindo novidades como caminhões e carros). Para os esportes de levantamento, ficariam as barras carregadas com anilhas. Jan Todd, em sua tese de doutoramento, revisou a complexa evolução dos aparatos para treinamento resistido e de esportes de levantamento: halteres (dumbells), bastões indianos e barras carregadas (barbells). As evidências encontradas pela autora foram publicadas em dois artigos (Todd, 2003, 2005). A introdução das barras com pesos, inicialmente sem a presença das anilhas, data da segunda metade do século XIX. O primeiro registro de barras carregadas aparece na ilustração de uma importante academia francesa, fundada pelo “homem forte” Hippolyte Triat, em 1854. Os precursores das barras são aparatos feitos com bastões de madeira, carregados com resistências diversas. Registros deles aparecem num manuscrito de 1837. Também pré-datam as barras de Triat outras barras de ferro para treino. Não se sabe qual teria sido a fonte de inspiração para Triat. As barras carregadas eram, no início, fabricadas com globos maciços. Nos anos 1880, os globos maciços deram lugar a globos vazios que podiam ser preenchidos com areia ou chumbo.
O esporte do levantamento básico e o condicionamento
1.1.1 Histórias entrelaçadas 1: a relação com o strongman
De volta ao básico: powerlifting
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Esses novos aparatos para treinamento e apresentações tornaram-se atraentes, mas aqueles que se interessaram por eles não tinham alternativa senão encomendar seu próprio equipamento. Em 1902, Alan Calvert criou a Milo Barbell Company – a primeira indústria de equipamentos para levantamento de peso – nos Estados Unidos. Como em toda história social, são a industrialização de equipamentos e as criações tecnológicas associadas à institucionalização profissional que determinam do que estamos falando, e, a partir de 1902, estamos falando definitivamente de levantamento de peso. Na primeira década do século XX, um novo personagem entrou na cena das barras: o strongman Thomas Inch, supostamente o primeiro a vender barras com discos carregáveis. Rapidamente Calvert passou a oferecer um produto semelhante. Placas para barras já existiam na Alemanha desde os anos 1880, mas esses dois fabricantes tornaram-nas um produto industrial. Foi na Alemanha que Theodore Siebert introduziu o sistema universal de carregamento de discos na barra, em 1901. Em 1910, esse sistema passou a ser fabricado pela Companhia de Kaspar Berg. Essa companhia produziu os pesos utilizados nas provas de levantamento de peso nas Olimpíadas de 1928, que depois foram copiadas pela York Barbell Company. A partir de então, com a entrada em cena de Bob Hoffman, proprietário da York Barbell, entusiasta do levantamento de peso e bodybuilding, patrocinador de inúmeros eventos na área e editor da revista Strength and Health, os esportes de força ganharam outras feições. Acabava a era dos “homens fortes”, e um novo mundo de esportes de levantamento de peso se fez possível a partir desse simples equipamento: uma barra com anilhas. Como era de se esperar, houve um boom de invenções de levantamentos. Hoje, algumas organizações se dedicam a preservar a memória desse período heroico dos esportes de levantamento, quando foram criados mais de 130 levantamentos (Weightlifting – The Forgotten Lifts, 2008; Usawa, 2008; International All-Round Weightlifting Association, 2009). Durante algumas décadas, vários desses levantamentos coexistiram em eventos de demonstração e competição, ainda num contexto em que esporte, treinamento e espetáculo tinham interfaces difusas.
33
back press (pois não era necessariamente feito num banco, ou bench), estavam entre inúmeros outros levantamentos. Em 1911, quando foi fundada a British Amateur Weightlifting Association, foram listados 42 levantamentos oficiais (Hickok Sports, 2008).
1.1.2 Histórias entrelaçadas 2: a relação com o levantamento olímpico O levantamento olímpico esteve presente desde as primeiras olimpíadas da Era Moderna. Na segunda, realizada em 1904 em St. Louis, houve um evento com halteres no qual os atletas realizavam nove levantamentos unilaterais, um levantamento com os dois braços e um terceiro levantamento opcional. Até os anos 1920, existiam duas organizações americanas para levantamento de peso: a ACWLA (American Continental Weight-Lifter’s Association) e a ABBM (Association Of Bar Bell Men). Nos anos 1920, no entanto, os levantamentos olímpicos restringiram-se a três: o arranco, o arremesso e o desenvolvimento (press). Em 1928, a AAU (Amateur Athletic Union) tornou-se a organização oficial responsável por legislar sobre o esporte nos Estados Unidos e passou a enfatizar apenas os levantamentos olímpicos. Os demais foram deixados de lado e agrupados sob o termo “outros levantamentos” (other lifts ou odd lifts) (Powerlifting: Sports History, 2011).
1.1.3 Histórias entrelaçadas 3: a relação com o fisiculturismo Embora durante alguns anos os levantamentos não olímpicos não gozassem de um status esportivo próprio, eles eram importantes ferramentas de treinamento para o fisiculturismo. Eram chamados de “levantamentos de força” ou “levantamentos de potência” (strength lifts ou powerlifts). Com a proliferação de competições de fisiculturismo após a Segunda Guerra Mundial, reapareceram as exibições de tais levantamentos por ocasião desses eventos. Vez por outra, as exibições transformavam-se em competições.
O esporte do levantamento básico e o condicionamento
O levantamento terra (dead lift) e o que viria a se tornar o supino, também chamado de
De volta ao básico: powerlifting
34
Nesse período, a aposta da AAU mostrou-se errada: o levantamento olímpico declinou e nunca mais atingiria a popularidade e a importância que o powerlifting adquiriu. Enquanto isso, o bodybuilding e seu “primo”, o powerlifting, cresciam (Hickok Sports, 2008).
1.1.4 O powerlifting ganha autonomia Em 1958, a AAU decidiu reconhecer os recordes para os “outros levantamentos”, desde que fossem realizados em eventos sancionados por ela. O primeiro campeonato de powerlifting deveria ter ocorrido em 1959, pela AAU, mas não ocorreu. Na verdade, a primeira competição foi organizada pela York Barbell, no dia 5 de setembro de 1964 (Power Lift Tournment of America), na William Penn Senior High School. Bob Hoffman, proprietário da York Barbell, havia sido ferrenho opositor do powerlifting, mas como seu investimento no levantamento olímpico se mostrara um fracasso, foi obrigado a mudar de lado. A AAU realizou seu primeiro campeonato nacional de powerlifting em 1965, o Junior and Senior National Championships. Longa negociação e ajustamentos precederam o acordo em relação aos três tipos de levantamentos. O agachamento deriva do que antes era o deep knee bend (flexão profunda dos joelhos). O arranjo, que consiste de um suporte do qual o atleta retira a barra e executa o agachamento, é recente. O supino deriva de inúmeras versões do back press, a maioria das quais realizada no chão. O arranjo com suporte e banco também é recente. Apenas o levantamento terra sofreu poucos ajustes. Por iniciativa dos Estados Unidos e da Inglaterra, foi formada a IPF (International Powerlifting Association), e em 1974 essa associação realizou seu primeiro campeonato na AAU Senior National Powerlifting Championships, em New Orleans, Louisiana (Sports Virtual Library, 2008). No ano seguinte, foi criada a European Powerlifting Federation, e quando, em 1978, por ocasião do Amateur Sports Act, foi exigido que todos os esportes olímpicos e potencialmente olímpicos tivessem suas próprias associações nacionais, a AAU perdeu o poder de legislar sobre o powerlifting (Hickok Sports, 2008).
35
Nesses 34 anos que decorreram desde que a AAU separou os levantamentos olímpicos dos levantamentos de potência, o powerlifting cresceu muito mais que seu “irmão” de origem, o levantamento olímpico. Esporte popular em países como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e quase toda a Europa Oriental, o powerlifting atraiu a atenção da indústria de equipamentos esportivos. Originalmente introduzidos como proteções contra lesões, os equipamentos modernos são bem mais que isso: artefatos de alta tecnologia, são elementos do esporte que requerem técnica precisa e complexa para serem utilizados e conferem uma força adicional ao levantador que logra desenvolvê-la. São as “roupas-suporte” (camisas de força, ou de supino, macaquinhos de agachamento e terra), as faixas de joelho e de punho, os cintos e calçados especiais. Outro fenômeno importante e indiretamente relacionado à indústria de equipamentos é a diversificação federativa no powerlifting. Depois que a primeira federação internacional foi criada em 1973, inúmeras outras surgiram. Há quem atribua essa pulverização à polêmica relativa ao uso de esteroides no esporte, o que teria gerado uma série de organizações nominalmente testadas (drug free). Isso teria acontecido quando, nos anos 1980, junto com o bodybuilding, o powerlifting foi estigmatizado como esporte em que o uso de drogas ocorria indiscriminadamente (Hickok Sports; Sports Virtual Library, 2008). Essa hipótese, no entanto, não apresenta tanta consistência, uma vez que boa parte das organizações é tão testada quanto a de origem, tendo sido fundada após a adoção, pela IPF, de testes codificados pela WADA.1 O Quadro 1.1 lista as principais federações internacionais do esporte, com suas datas de fundação, adoção de teste antidoping e número de países-membros. A maior parte surgiu ao final dos anos 1980 e possui menos de trinta países-membros.
