Livro comemorativo Agea 40 anos

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DIRETORIA DA AGEA PRESIDÊNCIA Presidente: Antoci Neto de Almeida 1º Vice-Presidente: Newton Pardelhas de Barcellos 2º Vice-Presidente: Sergio Atair dos Santos Dir. Assistencial: Beatriz Francisca Borba Gonzaga Dir. Administrativo: Milton José da Silva Dir. Financeiro: Dora Helena da C. S. Carvalho Dir. Cultural: Alcio Cancello Faria Dir. Integração: Dora Lúcia Neuberger Dir. Saúde e Bem Estar: Regina Mariza Benincá de Farias Dir. Esporte: Ricardo Lobato Cravo CONSELHO DELIBERATIVO Luiz Carlos de Aragão Antonio Carlos Mariani Mansur Guiomar Bergamaschi Bresciani Eda Rosa de P. de Freitas Xavier

Errol Domingos Richetti Raimundo Nogueira Ramos Nei Machado Barcelos Nelso Dalbosco

CONSELHO DELIBERATIVO – SUPLENTES Jarbas Cardoso Cláudio Morais Soares Maria Cristina Pereira Garcia Débora Sacchi de Freitas Julio Carlos Canhada Petersen CONSELHO FISCAL Rosaura Maria Fraga da Silva João Vicente Lorenz Duarte Maria Beatriz Nunes Fraga CONSELHO FISCAL – SUPLENTES Flávio Jorge Ferreira de Castro Iolanda Seixas PARCEIROS


AGEA 40 ANOS

EDIÇÃO 1 PORTO ALEGRE - RS 2014


© 2014 AGEA

Organização: Luiz Paulo Faccioli

Edição: Poá Comunicação

Coordenação: Projeto Mãos à Obra Literária Almeri Espíndola de Souza

Acompanhamento editorial: Betina Barreras Samara Kalil

Historiadora responsável: Rosa Ubal

Projeto gráfico e diagramação: Jeferson Cunha Lorenz

Textos: Almeri Espíndola de Souza; Dora Helena da Costa Souza Carvalho; Dora Lúcia Neuberger; Graciema Beccon Nerva; Janete da Silva Costa; Maria do Carmo Manzke Rodriguez; Maria Lúcia Bello Guse; Marly Ávila Ribeiro; Rosa Ubal

Ilustrações: Leandro Dóro Fotos: Luiz Ventura Revisão ortográfica: Carla Araujo

Texto revisado conforme as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Dados

Internacionais de Catalogação na Publicação Angélica Ilacqua CRB-8/7057

AGEA 40 anos / Associação Aposentados e Pensionistas. Comunicação, 2014. 232 p. : il., color.

(CIP)

Gaúcha de Economiários Porto Alegre, RS: Poá

ISBN 978-85-66146-06-6

1. Contos 2. Literatura brasileira I. Associação Gaúcha de Economiários Aposentados e Pensionistas CDD B869

14-0794

Índices para catálogo sistemático: 1. Literatura brasileira - contos


PALAVRA DA DIRETORIA

Uma associação é feita de história, construída passo a passo por pessoas que, de uma maneira ou de outra, deixam a sua contribuição. E é essa a história que temos o prazer de apresentar a todos os economiários neste livro que mostra os 40 anos da AGEA. Uma história de dedicação, doação, luta e defesa dos aposentados e pensionistas da CAIXA. A Coletânea AGEA 40 anos é resultado do trabalho desenvolvido na quinta edição das oficinas literárias da AGEA, dentro do projeto Mãos à Obra Literária. Mas a construção desta história foi feita por várias mãos, desde os seus idealizadores, em 1974, até os dias de hoje, com associados, diretorias, presidentes, conselheiros e funcionários, que deixaram um pouco de sua marca nesses 40 anos da AGEA. É exatamente isso, que os autores dessa importante obra querem deixar registrado, não apenas no papel, mas nos corações e nas mentes da grande família economiária.


Nosso agradecimento especial a todos os construtores dessa história, que direta ou indiretamente fizeram parte dessa jornada de 40 anos. O nosso carinho à associada Almeri Espíndola de Souza, que faz a supervisão da oficina desde a primeira edição e que deu a sua dedicação também nesta edição histórica. Agradecemos também a parceria de Bika Corretora de Seguros e Tokio Marine Seguradora pelo incentivo de manter viva a nossa história por meio deste Projeto. Ao mestre Luiz Paulo Faccioli, economiário e escritor responsável pela coordenação dos trabalhos, o nosso respeito e carinho. Parabenizamos a todos os escritores que contribuíram nessa missão de deixar registrado em papel a história de nossa AGEA. Esperamos que o leitor embarque nessa viagem pelos 40 anos de nossa associação. Uma boa leitura a todos!

Antoci Neto de Almeida Presidente da AGEA

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APRESENTAÇÃO

A Coletânea AGEA 40 anos é um livro que fala de pessoas para contar a história de uma instituição. Das marcas que as alegrias e as dores deixam em todos nós, dos feitos, pequenos ou grandes, que contribuem para uma Associação cada vez melhor, e também de sonhos e esperanças, ingredientes vitais que nos impulsionam a ir além. São histórias reais ou fictícias, todas elas extraídas da vida rotineira dos associados ou nela inspiradas. São as pessoas que tornam viva uma instituição, que a fazem nascer e crescer para que seus integrantes possam usufruir de todos os benefícios que ela se propõe a oferecer. Assim, aqueles que no dia a dia fazem da AGEA um lugar de debates dos interesses de um grupo, bem como um espaço de diversão, são os verdadeiros homenageados. Nas páginas deste livro cada um encontrará um pouco de si mesmo. São histórias que encantam pela simplicidade, sem abrir mão de uma linguagem cuidadosa, e pelo bom humor, componente essencial.


Estas páginas mostram a dedicação incansável de alguns para o bem de todos. Ou, indo um pouco além, permitem um instante de reflexão sobre as dores da alma, próprias ou do outro, que aqui se revelam, não para entristecer, mas para descortinar um mundo que alguns ainda desconhecem, construído a muitas mãos e cuja principal função é minorar os inevitáveis contratempos da vida. Seja por meio da solidariedade, do lazer, da arte ou simplesmente do convívio entre amigos de longa data, a AGEA oferece aos aposentados e pensionistas inúmeras opções para seu deleite e enriquecimento interior. São quatro décadas de muito trabalho, e um pouco de tudo isso está aqui contemplado.

