Transcrição do Encontro com VÂNIA MIGNONE

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Encontro de Formação do livro “Vânia Mignone” – editora Pinã Cultura - com os profissionais envolvidos no processo de produção editorial do livro, com a presença da artista, onde foi compartilhado com o público tanto processos de criação artística e editorial quanto outros assuntos do universo da arte. Evento gratuito, aberto ao público, com interpretação de libras. Ao final aberto a perguntas. Realizado em 22/03/2021, ao vivo, através do Youtube. Vídeo completo do evento disponível no site da Editora e em suas redes sociais: www.conecta.bio/pinacultura

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Transcrição

DANIELA AVELAR – Boa noite a todas e todos, eu sou Daniela Avelar, da Pinã Cultura. Hoje, segunda-feira, 22 de março de 2021, realizamos o encontro de formação do livro “Vânia Mignone”, uma conversa com a artista e profissionais envolvidos no processo de produção editorial do livro. O livro pôde ser realizado por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, da Secretaria Especial de Cultura, Ministério do Turismo, do Governo Federal, com patrocínio de Marcelino Seras. O livro foi produzido junto à Casa Triângulo e por nós, eu e Débora Ramos Cavaleri, da Pinã, selo editorial pelo qual o livro será lançado. Em breve estará à venda, divulgado pela Pinã e pela Casa Triângulo. O público pode enviar suas perguntas por meio do chat e elas serão respondidas de acordo com a disponibilidade de tempo. Aproveite para se inscrever em nosso canal e acompanhar as atividades futuras. Agradeço a todos e todas que nos assistem hoje e agradeço também a nossa intérprete de libras, Anne Magalhães, que ficará conosco até o final da conversa. Com muita honra e alegria, apresento a artista Vânia Mignone: Vânia Mignone é artista. Vive e trabalha em Campinas-SP. Representada pela Casa Triângulo, participou, dentre as principais exposições coletivas, da 33ª e 25ª Bienal Internacional de São Paulo e das individuais "Vânia Mignone", na Casa Daros, Rio de Janeiro e "Cenários", no MAC USP (2014).


VÂNIA MIGNONE – Boa noite. Boa noite para todos que estão nos acompanhando. É uma delícia, nesta segunda-feira, poder estar aqui falando de um projeto, do livro, do qual foi muito gostoso de ter participado, com uma colaboração fantástica de todos os envolvidos. E o resultado final... mais bonito ainda! É o primeiro livro sobre o meu trabalho e, nesse período tão cinzento em que vivemos, apresentar e poder estar aqui falando sobre o livro, sobre arte é uma oportunidade única. Eu vou começar falando um pouco sobre a minha história de vida, apresentando um pouco do meu percurso através de imagens que estão no livro. Minha formação, antes de trabalhar com artes plásticas, foi Publicidade e Propaganda, porque eu sempre achei muito bonita a relação entre a palavra e a imagem que se usa muito em publicidade. Na época que eu fazia publicidade, eu nem sabia disso, nem sabia que achava assim tão bonito, mas, olhando hoje para trás, vejo que essa integração entre palavra e imagem sempre me chamou muito a atenção. Não só em publicidade, mas também em história em quadrinhos, legendas, títulos de filmes, cartazes de filmes... Essa junção da palavra e da imagem, pois, para mim, elas se completam. Então eu comecei a cursar Publicidade, não tinha o perfil para trabalhar com publicidade, daí eu entrei em Artes Plásticas. Mesmo em Artes Plásticas, os meus primeiros trabalhos que me pareceram interessantes e expressivos foram feitos com a técnica da xilogravura, que é quando você escava a madeira para fazer uma imagem e depois você imprime o papel, sendo o resultado o papel impresso. Por outra questão, de gosto mesmo e de habilidade técnica, eu me encantei por xilogravura. Acho que eu me encantei tanto que depois eu parei de trabalhar com xilogravura, passei a trabalhar com pintura, mas trazendo muita informação da xilogravura. Essa é uma das características que eu considero interessante de falar aqui, porque isso pode ser visto nas imagens do livro, essa relação dessa pintura que nasceu de uma outra técnica, que é a xilogravura. Se vocês quiserem colocar a primeira imagem, que é uma xilogravura, uma imagem bem antiga, podemos ir acompanhando a fala. Essa aí é uma xilogravura de quando terminei a faculdade, faz parte dos primeiros trabalhos. É um palco com umas árvores e um pedaço de uma coxia ali atrás. Mas ela já não é uma xilogravura feita segundo a técnica mais tradicional, que seria uma madeira ou uma placa para cada cor, com duas telas impressas uma em cima da outra para conseguir a imagem final. Ela já é uma placa que eu entintei com a mão – o vermelho, o preto e essas variações de vermelho – e tirei uma única cópia. É uma monotipia feita com xilogravura. Então meu trabalho de xilo já tinha essa maneira de execução pouco ortodoxa. Os contornos – que, na xilogravura, você escava, os contornos são sempre muito definidos – são essas linhas brancas, e você usa cores muito chapadas, o preto é bem chapado, você tem uma relação com uma maneira de trabalhar a tinta, que acaba ficando com placas grandes de uma mesma cor.


Embora você já tenha aplicado tinta, imprimido com a mão, você tem uma variação de tonalidades claras. Então fica evidente que eu já não trabalhava com o preto tão chapado. Mas, de qualquer maneira, esse aí é o começo do meu percurso artístico, com essas xilogravuras feitas em papel de seda. Depois eu abandonei o trabalho sobre o papel, porque o processo começou a interferir tanto que o papel não aguentava, ele rasgava. Daí eu comecei a trabalhar sobre a madeira. Eu já fazia o desenho na madeira, entintava a madeira e depois imprimia no papel. Assim, eu retirei o papel e passei a trabalhar as tintas sobre a madeira. Quando você trabalha a tinta sobre madeira, a meu ver, ela fica jogada para frente, um pouco diferente da tela, que absorve e a tinta fica mais elegante, mais contida. Eu gostava dessa tinta explodindo, então a tinta nessa superfície rígida da madeira me dava essa característica da tinta para fora, brilhante. Aqui já tem um trabalho feito um bom tempo depois daquela xilogravura, mais de 10 anos. É um trabalho feito sobre madeira. Tem escavamentos que, por conta do tamanho, não podemos ver, mas serviram para criar o desenho da noiva, como se fosse uma gravura, e depois foram trabalhados com a tinta acrílica por cima. O começo de meu percurso é esse: da xilo para a pintura, trazendo essas informações da xilogravura. Na xilogravura, uma xilogravura bem tradicional, brasileira, como aquela que se utiliza na literatura de cordel, assim como na publicidade que eu gostava, trabalha-se muita a relação entre imagem e texto. Texto acompanhando a imagem. E essa relação, que eu sempre achei muito interessante e gostosa de trabalhar, eu trouxe para a pintura. Então a pintura sempre se completa com números, palavras, frases que se integram e completam a energia que eu preciso para a pintura. Aqui é um trabalho que foi exposto no Panorama. São as placas quadradas – é um trabalho formado por seis partes separadas, seis placas de madeira. Aí eu entro numa questão presente no livro inteiro. As imagens do livro falam sobre isso, que tem tudo a ver com o que eu faço, que é o seguinte: como eu não executo um trabalho a partir um esboço, eu não costumo me sentar, fazer um esboço e definir o que eu vou fazer na pintura e pegar uma madeira do tamanho adequado para poder fazer o trabalho que já estava estabelecido, eu não trabalho dessa maneira. Eu gosto de pegar uma madeira e ver para que lado o trabalho vai. Eu nunca sei para que lado ele vai, se vai para uma paisagem, uma linha do horizonte, uma árvore, uma cadeira, um perfil de pessoa, palavra, número... não sei! Na hora eu decido. É assim que eu trabalho. Quando eu trabalho com papel, se a imagem que eu fiz necessita de mais espaço, basta que eu aumente o tamanho do papel, colando papéis e aumentando seu tamanho até que o espaço fique da maneira que preciso para o que comecei a desenhar. Na madeira isso é