1
WADA: “World Anti-Doping Agency” (Agência Mundial Antidoping).
O esporte do levantamento básico e o condicionamento
1.1.5 O crescimento recente
De volta ao básico: powerlifting
36
Quadro 1.1 – Federações Internacionais de Powerlifting url
Data de fundação
AD
Países
IPF (International Powerlifting
http://www.powerlifting-ipf.com/
1973
S
100
http://www.globalpowerliftingcommittee.com/
1986/2004
N
30
1997
S
22
http://www.worlddrugfreepowerliftingfederation.org/
1988
S
23
WPA (World Powerlifting Association)
http://www.apa-wpa.com/
1987
N
WPC (World Powerlifting Congress)
http://worldpowerliftingcongress.com/
1986
S
30
WPF (World Powerlifting Federation)
http://wpfpowerlifting.com/
2002
N
10
WPO (World Powerlifting Organization)
http://www.worldpowerlifting.org/
2003/2008
N
-
2003
S
21
Federation) GPC (Global Powerlifting Committee)
WABDL (World Association of Benchers http://www.wabdl.org and Deadlifters) WDFPF (World Drug-Free Powerlifting Federation)
WUAP (World United http://homenet.homelinux.com/%7Emheindl/ Amateur Powerlifting) uap/index-uap.html IPA (International Powerlifting Association)
http://www.ipapower.com/
N
Em comunicações pessoais com Vilmar Oliveira e Gus Rethwisch, respectivamente secretário-geral e presidente da WABDL, hoje possivelmente a mais numerosa organização americana de powerlifting, a justificativa para a dissidência é semelhante: “Sentimos um desconforto no tratamento que recebíamos antes e resolvemos criar a nossa própria organização”. Não é um argumento muito diferente do que oferecem outras organizações: “o WPC foi formado em
37
nizações com a ajuda de vários atletas. A razão é que muitos levantadores mundo afora estavam se tornando mais e mais desapontados com o tratamento dado pela IPF”. Por que o processo de dissidência não seguiu o padrão binário das dissidências partidárias ou religiosas, ninguém sabe. O fato é que cada descontente encontrou um grupo de descontentes concordantes e assim nasceu mais de uma dezena de organizações internacionais em duas décadas. Muitas das organizações têm regras bastante semelhantes na forma à sua matriz, a IPF. Outras diferem inteiramente. O mais novo fenômeno em termos de organização no esporte é a pequena, porém ativa, SSA (Syndicated Strength Alliance), que se propõe a subverter inteiramente o padrão vigente: não tem hierarquia de poder (não há presidente, secretário-geral, nada disso), há total autonomia organizativa às representações locais, as regras são simplificadas e a única verba arrecadada retorna como prêmio aos vencedores de eventos nacionais. O futuro dessa proposta só o tempo poderá mostrar. As principais diferenças entre as federações dizem respeito a regras para os levantamentos e para a homologação de material (embora divergências políticas, históricas, regionais e pessoais tenham dado origem a rachas importantes também). O Quadro 1.2 foi elaborado pelo site Powerlifter’s Corner e compara as federações quanto a algumas das principais regras, tanto quanto ao uso de equipamentos, aos testes antidoping e à execução de movimentos. A maioria das federações é relativamente flexível quanto aos equipamentos, embora não apenas a IPF exija registro de marcas aprovadas com pagamento de taxas pelos fabricantes. Essa relação das federações com os fabricantes impõe restrições ao uso dos equipamentos que vai além da simples descrição do material e entra no campo das relações políticas e econômicas entre organizações (de um lado, uma organização esportiva, de outro, a indústria de equipamentos). Algumas federações estão resolvendo a questão dos equipamentos criando categorias específicas. Assim como há categorias de gênero e idade, essas federações adotam as categorias de equipamento. Assim, o levantador tem liberdade de competir sem roupa-suporte (raw) se assim o desejar, inscrevendo-se na categoria apropriada. No mesmo evento, outro levantador pode competir com um equipamento ultrarresistente, composto por vários tecidos, inscrevendo-se, para tanto, na categoria ilimitada. Alguns levantadores consideram essa a única solução justa diante da crescente eficiência
O esporte do levantamento básico e o condicionamento
1986 para permitir competições internacionais com a APF. Ernie Frantz fundou ambas as orga-
De volta ao básico: powerlifting
38
e sofisticação das roupas-suporte. Outros ponderam que esse seja um processo que leve a uma pulverização tal que em muitos eventos haverá não apenas categorias vazias, como boa parte delas contará com pouco mais de um competidor. Há quem diga que isso tira a graça do esporte. Há quem diga que finalmente se realiza o ideal da autossuperação. Deixo para o leitor refletir sobre a questão. Outro item a se considerar diz respeito às diferenças na execução dos movimentos: a maior parte das federações inclui em seu livro de regras o comando press (“sobe”) para a execução do supino, o que regulamenta de maneira mais rigorosa a chamada confirmação do movimento, ou parada no peito. Os levantadores que se opõem a isso, sobretudo os superpesados, acabam optando por federações mais flexíveis no tocante a essa questão. Existem outras diferenças na execução, como o posicionamento dos pés durante a execução do supino (se com a sola inteira em contato com o chão ou não), a profundidade do agachamento etc. Independentemente da origem, no entanto, a diversificação institucional é um fenômeno que molda fortemente as feições do powerlifting no mundo todo, dando espaço ao desenvolvimento de estilos e de escolas bastante diferentes. O fenômeno contemporâneo mais relevante, entretanto, parece ser o desenvolvimento da indústria de equipamentos. Um mercado considerável de equipamentos-suporte tomou forma em meados para o final dos anos 1980. O primeiro equipamento patenteado para powerlifting apareceu no início dos anos 1990. Apesar de faixas de punho, por exemplo, terem patentes industriais desde o início do século XX, o seu patenteamento para levantamento de peso data de 1990 (Walunga, 1990); a primeira patente de camisa de supino foi solicitada em 1993 (Peters, 1995); e a primeira patente para macaquinho de agachamento foi solicitada em 1991 (Alaniz e Alaniz, 1991, proprietários da Titan Support Sr). A Inzer Advance Designs, Inc. foi fundada em 1989. As primeiras patentes da Inzer datam de 1996 e 1998. A Titan Support Systems, Inc. foi fundada em 1981. Demorou cerca de uma década, desde a criação dessas companhias, até que esse mercado tomasse forma, como indicado pelo controle de propriedade intelectual de seus produtos. Roupas-suporte e faixas especiais, na verdade, só se disseminaram no powerlifting nos anos 1990. Desde então, como em qualquer outro nicho especializado em que a inovação técnica passa a ser o motor das vendas e do desenvolvimento do mercado em si, o equipamento de powerlifting tornou-se cada vez mais sofisticado em projeto e em tecnologia.
Sem limite
3
Amateur World Powerlifting Congress Amateur American Powerlifting Federation http://worldpowerliftingcongress.com/ World Powerlifting Organization ®
tingcongress.com/
American Powerlifting Federation http://worldpowerlif-
Sem limite
de panos
Número
World Powerlifting Congress
Apenas para camisa
S
S
Denim
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Apenas para maca-
S
S
Lona
S
S
S
ção
Cal-
S
S
S
pernas
com
2m
2,5 m
2,5 m
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S
S
S
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S
S
S
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S
S
S
Comando “sobe”
S
S
S
lift
continua
N
S
F
N
ping
Mono- Antido-
O esporte do levantamento básico e o condicionamento
Quadro 1.2 – Comparação entre federações quanto a regras
39
1
http://www.usapowerlifting.com/ United States Powerlifting Federation
http://www.powerlifting-ipf.com/
(ADFPA)
USA Powerlifting
ting Federation
1
http://www.apa-wpa. com/ International Powerlif-
2
ção de um pano só
3 com cal-
Número de panos
American Powerlifting Association
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World Powerlifting
lifting.org/
http://www.worldpower-
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S
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Antidoping
De volta ao básico: powerlifting
40
1
cfm?publicationID=45
ports.org/index.
http://www.aaus-
Powerlifting
1
Amateur Athletic Union
http://www.ipapower. com/Enter.htm
ting Association
2
International Powerlif-
www.wdfpf.info
N
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S
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com/ World Drug-Free Powerlifting
N
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http://www.nasa-sports.