Rosa Ubal Historiadora

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DOIS OBJETIVOS E VÁRIAS MÃOS

Orientar a produção de um livro em homenagem aos 40 anos da AGEA foi uma incumbência que relutei em aceitar. Sob minha coordenação, um grupo de associadas (a que se unira também algumas pessoas de fora da Associação) havia concluído em 2013 a primeira etapa de uma oficina de criação literária com foco no conto. Desse projeto resultara publicada uma coletânea, e a expectativa para este ano era aprofundá-lo e consolidá-lo. Pronto para avançar nessa direção, o que a AGEA pretendia, no início de 2014, indicava um rumo bem diferente. Também era motivo de apreensão o fato de eu não ter nenhuma vivência nesse tipo de trabalho, vinculado que sempre estive à literatura de ficção. Para completar o quadro, a perspectiva de uma produção textual coletiva, algo que sabia, por experiência própria, muito difícil de ser realizado. O desafio era buscar uma forma de conciliar os dois objetivos: manter o projeto original já previsto em 2013 e, ao mesmo tempo, atender ao que a AGEA agora nos demandava. Quando pensamos – e o plural aqui não é de modéstia, pois a solução foi fruto de 10


uma construção feita a várias mãos – em usar como matériaprima de trabalho as muitas histórias guardadas nos escaninhos de 40 anos de vida da AGEA, jamais imaginávamos o quanto havia para ser aprendido nesse exercício. A primeira das lições talvez tenha sido aquela que é a mãe de todas na literatura: uma história não é a priori boa ou ruim; a maneira como um autor percebe e depois reproduz uma história é que a faz interessante ou não a seu leitor. Para ele, o leitor, não importa saber se o que lê é real ou inventado; ele precisa estar plenamente convencido para que possa experimentar a mesma emoção de quem viveu a aventura, seja ela verdadeira ou imaginada. O escritor tem de ser antes um observador, estar atento a detalhes que ninguém mais vê, porque são esses detalhes, captados por um olhar original, que vão garantir a originalidade de uma história. O elemento humano é a fonte principal a abastecer a literatura; onde há gente, há sempre muito o que se contar. Por fim, escrever profissionalmente implica também aceitar encomendas e dar conta de trabalhos que não se escolheu fazer, e o bom escritor aceita e dá conta de qualquer demanda, sem, contudo, abrir mão da qualidade do que produz. Durante os vários meses em que avançávamos na elaboração deste livro, que agora apresentamos cheios de orgulho e também de expectativa, encontramos muito mais do que nele coube. No começo, tateando no escuro, depois, vendo-o tomar forma e sentido, e, no final, tendo de conter o ímpeto produtivo de algumas participantes e de descartar com tristeza o que era bom mas não essencial, chego à conclusão de que o primeiro dos dois objetivos foi cumprido – e muito além do que eu imaginava no início ser possível cumprir. Cabe agora a você, leitor, avaliar se a realização do segundo foi igualmente exitosa. Luiz Paulo Faccioli Organizador da obra

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SUMÁRIO

Tempo de descobertas..................................................................15 Os idealizadores...............................................................................21 Afetuoso e elegante.......................................................................25 O primeiro dia...................................................................................27 Senhora Silva.....................................................................................33 Mas o que quer mesmo dizer AGEA?.......................................41 Surpreenda-me................................................................................45 Um cantinho de acolhimento.....................................................49 De casa nova.....................................................................................55 Visita pontual....................................................................................59 Histórias da arte...............................................................................63


Uma noite na AGEA........................................................................67 Hora extra nunca mais...................................................................71 O que realmente importa.............................................................75 Desafios e mudanças.....................................................................79 Metamorfoseados em adolescentes........................................83 Dona Beatriz......................................................................................87 O roqueiro que ama os Beatles..................................................91 A última peça....................................................................................95 As ageanas.........................................................................................99 A Confraria do Ócio...................................................................... 103 Amigos para sempre................................................................... 107 Solidariedade em grupo............................................................ 111 A senha bancária.......................................................................... 115 Esses moços, pobres moços..................................................... 119 De braços abertos........................................................................ 121 Ousadias de um sonhador........................................................ 125 O nascimento de um sonho..................................................... 129

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Uma visita inesperada................................................................. 133 Deslizando nas nuvens............................................................... 137 Grupo assistencial........................................................................ 139 Um novo olhar............................................................................... 143 Depois do baile............................................................................. 147 Um homem agregador............................................................... 151 Cenários........................................................................................... 155 Auxílio emergencial..................................................................... 159 A outra face..................................................................................... 163 Encontros ao entardecer............................................................ 167 Campeã aos 40.............................................................................. 171 Ao som de Schubert.................................................................... 175 Terremoto........................................................................................ 179 Um sorriso, um aperto de mão, um abraço........................ 183 A emoção das letras..................................................................... 187 Costuras do tempo...................................................................... 191 A beata aposentada..................................................................... 195

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Piquete rancho dos amigos...................................................... 199 Vamos tomar um chĂĄ?................................................................ 203 Bem que podia ser verdade...................................................... 207 Na varanda...................................................................................... 211

Galeria dos presidentes e estrutura histĂłrica da AGEA por perĂ­odos dos presidentes.......................................................... 213

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TEMPO DE DESCOBERTAS

Acordou no meio da noite com a sensação de alguma coisa boa prestes a acontecer. Chamou a mulher quase ao gritos: − Moema, Moema! Hoje vamos ser avós! Com o sono leve, ela acordou de imediato, arregalou os bonitos olhos escuros de cílios longos e ficou esperando que ele falasse. O marido repetiu o que havia dito, ainda com mais empolgação. No mesmo instante, porém, deu-se conta de que aquilo não era possível. Moema confirmou: − Deixa de ser bobo Seu Mathias, ainda falta um mês para o bebê nascer. − Você tem razão, dever ser a vontade de ver o bichinho. − Isso está me parecendo ansiedade pela festa de inauguração de logo mais à noite. Não deixa de ser um nascimento. Depois de todas aquelas reuniões, finalmente a tão sonhada Associação vai passar a existir de verdade.


− Tanta coisa boa de uma vez só dá nisso. Já não tenho mais o coração de um menino. Vamos voltar a dormir, que ainda é muito cedo. Mal haviam pegado no sono novamente, o telefone tocou. O homem deu um pulo da cama e correu para a sala. Quando ouviu a voz do genro, não teve dúvidas de que o sentimento de havia pouco era real. − Moema, eles estão indo para o hospital. A bolsa rompeu. Largou o telefone, e não fossem os braços da mulher já abertos para ele, teria caído ali mesmo. Choraram feito crianças. − Seu Mathias, o senhor não tem jeito mesmo. Uma hora mais tarde, ele e Moema estavam na sala de espera da maternidade, onde o futuro pai não parava de andar e beber café. Perto das dez horas, Frederico veio ao mundo. Quando a enfermeira mostrou, através do vidro do berçário, aquela criaturinha tão frágil envolta em panos, lágrimas e sorrisos misturaram-se. E pensar que todos nós já fomos assim um dia, ocorreu ao novo avô. Um sussurro vinha do coração para que só ele o escutasse: José Mathias Vergueiro, agradeça. Impossível emoção maior do que ver a vida da gente se renovando em outro ser. Ao voltar para casa, foi de porta em porta anunciar aos vizinhos a boa notícia. O primeiro a saber foi Belarmino, um italiano, sempre de bem com a vida, que deixara seu país fugindo dos horrores da guerra. Além de bom vizinho e seu grande amigo, era também um ótimo cliente da CAIXA. Chegou