um pouco mais complicado, porque você não consegue cortar a madeira, fazer os encaixes e colar. Então eu precisei adaptar o que eu faço ao material que eu tenho, ao material com o qual eu trabalho. Eu adaptei dessa madeira, com os quadrados, que são superimportantes, porque trabalhando com quadrados eu posso aumentar o espaço juntando placas laterais, aumentar a altura, aumentar ele todo e aí, conforme a necessidade do que estou fazendo, conforme o trabalho vai se completando, eu tenho a possibilidade de lançar mão dessas placas. Então o formato quadrado, as placas e essas emendas têm a ver com essa minha maneira de trabalhar sem o projeto, sem o esboço, trabalhar construindo a imagem direto na madeira. No caso desse trabalho, era uma imagem única que eu aumentei para seis imagens, porque eu achei que precisava dessas imagens para criar todo o ambiente e completar o trabalho, daí aumentei o número de placas. Mas elas ainda mantêm sua individualidade: cada uma tem o formato quadrado e uma imagem dentro desse formato. Na próxima imagem, que mostra esse trabalho, “O Cego”, embora não dê para ver por conta do tamanho, são seis placas. Verticalmente: duas, duas e duas. É um trabalho bem alto. Diferentemente do anterior, nesse trabalho eu lancei mão de seis placas, comecei com algum detalhe e foi crescendo a imagem, foi crescendo o ambiente onde esse cara estava, as cadeiras e esse emaranhado de fios. Só que as placas, elas existem. Se você olhar o trabalho de perto, elas existem, com a divisão, lógico, não tem nenhuma intenção de que não apareça a divisão. Mas elas se juntam para formar uma imagem única. Daí a designer trabalhou dentro dessa ideia dos quadrados. Quando você desmonta esse trabalho, você terá as seis partes quase como um quebra-cabeça, parece com um quando está desmontada, já que depois se monta a figura. Então todo esse processo de trabalho foi utilizado também na elaboração do livro. Por isso que eu falei que era um projeto muito legal, porque foi cuidadosamente pensado e elaborado para que o objeto livro também transmitisse as características dessa técnica que utilizo. Aqui temos um trabalho com seis partes na horizontal. Diferente do anterior, que era de um período que eu estava mais no colorido com poucas cores – preto, branco, vermelho e o amarelo de vez em quando –, depois o colorido passou a aparecer com mais vigor no trabalho. A gente nunca sabe exatamente de onde vem isso, por que de repente começou a trabalhar com mais colorido, mas é um trabalho de um período em que o colorido fica principalmente em cima do fundo preto, onde dá uma explodida, vai para todos os lados – é assim que eu gosto! Na época da faculdade de Publicidade e Propaganda, eu achava tão lindo – é uma coisa simples – mas eu achava tão lindas aquelas placas de sinalização, aquelas placas simples, por exemplo, “ônibus para aquele lado”, que passam uma informação muito simples, muito direta,


com um colorido sempre muito forte, para que não se desvie da informação principal, de que o ônibus está ali. Quando eu comecei a trabalhar com pintura, eu sempre gostei, e gosto até hoje, de associar meus trabalhos em pintura – pintura, como sabemos, é uma técnica tão tradicional de artes plásticas – com placas, placas de sinalização. Por isso, nos trabalhos o colorido é sempre muito óbvio: o azul, o verde, cor de pele, o vermelho, a letra em caixa alta, as figuras que são quase personagens que eu uso: tem uma mulher ali, uma energia de mulher; ali tem um homem, uma energia de homem; ali tem uma cadeira, uma mesa... Sem nenhuma grande variação. Isso tudo tem a ver, talvez, com essas placas de sinalização que eu gostava muito na publicidade. A diferença é que a placa de sinalização diz apenas que “o ônibus é ali” e morre por aí, ela não dá nenhuma outra informação. Daí o que eu acho legal é que meu trabalho, que não é uma placa de sinalização, é um trabalho de arte, ele tem essa primeira informação muito rápida e óbvia: plantas, flores, mulher, números e texto. Tudo muito simples, muito óbvio, mas, diferente da placa, tem a segunda pele, o que está por trás, a relação entre esses objetos, palavras, números, como eles se relacionam e o que leva a isso. Então são basicamente as cores primárias que estou utilizando, justamente quando entra esse colorido mais forte no meu trabalho. Colorido bem forte, não é? Aí nem tem o que falar, o vermelhão, com o animal e o texto... está fechado o trabalho. É um trabalho bem grande também, de nove placas. Já esse trabalho eu separei, porque aqui, no livro, Gabriel fez uma escolha também de trabalhos feitos sobre papel. Desde a xilogravura que eu gosto muito de trabalhar com papel, com papel recortado, recortar as figuras em papel, colar e depois pintar por cima... Eu gosto daquele espaço mínimo entre a colagem de um desses moços na imagem e o fundo, de modo que quando você olha de lado vê uma pequena elevação, o contornozinho do recorte dessa figura, que depois eu colei no fundo. Eu adoro porque isso desorganiza um pouco o desenho e a pintura. Ele é um desenho e é uma pintura, mas foi feito em cima de uma colagem, então dá uma outra dimensão para a figura, para a presença da figura. São detalhes muito pequenos, principalmente quando vemos esses trabalhos ao vivo, numa exposição, vemos esses detalhes muito pequenos da colagem, o que foi colado, o que não foi, o que eu não usei, mas que continua embaixo da tinta, pois você vê o relevo. Essa relação do papel, que dá uma ligeira enrugada quando você trabalha com tinta, mas que isso deixa ele quente, o que é algo muito próprio desse trabalho manual você ter essas relações de mais aguado, menos aguado, a textura que ficou... Então tem algumas sequências no livro que mostram esses pequenos trabalhos, que são trabalhos em papel, com muita colagem. Olhando assim no computador até nos enganamos, pois parece uma pintura,


mas é uma colagem, uma super colagem, pois todos os elementos aí são recortes de colagem. E eu gosto mesmo é dessa textura que a gente vai conseguindo e que vai deixando o trabalho ganhar alma, ficar mais quente. Também foi selecionado para fazer parte do livro um grupo de xilogravuras, mas xilogravuras feitas com uma boa distância de tempo em relação àquelas primeiras. Nesse caso há uma sequência de xilos que produzi pensando nos itinerários de estrada e nas placas de sinalização no interior do estado de São Paulo, locais em que eu estive, locais em que eu não estive, locais sobre os quais eu ouso falar, locais que suscitam imagens e lembranças de coisas que nunca vi, mas que são muito presentes no pensamento... São trabalhos de xilogravuras bem pouco convencionais, pois são feitos em cima de papéis que eu recorto de revistas, papéis já impressos que eu monto, pinto e depois imprimo por cima. Esses papéis já vêm com uma enorme informação, porque alguns foram inclusive usados em livros de arte ou coisas do gênero, então são colados, recortados, impressos e depois trabalhados em cima da impressão, da xilo. São xilogravuras com bastante referência e com um colorido sempre predominando o preto, que eu acho que fica muito bonito até porque destaca a linha branca. Então tem um grupo legal desses trabalhos no livro para mostrar uma xilogravura feita há pouco tempo. Depois apareceram esses animais... De repente começaram a aparecer esses pássaros no meu trabalho, além das figuras de homem e mulher que eu sempre trabalhei e adoro trabalhar, mas daí apareceram esses pássaros que, em alguns momentos como nesse trabalho, estão tomando conta de tudo. Às vezes eles estão se relacionando com outros personagens, às vezes eles tomam conta de tudo, como neste caso. Este é um trabalho da Bienal, onde foi oferecido um espaço enorme para produzir, daí eu fiz esses trabalhos altos, também formados por seis placas. Passou a entrar bastante o colorido, além de uma coisa que me parece, que eu sinto como uma coisa que tem bastante influência naïf, o que eu acho ótimo, porque eu moro no interior de São Paulo, onde sempre morei, e a gente tem muita informação visual de trabalhos populares que se aproximam de uma arte naïf, principalmente aquelas placas que ficam na traseira dos caminhões, que hoje em dia já é muito difícil de encontrar, uma coisa que ficou meio no passado. Mas aquelas placas, aquelas letras, aquele colorido que usavam com alguma frase, algum pensamento na traseira dos caminhões, eu sempre achei aquilo fantástico! Alguns caminhões de carga que cruzavam as rodovias traziam algumas pequenas paisagens de lugares bonitos, rios, árvores floridas, pôr do sol... Alguma coisa bem singela, mas que tinha e tem tudo a ver com minha realidade, com meu dia