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http://www.uspf.com/
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O esporte do levantamento básico e o condicionamento
continuação
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2
Duas para camisas
World Natural Powerlifting Federation http://hometown.aol. com/wnpf/ World Assoication of Benchers and Deadlifters
Apenas para camisa
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Fonte: Powerlifter’s Corner, http://www.weighttrainersunited.com/fedreference.html (2008).
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http://www.wabdl.org/
nenhuma
Número de panos
http://www.pikitup.com/
Athletes United
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Mono- Antidolift ping
De volta ao básico: powerlifting
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O powerlifting é esporte de pobre no Brasil. Ele e os demais esportes de força são marginalizados, underground e em grande parte desprezados pelos clubes e instituições como modalidade esportiva. Sem o glamour de outros esportes, tampouco recebeu atenção necessária de historiadores. No Atlas do esporte no Brasil (Dacosta, 2006), publicação do CONFEF, o powerlifting nem mesmo é mencionado (nem seu sinônimos, levantamento básico e levantamento de potência): na sessão sobre halterofilismo, ficamos com o levantamento olímpico e o fisiculturismo, e mais nada. As bibliotecas e coleções históricas sobre o esporte brasileiro raramente contemplam mais do que o futebol e o automobilismo. Alguns poucos trabalhos cobrem esportes que ganharam popularidade mais recente, como as lutas. Mas garanto que a história dos esportes de força e, especificamente, do powerlifting brasileiro ainda esteja para ser pesquisada e escrita. Um primeiro esforço nesse sentido foi feito por Judimary Delago (2006) e por Chacon (2007), cujos relatos, bastante coerentes, sugerem que a prática do powerlifting tenha ocorrido de forma precoce no Brasil. No entanto, a integração do país ao contexto institucional internacional é recente, com os marcos principais no final dos anos 1990.3 Delago (2006) e Chacon (2007) relataram que o primeiro campeonato registrado no país ocorreu em Campinas, no dia 18 de julho de 1976, por iniciativa de Laércio Jorge Martinez e Hermelindo Pascoal Angotti, ambos ligados ao fisiculturismo (na época, a Federação Paulista e a Confederação Brasileira de Culturismo ainda não eram fracionadas em suas atuais afiliações, a NABBA e a IFBB). Assim, as primeiras décadas do powerlifting brasileiro retomam a histórica relação internacional com o fisiculturismo, que nos anos 1970 também crescia no país. Esse relato das origens remotas e não tão remotas do Powerlifting ou levantamento básico no Brasil está incompleto e pretende apenas dar ao leitor uma visão geral do processo que levou dos primórdios, dentro do fisiculturismo, até os dias de hoje. Pessoas sem as quais o esporte jamais seria o que é, não mencionadas aqui, mas nem por isso menos importantes, são: Laercio Martinez (organizador do esporte), Tamer Chain, Jose Carlos Vidal e Antonio Mendes (atletas destacados por suas marcas), Roberto Heberle da Silveira (atleta destacado por suas marcas e organizador do esporte no Rio Grande do Sul), Claudir Soares Lopes (atleta destacado por suas marcas e recordes internacionais), Olicio dos Santos Filho (atleta destacado por suas marcas e recorde mundial), Flávio Danna (atleta destacado por suas marcas, recorde internacional e incentivador do PL no Rio Grande do Sul), André Doria (atleta destacado por suas marcas, recorde mundial e incentivador do PL no Brasil), Miriam Janete e Marisol Del Carmem Alarcon (atletas destacadas por suas marcas). 3 Alguns campeonatos internacionais, com atletas brasileiros com colocações de destaque, foram realizados desde o final dos anos 1970 (Chammas, 2007). 2
O esporte do levantamento básico e o condicionamento
1.1.6 A História no Brasil2
De volta ao básico: powerlifting
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Em 1978 foi realizado um Campeonato Brasileiro extraoficial no Clube Pinheiros, e, a partir daí, por três anos seguidos, foram realizados campeonatos oficiais em Campinas, ainda sob a organização da Confederação Brasileira de Culturismo e Musculação. A primeira organização nacional para o powerlifting no país surgiu em 1994 – a Confederação Brasileira de Levantamentos Básicos. No entanto, a organização no estado de São Paulo precede a nacional em vários anos. Desde 1978 a Federação Paulista de Powerlifting organizava campeonatos estaduais. A integração internacional pode ser mais precisamente marcada no ano de 1999, quando Júlio Conrado recebeu o certificado de árbitro internacional pela IPF e a CBLB (Confederação Brasileira de Levantamentos Básicos) passou a formar sua equipe de arbitragem no próprio país. Esses são os registros disponíveis. A primeira pergunta que me ocorreu, naturalmente, foi por que no Brasil o powerlifting recebeu o nome de levantamento básico. Nos países de língua espanhola, chama-se levantamiento de potencia, que significa levantamento de potência, ou powerlifting; em alemão, pode se chamar Kraftdreikampf, que significa algo como luta tripla de força; em francês, é force athletic, ou força atlética; por que no Brasil ele teria recebido esse nome enigmático? Emergiu daí uma história muito mais antiga. Anna Maria Koprowski, atual redatora do Jornal da Musculação e Fitness e ex-diretora da FEPAM (Federação Paulista de Culturismo) e NABBA – Brasil, identificou a ata de fundação da FEPAM, do dia 1º de outubro de 1963. Segundo esse documento, a FEPAM englobava as três modalidades: o culturismo, o Levantamento Olímpico e as Provas de Força e Exercícios Básicos. Fica evidente, portanto, que, de forma semelhante à trajetória americana, as competições com levantamentos que vieram a se constituir como powerlifting já eram realizadas no Brasil antes da década de 1960. Eugênio Koprowski, que foi presidente da FEPAM e também da NABBA – Brasil, foi um dos personagens-chave na institucionalização do powerlifting brasileiro. Em torno dele, reuniram-se os atores que viriam a assumir a organização dos primeiros eventos e das primeiras organizações, como Carlos Roberto Faneli, de Santo André, e Ricardo Wolfman. Numa comunicação pessoal, Eugênio explicou que, de fato, existiam tais provas de força e exercícios básicos desde antes dos anos 1960, as quais englobavam não apenas os três
45
direta. Na época, esses campeonatos eram organizados pela Federação de Halterofilismo. Com a fundação da Federação de Levantamento de Peso, para evitar qualquer confusão com o culturismo, essas provas deixaram de ser realizadas e foram abandonadas por anos. Foram reintroduzidas no cenário competitivo oficialmente pela FEPAM apenas em 1977. Segundo Eugênio, o termo Exercícios Básicos sempre pareceu inadequado. Foram adotados provisoriamente os termos Levantamentos de Força e Levantamentos de Potência, como nos países de língua espanhola. Em 1979, houve uma reunião com a presença de várias pessoas importantes nos esportes de força do país, incluindo o próprio Eugênio. Uma dessas pessoas era o médico e pesquisador José Maria Santarém, um pioneiro na discussão sobre a importância do treinamento de força na saúde, como Karpovich nos Estados Unidos (ver Capítulo 4). Santarém, que até hoje divide seu tempo entre a pesquisa e o ensino sobre treinamento resistido, o atendimento a pacientes e o ativismo em prol dos esportes de força, sugeriu que o nome da modalidade fosse Levantamentos Básicos, por serem os levantamentos mais fundamentais do treinamento resistido. Assim começou o incipiente powerlifting brasileiro, com muita vontade e pouca gente. O início heroico do powerlifting brasileiro foi marcado por muito esforço pessoal de atletas (transformados em dirigentes) abnegados, pouca organização e quase nenhuma noção do que era o contexto internacional para a regulamentação do esporte. A abnegação pessoal foi a base da existência em si do esporte. Pessoas como Carlos Faneli, em São Paulo, e Vilmar Oliveira, no Rio Grande do Sul, transportavam pesos, armavam bancos, faziam súmulas, chamavam os amigos para ajudar e faziam acontecer. Muitos veículos pessoais e contas bancárias (nunca volumosas) foram sacrificados no altar do powerlifting brasileiro, para que este pudesse vir a existir. Depoimentos e imagens do arquivo pessoal de Gilson Clemente, hoje diretor técnico da FPP, da CBLB e da FESUPO, mostram que todo mundo fazia um pouco de tudo – e “todo mundo” era um grupo bem pequeno de pessoas. O registro de resultados era no papel, nem sempre as anilhas eram olímpicas, o piso nem sempre era adequado, mas os campeonatos aconteciam. Depoimentos de Fernando Canteli, recordista brasileiro de várias disciplinas e totais nas categorias de 100 kg e 110 kg, mostram
O esporte do levantamento básico e o condicionamento