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ao Brasil com um pai inválido e quase sem nenhum recurso. Foi preciso trabalhar muito para começar uma nova vida. Depois de algum tempo, com a ajuda da mãe e das irmãs, abriu sua própria Cantina, ponto tradicional de encontro de empregados da CAIXA. Ele costumava dizer que a vida é uma arte que nem todos conseguem apreciar. Naquele 19 de dezembro de 1974, muitas emoções ainda estavam reservadas para José Mathias. Em evento simples, sem descerramento de placa nem corte de fita, viu nascer a Associação Gaúcha de Economiários Aposentados da CAIXA – AGEA. Os componentes da comissão encarregada de criar a entidade, ainda meio que sem saber para onde caminhavam, deram os primeiros passos. O fato merecia ser comemorado, e foi na cantina do Belarmino que festejaram. Entre muitas risadas e brindes, deliciando-se com a boa comida italiana, ouvia-se de um e de outro: “Todos aqui ainda somos muito moços para parar ou morrer, o que vem a ser a mesma coisa”. “Vinte ou trinta anos pela frente é muito tempo, e é com isso que a vida nos acena”. “Ninguém mais precisará ficar em casa, resmungando pelos cantos, tirando a paciência das mulheres”, ou “ir para o banco todos os dias e atrapalhar a rotina dos colegas”. “Entre uma partidinha de xadrez ou damas, com direito até a desabafar algumas mágoas, descobriremos que a aposentadoria é apenas um recomeço”. Heitor Ricardo, que também se tornara avô recentemente, era um dos mais animados da festa. Colocando a mão no ombro do amigo, José Mathias ergueu seu copo em homenagem aos dois.

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− Um brinde ao nosso novo tempo como avôs e aposentados. Temos muito a descobrir e, junto com todos vocês, será muito melhor. Dias depois, ao ver o marido medindo a geladeira, abrindo e fechando a porta sem nada apanhar lá de dentro, Moema ficou a imaginar o que se passava naquela cabecinha que não parava de inventar coisas. O Natal já passara e não havia nenhuma data comemorativa à vista para que ele estivesse pensando em lhe dar de presente uma mais moderna. A que eles possuíam era de quando haviam casado, mas estava em perfeitas condições e ainda duraria um bom tempo. José Mathias percebeu que ela estava intrigada. − Você viu um modelo novo de geladeira que lançaram recentemente? − Sim e gostei muito. Você está querendo trocar a nossa? − Bem, na verdade vamos precisar de uma geladeira para a Associação, então pensei que poderíamos doar esta e comprar uma nova. − Ah, então é isso. A mulher do Heitor já anda nervosa com esse negócio de doação. Ela me disse que ele levou uma mesa e uma estante, alegando que não eram de grande utilidade em casa. Ficou tão brava que mandou ele levar a cama também. Disse que ele passa mais tempo lá do que com a família. − Espero que você não esteja com o mesmo espírito da nossa amiga. − Se a minha cozinha ficar mais bonita, pode levar a geladeira o quanto antes.

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− Essa é a minha Moema. É por isso que eu amo você. Que tal agora darmos uma espiada naquele quartinho dos fundos? Deve ter alguma coisa que podemos aproveitar na Associação. − Agora tudo é essa Associação, parece que não existe mais nada neste mundo. A Lia não deixa de ter razão. − Calma, estamos começando de zero, há necessidade de tudo lá, e cada um colabora como pode. Ela é que sente um ciúme danado do marido, todo mundo sabe. − E ela que se descuide, pra ver o que acontece. − Eu duvido alguém mais na linha do que o Heitor. − Falando sério, ela pensou que, quando ele se aposentasse, ficaria mais em casa e poderiam fazer coisas juntos. − Se isso tivesse acontecido, seria ruim para os dois. Heitor é um homem ativo demais, não aguentaria por muito tempo. Logo começariam as brigas. É o que acontece com a maioria dos aposentados que conheço. Fazer parte de uma associação é uma forma prazerosa de ocupar o tempo. Isso de as pessoas se aposentarem para ficar em casa de pijama e chinelos já vai longe. − Sou obrigada a concordar. − Ainda bem que você compreende. Agora preciso ir que os colegas estão me aguardando para uma partidinha de xadrez. Estou ficando craque. Beijou a mulher e saiu assoviando.

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Meses mais tarde, Heitor Ricardo Alves foi eleito presidente da AGEA. Sob sua batuta os membros da comissão inicial estavam agora empenhados em ampliar o quadro de associados. Todos se mostravam satisfeitos com a nova rotina. José Mathias, o poeta do grupo, referindo-se ao momento que viviam, certa vez escreveu: “A cada dia fazemos novas descobertas. Sobre nós mesmos, e a certeza do muito que ainda temos para dar. Sobre o outro, e a expectativa de um novo tempo que se inicia. E, principalmente sobre a vida, que espera tão somente que sejamos felizes”.

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OS IDEALIZADORES

A situação era tensa. A aflição indiscreta os acompanhava até na cama. Eles deitavam e não dormiam. Ela amanhecia gigantesca e tornava-se cada dia mais difícil de ser desafiada. Mas nenhum sabia das ansiedades do outro. Encontravam-se e conversavam sobre assuntos triviais, porém, bem lá no íntimo, guardadas, estavam as inconfessáveis verdades. A angústia aumentava, em meio à mudez coletiva de 1974. Cada qual sabia, chegara o momento de decidir os rumos a serem trilhados. A dificuldade estava em ousar em tão sutil contexto. Época de Copa do Mundo. Esperança de renovação da conquista do campeonato mundial em 1970. Nem essa perspectiva amenizava a assoladora preocupação. Vinham de uma família harmoniosa. Durante grande parte de suas vidas trabalharam com dedicação, produziram, prosperaram e se mantiveram fraternamente unidos. A Mãe era idolatrada como uma deusa. Pensar em alguma afronta àquela amada seria como macular uma entidade. Ela dera tudo a eles e a suas famílias. Só cogitar essa hipótese bastava para se sentirem ingratos.


Como cobrar algo a quem eles sempre agradeceram tudo, desde o simples pão ao confortável teto. Tinham trabalhado muito e usufruído de salários dignos. Não, isso não. Eles não queriam o degradante papel da deslealdade. Ninguém entre eles gostaria de esboçar sequer uma sílaba contra quem numa especial dualidade foi filha e também mãe. Comovente a situação desses homens. Se nem eles acreditavam em seus pensamentos, como revelá-los ao mundo? E os dias chegavam ensolarados em Porto Alegre. E partiam com o espetáculo singular no horizonte, pincelado em nuances rosa-alaranjado, a se espelhar no Guaíba, alheios ao fato de suas águas serem de lago ou de rio. Eles, absortos, nem percebiam a beleza no entorno, só viam, vestida em sombras, a preocupação que os perseguia. Matutavam na solidão de quem tem medo até em ouvir seus pensamentos. Trabalhadores, com honra ao mérito, chegaram a tão sonhada aposentadoria. Seria a hora de voar em liberdade. Usufruir a recompensa do dever cumprido plenamente. E num relance descobrem ocultados vários direitos, e os salários condenados à defasagem. Pensam com receio de pensar. Ah Mãe, o que você fez? Será que enquanto produziam, com a certeza do dever cumprido, eram enganados? E agora, na maturidade, quando mais precisavam de segurança, a Mãe revelava-se uma madrasta? Primeiro a decepção, depois a revolta explodindo incandescente a queimar o peito de Heitor, Darci e Pedro, que correm a encontrar Paulo. Num rompante chamam para uma reunião os demais filhos deserdados, pelo desamor da Mãe. Corações abertos, revelações. Descobrem-se todos na