a dia, o que sempre achei muito bonito. Eu não faço esse tipo de pintura, mas esse tipo de informação acaba entrando e fazendo parte também do meu trabalho. Aí temos uma placa, uma parte de um grupo maior. Esse trabalho une quase tudo isso que comentei até aqui com vocês, porque tem trabalho com goiva, escavado sobre madeira, tem muita colagem, tem pintura, tem as cores bem fortes, tem os meus personagens nesse mundo meio apocalíptico que está acontecendo na imagem. Tem alguma informação também de cinema, pois faz parte de uma sequência de trabalhos que têm começo, meio e fim. Então tem bastante influência do cinema, bem como das histórias em quadrinhos. No caso desse grupo de trabalhos, ainda há influência dos jogos on-line de computador. Então, o livro fala sobre um trabalho de pintura com muita informação de outros meios, de outras técnicas e todas as maneiras que eu consegui adaptar dos procedimentos e nos materiais para que o trabalho ganhe energia, para que quando ele esteja numa parede, longe de mim, ele ainda consiga aquecer aquela parede, que ele ainda traga essa energia. Então, é isso! O livro fala sobre essas questões que tratei aqui de modo geral para todo mundo.

DANIELA AVELAR – Vânia, muito obrigada. Seguindo a conversa, convidamos Gabriel PérezBarreiro, curador e autor do livro, para compartilhar conosco um pouco de seu olhar sobre o trabalho de Vânia Mignone. Gabriel Pérez-Barreiro é curador, professor e escritor. Atualmente é assessor sênior da Coleção Patricia Phelps de Cisneros em Nova York e professor da Universidade de Navarra. Foi curador da 33ª Bienal de São Paulo e da 6ª Bienal do Mercosul, entre outros projetos.

GABRIEL PÉREZ-BARREIRO - Obrigado, Daniela. Obrigado, Vânia, muito bom te ouvir. E obrigado às pessoas que nos acompanham. Eu falarei um pouco, pois acho que meu papel aqui foi mais de apoio, mas eu vou falar sobre a minha relação com o trabalho de Vânia, que conheci em diversos lugares. Acho que o primeiro trabalho que eu vi estava na casa de Charles Cosac, que é um grande amigo e irmão, e com quem sempre fico no Brasil. Havia em cima da minha cama um trabalho bem antigo de Vânia, acredito que do início de sua carreira, que se chamava “Sábado”. Esse trabalho me marcou muito. Eu convivi com ele, tinha uma relação afetiva e forte com esse trabalho. Depois eu passei a ver mais trabalhos, principalmente pela Casa Triângulo, em feiras internacionais, em diversos lugares onde eu encontrava Ricardo... Bem, é um trabalho que eu sempre gostei sem saber exatamente o porquê, ou melhor, eu sabia


o porquê, mas talvez não conseguisse articular em palavras. É um trabalho que o impacto não é teórico, ideológico. É um impacto sensorial, afetivo. Eu gosto de pensar que a relação – que ao menos eu tenho e que muitas pessoas talvez tenham, pelo menos eu vi, na Bienal, muitas pessoas se aproximando do trabalho de Vânia – é uma relação muito parecida que a gente tem com alguns cantores ou bandas de rock quando a gente tem uma certa idade e fica meio obsessivo. Não é uma relação que é primordialmente intelectual, é uma relação muito mais rica. Eu gosto de pensar minha relação com o trabalho dela a partir desse lugar. Depois, quando a gente se conheceu muitos anos depois, a gente descobriu uma paixão comum pela música, principalmente pela Música Popular Brasileira, da qual Vânia é uma grande conhecedora. A gente passou a falar sobre essas coisas e fechamos um pouco esse círculo. Quando surgiu o convite para ser curador da 33ª Bienal de São Paulo, dentro da estrutura curatorial havia a ideia de delegar essa responsabilidade aos próprios artistas, artistas-curadores, que eram sete, e tinha um espaço que era muito pessoal, onde eu poderia fazer escolhas que não se limitassem à temática, a necessariamente ter uma relação de um a um com determinado tema ou assunto, mas que poderia haver uma autonomia, ter um espaço para respirar, que eu achava que era um dos assuntos que a prática curatorial precisava. O primeiro nome que veio à minha cabeça ao pensar essa lista foi o de Vânia, que foi, de fato, a primeira artista que eu visitei nesse processo todo da Bienal. Eu fui à Campinas visitá-la, mas cheguei como quem chega para visitar Bono do U2, uma coisa assim. A gente começou a conversar e logo a convidei. Ela ficou super entusiasmada e sabia que daria certo. Então a gente reservou um espaço grande no terceiro andar e ela produziu um trabalho que considero extraordinário, potente, não só eu, pois pude acompanhar muito as visitas e via como as pessoas ficavam impressionadas. Foi o que mais gostei, pois não era apenas um prazer egoísta. Tinha pessoas dos mais diversos setores da sociedade e quase todos ficavam um tempo com o trabalho de Vânia, conversavam sobre o trabalho. Eu achei isso extraordinário, porque não é tão fácil achar esse tipo de relação na arte contemporânea, tem coisas que são altamente codificadas. Além de ser um trabalho super sofisticado – assim como é Vânia – também conseguia ser um trabalho super popular, popular no melhor sentido da palavra, pois chegava às pessoas. Até tinha um projeto desenvolvido pelo Bruno Moreschi, que foi outro artista convidado, que consistia em fazer um áudio guia alternativo da Bienal. E aí, a senhora que fazia faxina na Bienal, ela deu um testemunho sobre o trabalho de Vânia que foi belíssimo! Das melhores coisas! Como ela via, como ela relacionava essa imagem com sua própria vida, enfim, falando de um lugar muito autêntico. Era um trabalho que estava muito visível, estava lá em cima, no vão central, dominava um pouco o espaço. Eu gostava disso. Acho que o trabalho de Vânia dava uma temperatura, um espírito para toda a


exposição, o que eu achei que era muito adequado. Tinha um trabalho lá que se chamava “Certezas derretidas”. A visita que eu contei anteriormente, que fiz à Vânia, foi em 2016. Entre começar esse projeto e a abertura da Bienal, em setembro de 2018, época de campanha eleitoral, as eleições aconteceram na metade da Bienal... Esse trabalho, “Certezas derretidas”, foi ganhando complexidade, porque a gente estava vivendo no contexto imediato essas questões das fake news, nos dando conta de que a nossa visão da realidade não era a mesma compartilhada com grandes setores da população. Eu achei que, mais do que fazer um trabalho agônico sobre isso, a peça “Certezas derretidas” atingia certeiramente o problema que estávamos vivendo. Então essa obra foi crescendo em importância, em riqueza de leitura durante todo esse processo. Para mim foi como um espaço para me recuperar das problemáticas que estavam acontecendo ao nosso redor. Bem, nesse processo todo, um dia estávamos na Bienal, e o projeto editorial da Bienal, que foi dirigido por Fabiana, que vai conversar conosco daqui a pouco, era um livro de artistas, ao menos o primeiro catálogo, já que depois houve um catálogo de registros. Nesse livro, o artista tinha total liberdade. Vânia decidiu, em vez de fazer um livreto, fazer um pôster, belíssimo por sinal, que talvez Fabiana nos mostre. Era um pôster que as pessoas poderiam colocar em casa e ter o seu próprio Vânia Mignone, então eu gostei desse gesto mais democrático com o trabalho. Mas a gente ficou com vontade de fazer mais, de trabalhar juntos em outros projetos. Percebi que ela não tinha um livro assim, importante sobre o trabalho. Muitos desses trabalhos, como ela mostrou em sua fala na última imagem, fazem parte de uma série que faz referência aos quadrinhos, aos filmes. Então pensei como seria interessante juntar isso numa sequência que fosse um livro, que contasse essas histórias que estão implícitas na publicação. Eu imaginei um livro sem texto, porque acho que o texto na obra de Vânia é fundamental. Ela conta sua própria história, que não é contada de um jeito linear, de um jeito narrativo, mas contada de um jeito artístico. Mas, enfim, por pressões e por coisas do projeto, eu falei que tudo certo, que iria escrever um texto, e escrevi um texto breve, principalmente relacionando a Música Popular Brasileira com a obra de Vânia, e uma entrevista – que eu acho que todos vocês viram como ela é eloquente falando do próprio trabalho –, achei importante captar essas histórias também. Mas é uma obra difícil de escrever, porque a inteligência de Vânia é outra, é um trabalho que não está pedindo para ser decifrado, explicado – que é o lugar geralmente ocupado pela história da arte e pela crítica de arte, do tipo “eu preciso te explicar”. Como eu falei, é um trabalho que o apelo dele passa por outro lado, passa de uma forma direta. Ela utiliza a palavra, mas não é uma palavra que está te explicando alguma coisa, é uma palavra que está presente e que está te sugerindo coisas, te convidando para pensar, para sentir. Enfim, fiquei superfeliz com esse livro. A gente