levantamentos do powerlifting, como o desenvolvimento na frente (military press) e a rosca
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um cenário em que a solidariedade desempenhou um papel determinante. Pisos inadequados se corrigiam jogando um pouco de água; o uso comum e o revezamento de equipamentos pessoais eram hábitos corriqueiros, com rápida troca de roupa entre um levantador e outro; anilheiros-atletas era basicamente o que havia. Gilson Clemente também relatou que, assim como no resto do mundo, o supino sempre teve uma cultura própria e bem mais popular do que o powerlifting. Existia – e existe – um número muito maior de campeonatos single lift de supino e uma comunidade amante desse esporte. Dele veio boa parte dos primeiros atletas de powerlifting brasileiros, muitos dos quais logo descobriram seus talentos, às vezes até maiores, para o agachamento e o levantamento terra. Mas essa autonomia e essa independência do supino também foram um obstáculo para a assimilação das regras do esporte pela modalidade. As fotos do arquivo de Gilson mostram campeonatos oficiais de supino tão tarde, como o de 2001, com atletas executando os levantamentos ainda de bermuda e camiseta, sem macaquinho, num momento em que o uso do traje já era regulamentado pela IPF. Aos poucos, a insistência dos dirigentes e dos organizadores, a maior profissionalização e a institucionalização do esporte, bem como o dramático crescimento e a sofisticação do supino internacional (cada vez mais regrado e competitivo) se impuseram. Pelo menos nas federações e nos campeonatos mais tradicionais, o supino já se comporta há anos como o powerlifting de modo geral. Quanto à falta de noção do contexto internacional, que marcou o powerlifting quase até o final da década de 1990, os relatos mostram que o vácuo de informação e de integração foi ocupado por uma grande criatividade local. Coisas como totais mínimos por categoria de peso, certamente com a boa intenção de elevar o nível do esporte brasileiro, foram introduzidas por conta própria. Árbitros zelosos invalidavam movimentos por motivos que julgavam pertinentes, como pegadas fechadas demais, que jamais estiveram em nenhum livro de regras. O lado interessante dessa independência foi o desenvolvimento, aqui, de escolas e de estilos locais. Veremos três deles no Capítulo 3, com a contribuição dos técnicos e de atletas como Gilson Clemente, Eumenes Leite Júnior e Eric Oishi. Essas “escolas tropicais de powerlifting” produziram, entre outros, o agachamento monstro de 400 kg de Mendinho, da 125 kg+
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e, no caso de Gilson Clemente, a pouquíssimo comentada ninhada de pequenos, leves e jovens levantadores com títulos nacionais, continentais e mundiais. O final dos anos 1990 e o início dos anos 2000 foram um período conflituoso no powerlifting nacional, uma vez que parte da comunidade, sobretudo os atletas do Rio Grande do Sul, desligou-se da CBLB. Sob a liderança de Vilmar Oliveira, um grupo se vinculou à WABDL e outro, alguns anos depois, à WNPF, liderado por Flávio Danna. Paralelamente, Wolney Teixeira realizava atividades de powerlifting no Rio de Janeiro desde os anos 1980, que depois vieram a ser organizadas sob a sigla da CONBRAFA (Confederação Brasileira de Atletas de Força), em 2003. Vilmar representa a forte vertente dos esportes de força do Sul. Envolveu-se desde os primeiros anos oficiais do powerlifting brasileiro. Esteve presente no campeonato do Clube Pinheiros de 1978, em São Paulo, mas seu acesso ao esporte se deu por meio do fisiculturismo gaúcho, cujo líder era o atleta e dirigente Cury. No Sul, a organização do esporte também se deu dentro da estrutura preexistente do fisiculturismo. Vilmar, por um lado, seguia as orientações da CBLB e participava de seus eventos. Por outro, organizava eventos independentes em powerlifting, strongman e fisiculturismo no Rio Grande do Sul. Foi o primeiro atleta brasileiro a participar de uma competição internacional de supino, em Russelsheim, Alemanha, em 1991. Lá recebeu um convite e permaneceu alguns anos fora do país. Participou de uma série de campeonatos mundiais – em 1993 na Hungria, em 1995 na República Tcheca e em 1997 venceu um campeonato sul-americano em Guayaquil. Gilson Clemente relata que chamava a atenção o fato de que Vilmar, desde 1995, já se apresentasse como árbitro nos padrões internacionais, com traje social e gravata. Seja por essa longa passagem pelo exterior, seja pela distância e pelos históricos conflitos no eixo Sudeste-Sul, Vilmar foi o primeiro a se retirar do que até então era a unanimidade organizacional e evidenciar um conflito mais abrangente, internacional: em sua primeira viagem aos Estados Unidos, aproximou-se da WABDL, que se formava naquele ano. Foi convidado a assumir um cargo e aceitou. Desde então, vem realizando eventos no Brasil e na América Latina sob essa sigla.
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em 2008, recordista sul-americano na categoria e sempre entre os cinco primeiros do mundo,
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O Rio Grande do Sul foi e continua sendo um celeiro de grandes atletas de força e também, como consequência, de conflitos entre seus líderes. É o único estado brasileiro que sedia entidades nacionais do desporto ligadas a duas federações internacionais ativas no powerlifting (WABDL e WNPF) e uma estadual ligada a uma terceira (IPF). No Rio de Janeiro, a origem do powerlifting foi o Clube de Regatas e Natação Santa Luzia. Lá, Nelson de Carvalho reuniu em torno de si um pequeno grupo de jovens interessados em outro tipo de levantamento de peso. Vindos de uma experiência maior ou menor com o que era conhecido como halterofilismo, esses jovens passaram a ser treinados para força máxima. O grupo de Nelson de Carvalho tinha levantadores de peso e lutadores, que treinavam juntos até certo ponto. Talvez não seja por acaso que alguns desses pioneiros tenham vindo das lutas, como Wolney Teixeira e Cláudio Mello. Em 1989, Wolney passou a liderar a equipe, e Nelson de Carvalho se retirou. Pouco antes disso, Carlos Kastrup, atleta de várias modalidades nos esportes de força, também se retirou do Santa Luzia, embora continuasse representando a equipe. As histórias independentes do powerlifting paulista, carioca e gaúcho só convergiram de fato quando a institucionalização internacional foi efetivada pelo grupo de Julio Conrado, por meio de medidas como a formação de árbitros e a implantação de regras internacionais padronizadas. Com uma presença maior em campeonatos internacionais, foi necessário regulamentar rigorosamente a CBLB. Assim, o grupo liderado por Julio Conrado tomou um série de iniciativas a partir de 2000, quando passaram a dirigir a entidade. Essas medidas incluíam aspectos materiais da organização dos campeonatos, melhoria das premiações e melhor registro, com o uso da informatização. No mesmo momento em que convergiram, divergiram, pois encontraram no seu caminho outra história mundial que caminhava assim. Se a institucionalização internacional tem como expressão maior as iniciativas de Julio Conrado, a profissionalização e sofisticação técnica ficam por conta de Gilson Clemente. Diferentemente de outros dirigentes, Gilson se aproximou do powerlifting já imbuído do espírito disciplinador do professor. Formado em Educação Física e com longos anos de ensino e treinamento de jovens, Gilson sempre foi preocupado com as “regras do jogo”. Já com uma
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diretoria técnica da FPP, depois da CBLB e finalmente da FESUPO (a CBLB em 2004, a FPP em 2005 e a FESUPO em 2006).4 Nelas, deu continuidade ao sistema de formação de árbitros originalmente implantado por Oswaldo Luis Milani e aperfeiçoou-o, com aulas expositivas e práticas, avaliação e certificação. Também trabalhou na aquisição e melhoria de equipamentos para as competições, como computadores, placares, súmulas e organização padronizadas, e tem coordenado há alguns anos a estruturação e o encaminhamento dos procedimentos regulamentares das competições das federações das quais é diretor. Paralelamente, dirige sua própria equipe na comunidade de Paraisópolis, bairro pobre incrustado na região de mais alta renda da cidade de São Paulo. A captação, seleção e formação de jovens atletas em Paraisópolis que Gilson realiza há anos constituem o único programa social esportivo ligado ao powerlifting registrado no mundo, pelo que se tem conhecimento, à semelhança dos programas de basquete no bairro do Harlem, em Nova Iorque. Embora não esquecidos, os heróis pioneiros pertencem a uma época em que a divulgação era precária e quase não havia um trabalho de preservação da memória do esporte. É inegável que tivemos grandes atletas, mas os registros de hoje apontam para alguns expoentes, em sua maioria pertencentes à Federação, maior e mais organizada, que têm colocado o Brasil no mapa do powerlifting mundial. Alguns dos mais expressivos são Eric Oishi, Valdecir Lopes, Eumenes (Mendinho) Leite, Luciano Duarte, Evandro Casagrande, Ricardo Nort, Erica Batista e Ana Rosa Castellain. Eric, Valdecir e Mendinho já possuem muitos títulos nacionais e sul-americanos. Eric venceu os campeonatos pan-americanos em Miami em 2005 e em 2007, e vários outros campeonatos nacionais e regionais. Valdecir Lopes é considerado um dos melhores supinos open do continente, mas também um dos atletas mais equilibrados do powerlifting, com marcas igualmente excelentes nos três levantamentos. Mendinho é mais conhecido por seus recordes nacionais e continentais no agachamento superpesado, categoria que chama muito a atenção tanto aqui como fora do país. Agora, desde o ano de 2006, o Brasil começou a se destacar com títulos mundiais open nos eventos da IPF, com Luciano Duarte 4