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mesma situação. Constatam estarrecidos que foram ludibriados. Uma avalanche de sonhos e emoções desliza e mancha para sempre a bela história da Mãe, a história da CAIXA. Eles são fortalezas. Nem tudo fora engano. Não. Os contracheques e os cálculos comprovam, porém, entre verdades há engodos. É preciso atitudes. Buscam um local com propósito de debaterem seus interesses e ali também matar a saudade do convívio diário. Criam uma comissão, consultam advogados e descobrem mais e mais direitos lesados. Lágrimas disfarçadas umedecem as faces. A dor implacável aperta o peito desses homens. São fortes e sabem: é preciso concretizar o ideal comum, criar um canal onde possam extrapolar toda a angústia. Aos poucos, esse sofrimento vai acalmando. Agora já não existe a dor da solidão. São um grupo coeso. De mãos unidas e alma lavada, formam uma forte corrente em busca de justiça. Uma ideia procura a outra, que puxa outras de roldão, e, assim, nasce um estatuto com objetivos explícitos de congregar os aposentados em torno de um órgão que os represente num futuro próximo. E,nesse vagar, o sonho esquece de ser sonhado e se transforma no desabrochar de uma digna e atuante Associação.

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AFETUOSO E ELEGANTE

Esta nossa Associação, fundada em 19/12/1974, tem como finalidade principal assistir aos aposentados e pensionistas da Caixa Econômica Federal, filial do Rio Grande do Sul. Assim, temos já um Estatuto devidamente registrado, uma sede própria (presente da Gerência Geral da CEF-RS) e uma secretaria funcionando normalmente das 14h às 18h, fones 334398 e 334569, ramal 16. Por isso, vimos com a presente carta convidá-lo para associar-se à AGEA cuja mensalidade, que é de CR$125,00, lhe será descontada em folha. Dantemão, apresentamos os nossos agradecimentos pela atenção que nos dispensar e oferecemos prazerosamente os nossos préstimos.


Atenciosamente, Darcy Martins Mano, Presidente e Jarbas Cardoso, Secretário O senhor Darcy Mano, como era conhecido, tinha uma elegância rara no trato com as pessoas, como bem comprovam os termos dessa correspondência que ele dirigia aos possíveis interessados em ingressar na AGEA, que fora fundada havia pouco tempo. Outra característica de sua personalidade era o bom humor. Houve poucos como ele. Foi presidente da Cooperativa dos Bancários - COOBAN e diretor da APCEF, antes de ser o segundo Presidente da AGEA. As atividades e organizações que tivessem o objetivo de aglutinar os empregados da CAIXA, tinham nele um parceiro de todas as horas. Contou com a assessoria competente e amiga do senhor Jarbas Cardoso, que atuou como secretário da AGEA e esteve sempre ao seu lado em todos os momentos cruciais de sua administração. Foram amigos durante toda a vida. Sua gestão aconteceu entre 31/03/1981 a 27/04/1983; reelegeu-se para a gestão de 27/04/1983 a 17/01/1985. Três meses mais tarde, passou a presidência à colega Nádia Maria Capaverde da Cunha.

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O PRIMEIRO DIA

Paulo estranhou o silêncio da casa. Olhou para o relógio. Puxa, nove horas. Por que Carmen não o chamara? Agora não dava tempo nem para um café. Tudo bem. Tomaria no trabalho. Escovou os dentes, deu uma penteada no cabelo já ralo, colocou uma calça jeans – agora chamavam assim, antigamente era brim coringa –, uma camiseta polo, vestiu as meias, calçou os sapatos. Foi até a estante, apanhou a carteira (tinha um cantinho só dele), os óculos, celular, pegou as chaves, fechou a porta e saiu. Deu bom dia ao porteiro, entrou na lotação e foi em direção ao centro da cidade. O dia ensolarado, as pessoas mais amáveis, o motorista sorridente. Valera a pena ter se atrasado. Será que o Seu Isidoro iria lhe passar um pito? Faça-me o favor, não tinha mais idade pra isso. A paisagem, antiga conhecida, ia passando pela janela. Seus pensamentos agora estavam nos filhos. Dois rapazes, formados, um casado morando em São Paulo, outro, em Londres, que fora por intercâmbio e não quis mais voltar, e uma moça que estava terminando a faculdade e já morava sozinha. Sua mulher, quando chegava do trabalho, se queixava do vazio



da casa. Já dizia o profeta: “Vossos filhos não são vossos filhos, são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma”. Frase bonita, mas quando acontecia com a gente não era nada fácil. Desceu da lotação no final da linha e foi em direção à Rua da Praia. Trabalhava no chamado Edifício Sede, na administração, área meio, como diriam os mais antigos. Quando chegou próximo à Praça da Alfândega, perto do trabalho, sentiu-se estranho. Será que tinha esquecido de alguma coisa? Mas o quê? Não atinava o que poderia ser. Algum documento importante? A mulher pedira algo que ele não lembrava? Fogão ligado, não podia ser, pois saíra sem café. A porta, ele havia fechado; a carteira estava com ele. Não podia se esquecer de procurar um médico. De cabeça. Pois já tinha acontecido outras vezes. Estava a matutar quando teve um estalo: meu Deus! Ontem tinha sido seu último dia de trabalho! O pessoal tinha feito até uma festinha de despedida. Cumprimentos, salgadinhos, bolo, cartão assinado por todos. De presente, uma camisa preta. Devia ter sido a secretária quem escolhera, como normalmente acontecia. O chefe discursara elogiando o bom funcionário. Alguns abraçavam, outros vinham de tapinhas nas costas. Parecia uma despedida. E era mesmo. Como se todos ali dissessem: até não mais. O Carlos, esse sim, o tocara. Falara do primeiro dia em que chegara ao setor e fora bem-recebido por ele. Das dicas legais que ele dera. Viu também a cara torta de alguns, de alívio de outros. Sentou-se no banco da praça e ficou sem saber aonde ir, o que fazer. Olhou ao redor. O pessoal do jogo de damas, como de costume, já estava a postos, os engraxates também. Os hippies, com cara de sono, montavam seus estandes. Todos

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passavam apressados, sem nada ver. No banco próximo ao seu havia uma mulher de vida difícil, o rosto pintado com rouge – ainda era assim que se dizia? –, uma falsa pinta desenhada junto à boca e um olhar que passeava por todos os homens da praça, o vendedor de churros, com seu uniforme branco limpo, modelava as primeiras massas à espera dos fregueses. Havia um menino também, que ele preferia não ver, dormindo debaixo de uma marquise, semicoberto por papelões. Olhou para as unhas, estavam precisando de um corte, mas cadê o tempo? Puxa vida, agora tinha de sobra. Pensava no que fazer quando ouviu alguém chamar seu nome. Levantou os olhos, era o Lauro, um colega que não enxergava havia anos. – O que fazes aí sentado, cara? Paulo ficou mudo. – Como vai o pessoal lá do setor? O Isidoro ainda continua enchendo o saco? – Sim. Só que acabei de me aposentar. – Bah, legal! Bem-vindo à turma. Tens algum compromisso agora? – Não. – Então vem comigo. – Aonde? – Vamos tomar um cafezinho ali na À Brasileira. É muito bom. Daí a gente põe o papo em dia.