começou a pensar e fomos imediatamente ver Ricardo Trevisan na Casa Triângulo. Ele gostou muito da ideia e fez tudo isso que era fundamental: conseguir patrocínio, apoio, estruturar as equipes... Então a gente realmente deve muito a esse esforço de materializar o que era uma ideia abstrata. Ele acompanhou bem de perto todo o projeto, que mudou, como todos os projetos mudam com o tempo, até chegar nesse ponto, de ser uma introdução ao trabalho, mas que ao mesmo tempo tem uma certa personalidade de livro de artista, porque respeita muito as próprias narrativas de Vânia. O último ponto que eu vou falar, que acho importante na estrutura do livro, que não é uma estrutura cronológica, que é a estrutura geralmente mais comum. No livro ela é mais ou menos cronológica, por quê? Porque o trabalho de Vânia tem uma atemporalidade que é muito interessante. Você consegue pegar um trabalho atual e um trabalho de quinze anos atrás e eles mantêm um diálogo muito interessante, mudam em assuntos e técnicas, como ela mesma falou há pouco, vão aparecendo outros coloridos, outros temas..., mas ela tem uma unidade de pensamento que está presente nos trabalhos. Então a gente teve essa liberdade de jogar um pouco com as histórias, fazer uma história entrar na outra, e a ideia era justamente poder fazer esse jogo entre os trabalhos. Bem, acho que com isso vou finalizar. Agradeço novamente e passo a palavra. Obrigado.

DANIELA AVELAR – Obrigada, Gabriel. Bem, agora, seguindo a conversa, convidamos Fabiana Werneck, coordenadora editorial do livro. Fabiana Werneck é editora de livros e desenvolve projetos em audiovisual. Atualmente participa do Núcleo Realidades Imaginadas da produtora BigBonsai. Como editora de livros, seus principais projetos são: publicações da 33ª Bienal de São Paulo, Fundação Bienal, 2018; “Walter Zanini”, Editora WMF 2018; "Sobre a arte brasileira", Editora WMF 2015 (finalista do prêmio Jabuti 2016); "Coleção Um pé de quê", inspirada no programa de TV de Regina Casé e Estevão Ciavatta (7 volumes), 2010-2013.

FABIANA WERNECK – Olá, boa noite. Eu vou pegar o gancho de Gabriel, que começou contando o nosso sonho de fazer o livro de Vânia, que começou ali na Bienal. A gente tinha uma ideia de fazer uma publicação para a 33ª Bienal ainda, um livro que pudesse dar continuidade às vozes dos artistas nas publicações. Então a gente propôs a cada artista, dentro de limites gráficos, que eles tivessem a liberdade de fazer uma publicação que achassem mais interessante e que dialogasse com a obra que estavam expondo na Bienal. Vânia quis fazer o pôster, que é esse aqui. Ele tem a frente e o verso. E daí a gente começou a conversar desse projeto de fazer o livro, já que Vânia ainda não tinha o livro dela e, enfim, a gente precisava


pensar como seria viável fazer esse livro. Conforme a gente vai trabalhando, algumas dificuldades vão acontecendo. Ele foi demorando e a gente chegou dois anos depois a esse livro, com o qual a gente está muito feliz! Então, na realidade, o que Daniela tinha me pedido também é que eu explicasse um pouco qual é o trabalho do coordenador editorial, contar o que eu faço nesse trânsito todo para publicarmos esse livro. Como eu vejo o trabalho da coordenação editorial, bem, é uma pessoa que vai costurar os talentos. Por exemplo, no caso de Vânia, temos ela, que é a artista, que é o motivo do livro e a gente vai ter Gabriel, que é essa pessoa que vai contextualizar, que vai trazer esse olhar crítico, mas também afetivo – que, como ele falou, também é fundamental – e essa conversa entre todos. Como o próprio Gabriel já falou, não queríamos ter textos, porque acreditamos muito na potência da obra de Vânia, que cria essa narrativa e esse interesse por si só. Mas a gente começou a sentir que algumas pessoas falavam “não, mas é sempre bom ter uma contextualização”, então a gente optou pela entrevista, pelas razões já citadas pelo Gabriel. E aí, o que faz a coordenação editorial? Ela vai, junto com o artista e com o curador, o autor do livro – o autor, nesse sentido, de contextualizar a obra da artista –, a gente vai pensando esse texto, que é trabalhado, editado, que vai e vem com os autores, um texto preparado. Então nós temos toda uma equipe fundamental para fazer o livro: o preparador, os revisores, o tradutor. Tem toda essa equipe que fica nos bastidores, mas que é fundamental. Uma vez que tenhamos essa seleção, esse recorte das imagens, a definição dos textos, a gente vai trazer outro talento para o processo, que é a designer gráfica, no nosso caso, Lia, que vai falar logo em seguida. A designer traz seu próprio olhar, um olhar de artista gráfico para reinterpretar esse conteúdo que a gente está trabalhando. E aí cria-se mais um diálogo. A gente vai criando todos esses diálogos no projeto e, testes para lá, testes para cá, vamos elaborando o livro até chegar no momento final, que será comentado por Aline, depois da fala de Lia. É a pessoa que, sem ela, nosso sonho ficaria só na ideia, porque ela estará ali cuidando de tudo para que a nossa idealização, o nosso desejo de fazer aquele livro lindo, ele realmente termine no produto final, com tudo muito bem impresso, com tudo sendo muito cuidadoso na gráfica, porque o livro é esse produto no final. Não é o da tela, não é o que fica na nossa cabeça. Então o trabalho da coordenação editorial é acompanhar esses talentos, costurar esses talentos e tentar criar uma condição para que eles possam dialogar entre si e que, no final, o produto resultante seja satisfatório para todos. No caso do livro de Vânia, mais que satisfatório, porque era um sonho que a gente tinha e que realmente conseguimos realizar nesse final. É assim que se dá o processo de como fazer um livro. Vou falar ainda mais rápido que Gabriel, porque acho que meu papel é somente estar aqui nos bastidores e vou passar já a fala para Lia, que aí, sim, vem um outro talento fundamental para a elaboração do livro.


DANIELA AVELAR - Obrigada, Fabiana. Bem, seguindo a conversa, convidamos Lia Assumpção, designer do livro. Lia Assumpção é designer, formada pela FAAP e pela Accademia Italiana de Moda e Design de Florença, na Itália. É também mestre em Arquitetura e Design pela FAU-USP e sócia do janela estúdio que, desde 2006, desenvolve projetos editoriais, de identidade visual e sinalização.