FPP: Federação Paulista de Powerlifting; FESUPO: Federación Sudamericana de Powerlifting
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pequena equipe em sua primeira academia, a Supino 200, Gilson foi chamado a assumir a
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no agachamento da categoria até 90 kg e, em 2008, com Eric Oishi, também no agachamento, na categoria até 67,5 kg. Evandro Casagrande, que já competiu por quase todas as grandes federações, dando preferência à WABDL, já coleciona inúmeros títulos e recordes nacionais e mundiais. A especialidade de Casagrande é o levantamento terra. Erica é o grande destaque feminino nesse esporte que ainda é predominantemente masculino no Brasil. Desde 2004, ela coleciona praticamente todos os títulos relevantes em supino e desde 2006 passou a competir nos três levantamentos. Em 2006, seu ano de estreia no powerlifting, já venceu o campeonato brasileiro e, a partir daí, todos os eventos até o nível continental. Em 2008, em sua primeira apresentação em um evento mundial, no Canadá, foi medalha de bronze no supino. Não se pode esquecer, no entanto, os talentos mais jovens, como Gilberto Silva, do Rio Grande do Sul, que tem solitariamente buscado desenvolver a técnica Metal Militia no Brasil e alcançou a marca inédita, no continente, de 350 kg no supino com 118 kg de peso corporal. Eduardo Kirino, da equipe Marcelo Aló, levou a medalha de prata no agachamento e o quarto lugar no total no campeonato mundial juvenil na França, em 2007. Ana Rosa Castellain, de Santa Catarina, venceu inúmeros campeonatos estaduais e nacionais, além do sul-americano e do pan-americano (em 2007), com vários recordes. Irani Rodrigues, da GCA de São Paulo, iniciou no PL com 19 anos, em 2005. Desde então, venceu todos os campeonatos paulistas e brasileiros na categoria de sua idade. Sua primeira participação num mundial foi no ano de 2007, na França, onde conquistou a medalha de bronze no agachamento. Já no ano de 2008 conquistou as quatro medalhas de bronze no mundial juvenil da África do Sul. Danilo Batista começou no PL em 2006, com 15 anos na GCA, onde compete até hoje. Venceu o campeonato sul-americano em 2006, todos os campeonatos paulistas e brasileiros de que participou, e ficou em terceiro lugar geral no campeonato mundial juvenil de 2008. Danilo tem no levantamento terra sua especialidade e esteve perto de quebrar o recorde mundial do levantamento. A mais jovem de todas e considerada uma das maiores esperanças brasileiras no esporte é Kellen Larissa “Lala” Souza, filha de Mendinho, que estreou em abril de 2008 no powerlifting e quebrou todos os recordes da categoria com um impressionante agachamento de 170 kg aos 14 anos de idade.
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nômeno. Por falta de nome melhor, vou chamá-lo de supinos independentes. Fiquei na dúvida entre isso e supinos especialistas, mas esse termo seria inadequado. Primeiro, pelo fato de que supineiros que rejeitam os outros dois levantamentos existem desde sempre – não são novidades. Segundo, porque existem excelentes supineiros especialistas bem-enquadrados em escolas e federações. Refiro-me aqui a algo que venho observando com cautela, que muitos repudiam fortemente e outros celebram de maneira igualmente emocional. Trata-se daqueles atletas solitários, que não treinam em equipes bem-estruturadas, sem nenhuma filiação federativa específica, que têm executado levantamentos com cargas cada vez maiores. Depois do primeiro supino com mais de 300 kg, feito por Gilberto Silva em 2007,5 tivemos uma pequena série deles: Junior Jovanelli,6 Alberi Costa7 e agora Pingo Sonneborg.8 Eles vêm de cidades pequenas, de nomes pouco conhecidos, como Três Coroas (Gilberto), Cruz Alta (Alberi), Santo Ângelo (Pingo), as três no Rio Grande do Sul, e Monte Alto (Junior Jovanelli), em São Paulo.9 Usam qualquer equipamento que puderem – desde Hades com três panos até Katanas de um pano só. Os primeiros movimentos muito altos foram desajeitados – para todos, eles mesmos apontam. Hoje, são movimentos bem mais controlados. Há quem os classifique como a Metal Militia brasileira. Nenhum deles conversou com Sebastian Burns10 e somente os movimentos de Gilberto Silva foram vistos pelos membros americanos desse estilo, pelo vídeo. Conheço-os todos pessoalmente e em algo eles lembram o espírito da Metal Militia americana: evitam muito barulho, não têm muitos recursos e têm um espírito mais familiar. Não são melhores nem piores do que os atletas mais bem-institucionalizados mencionados até aqui, mas seria injusto e incompleto terminar esse apanhado sem apontar o fenômeno dos supinos independentes. 301 kg executados no Campeonato Brasileiro da WABDL, em Caxias do Sul, dia 15 de setembro de 2007, com peso corporal de 118 kg. No dia 21 de julho de 2009, o mesmo Gilberto Silva executou 340 kg no Campeonato Sul Brasileiro de Supino e Terra (CONBRAFA), em Três Coroas, pesando 108 kg. 6 300 kg executados na 3ª Copa Viradouro, no dia 27 de abril de 2008, com 106 kg de peso corporal, 312 kg executados na Copa Ubatuba de Supino (CONBRAFA), em Ubatuba, dia 28 de setembro de 2008, com peso corporal de 103 kg. Em 18 de junho de 2009, executou 300 kg em Cabo Verde, no Campeonato Mineiro (CONBRAFA), pesando 98 kg. 7 Alberi executou 310 kg em Tenente Portela, no dia 3 de maio de 2009, e 320 kg, em 21 de julho de 2009, pesando 120 kg, em Três Coroas, no mesmo evento em que Gilberto executou os 340 kg. 8 No mesmo evento de Três Coroas, Leandro Luis (Pingo) Sonneborg executou 300 kg de supino pesando 97,5 kg. 9 Três Coroas tem cerca de 23 mil habitantes (dados de 2003), Cruz Alta tem cerca de 71 mil (dados de 2000), Santo Ângelo tem cerca de 76 mil habitantes (dados de 2008) e Monte Alto tem cerca de 46 mil (dados de 2004). 10 Sebastian Burns, junto com Bill Crawford, é o fundador do “estilo” ou “escola” Metal Militia de supino. 5
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Finalmente, sinto que é necessário acrescentar aqui um parágrafo sobre outro novo fe-
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1.2 Powerlifting: que esporte é esse? 1.2.1 O que é o powerlifting Fleck e Kraemer (1997, p. 239) fizeram uma observação curiosa a respeito da consagração dos nomes dos dois esportes de levantamento. O powerlifting é o esporte no qual os levantamentos são esforços em que a força é o principal elemento, ao passo que o levantamento olímpico é o esporte em que a potência é enfatizada. Os levantamentos de potência seriam, mais apropriadamente, os olímpicos. Assim como os basistas brasileiros gostam de repetir, o powerlifting é o esporte mais forte da Terra (talvez não o mais poderoso). Nos países de língua espanhola, esse esporte é chamado de levantamiento de potencia, numa tradução literal de powerlifting. No Brasil, é conhecido também como levantamento básico, e seus praticantes, como basistas. Esse termo foi cunhado pelo médico, pesquisador e entusiasta do treinamento resistido José Maria Santarém. Durante um curso para especialistas e atletas oferecido pela FEPAM (Federação Paulista de Musculação), Santarém discriminou os três levantamentos – agachamento, supino e levantamento terra – como básicos, em oposição aos demais. A consagração do termo como nome do esporte no Brasil é mais uma evidência do papel estruturador que as organizações do fisiculturismo tiveram sobre o powerlifting. O powerlifting é um dos quatro esportes de força (powerlifting, levantamento olímpico, luta de braço e strongman). Embora sejam agrupados nessa categoria, cada um envolve um conjunto diferente de componentes da força. No levantamento olímpico, como observado por Fleck e Kramer (1997), o elemento da potência é muito relevante. Na luta de braço, o exercício da força envolve momentos de contração isométrica, possíveis sequências imprevisíveis de movimentos parciais concêntricos e excêntricos para o mesmo grupo e elementos de equilíbrio próprios desse esporte. De todos, o powerlifting é o que mais envolve o esforço máximo como habilidade central.