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– Tudo bem, meu compromisso agora é não ter nenhum compromisso. Sentaram-se para o café, e Lauro, percebendo o olhar cabisbaixo de Paulo, puxou a conversa: – Como vai a mulher? E os filhos? São três, não é? – Tudo bem. E tu, Lauro, o que anda fazendo depois da aposentadoria? – Cara, eu estou a mil. Eu e a mulher viajamos bastante. Sou sócio da AGEA. Espera aí, não fica com essa cara de desconfiado. É a Associação dos Aposentados. Já ouviste falar? – Claro. – Sempre surgem umas viagens interessantes promovidas por eles: Termas do Gravatal, Livramento, Passeio no Trenzinho Maria Fumaça lá em Bento. Fora o Simpósio que cada ano é realizado numa cidade diferente. E até viagem internacional já teve. Quando dá a gente vai. É muito legal. Tive uma ideia: que tal a gente ir lá agora? Daí tu dás uma olhadinha, vês o que tem por lá. O que achas? – É, pode ser, como eu já disse, estou sem ter o que fazer agora. No décimo segundo andar do Edifício Cacique, foi levado por Lauro até uma sala. Espiou. Quatro homens estavam ao redor de uma mesa de sinuca. Imaginou que todos fossem colegas porque dois, incluindo Lauro, ele conhecia. Lauro trouxe um café, os demais o convidaram para participar do jogo.

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Distraiu-se, as horas foram passando, as piadas esquentando. Não se lembrava de rir assim havia um longo tempo. Curioso, Paulo perguntou o que mais existia ali para aposentados. Ficou sabendo que tinha xadrez, damas, além de outros esportes patrocinados pela AGEA. Um deles contou que estava fazendo aulas de canto, outro, curso de informática. Ele se interessou pelo curso de inglês. Terminado o jogo, foi convidado para almoçar com a turma. Ao passar pela recepção, Paulo sorriu e perguntou para a moça: – Como faço pra me associar?

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SENHORA SILVA

Marialba era seu nome, mas todos a chamavam de Senhora Silva. Casou aos dezessete anos com Romualdo, funcionário da CAIXA, que na época tinha trinta e dois, quase o dobro de sua idade. Marialba – junção do nome dos pais, Mário e Alba – era formada no Magistério e se dedicara a alfabetizar crianças. Não quis continuar estudando. Apesar de ganhar pouco, sentiase realizada no que fazia e emocionada quando seus alunos despertavam para a leitura. Os filhos vieram em seguida, aos vinte anos era mãe de Joana e Alberto. Marialba procurava olhar para o lado bom da vida, o lado bom das pessoas. Fugia dos noticiários da TV, não lia jornais. Revelava nessa fuga o medo de conflitos internos e se alienava da vida real. Assim como a Macabéa de Clarice Lispector, acreditava em cartomantes e nas previsões do futuro, tinha muitos sonhos e uma vida exígua.



Morando num apartamento da Cidade Baixa, ela e Romualdo levavam uma vidinha tranquila, com hábitos rotineiros. Nos finais de semana, costumavam ir ao cinema e jantar fora. Domingo, curtiam churrasquinho preparado na área do apartamento, regado a caipirinha e cerveja. Era distraída, muito distraída. Cometia gafes, como naquela vez em que levou uma bandeja de doces para a amiga diabética. Noutra vez, presenteou a afilhada de três anos com um lindo vestidinho para criança de um ano. Não se perturbava com essas confusões. Nunca decorou o número de seus documentos e não sabia qual a placa do carro de Romualdo, nem a marca de cigarro que ele fumava. A aposentadoria do marido veio no início do ano dois mil. A dela era ainda aguardada ansiosamente, quando então poderiam viajar sem data para retorno. Os filhos moravam longe. Joana, nutricionista, foi para Toronto cursar doutorado. Alberto, médico, passou a morar em Erebango, interior do Rio Grande do Sul. Romualdo, embora aposentado, mantinha contato com os colegas na AGEA. Ela pouco sabia do que se tratava essa AGEA. Em sua correspondência, encontrava com frequência siglas como APCEF, AGEA, FUNCEF. No entanto, jamais teve curiosidade e tempo para ler tais boletins e jornais. Chegou o inverno. Uma chuva intermitente caía sem tréguas. A água escorria pelas vidraças. Na rua, as pessoas protegidas com guarda-chuvas, sombrinhas, impermeáveis transitavam pelas calçadas molhadas. A Senhora Silva resolveu

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fazer arrumação nas gavetas. Agora aposentada, tinha mais tempo livre em casa, mais tempo para enxergar o que antes não era visto. Parte do que guardava podia ser descartado. De repente o celular tocou, a notícia veio como um raio. Romualdo estava no hospital. Sentira-se mal, na sede da AGEA, e os amigos o levaram para o Moinhos de Vento. Ela voou ao seu encontro. Romualdo não resistiu ao enfarto fulminante. Rodeada de amigos, de alguns parentes e dos filhos, a Senhora Silva sobreviveu com vontade de morrer também. Os ossos doíam, sentia o cérebro oco e dificuldade para respirar. Não estava preparada para enfrentar a morte. Até aqui tinha vivido o cotidiano da vida. A existência de seu marido fazia com que ela se apagasse. Escondia-se atrás dele. Diluía-se nele. Pouco sabia do que gostava ou desgostava. Ela desejava o que Romualdo desejava. Permitia que ele falasse por ela, escolhesse aos filmes que iriam assistir, os restaurantes onde iriam jantar, o que iriam comer. Era feliz assim. Afinal ele era tão bom marido, bom pai. Perto dele não temia nada. Ele lhe bastava. O mundo podia acabar. Gostava de ser chamada de Senhora Silva e muitos nem sabiam seu nome. E os dias foram passando, todos reassumindo seus papéis. Perambulando pela casa, sentia-se como um peixe nadando, nadando e nadando num aquário, sem chegar a lugar algum. Caminhava carregando uma dor, metade dela era a saudade de tudo que tinha vivido com Romualdo e a outra metade, uma

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alegria pelo mesmo motivo. A casa era estranha. As poltronas desbotadas, o puxador do guarda-roupa quebrado, as paredes precisavam de pintura. Como é que não enxergava tudo isso quando ainda tinha Romualdo? – divagava. O que aconteceu era previsto. O marido, bem mais velho do que ela, lutava contra a pressão alta. Por que, então, aquele sentimento de culpa? Que culpa tinha ela de continuar vivendo? – ficava a se perguntar. Indiferente ao que se passava dentro dela, a vida continuava, as contas precisavam ser pagas, as compras no mercado tinham que ser feitas. O carteiro seguia entregando os boletins: AGEA, APCEF, FUNCEF. Marialba resolveu ler o material e ficou surpresa. Descobriu que a AGEA oferecia cursos, promovia reuniões, chás, jantares dançantes, organizava viagens. Seu tempo sobrava e já não sabia o que fazer. Decidiu preencher suas horas convivendo com aposentados e pensionistas da CAIXA. Queria participar da viagem ao Gravatal, que a Associação estava preparando. Esgotada de sofrer, procurou animar-se, vestiu uma roupa confortável e lentamente rumou para o centro da cidade. O dia estava sombrio. Luzes acesas nas ruas e dentro dos prédios. Pessoas passavam apressadas, muitas com fisionomia abatida. Carros buzinavam com os faróis acesos, um trânsito lento e enervante. Sentia um pouco de medo. Não conhecia ninguém na CAIXA. O mundo dela era fechado com Romualdo e os filhos. O que aconteceria agora? Nunca imaginou ficar viúva. Desistir da viagem? Não, precisava reagir. Andava vagarosamente como se fosse uma velha. Uma velha aos cinquenta e seis anos. Olhava ao redor por onde passava. Um