LIA ASSUMPÇÃO – Obrigada. Eu queria dizer que é muito maravilhoso escutar Fabiana falar e que a ordem que a gente está falando é um pouco a ordem dos acontecimentos, e eu achei muito interessante. Eu ia dizer, quando escutei a fala de Fabiana, que faltou dizer que ela é justamente a peça que junta absolutamente tudo e que fica nesse diálogo entre a ideia inicial e o produto final. Enfim, é uma peça-chave e um interlocutor muito importante para o meu trabalho de design, porque, além de acompanhar o processo todo, talvez seja justamente a pessoa que transforma a ideia em um livro. A gente tem um monte de ideias e precisamos estruturá-las para virarem um livro de fato. Eu achei curioso também porque escutei a fala de Gabriel e pensei hoje, quando me preparava para falar aqui, que eu também acho que existe uma ligação afetiva. Sempre quando eu pego um trabalho, eu acho que tem uma primeira impressão, que fica comigo durante todo o tempo do trabalho e que vai se modificando, como a gente está falando aqui, mas que desde o começo do trabalho essa primeira impressão fica sempre lá no fundo. Eu conhecia o trabalho de Vânia em livros impressos, mas acho que só o vi ao vivo na Bienal um pouquinho antes desse dia feliz, que foi quando Ricardo, Gabriel e Fabiana me chamaram para fazer esse projeto. Gabriel ficou falando sobre o trabalho dela na Bienal, que ficava lá no alto, e eu me lembro muito do impacto que foi, porque eu subi a rampa da Bienal... Bem, eu não sei quem já conheceu a Bienal aqui, mas a gente sobe uma série de rampas e lá no último andar, no alto, tem esse lugar que você vê o prédio inteiro, tem uma visão, e esse quadro estava lá no final da subida e ele era (e é) muito grande, tem essa cor vermelha e essas palavras pequeninas assim, quase como pistas. Aquilo me marcou muito. Junto do quadro, ao lado, tinha um texto curatorial que falava dessa relação de Vânia com a música e aquilo me interessou muito, ficou comigo, tanto que nas primeiras reuniões que a gente fez, eu perguntei para Vânia como era essa relação, porque eu também tenho uma relação afetiva com a música. Eu, de cara, fiquei imaginando que ela trabalhava ouvindo música, mas depois ela me disse que não, que na verdade era isso, ela tinha um conhecimento, que os pais dela tinham trabalhado com música, então era uma relação afetiva. Isso ficou um pouco no fundo da minha


imaginação. Nessa primeira reunião que a gente teve, eu lembro de Vânia falar que ela tinha vontade de fazer um livro que fosse como um álbum. Hoje a gente tem singles no streaming, então a gente perdeu um pouco esse conceito do álbum. Ela dizia que queria que o livro fosse como um álbum, que tem o lado “b”, o lado “a” e que tem aquele conjunto de faixas que fazem sentido. Eu, de cara, pensei naquele trabalho grande, que tinha que ser um livro grande, fiquei um pouco com essa ideia na minha cabeça. Mas logo, conforme a gente foi andando com o trabalho, ela foi se modificando. Mas eu acho que ficou muito comigo essa primeira impressão. Quando eu vou fazer um livro de um trabalho de um artista, eu fico sempre tentando localizar quais são as coisas marcantes daquele trabalho. Como Gabriel disse, as cores de Vânia são muito vibrantes e muito atrativas. Eu acho que as coisas que me chamaram atenção e que viraram uma escolha do que e como ser utilizado dentro do projeto do livro. Mas, bem, para mim ficaram muito presentes essas coisas, essa dimensão dos trabalhos, essas cores vibrantes e a terceira coisa foi a tipografia. Eu acho que nunca tinha escutado Vânia falar tanto da coisa da propaganda e das placas. Engraçado que, bem, designer gosta de placas também, né? Então aquilo me chamou muita atenção. O trabalho foi se modificando, a gente passou por dois projetos gráficos, mais ou menos, até chegar no resultado final, com o qual eu também sou muito feliz. Hoje, quando eu fui preparar o material aqui para esta fala, eu fiquei pensando e fiz esse percurso de volta às outras tentativas, que até resgatei um pouquinho, já vou mostrar. Acho que entre tentativas e erros, a gente vai um pouco desvendando o que é que tem que ficar, o que é fundamental. Mas, mesmo no processo todo, a única coisa que eu acho que não modifiquei no projeto do livro foi a tipografia, porque, apesar de ela ser uma fonte muito simples, foi difícil chegar até ela porque justamente eu queria encontrar uma tipografia que não competisse com o trabalho de Vânia e que, ao mesmo tempo, enfatizasse essa tipografia do trabalho dela. Então eu escolhi uma fonte que é muito geométrica e que, como diriam alguns designers, fala baixo, é uma tipografia mais neutra. Acho que eu tentei em alguns momentos do projeto trabalhar com as cores de Vânia... O livro é bilingue, então teve algum momento que eu tentei usar as cores para diferenciar as línguas, mas depois eu vi que, no processo todo de construção do livro, nas conversas com Gabriel, Fabiana, Ricardo e Vânia, a gente foi entendendo que o que tinha que aparecer ali era a cor do trabalho de Vânia e nada mais no que diz respeito à cor. Então o livro tem bastante o uso do preto, que é muito para destacar essas cores vibrantes do trabalho de Vânia, e a outra coisa que ele tem, que Vânia mencionou na fala dela é que... Hoje, quando eu fiz essa repescagem, eu lembrei que imaginei de cara um livro quadrado e grande, e aí depois a gente foi orçando e entendendo as limitações do trabalho, e ele virou um livro retangular e um pouco menor. Nas idas e vindas do processo, a hora que


ele se resolveu foi quando eu entendi que ele tinha que voltar a ser quadrado, porque muitos dos quadros de Vânia têm essa composição de várias peças que vão se encaixando, e elas muitas vezes são quadradas. Um jeito que a gente encontrou de traduzir essa fatura do livro, como Vânia mesma falou, ela tem essa referência da publicidade muito na mente... Às vezes, a gente vendo a reprodução de uma imagem numa página bidimensional, podemos perder um pouco essa ideia da pintura, da tinta, dessa textura que tem... E aí a gente encontrou uma maneira de fazer isso no livro destacando esses recortes, que, na verdade, a gente sempre falou que não queria dar detalhes das pinturas dela e eu não considero que são detalhes, porque eu respeitei as partes de todas as pinturas. O livro é estruturado da seguinte maneira: ele tem o texto de abertura, um bloco de imagens grandes, dos quais fazem parte as imagens que Vânia mostrou em sua apresentação. Eu acabei não separando muitas imagens aqui, mas, enfim, o livro tem sete partes de imagens, é um bloco grande de imagens que é separado por esses pequenos blocos de combinação. Ele tem as imagens, que são interrompidas de vez em quando por detalhes das obras. Esses detalhes serviram um pouco para mostrar essa pincelada, para mostrar um pouco desse processo de Vânia, que não faz rascunhos, e muito da memória do trabalho, do que aconteceu antes, do que foi se modificando e fica registrado no trabalho. Então esses recortes servem para a gente ter dimensão disso e ajudaram a ter um ritmo no livro, porque, como eu disse, essa impressão inicial, [da relação com a música], ficou comigo ao longo do processo. Eu separei dois slides aqui. Não fiz uma apresentação formal do livro, espero que todos possam vê-lo. Daniela me pediu para falar isso, como é que a gente faz um livro. Do ponto de vista do designer, achei importante resgatar esse processo. A gente fez alguns estudos desse livro, e um primeiro estudo tinha a ver com um primeiro recorte que Gabriel tinha feito com o trabalho de Vânia. Era um recorte que tinha muito a ver com as séries que Vânia faz. Então esse primeiro projeto, a gente tinha pensado que seria essa série, que são essas páginas que estão em cima, que a gente poderia ver o conjunto das séries e depois ver essas pinturas grandes. No fim, a gente sentiu falta de dar conta dessa variedade no trabalho de Vânia, dessa relação que há, como Gabriel comentou, de trabalhos muito antigos com trabalhos mais recentes. Apesar de eles terem técnicas diversas e evoluções, eles conversam, se relacionam. Quando eu apresentei essa primeira proposta, sentimos falta, no livro, das dimensões dos trabalhos de Vânia, a diferença de dimensão, já que tem trabalhos muito pequenos e trabalhos muito grandes. Aí eu fiz uma segunda proposta de trabalho, de layout de livro, que eu privilegiava justamente essa proporção. Quando fui fazer essa segunda proposta, eu joguei todos os trabalhos que estão no livro num arquivo, nas proporções deles, e fiquei encantada com essa imagem, porque eu consegui ver o que a gente tinha conversado