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maior carga possível, dentro de regras que, de maneira geral, regulamentam uma fase concêntrica contínua. Existem três levantamentos no powerlifting: o agachamento, o supino e o levantamento terra. Cada um deles será apresentado e discutido com mais detalhes no Capítulo 3. De maneira sucinta, o agachamento é um levantamento no qual o atleta saca a barra carregada de um suporte ajustado para a sua altura, na posição ereta. Uma vez estável, agacha com a barra posicionada nas costas, na região do trapézio, num ângulo igual ou menor do que 90º do chão para a articulação do quadril. Ao atingir a profundidade determinada pela regra (varia segundo a instituição organizadora do evento), o atleta retorna à posição ereta e guarda a barra no suporte (Figura 1.1).
Figura 1.1 – Agachamento.
O supino é executado num banco de dimensões regulamentadas e que contém um suporte atrás da cabeça do levantador. Com a ajuda de um passador de barra ou spotter, o atleta segura a barra carregada com os braços estendidos, executa um movimento de descida da barra até tocar o tronco e depois empurra a barra de volta à posição inicial (Figura 1.2). Diferentes organizações estipulam regras como comandos para iniciar o movimento, tempos maiores ou menores, determinados por um comando sobe, para a parada da barra em contato com o tronco do atleta, pontos aceitáveis para o contato da barra com o tronco etc.
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O objetivo do atleta no powerlifting é executar uma única vez um levantamento com a
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Figura 1.2 – Supino.
O levantamento terra consiste de um único movimento de ascensão de uma barra carregada que esteja no chão. O atleta deve se posicionar como quiser (na posição tradicional, com as pernas mais fechadas e a pegada exterior à posição dos pés, ou na posição sumô, com as pernas abertas e a pegada mais fechada entre os pés), segurar a barra e erguê-la continuamente até se ajustar numa posição ereta e com os ombros para trás. Então, após comando correspondente, pode retornar a barra ao solo (Figura 1.3).
Figura 1.3 – Levantamento terra.
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em que uma fase excêntrica precede a concêntrica, que é a parte crítica do movimento. O levantamento terra contém só a fase concêntrica do movimento, mobilizando praticamente a mesma cadeia cinética do agachamento. Essas características parecem estar associadas a particularidades da resposta ao treinamento para cada um dos levantamentos. Como veremos no capítulo específico para cada levantamento, a curva de tensão varia ao longo do levantamento, de acordo com cada músculo envolvido. Além disso, os três levantamentos são movimentos multiarticulares que envolvem um grande número de músculos, com contribuições diferentes distribuídas ao longo do movimento. Assim, é um erro comum, porém, a essa altura, já fartamente documentado, classificar o agachamento como exercício para quadríceps, o supino como exercício para peitoral e o levantamento terra como exercício para costas. Compreender a natureza das cadeias cinéticas envolvidas e as fases do movimento é importante para construir um programa racional de treinamento utilizando os levantamentos, seja para a preparação de atletas de powerlifting, seja para o treinamento funcional em outros esportes, ou ainda para o condicionamento geral de praticantes recreativos. O movimento único almejado pelo atleta de powerlifting é um esforço máximo. Com isso, em geral queremos dizer que não é possível executar um segundo movimento dentro da forma estrita após a execução do esforço máximo. Este tem uma série de particularidades metabólicas e neurais que caracterizam o powerlifting de modo geral. A falha, num esforço máximo, não é causada, como a falha periférica observada após algumas repetições, pela incapacidade de contração muscular em razão do acúmulo de metabólitos derivados da atividade energética. A falha central ocorre quando o SNC não é capaz de recrutar o número necessário de unidades motoras para executar um determinado movimento. Boa parte do treinamento no powerlifting é voltada para aumentar essa capacidade neural. A capacidade de exercer força máxima é determinada por um número muito grande de variáveis genéticas, metabólicas, anatômicas e mentais (incluindo os aspectos emocionais e as habilidades de concentração, foco, autocontrole etc). No entanto, as variáveis mais diretamente ligadas à capacidade de exercer força são o gênero (homens são, controlando por peso corporal e idade, mais fortes, relativamente, do que mulheres) e o peso corporal. Assim, os
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Note que entre os três levantamentos, dois (o agachamento e o supino) são movimentos
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resultados de performances no powerlifting e nos esportes de força em geral são expressos em função das categorias de peso e por gênero. Uma terceira categoria relevante é a idade. Assim, em geral, existem as categorias “abertas” (em que os atletas competem em condição igual, independentemente da idade) e as categorias de idade, que variam conforme a organização e incluem uma ou mais classes de jovens e uma ou mais classes de atletas mais velhos (master). Ao longo dos anos, foram desenvolvidas fórmulas para permitir uma comparação geral entre diferentes atletas no mesmo gênero, as chamadas fórmulas de força relativa. Estas examinam o peso levantado pelo peso corporal do atleta, obtendo assim um índice de comparabilidade. Esses índices são utilizados para se eleger quem foi o melhor atleta dentro de cada categoria de gênero e, às vezes, de idade também. Existem muitas fórmulas de ajuste, como as de Wilks, Reshel e Siff, entre outras.11 Se em qualquer campeonato, de qualquer federação, as regras fossem idênticas, então, a comparabilidade obedeceria a critérios de força relativa, ou seja, compararíamos atletas do mesmo gênero, na mesma categoria de peso e idade, ou calcularíamos um índice com o auxílio de alguma fórmula de ajuste. No entanto, existem diferentes “estilos” ou formas de se executar os três levantamentos, particularmente o supino. Até o advento da indústria de roupas-suporte, todos os levantamentos eram feitos com camiseta e maiô de malha. Hoje, estes são considerados os levantamentos não equipados, ou raw. A maioria dos levantamentos competitivos é feita com equipamento. Diferentes equipamentos – fabricante e modelo – conferem diferentes resultados na performance do levantamento, também chamados carry-over. O carry-over que um equipamento confere depende do material, do corte e da qualidade do equipamento, mas também, e talvez principalmente, da habilidade e da técnica do levantador em utilizá-lo, uma vez que o equipamento modifica a curva de tensão do movimento e a trajetória natural da barra, exigindo muito tempo de prática do atleta para que tire o melhor proveito dele.
Um excelente comentário sobre fórmulas de ajuste pode ser encontrado em Powerlifting Relative Strength Calculator (http://tsampa.org/training/scripts/relative_strength/ ), por Kristoffer Lindqvist.
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des variações nos benefícios obtidos e das adaptações individuais, certas classes de equipamento costumam conferir maior carry-over do que outras. Um mesmo levantador pode tirar 10% de carry-over de uma camisa de supino de camada única e tecido muito elástico (chamadas blast shirts), 30% de uma camisa de camada única, tecido mais espesso e menos elástico (como uma F6 da Titan), 43% de uma camisa de camada única e tecido ainda mais espesso (como uma Katana da Titan) e mais de 50% de uma camisa de denim, se for competente para dominá-la, o que é bastante difícil. Por esse motivo, algumas federações criaram categorias de competição por equipamento empregado, tornando passíveis de comparação os resultados entre os levantadores. As competições nesse esporte podem ser dos três levantamentos, de combinações de dois levantamentos ou de apenas um levantamento. Quando são realizados os três levantamentos, a competição pode premiar ganhadores por disciplina (levantamento) e total (soma dos resultados para cada disciplina) ou podem ser competições com premiação independente por disciplina. As combinações mais comuns de dois levantamentos são as de supino e de levantamento terra, sendo os resultados computados de formas independentes. As competições mais comuns de um único levantamento são as de supino. Sempre que são realizadas competições por total, os levantamentos seguem a ordem: agachamento, depois supino e por último levantamento terra. Independentemente dessa organização, para cada levantamento o atleta pode fazer três pedidas. São três chances de executar seu levantamento com a maior carga. Em algumas federações é conferida uma quarta pedida aos atletas que desejem tentar quebrar um recorde. As pedidas têm uma ordem gradativa: depois da primeira, se o levantamento foi bem-sucedido, o levantador deve fazer uma pedida com um peso superior ao da primeira. Se foi malsucedido, também pode, mas tem o direito de repetir a carga na qual fracassou. As pedidas são feitas em pequenos formulários ou cartões nos quais o atleta ou alguém de sua confiança (ou equipe) anota a carga total do peso a ser levantado, composto pelo peso da barra olímpica (20 kg), anilhas (existem anilhas de 50 kg, 25 kg, 20 kg, 15 kg, 10 kg, 5 kg, 2,5 kg, 1 kg e frações de 1 kg) e presilhas (2,5 kg cada uma).