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homem pedindo esmola arrastava-se no chão, não tinha pernas. Apressou o passo, virou o rosto. Crianças mal-agasalhadas, carinhas sujas, narizes correndo. Alguém dormia sobre papelões embaixo de uma marquise. Índias, com filhos dependurados, vendiam balaios. Tapumes atrapalhavam os transeuntes. Lixo, muito lixo por toda parte. De um restaurante podia-se sentir um cheiro bom de comida e uma mulher em frente pedia alguma coisa para saciar a fome. Caçambas transbordando com restos de obras, containers de lixo parcialmente queimados, baganas de cigarros pelas calçadas. Um menino em frente à sinaleira fazia acrobacias circenses, mas o sinal abriu para os carros e ele não conseguiu arrecadar moedas. Marialba parou em frente ao prédio do cinema Cacique. Um morador de rua, esfarrapado, postou-se em sua frente. – Dona, dá um dinheiro, tô com fome! Meu Deus, pensou Marialba, esse pobre diabo nunca deve ter sido casado, ter tido uma família e ainda sente fome. Abriu rapidamente a bolsa e, pensando em pegar uma nota de dois reais, pegou a de cem. Pediu desculpa, entregou para o infeliz, que desapareceu achando que a dona não batia bem. Por que pedir desculpa, pensou. Culpa de ter tido um marido? Ter uma família? Não passar fome? A vontade era acabar com todos os mendigos. Entrou no prédio da AGEA. Quis esquecer o mendigo. Nunca tinha reparado neles. Talvez só existissem agora. Atordoada, correu para o elevador. Chegou ao décimo segundo andar e timidamente aproximou-se do balcão. Inscreveu-se na viagem. Voltou para casa mais segura, mais inteira, mais viva, iluminada. Afinal, poderia viver sem o marido. Foi para baixo do

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chuveiro e deixou que a água bem quente caísse sobre o seu corpo. Sentia fome, vontade de comer churrasco. Teria coragem de ir sozinha a um restaurante? Não era tarde, sete horas. Vestiu-se e seguiu em frente. O mundo não tinha terminado. A angústia aliviava. Sentia medo e vontade de encontrar alguém conhecido. Ela não precisava ter vergonha de nada! Fez o pedido e junto uma taça de vinho. Lentamente saboreou o jantar. Pagou com cartão de crédito e, com a sensação de vitória, saiu do restaurante. Inacreditável o rumo que estava tomando sua vida. Marialba começou a vislumbrar aspectos nunca antes percebidos da existência e de si mesma. Uma epifania. Levemente embriagada, naquela noite, tirou toda roupa e dormiu nua. Uma viúva dormindo nua e só, numa cama king size. E os dias passados como chumbo, escuros como chumbo foram acabando. Enfim chegou a tão esperada viagem. Ainda estava escuro quando ela chamou o táxi e rumou para o encontro com o grupo. O trânsito fluía com facilidade, estudantes aguardavam nas paradas de ônibus com a alegria da adolescência. Ciclistas circulavam em faixas especiais e mais seguras. Garotas distribuíam pelas sinaleiras panfletos oferecendo empréstimos e também tratamentos dentários de baixo custo. Alguns meninos deslocavam-se sobre skates. Jornaleiros ofereciam seus jornais. As ruas estavam sendo varridas. Podia-se ter esperança na vida. No Gravatal, Marialba passou alguns dias convivendo com muitos colegas de seu marido. Surpresa, conversou com bastante

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desenvoltura. Caminhou de loja em loja, fez compras, jogou, brincou e até dançou. Nova viagem foi planejada. Resolveu também entrar para o coral. Os filhos ficariam surpresos com o caminho que ela estava dando para sua vida. Eles tinham preocupação de ela estar morando sozinha. Ambos desejavam que a mãe fosse para Erebango em busca de uma vida calma. Calma, no entanto, era tudo que ela não queria. Não, Marialba não desejava morar com nenhum dos filhos. Estava conquistando uma liberdade que não conhecia e almejava ser cada vez mais independente. É, a Senhora Silva havia morrido juntamente com seu marido Romualdo, porém, nascera Marialba e com ela uma intensa vontade de viver.

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MAS O QUE QUER MESMO DIZER AGEA?

Participar da AGEA nunca esteve nos planos de Palmira. Quando trabalhava na CAIXA, muitas vezes ouviu seus superiores falarem sobre essa Associação, mas ela era apenas uma escriturária. Palmirinha, como era chamada pelos colegas, nunca quis fazer carreira. Alguns diziam que não tinha subido na CAIXA porque não se empenhava, outros que ela não tinha competência. Nada disso importava, pois, mesmo sem função de confiança, sempre fora uma excelente funcionária. Após 30 anos de serviço, aposentou-se. Sozinha, preocupava-se muito em como seria a sua vida dali em diante. Assim que saiu, arrumou logo outras atividades, em imobiliárias, corretoras de seguro e lecionou. Depois de cinco anos, finalmente decidiu que era hora de parar.


Um encontro casual com antigas colegas da CAIXA trouxe um convite inesperado. – Palmirinha, a AGEA vai realizar uma reunião aqui na nossa cidade. Vamos lá, menina! Eles trazem muitas novidades sobre o que nos interessa. Vão falar sobre as ações do cheque alimentação, do efeito gangorra, sobre o Saúde CAIXA e muitos outros assuntos que, certamente, interessam a todos nós. – A reunião é para todos ou só para os associados? – Para todos os aposentados, pensionistas e também para os ativos que quiserem participar. Ficou de pensar no assunto. No sábado, no horário marcado para a reunião, Palmira estava lá. Ficou contente de rever os colegas que não encontrava havia tanto tempo. Todos participaram ativamente e quando se deram conta já havia passado mais de três horas. Palmira interessou-se bastante pelo Simpósio que ocorreria no Rio de Janeiro. Ao final da reunião, um dos diretores convidou a todos que ainda não eram associados a se filiarem a AGEA, pois quanto maior o número de associados, mais forte a Associação se tornaria. Com o formulário na mão, não sabia ainda o que fazer. – Queres uma caneta para preencher a ficha? – perguntou uma simpática diretora. – É que eu estou pensando. Eu posso mesmo me associar? – Mas é claro. A nossa Associação é aberta a todos, aposentados, pensionistas e até para quem está na ativa.