nas reuniões, que era essa diferença. Sei lá, um trabalho bem pequeno, que tem 30 x 31 cm, e um grande, que tem 3 x 3 metros. Eu achei que isso tinha que estar no livro de alguma maneira, mas isso sacrificava muito o trabalho, então eu acabei até tentando propor que a gente usasse esse meu estudo inicial para ilustrar essa diferença, mas, no final das contas, eu acho que foi bem mais feliz a solução de usar esse outro elemento do trabalho de Vânia, essa montagem que pode ser feita do trabalho dela. Isso foi o que me ajudou a solucionar o projeto desse livro, a determinar o formato. Essa escolha determinou uma porção de coisas que foram decisivas no projeto. Então essa é a imagem da capa, que as meninas da Pinã, da comunicação desse evento de hoje, também usaram como capa. Ela é desmembrada, pode ser vista junta ou separada. Foi essa a ideia que eu pensei. Eu até fiquei pensando no começo, quando a gente teve as primeiras conversas, quando tinha essa vontade de o livro não ter muito texto, dele ter mais imagens. Eu lembro que em um dos primeiros projetos que eu propus, eu sugeri de ter no começo, como era um livro de artista, eu fiquei pensando em que medida a pessoa Vânia tinha que estar presente no livro e o quanto que não. Então eu propus que a gente tivesse fotos do ateliê dela ou alguma coisa assim. Não foi uma ideia muito... Hoje eu entendo que ela não fazia mesmo nenhum sentido, mas eu sempre me intriguei com a coisa de que Vânia trabalha num ateliê pequeno e de que muitas vezes ela não consegue montar esses trabalhos lá dentro. Então, acho que isso para mim justificava essa separação dessas partes ao longo do livro, com combinações diferentes. E aí eu acho que o jeito que eu encontrei de trazer um pouco dos detalhes e mesmo das cores, eu procurei agrupar as imagens muito cromaticamente, mesmo esses intervalos que tem entre as separações que, como disse Gabriel, são mais ou menos cronológicas, sete partes mais ou menos cronológicas, elas são divididas por uma junção de partes desses recortes, dessas partes dos quadros de Vânia, que são combinadas também com uma ideia de cor, justamente para enfatizar, para tratar a cor de Vânia como ela merece. Vou fazer um gancho aqui para Aline, que acho que também foi uma pessoa-chave, porque desde o começo a gente falou muito dessas cores, que são muito vibrantes e que quando a gente pensa na impressão, a gente fica pensando no papel, fica pensando como vai fazer... A gente sempre vai ter uma perda numa reprodução de obra de arte. Nunca é a mesma sensação da obra de arte ao vivo. Então é uma parte bastante importante do livro de arte o produtor gráfico, porque ele vai garantir a proximidade possível de uma reprodução para uma obra real. Vou me adiantar e Aline vai complementar, porque, bem, desde o início... Vânia pinta com tinta acrílica e sempre foi um pedido que a gente trabalhasse esse brilho no papel, então o livro tem papel brilhante, e eu acho que isso colabora muito com o entendimento do livro. Acho que é isso. Obrigada.


DANIELA AVELAR – Obrigada, Lia. Seguindo a conversa, convidamos Aline Valli, produtora gráfica do livro. Aline Valli é produtora gráfica, formada técnica e tecnóloga pela Escola e Faculdade Senai Theobaldo de Nigris. Trabalha como produtora gráfica desde 2002, sendo 8 anos dedicados à editora Cosac Naify. Atualmente gerencia o departamento de Produção Gráfica da Editora Todavia. Além de atuar no mercado editorial, ministra cursos e palestras sobre o tema em locais como Espaço Cult, São Paulo; Casa Plana, São Paulo; Sesc São Paulo; Comoéquetálá, Distrito Federal e Centro de fotografia de Montevidéu, Uruguai.

ALINE VALLI – Boa noite. Queria começar agradecendo o convite-honra de fazer parte desse livro. Eu sou muito fã do trabalho de Vânia. Assim como Lia, fiquei completamente impactada na Bienal, de subir aquelas rampas e chegar à obra de Vânia. Desde que Débora [da Pinã Cultura] me convidou e falou sobre esse livro, eu não tive como... Sei lá, só tenho que agradecer por poder fazer parte dele, porque realmente eu sou muito fã. Eu conheci o trabalho de Vânia um pouco antes da Bienal e eu fiz um livro com ilustrações de Vânia na Cosac Naify, o livro “Novelas Exemplares”, da Cosac, que tem essa página aqui, com as obras que ela fez para ilustrar esse livro. Desde então eu sou completamente alucinada na Vânia, acho que tem tudo a ver com que Gabriel falou, é um ímã, não sei, tem alguma coisa que te puxa, que te prende, que não dá muito para largar. A gente vira meio fã mesmo. Fã e seguidora. Consigo entender muito bem o que Gabriel expressou na fala dele. Então, Débora me convidou para fazer esse livro, junto com Fabiana e Lia. As meninas me pediram para falar um pouco sobre o que é a produção gráfica. Eu acho que o trabalho abstrato da produção é conseguir entender toda essa peculiaridade dos artistas e fotógrafos e conseguir transformar isso numa coisa material, que no caso é o livro. Como fazer essa transcrição, quase como um intérprete, quase como um tradutor do que são esses desejos todos, de todas essas pessoas que vieram antes de mim no processo do livro. Desde Gabriel e Fabiana, que idealizaram o livro; desde Vânia, que é o objeto do livro, a obra dela é o objeto do livro, até todas as demandas de Lia como designer, as demandas de quem está pagando, afinal, o livro tem uma verba, precisa ser encaixado dentro de um orçamento. E também as demandas de quem, no final das contas, nem sabe ainda, que é quem vai ler o livro, de quem vai consumir o livro propriamente. Eu me sinto muito uma tradutora, que tem que conseguir entender toda essa demanda e transformar isso na gráfica numa linguagem muito simples, que é: a reprodução dessa obra vai ser feita dessa forma, com essas tintas, com esse papel e como isso se dá. Meu trabalho passa pelos orçamentos, pelas


especificações, pela definição de qual é o papel melhor para produzir o livro... Nesse livro de Vânia, a gente fez uma opção muito interessante. Primeiro, eu tinha pensado em fazer algo muito parecido com o que a gente tinha feito no livro da Cosac em termos de reprodução, porque isso que Lia falou é muito interessante. Esse trabalho de como você faz a reprodução, não é uma obra dela, obviamente. Que bom que não é, porque a obra dela é única e está lá lindona, pendurada na parede. Mas como a gente chega mais perto disso? Como a gente diminui essa lacuna que tem entre a obra e a reprodução que está no livro para que a pessoa que estiver olhando o livro tenha uma noção o mais fiel possível do que é esse trabalho, do que é essa obra e, principalmente no caso de Vânia, do que são essas cores. Eu tinha pensado inicialmente de propor para Lia uma coisa muito parecida com o trabalho da Cosac, que a gente incluiu uma quinta cor, uma cor especial, um pantone, somando às outras cores tradicionais de impressão. Então a gente tem essas cores aqui de reprodução – o ciano, o magenta, o amarelo e o preto – então quase tudo que a gente vê impresso por aí é reproduzido com a combinação dessas quatro cores. No livro da Cosac a gente tinha usado uma quinta cor, um pantone flúor, aí eu fiquei pensando que não era isso, e em qual outra opção a gente teria. E a gente optou por trocar o ciano e o magenta simples por um ciano e um magenta de pigmentos muito puros, e com essa combinação a gente chegaria mais próximo das cores do trabalho de Vânia. Então a gente tratou todas as imagens. Uma parte do trabalho da produção gráfica também é acompanhar o tratamento das imagens. A gente fez todo o tratamento e, antes de falar da impressão propriamente do livro, eu achei muito bonita essa imagem que Lia mostrou, que eu não tinha visto ainda, mas, Lia, que bonito isso! A gente deveria ter feito a prova dessa prancha que você mostrou dos trabalhos em escala, eu achei que isso merece uma impressão. Muito lindo. Enfim, a gente fez esse teste de máquina que era um teste já utilizando a tinta, porque uma das dificuldades que a gente tem entre esses espaços de cores que a gente chama, que no monitor a gente não consegue ver exatamente o que a gente vai reproduzir em tinta, reproduzir no papel. Então a gente está vendo aqui na tela a coisa toda RGB, depois no papel isso vira ciano, magenta, amarelo e preto. E nesse caso, com esse ciano e esse magenta mais limpos e mais puros, o que era que dava isso? A gente optou até por um momento... Agora, uma curiosidade do processo do livro: quando a gente tratou as imagens já com essa combinação de cores inserida nos arquivos, a visualização na tela é horrorosa, é um horror, aí todo mundo ficou em choque: “Meu Deus do céu, o livro vai ficar horrível! O que vocês estão fazendo com o livro?!”. A gente falou: Calma! Tem um pedaço de papel aqui para mostrar o que a gente está fazendo com o livro. Então a gente fez um teste de máquina com pedaços de várias obras. A gente tentou buscar nessa prova de máquina uma representatividade de cor e