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Considerando os atletas mais experientes e hábeis, é inegável que, a despeito das gran-
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As competições são eventos com uma cultura muito especial. O centro das atenções é o tablado, uma plataforma de tamanho variável entre 2 m x 2 m e 4 m x 4 m. No meio do tablado, o grande desafio: o peso. Se for agachamento, um suporte com a barra na altura estipulada pelo levantador. Se for o supino, um banco, um suporte e a barra (atualmente, também suportes laterais de segurança). Se for levantamento terra, a barra carregada no chão. Em volta do peso, os anilheiros, responsáveis por carregar a barra com anilhas de diferentes pesos para compor a carga pedida. Os anilheiros são figuras muito valorizadas, embora possam parecer invisíveis aos observadores, pois não fazem levantamentos nem os julgam. No entanto, são os participantes do campeonato de quem a atenção permanente é a mais exigida: não apenas devem carregar a barra com o número exato do peso que foi solicitado pelo atleta, uma vez que um erro causa transtornos variados para o andamento do evento, como são os responsáveis pela segurança do atleta. Assim, são os anilheiros que se colocam dos dois lados da barra no agachamento e no supino, com as mãos posicionadas de forma que suportem o peso no caso de qualquer falha, e que ficam atentos aos comandos do árbitro central. Os anilheiros são responsáveis, literalmente, por salvar a vida dos atletas quando, em supinos cujo banco não tenha suportes de segurança laterais, o levantador falhe ou, pior, arremesse involuntariamente a barra para trás em direção à cabeça. Também cumprem função semelhante nos acidentes envolvendo o agachamento, quando o atleta se desequilibra e cai para frente. Durante competições de supino, são frequentes as falhas na terceira pedida – estimam-se 40% de situações em que possivelmente a vida do levantador tenha sido salva pelos anilheiros. Em levantamentos muito pesados, em geral, por regra, é solicitada a presença de um número maior de anilheiros no tablado, o que torna ainda mais difícil a tarefa deles. No círculo imediatamente externo ao conjunto peso-anilheiros estão posicionados os árbitros, totalizando três: um árbitro central e dois laterais. Os árbitros podem ou não usar trajes especiais, para facilitar sua identificação. Os árbitros julgam o movimento de maneira independente, cada um do seu ângulo, atribuindo validade (luz branca) ou invalidade (luz vermelha) ao movimento. Em algumas federações, os árbitros exibem cartões coloridos para classes de motivos para invalidar o movimento. O árbitro central dá os comandos audíveis aos atletas e também instruções à mesa, que fica ao lado do tablado, numa posição privilegiada para observar o veredicto dos árbitros. Na
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um cronometrista. Em arquibancadas ou em cadeiras de auditório fica o público. Este, em grande parte composto por atletas de categorias que já competiram ou ainda vão competir, é difícil de ser controlado e frequentemente atrapalha o andamento da organização. A fronteira entre público, atletas e organização, em termos de distribuição espacial, é fluida. Os atletas circulam por toda parte, assim como os organizadores. Uma última área, de grande interesse de todos, é protegida tanto do tablado quanto do público por tapumes ou outros artifícios. Trata-se da área de preparação e de aquecimento dos atletas. Nela se encontram bancos, suportes e pesos para o aquecimento, cadeiras, bancos, membros das equipes para apoio técnico e muitos atletas aguardando serem chamados ao tablado. Em competições com equipamento, a presença de membros da equipe para apoio técnico é fundamental, já que o ajuste das roupas-suporte requer de uma a várias pessoas experientes. Atletas pesados podem requerer até três pessoas para conseguir colocar e ajustar uma camisa de supino. Uma vez equipado, o atleta se torna rigorosamente inútil, necessitando do apoio de outros para pegar objetos, ajustar o cinto ou até mesmo se locomover. A colocação da faixa de agachamento, descrita no Capítulo 8, quase sempre é feita por terceiros, embora alguns atletas sejam hábeis em se enfaixar. Cada atleta desenvolve seu ritual para realizar o levantamento. O ritual pode ser curto e simples, e até mesmo invisível, como um pensamento ritualizado. Pode ser um conjunto de ações, gestos ou até mantras ou orações proferidas nos instantes que precedem o levantamento. Pode ser, em contrapartida, composto por complexos scripts que devem ser seguidos à risca nos minutos antecedentes ao levantamento, envolvendo formas específicas de ajustar a faixa de punho, de passar o carbonato de magnésio em pó nas mãos (um auxiliar para tornar a pegada mais segura, mas que frequentemente é incorporado aos rituais), cheirar um frasco de amônia aberto, gritar (ou, o contrário, fechar os olhos e fazer silêncio), solicitar tapas firmes e bem-aplicados às costas (ou, o contrário, exigir que ninguém o toque), bater com a cabeça ou o peito na barra (ou apenas acariciá-la), dar pequenos trancos ou tapas no cinto ou outras partes do equipamento, entre outras infinitas possibilidades. A música, elemento obrigatório
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mesa estão pelo menos três pessoas: um locutor, um responsável por pedidas e súmulas e
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nas competições, pode ou não fazer parte dos rituais. Alguns atletas levam seus CDs e solicitam uma música específica para o momento em que são chamados ao tablado. Isso pode gerar problemas quando a organização não dispõe dessa possibilidade; desenvolver rituais envolvendo música é uma escolha considerada arriscada. A música associada ao powerlifting é o rock pesado, em geral heavy metal. Ainda que o atleta seja um amante de música sertaneja, em competição ele será um roqueiro. Essa será sempre a música de fundo. Para os levantamentos, alguns atletas fazem escolhas alternativas, como músicas épicas ou até mesmo gospel music. A maioria, no entanto, fica com o tradicional heavy metal. Por baixo do elemento folclórico e pitoresco nos rituais do powerlifting jaz uma questão de importância fundamental para os profissionais da atividade física: o papel central do foco e da atitude mental no sucesso de um esforço máximo. A maioria dos atletas de elite exibe um padrão curioso: seus melhores levantamentos são realizados em competição (Rhea et al., 2003). Muitas vezes, isso é uma estratégia, pois, como são conhecedores da difícil recuperação neural de um esforço máximo, esses atletas se resguardam e não realizam o que julgam ser 100% de seu potencial em treino, deixando para fazê-lo nos campeonatos. Embora muitas vezes, durante as estratégias de preparação, sejam realizados esforços máximos em treino, ainda assim, a carga efetivamente alcançada em competição é muito superior. Quando questionados, os atletas invariavelmente justificam: “É a adrenalina.”. Sob esse termo, de fato se referem a todo o contexto do campeonato que é conducente a uma performance especial. Observando atentamente, no entanto, é possível verificar que a cultura do esporte proporciona a situação ritualizada pré-levantamento que favorece o foco e a atitude mental adequada ao atleta. Do que consiste exatamente tal atitude mental que tanto influencia a execução de um esforço máximo ainda é objeto de controvérsia. Entre as possibilidades estão não apenas o foco e a determinação, como elementos contraditórios, como o estresse extremo, a calma extrema, a vontade exacerbada ou a ausência de vontade. O powerlifting é um esporte em que os atletas têm grande longevidade esportiva. Muitos dos recordistas mundiais o foram ou são com mais de 30 anos, ou até mais de 40. Essa lon-
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força com a idade é menos acentuada do que a perda de outras capacidades funcionais. Em contrapartida, o desenvolvimento de equipamentos cada vez mais sofisticados e seguros garante uma menor incidência de lesões articulares ou mesmo musculares, potencialmente fatais para a carreira do atleta. As habilidades relevantes para o powerlifting vão bem além da capacidade de exercer força máxima. O desenvolvimento da técnica para cada levantamento requer um alto grau de consciência corporal e capacidades cinestésicas. A flexibilidade também é de grande importância não só na performance, como o caso do arco no supino, mas na prevenção de lesões de tecidos moles.
1.2.2 Como se monta uma equipe de powerlifting e como se organizam eventos Uma equipe de powerlifting começa com alguém que tenha interesse, vontade e prazer em realizar os três levantamentos. Não há mistério neles, e podem-se treiná-los praticamente em quaisquer condições, desde que se disponha de uma barra, de um banco, de suportes e de algumas anilhas. No entanto, a execução dos levantamentos com eficiência e segurança requer equipamentos fabricados de acordo com alguns padrões. Alturas muito maiores ou menores dos bancos de supino tornam o movimento desconfortável para boa parte dos levantadores; barras pouco resistentes são inseguras; barras sem recartilho12 adequado são inadequadas para o levantamento terra, que requer uma pegada firme; anilhas de perfil muito reduzido tornam o levantamento terra mais difícil. Tudo isso sugere a aquisição de equipamentos olímpicos, que servem tanto para a prática adequada e segura do powerlifting como para quaisquer outros levantamentos. Em geral, os bancos de supino devem ter altura, largura e comprimento padronizados, segundo cada livro de regras das respectivas federações. As medidas da IPF, que antecedem todas as outras, são: altura entre 42 cm e 45 cm; largura entre 29 cm e 32 cm; comprimento 12
Recartilho são as ranhuras feitas no aço da barra para garantir uma pegada mais firme.