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– É que eu nunca exerci nenhuma função de confiança na CAIXA, muito menos a de gerente... – O que importa é que fomos todos empregados da CAIXA. – Mas não é uma associação só de gerentes? – Claro que não. – Mas o que quer mesmo dizer AGEA? – Associação Gaúcha de Economiários Aposentados. Um tanto surpresa, Palmira continuou a ouvir os diretores da AGEA. Ficou feliz ao saber que, para atender aos colegas do interior, a Associação criou Regionais, atualmente em número de onze, em cidades com grande número de aposentados, cada uma contando com um ou dois representantes e, outras cidades menores com um representante local, para fazerem a ponte entre a capital e o interior. A Diretoria de Integração foi criada com o fim específico de manter todos os colegas do interior informados, mesmo aqueles em lugares distantes, sobre os assuntos de seu interesse. Ela soube também que aconteciam eventos nesses locais e que poderia visitá-los sempre que quisesse. Naquela manhã, a AGEA ganhava uma nova associada, que logo se mostrou muito participativa. Simpósios, bailes, viagens e reuniões passaram a contar com alguém que se interessava por tudo o que dissesse respeito aos aposentados. Até hoje, quando recebe o Informativo que chega todos os meses em sua casa, numa cidade muito pequena do Rio

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Grande do Sul, costuma rir sozinha quando recorda do tempo em que achava que AGEA queria dizer Associação dos Gerentes Aposentados.

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SURPREENDA-ME

Quem conhecia Sebastião, considerava-o um bom homem. Trabalhador, dedicado à família, divertido, companheirão. Ninguém assava um churrasco como ele. Casado com Tereza, tinha uma enorme casa, de dar inveja. Na garagem, dois carrões. O único filho, que frequentara boas escolas, hoje estava formado e morava em Porto Alegre. Tudo fora financiado pela CAIXA e descontado no contracheque de Tereza. Para a mulher, as coisas não estavam tão boas. Não podia se queixar dele por maus-tratos físicos ou infidelidade, o que tornava ainda mais difícil sua situação. Se isso tivesse acontecido, imaginava, seria melhor entendida e teria apoio para tomar uma decisão. No entanto, a tortura era psicológica. O que a magoava era o fato de Sebastião sempre diminui-la perante os outros. Segundo ele, ela era uma pessoa muito previsível, uma mulher sem iniciativa. Dizia para todos que Tereza era incapaz de surpreender. Ela nunca entendeu como essa atitude podia beneficiá-lo de alguma forma. Sempre foi tudo o que queriam


que ela fosse. Trabalhava na CAIXA, cuidava da casa e do bemestar do marido. Quando Tereza tentava desabafar com a mãe ou a irmã, sempre ouvia a mesma resposta: – Deixa de história, mulher. Esse homem é um bom marido, nunca te agrediu nem traiu. Vive para a família. Que mais queres? A empresa para a qual Sebastião trabalhava ofereceu uma oportunidade de ascensão, para isso ele deveria se transferir para Porto Alegre. Decidiu que deixariam a pequena cidade onde nasceram e iriam morar na capital. Ela tentou argumentar que não gostaria de uma mudança de cidade, não queria ficar longe da família dela e dos amigos. Ele disse que não poderia perder a promoção e que não havia porque reclamar pois o filho já morava lá. Estava decidido. Tereza não conseguiu transferência no trabalho. Como já tinha tempo de serviço, aderiu a um programa de incentivo à aposentadoria da CAIXA. Partiu com o marido para a cidade grande e desconhecida. Quando foi à agência mais próxima de sua nova residência para transferir a conta, no meio da conversa, a colega que estava lhe atendendo perguntou se ela frequentava a AGEA. AGEA? Não, nem havia pensado nisso. Começou a pensar e pouco tempo depois a falta das pessoas que deixou para trás e a ociosidade levaram-na à AGEA. Queria ser voluntária em alguma atividade em que pudesse ser útil.

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Logo foi cativada pela hospitalidade e pelo clima de aconchego que encontrou ali. Não só ajudou outras pessoas, como, de forma natural, foi ajudada. Fez novas amizades, participou de chás, frequentou os cursos oferecidos pela Associação. Pela primeira vez em sua vida, o tempo passou a ser ocupado com assuntos de seu interesse. Sebastião continuava tratando Tereza da mesma forma. Um dia, quando voltava da AGEA, ela passou em frente a uma academia de dança onde havia um cartaz anunciando: Dança do Ventre às nove horas e Dança Cigana às dez horas, nas segundas e quartas-feiras. Num ímpeto, entrou e inscreveu-se nas duas aulas. Motivada pela dança, passou a se interessar pela cultura cigana. Admirava aquele povo nômade com suas músicas e cores. Praticantes da magia e de artes divinatórias, muitas vezes as mulheres eram a principal fonte de renda. O comando era exercido pelo homem, mas a mulher tinha importância e sempre era consultada pela leitura da sorte. Tereza pensava que a mulher tinha valor nesse mundo. Dividia seu tempo entre a AGEA, a academia e as tarefas domésticas. Certo dia, as mulheres do grupo de dança falaram em fazer uma viagem à Andaluzia. Seria muito bacana dançar flamenco na Espanha. No início, era um sonho, depois virou plano. Tereza era a mais entusiasmada. Quando falou para Sebastião que viajaria com as novas amigas, ele riu alto. – Ora, Tereza. Tu não é gente pra viajar sem mim. Para de dizer bobagem.

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O grupo de mulheres viajou dois meses depois. Em Sevilha, visitaram a Torre La Giralda, os Palácios Reais e a Catedral, frequentaram um curso intensivo de flamenco. Caminharam ao longo do rio Guadalquivir, tomaram sangria e falaram de suas vidas. Passados quinze dias, retornaram para suas casas. Menos Tereza, que foi do aeroporto para um apart-hotel. Lá esperaria pelo divórcio e planejaria seu novo lar, pequeno, acolhedor e no qual ela seria a dona. Continuou com a dança e as atividades na AGEA. Estava feliz. Agora sabia o que era autoestima. Sebastião ficou um pouco desnorteado e repetia sem parar: – Não entendo. Tereza sempre foi tão previsível.

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UM CANTINHO DE ACOLHIMENTO

Primeira quarta-feira de abril. Fazia dois anos que Fábio tinha falecido e, entre pontos e laçadas, ela lembrava do que tinha sido sua vida até ali. Marina nasceu numa casa humilde no interior do Rio Grande do Sul e foi criada pela avó e pela madrinha, que lhe ensinaram tudo sobre como cuidar de um lar. Os pais trabalhavam fora e ela só os via aos domingos, quando iam à igreja e almoçavam todos juntos. Formou-se professora, como a maioria das meninas daquela época. Por ser muito dócil, na escola normal das irmãs de caridade, as freiras a tomavam como auxiliar para pequenas tarefas, entre elas a de ir ao banco com a Irmã tesoureira. Numa tarde de verão, Marina e a Irmã Natália foram à agência da CAIXA pagar umas contas. Ao erguer o rosto, os olhos de Marina cruzaram com os de Fábio, caixa do banco. Ela enrubesceu e só pensava em sair dali o mais depressa possível, mas não esqueceu mais aquele olhar.