de textura, e de todas as séries que a gente tinha no livro para que a gente entendesse o que iria acontecer depois com o livro pronto. Mais do que ver na tela, a gente precisava ver isso fisicamente para entender esse trabalho todo que estava sendo feito. O que a gente aprovou, inclusive com o pessoal da galeria e com Vânia, foi essa prova. Além disso, a gente fez provas de todas as imagens do livro e Vânia viu todas essas provas, a galeria também, eu e Lia passamos uma tarde aqui no quintal de casa olhando as provas, inclusive a gente já estava no meio da pandemia. Vimos tudo para o livro, então, ser efetivamente impresso. Lia falou um pouco sobre essa questão do papel, de ser brilhoso. Uma das coisas que a gente também testou foi que verniz seria esse, porque o papel que a gente escolheu para fazer o livro é um papel couché brilhante, e sobre esse papel ainda tem um brilho verniz também. Então vocês até conseguem ver pela tela o reflexo desse brilho. Não tinha um papel melhor ou uma técnica melhor para reproduzir isso que Vânia tinha vontade nesse livro, que era trazer o brilho da tinta para o livro. Depois que a gente fez esse teste, finalizamos os arquivos todos e o livro seguiu propriamente para a impressão. Eu vou mostrar também aqui as folhas de máquina, que também são lindas. Isso é o que a gente tinha lá, saindo da máquina. Cada folha dessa é um caderno do livro, um pedaço do livro. Tem um pedaço aqui, outro ali, porque depois essa folha, dobrada, forma um caderno. Aqui a gente também tem para mostrar todos os cadernos do livro, o livro todo ainda sem encadernação. A tela nem consegue reproduzir a lindeza que são essas cores! Acho que Lia ficou falando um pouco das partes. Não é uma abertura de capítulo nem nada, mas em várias páginas do livro tem essas partes do trabalho de Vânia. Tenho aqui também uma folha da capa impressa – não sei também se vai dar para ver – mas uma capa impressa aberta para todo mundo ver. De novo, essa coisa que Lia falou, de juntar as partes do trabalho e não chamar de detalhes, para depois então a gente ter o livro encadernado, costurado, com essas orelhonas aqui! A gente passou por vários momentos. Lia falou dessa coisa sobre vários momentos do livro. A gente passou por uma sobrecapa, um dos trabalhos do livro que é bem horizontal, a gente tinha pensado em fazer uma cinta, aí virou uma sobrecapa... Aí, no final, a gente chegou numa especificação e num projeto que, sei lá, na hora que o livro voltou a ser quadrado, eu acho que fez todo sentido. Eu vi a etapa do projeto do livro mais retangular, então eu acho que na hora que ele voltou a ser quadrado, eu pensei “Nossa, é isso! O tempo todo o livro tinha que ser quadrado!”. Então eu achei isso muito genial da parte de Lia, de ter feito essa leitura e voltado nisso. Então, o que eu queria tentar mostrar é o uso dessas cores mais puras em alguma imagem. Não sei se dá para ver aí, mas esses vermelhos, eles seriam impossíveis numa reprodução tradicional – ciano, magenta, amarelo e preto. Acho que é isso que eu queria compartilhar com vocês. Se alguém tiver alguma dúvida, pode


perguntar. Queria agradecer, porque foi uma delícia trabalhar... Com Fabiana, já não foi a primeira vez; com Débora, também não, mas foi muito legal trabalhar, dividir e fazer essa dupla com Lia nesse livro. Então, obrigada!

DANIELA AVELAR – Obrigada. Bem, a gente está encaminhando para o final. Vamos compartilhar agora perguntas que foram feitas no chat. A primeira é de Gus Moura de Almeida: “Vânia, sobre o teu cromatismo, poderia falar um pouco sobre o uso da cor prata em teus trabalhos? Acho lindo! Obrigado”. Vânia, se você puder falar um pouco... Você já trouxe um pouco das questões cromáticas e do processo, mas se puder responder...

VÂNIA MIGNONE - A respeito do uso da cor prata, que apareceu há não muito tempo... Algumas cores, não só o prata, alguma outra cor metálica também... O problema é que eu não vou ter muito o que falar, porque eu nunca pensei sobre isso. Em algum momento ela se fez absolutamente necessária e eu usei, e ela fechou o trabalho. Não teria muito outra informação para passar além disso, além da felicidade que foi quando ela passou a fazer parte. E de vez em quando está disponível para entrar em um trabalho.

DANIELA AVELAR – Eu acho que essa sua resposta vem um pouco de encontro com um pouco da conversa registrada na sua entrevista com Gabriel, que está presente no livro, que você fala muito sobre trabalhar o irracional. Aí você vai contando um pouco dos processos, e é justamente o que você acabou de falar, não é? Fica difícil traduzir em palavras o porquê de uma escolha ou outra e acho que...

VÂNIA MIGNONE – É exatamente isso que você está dizendo. Eu chego hoje aqui e fico falando sobre o trabalho, sobre faculdade de artes e as influências..., mas isso tudo é uma informação que depois de muito tempo, que a gente precisa falar para as pessoas e mostrar, explicar... Eu fui aprendendo sobre o que eu havia feito, porque eu faço questão de não saber o que vai ser o trabalho. Então eu realmente não sei o que eu vou trabalhar, eu desço – desço, porque o ateliê fica lá embaixo – eu desço e começo a trabalhar absolutamente do nada. Eu já falei sobre isso, que todas as vezes em que eu tive uma ótima ideia, que eu imaginei uma coisa que fosse ficar muito bonita e que quis trabalhar em cima dessa ideia que eu tinha tido antes,


nunca deu em nada. Acho que tudo eu joguei fora. É um processo de trabalho que tem que nascer absolutamente do zero, do nada. E aí o uso da cor prata, como foi perguntado, mas também não só do prata, o uso de todas as outras cores – “por que usa tanto vermelho?” “Por que usa tanto preto?” - isso aí eu precisaria passar alguns anos pensando, de vez em quando considerando alguma coisa para poder entender. É absolutamente instintivo, eu tento fazer o que eu tenho... É uma vontade emocional de fazer, sem considerar... Inclusive é comum as pessoas perguntarem a respeito das figuras que eu uso. Eu falo sempre: eu faço as figuras, que na verdade são meio estereótipos, personagens, qualquer coisa assim, mas eu procuro não considerar nada, porque eu não quero saber por que elas estão sendo feitas, por que elas estão assim, por que não são de outro jeito... Eu faço porque é isso que eu estou com vontade de fazer naquela hora, é assim que elas saem. Então a cor é muito assim também. Em algum momento, eu peguei o prata. Em algum momento, eu comprei o prata, porque ele estava aqui em casa. Em algum momento, eu comprei – o porquê eu não sei – e usei. E é assim. O trabalho todo é feito com essa mesma energia, de realmente tentar fazer sem pensar absolutamente no que é que eu estou fazendo. Eu não estou considerando nada. Ele, o trabalho, sai totalmente na emoção.

DANIELA AVELAR – Agora eu acho que a gente pode compartilhar a segunda pergunta, que é de Antônio Murta. “Vânia, você poderia aprofundar sobre a questão das palavras e frases presentes no seu trabalho?”. Vânia, eu queria incluir nessa pergunta que você falasse um pouco... entendendo a presença do texto e das palavras como parte da construção narrativa do que você faz no seu trabalho, queria que você falasse um pouco do que Gabriel trouxe na fala dele, que é da influência da Música Popular Brasileira. Eu acho que, de alguma forma, mesmo que indireta, acaba surgindo como influência nessa construção pelo texto também.