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gevidade esportiva se deve, de certa forma, ao fato de que a perda da capacidade funcional
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não menor que 1,22 m. Atrás do banco há um suporte para a barra, cuja altura deve ser ajustável, pois deve comportar levantadores de diferentes estaturas. Indica-se um mínimo de 75 cm e um máximo de 110 cm do chão para os ajustes. A largura entre os descansos para a barra deve ser de 1,10 m, caso contrário não há como o levantador acertar sua pegada. Hoje em dia, boa parte das federações requer um suporte de segurança lateral que também seja ajustável. As anilhas devem ser olímpicas e calibradas. Objetivando a praticidade, as anilhas olímpicas são coloridas, sendo as de 50 kg pintadas de verde, as de 25 kg pintadas de vermelho, as de 20 kg pintadas de azul, as de 15 kg pintadas de amarelo, as de 10 kg pintadas de preto e as de 5 kg pintadas de branco. O suporte para agachamento também não é nenhum bicho de sete cabeças. É basicamente um cavalete com suportes laterais ajustáveis (porque a altura com que o levantador saca a barra está proporcionalmente relacionada à sua própria altura, e levantadores vêm em todas as cores e tamanhos). Os ajustes são feitos com pinos em orifícios separados a cada 5 cm. A montagem de um arranjo de treinamento ou de competição para powerlifting não é cara, e a maioria das academias tem como adquirir esse material sem problemas. Mauricio Laurindo, árbitro certificado pela IPF e comerciante de equipamentos pela All Gym Sport & Fitness (no Brasil, a única empresa que fabrica equipamentos olímpicos) forneceu os seguintes orçamentos em 2011, que servem como base para a avaliação do custo no Brasil:
Opção A: treinamento completo, porém com quantidades mínimas: 1 cavalete de agachamento oficial com banco de supino acoplado: US$ 2.226,00; 1 barra olímpica oficial 2,20 m com presilhas: US$ 649,00; 8 anilhas 25 kg; 2 anilhas 20 kg; 2 anilhas 15 kg; 2 anilhas 10 kg; 2 anilhas 05 kg; 2 anilhas 2,5 kg; 2 anilhas 1,25 kg (total 307,5 kg): total US$ 1.809,00 em anilhas.
O custo total da opção A é de US$ 4.683,00.
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1 cavalete de agachamento oficial: US$ 1.472,00; 1 banco supino oficial: US$ 1.169,00; 2 barras olímpicas oficiais 2,20 m com presilhas: US$ 1.297,00; 14 anilhas 25 kg; 4 anilhas 20 kg; 4 anilhas 15 kg; 4 anilhas 10 kg; 4 anilhas 5 kg; 4 anilhas 2,5 kg; 4 anilhas 1,25 kg (total 565 kg): total US$ 3.343,00 em anilhas. 1 alavanca para içar a barra no carregamento para o terra: US$ 209,00; 2 porta-anilhas com capacidade para 500 kg cada: US$ 644,00.
O custo total da opção B é de US$ 8.135,00.
Opção C: treinamento completo para equipe numerosa de atletas: 2 cavaletes de agachamento oficiais: US$ 2.944,00; 2 bancos de supino oficiais: US$ 2.339,00; 6 barras olímpicas oficiais 2,20 m com presilhas: US$ 3.891,00; 48 anilhas de 25 kg; 12 anilhas de 20 kg; 12 anilhas de 15 kg; 12 anilhas de 10 kg; 12 anilhas de 5 kg; 12 anilhas de 2,5 kg; 12 anilhas de 1,25 kg (total 1.845 kg): total US$ 11.068,00 em anilhas. 2 alavancas para içar a barra no carregamento para o terra: US$ 418,00; 6 porta-anilhas com capacidade para 500 kg cada: US$ 1.933,00.
O custo total da opção C é de US$ 22.575,00.
Esses orçamentos servem também para avaliar o equipamento mínimo para a organização de competições de powerlifting, que requerem, em geral, segundo a regra, um suporte e/ou banco adicional para o aquecimento. Portanto, somando-se esse equipamento adicional à opção B, teríamos o valor de aquisição de material para competições num total de US$ 13.957,00.
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Opção B: treinamento completo intermediário:
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Para aqueles que desejam organizar um evento simples, não sancionado, arranjos mais simples são possíveis, mas não indicados, pois a segurança dos atletas vem sempre em primeiro lugar e a codificação de bancos com suportes de segurança, bem como áreas separadas para aquecimento, têm sua razão de ser nesse pressuposto. Todas as federações oficiais oferecem orientação para aqueles que desejam organizar eventos e podem ainda fornecer moldes para súmulas, cartões de pedida e outros itens. Um cartão de pedida típico contém o nome do atleta, a ordem da pedida, o levantamento e o peso da pedida. Todos os atletas, ao se inscreverem e após a pesagem, devem receber cartões de pedida para todos os levantamentos. A ficha de inscrição deve conter o nome, a equipe, a idade, as categorias em que o atleta pretende competir (considerando idade, equipamento ou outras, se for o caso), o peso das primeiras pedidas e um espaço para o preenchimento do peso. Após a pesagem, essa ficha deve ser encaminhada à organização, para a montagem da súmula e dos rounds. É com base no valor da balança oficial que o atleta é encaixado em sua respectiva categoria de peso. A maioria das federações recomenda o limite de 15 atletas por round. Há motivos para isso. Conta-se um tempo mínimo de 60 segundos para iniciar o levantamento uma vez carregada a barra pelos anilheiros e anunciado “barra pronta” pelo locutor; um tempo que pode atingir alguns minutos, dependendo de dúvidas ou falhas ao iniciar, para que o atleta execute o levantamento; e um tempo que pode atingir alguns minutos para que os anilheiros carreguem a barra. Em média, um round de 15 atletas homens de categoria leve dura entre 1h e 1h40 (somando as três pedidas de cada atleta). Se o número de atletas for superior a quinze, o tempo decorrido entre a primeira e a segunda e entre a segunda e a terceira pedida, para um mesmo levantador, torna-se excessivo. As consequências dessa demora podem afetar seriamente a performance dos atletas e também sua segurança, uma vez que ele se desaquece, perde concentração e, se estiver utilizando equipamento justo, pode ter sua circulação sanguínea comprometida. Existem várias maneiras de se organizar um round. A mais utilizada é reunir as categorias de peso até compor um número equivalente a 15 atletas em cada round. Muitas vezes, várias categorias de peso femininas são reunidas num único round, enquanto uma única
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cada categoria de peso. É intuitivo que a ordem de chamada dos atletas seja a dos pesos pedidos, em ordem crescente (caso contrário, seria caótico para os anilheiros). Assim, a ordem de chamada pode mudar entre a primeira e a segunda e entre a segunda e a terceira pedida de todos os atletas de um round, conforme suas pedidas subsequentes forem alterando a relação entre eles. Por exemplo: o atleta A, cuja primeira pedida válida foi de 90 kg, fez uma segunda pedida de 100 kg. O atleta B errou sua primeira pedida de 95 kg e pediu o mesmo peso para a segunda. Na primeira rodada, o atleta A precede o atleta B, mas, na segunda, ele o sucede. O esporte é um jogo institucionalizado. Como qualquer jogo, parte das regras é intuitiva e necessária, pois deriva da necessidade de se resolver um problema. Outras tantas são arbitrárias. E um pequeno grupo é idiossincrático: acordos econômicos, política federativa e outras daquele grupo específico, que só podem ser entendidas no contexto. Assim, o uso do macaquinho é intuitivo e necessário. Não há como visualizar o movimento do atleta para a arbitragem sem um traje desse tipo. Comandos para iniciar o movimento, subir etc. também são formas de resolver um problema de padronização e segurança. Os pés chatos no chão para o supino, ou não; necessidade de manter a cabeça no banco, o uso de camiseta, e não de top, pelas mulheres no levantamento terra, são convenções de cada federação (arbitrárias). A ilegalidade de uso do logotipo do patrocinador pessoal do atleta por federações que mantenham patrocínios maiores é o terceiro tipo de regra. Nenhuma é boa ou ruim em si, mas sem elas não existe esporte.
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categoria de peso masculina define outro. Dependerá do número de atletas inscritos em