VÂNIA MIGNONE – Então, a palavra, as palavras que eu uso, assim como a cor prata, eu também... Se você for perguntar tecnicamente, eu também não faço ideia de onde isso aí apareceu, por que apareceu, em que momento ela apareceu. Eu só sei que ela apareceu e está lá. É o espaço que ela tem no meu trabalho, que completa, que fecha o trabalho. Eu posso dar algumas informações assim, pensadas, hoje em dia, olhando para trás, que as histórias em quadrinhos – eu sempre gostei muito de histórias em quadrinhos – que tem essa relação da palavra com as imagens...Quando eu conheci poesia concreta, especialmente quando eu


conheci o trabalho de Maiakovski, eu fiquei assim, enlouquecida com aquilo, porque a maneira como a palavra era colocada, o tipo da letra, isso criava toda a intenção do poeta. Então eu achei aquilo absolutamente fantástico. Um pouco antes ainda, como eu falo sempre, eu acho que isso foi uma ligação inacreditável com Gabriel, porque eu tinha essa relação com a música popular que se escutava em casa nos anos 70, e que foi um período muito rico, porque as músicas, elas tinham letras... Grandes letristas e poetas com uma produção muito grande e concentrada nesses anos. Meus pais ouviam muito isso em casa e eu escutava, e sempre achei muito bonito porque trazia muita emoção. Nem pensava em fazer Artes Plásticas nem nada, eu só gostava demais de tudo aquilo. Quando depois eu comecei a trabalhar com artes plásticas, eu também não sei em que momento, eu comecei sempre a fazer uma relação assim, que eu gostaria que o meu trabalho de pintura – porque eu não toco instrumentos –, eu gostaria que meu trabalho de pintura tivesse uma energia tão maravilhosa e intensa quanto tinham as músicas que eu escutava. Eu sempre tive mais essa relação, quase mais do que com pintores que eu admirava, com música. Então eu escutava algumas músicas que eu gostava demais e pensava: “Nossa Senhora! Se a pessoa fez aquilo lá, pelo amor de Deus! Eu tenho que dar conta daquilo, só que na pintura, que é a minha área”. Então eu sempre tive essa relação da emoção, da energia da música – e aí, no caso, era a música que a gente escutava, que era a Música Popular Brasileira – com a pintura. Eu falo que depois que conheci as letras e a música toda de Renato Russo, nos anos 80, foi outra revolução, porque eu achei mais maravilhoso ainda! Ele com letras extensas, maravilhosas, e aquilo tudo musicado e cantado, e com ritmo... Foi outro empurrão para que eu trabalhasse, para que eu tentasse trabalhar com aquela energia. E isso vem até hoje. Muito legal é que essa é uma informação minha, não falavam muito sobre isso. Quando conheci Gabriel, ele me contou que muito da afeição e do interesse dele, até por falar a nossa língua, o português, vem de uma tentativa dele de entender as letras das nossas músicas. “Eu preciso aprender o português, porque eu preciso entender o que estão falando nessas músicas”, porque as letras daquelas músicas mexiam também muito com ele. Aí é legal porque houve uma relação entre nós dois muito ligados com essa música, e isso ficamos sabendo depois. Então, eu acredito que, com relação a essa pergunta, é uma mistura de tudo que eu estou falando. É uma mistura do design gráfico, da maneira de trabalhar com publicidade, dos quadrinhos, da música popular, da poesia concreta... De alguma maneira, as letras foram aparecendo e eu percebi que eu poderia usar as palavras assim, como uma pintura, como um objeto, como um vaso, como uma planta. Ao invés de, por exemplo, desenhar uma linha do horizonte, eu posso escrever a palavra horizonte. Eu acho fantástico! Eu já usei várias vezes também... Você ter uma paisagem e ter a palavra escrita: “paisagem!”. Escrever a palavra


“paisagem” sobre uma paisagem. É louco porque, claro que é uma paisagem, mas ela está reforçando a ideia da paisagem e está criando ali uma energia, o fato de você escrever uma palavra em cima do que é. É como você escrever “mulher” em cima da figura de uma mulher. E, é claro, se você escrever “mulher” em cima da figura de um homem, você vai criar outro tipo de energia. E essa relação... Aqui atrás de mim tem até uma, essa moça aqui, que tem a palavra “rosa” em cima dela. Isso vai criando energia e vai criando caminhos dentro da cabeça do público, possibilidades, outras relações que as pessoas podem fazer com os objetos que eu utilizo para fazer os trabalhos. Os objetos, as figuras, as paisagens, as palavras, os números... Isso tudo vai criando um emaranhado de referências. Um vai fazendo referência com o outro, e isso tudo parece que vai criando uma vibração, uma energia dentro da cabeça da pessoa que está apreciando a obra. Então, as palavras... Eu não sei exatamente de onde, eu tenho algumas informações que eu posso te dar, algumas pistas, que também para mim são algumas pistas de onde vem o uso dessas palavras. DANIELA AVELAR – Ótimo, obrigada. Vânia, eu acho que Gabriel gostaria de fazer uma pergunta.

GABRIEL PEREZ-BARREIRO – Vânia, eu queria pegar um pouco essa questão que você estava falando sobre a palavra. Eu queria perguntar sobre a língua. Teus trabalhos, a grande maioria, têm esses textos escritos em português. Eu acho que essa escolha do português não é por acaso. Eu acho que tua relação com o Brasil é muito profunda, e sendo o inglês a linguagem oficial da arte contemporânea, eu acho interessante essa escolha, essa decisão tua. Mas, ao mesmo tempo, nesses últimos trabalhos, por exemplo, na Bienal, tem alguma frase em inglês aparecendo, como “We survive”, alguma coisa assim. Então eu queria saber se você poderia nos falar um pouco sobre a língua, sobre a tua escolha de língua nos teus trabalhos.

VÂNIA MIGNONE – Alguma palavra que não seja do português, ela aparece na medida em que essa palavra já está tão incorporada ao nosso português, que ela já é falada e usada aqui normalmente. Alguma expressão ou alguma coisa ligada à internet, que a gente já usa no dia a dia como se fosse português. Eu uso o português porque é nessa língua que eu me expresso, é nessa língua que eu consigo entender, dominar todas as nuances de uma palavra ou de uma frase. Ok, o inglês é a língua universal, e é assim mesmo, mas, cara, eu não daria conta da complexidade, das delicadezas do significado de uma palavra, quando eu uso no meu trabalho,


em outra língua. E aí eu poderia ter pensamentos, desviar a ideia principal para outra ideia ou não alcançar exatamente o que eu estava querendo com aquela palavra. Então ela precisa ser em português. No máximo alguma palavra que já está tão incorporada, que a gente fala dominando o significado dela, mas é uma questão de domínio mesmo do que eu estou querendo expressar, dos significados ocultos que as palavras têm, assim como as figuras e tudo mais, os significados ocultos – e aí eu consigo fazer isso com o português.

DANIELA AVELAR – A gente tem mais uma pergunta do público, que é essa pergunta de Roberto Cenni: “Vânia, você tem muita proximidade com animais, principalmente cachorros, mas nas suas obras aparecem mais as plantas e os pássaros ultimamente... Você pode falar um pouco sobre isto?”.

VÂNIA MIGNONE – Falo, sim. Assim como a cor prata, não faço a menor ideia. Eu tenho muitos cachorros, eu tenho uma proximidade gigante com cachorros. Eles pouco aparecem, quase nunca aparecem. Por algum outro motivo, que eu também não sei, tem aparecido os pássaros. De vez em quando aparece algum animal que lembra um cachorro, mas é um cachorro-domato, meio onça, é um ser meio... É uma mistura. É um animal que realmente não existe e ele tem, assim, uma presença que me lembra a presença do cachorro. Mas também não saberia explicar absolutamente o porquê que eles não aparecem quase nunca. É dessas questões que vão acontecendo e eu não fico me questionando muito, não.

DANIELA AVELAR – Bom, obrigada, Vânia. Eu acho que chegamos ao final do nosso encontro, da nossa conversa. Queria agradecer a todas e todos que nos acompanharam até esse momento. E agradeço muito pela participação nessa conversa à Vânia, ao Gabriel, à Fabiana, à Aline, à Lia, à Débora, nos bastidores, à Anne, e também ao Derval, no suporte técnico. Em breve o livro estará à venda e será divulgado pela Pinã e pela Casa Triângulo. Boa noite a todas e todos. E cuidem-se!


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