Quando Irmã Natália ficou doente, ela passou a fazer os pagamentos sozinha. Era inevitável que continuasse encontrando o homem que havia mexido com seu coração. A família achava que ele era muito velho para ela, mas permitiu que namorassem e casassem, após sua formatura. Permaneceu na escola das freiras como auxiliar de ensino, mas vieram os filhos, e Fábio já tinha sido promovido a gerente, então, Marina resolveu parar de trabalhar. Vida normal e pacata de cidade do interior. Os filhos crescendo, estudando e se mudando para a capital. Os dois ficaram novamente sozinhos e saudosos até que ele chegou em casa com a novidade: – Marina, ligue para os meninos e diga que vamos visitá-los. – Como? Quando? Estás em férias? Quem vai cuidar de nossa casa? Que novidade é esta, nunca fomos visitá-los! – Calma, mulher! Estou sendo transferido para capital e precisamos achar um lugarzinho pra morar. Gostaste da novidade? – Ah! Sim. Não sei... E vieram para Porto Alegre. Foram se acostumando à cidade, sem grandes emoções, até que chegaram os netos e Fábio se aposentou. Nos dois primeiros meses ele ficou em casa com ela, auxiliando-a no cuidado com as crianças. Depois começou a sair uma vez por semana, sempre às quintas-feiras. Dizia que ia na AGEA, onde se encontrava com os colegas da CAIXA e tratavam de assuntos

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de seus interesses. Ela se sentia incomodada com as saídas do marido. Ele não falhava uma. Ela não ia nunca. Ele chegava em casa feliz, ela continuava cada vez mais aborrecida. Até o dia em que ele sentiu uma forte dor na cabeça, chamaram o filho mais velho e correram para o hospital. Fábio já estava baixado havia três dias quando, numa tarde o telefone tocou e Marina atendeu. No outro lado da linha: – Boa tarde. Aqui é a assistente social da AGEA, estou ligando para saber notícias do Sr. Fábio, posso falar com ele? Fábio estava ausente do quarto, pois tinha ido fazer uma tomografia e Marina teve uma sensação estranha. Conversou com a moça e fez tímidas perguntas sobre aquela tal de AGEA. No final, a moça disse que ligaria no dia seguinte para saber notícias e a convidou para conhecer a Associação. Fábio foi piorando a cada dia, e ela não foi conhecer a Associação, mas a assistente social veio fazer uma visita e falou do Grupo Solidariedade e nas pessoas que frequentavam a sede. Marina foi gentil e prestou atenção, mas naquele momento não se impressionou muito não. Estava mais preocupada com seu companheiro de toda a vida. Foi um mês de hospital, um mês de agonia, e agora ela estava sozinha, numa cidade que não era a dela. No enterro compareceram muitos amigos, ela nem sabia que ele tinha tantos, e a assistente social. Ela deixou um cartão e pediu para que comparecesse à AGEA para regularizar a situação. Mas que situação? – pensou Marina. Sempre foi o seu Fábio quem cuidou de tudo...

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Uma semana depois o filho mais velho veio buscá-la e foram providenciar os papéis, tantos lugares e tantos papéis que ela cansou. Nem imaginava que a vida era tão complicada. Abrir conta em banco? Nunca tinha pensado, nem sabia nada de senhas e números. Quando chegaram à Associação, foram encaminhados à sala da FUNCEF para que ela passasse a receber a pensão, seria agora pensionista da CAIXA. Depois a assistente social lhe mostrou a sede da AGEA e falou nos grupos de trabalho voluntário. Ali, naquele momento, ela começou a se sentir acolhida, como se um novo cantinho estivesse sendo preparado para ela. Como era terça-feira, resolveu, num ímpeto, participar da reunião do Grupo Solidariedade. Aos poucos, sua timidez cedeu lugar a uma inesperada vontade de falar, e ela conseguiu contar um pouco de si. O Grupo faz visitas e telefonemas a colegas doentes, disso ela sabia, pois tinha sido atendida por pessoas que participavam desse grupo. Começou a ir todas as terças e lembrava do seu Fábio que ia lá todas quintas-feiras. Descobriu que, nas quartas-feiras havia outro grupo, que fazia roupinhas de bebê e entregava nos hospitais para as mães carentes. Grupo Assistencial! Sim, era isto que queria fazer. Afinal ela sabia tricotar como ninguém! Aprendera com a avó quando era menina, agora poderia ajudar outras meninas. Perdeu a conta de quantas roupinhas de bebê, mantas e sapatos de lã para os vovôs e vovós dos asilos já tricotou. Sentiase bem na AGEA e muito acolhida no grupo de trabalho. Estava gostando dessa nova vida, pois a AGEA, através de campanhas de arrecadação e rifas, alcançava recursos para diversas entidades por intermédio dos Grupos Solidariedade e Assistencial e ela estava feliz por fazer parte daquilo. Agora, passado tanto tempo,

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agora que estava sozinha, era ela quem saía todas quartas-feiras, mas a lembrança daquelas saídas de Fábio nas quintas ainda a incomodavam um pouco, só um pouco. Por isso, quando a assistente social lhe perguntou: – Dona Marina, a Senhora não quer vir aqui amanhã? Teremos a reunião das quintas-feiras e vacinação contra a gripe. É só trazer a carteirinha de saúde. – Ah! Vou pensar – respondeu. Na condução, indo para casa, pensou: frequentar a AGEA para participar dos grupos de trabalho voluntário, tudo bem. Mas ir nas quintas-feiras... não. Ainda não estou preparada.

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DE CASA NOVA

Como resultado de uma ação indenizatória na justiça,foi possível a aquisição da atual sede da AGEA, localizada na rua dos Andradas, 943, 12° andar. Na época, a Associação mantinha suas atividades em um prédio emprestado no Edifício Brasil, na rua Caldas Júnior, 11. Em virtude da necessidade de devolver esse imóvel, a administração precisou agilizar a mudança. Com o dinheiro na mão foi mais fácil. A presidente Nádia Maria Capaverde da Cunha, que presidiu a Associação por doze anos consecutivos, entre 1985 e 1997, soube que estava à venda uma sala no bem-localizado Edifício Cacique e apressou-se em negociá-la. Com seu jeito determinado, de quem põe a mão na massa, Nádia logo deu início às reformas necessárias. Empenhou-se pessoalmente em cada detalhe para que tudo saísse a contento. Quando a reforma estava quase concluída, ocorreu um incêndio no prédio, o que não comprometeu a área ocupada pela Associação. Porém, houve danos no andar imediatamente abaixo, e, para consertá-lo, foi preciso mexer no piso já colocado


na sala da AGEA. Isso provocou atraso na mudança, mas não diminuiu o ânimo dos que faziam a Associação andar, a diretoria, uma secretária e um office-boy. Para a presidente Nádia, o associado era a prioridade maior. Qualquer outra atividade deveria ser interrompida para atender a suas demandas. Na sua gestão, foi criado o Grupo Assistencial que, além de beneficiar pessoas carentes, ocupava aposentadas e pensionistas em uma atividade criativa. Quase ao mesmo tempo, nasceu o chá das senhoras, com a finalidade única de confraternizarem. Para a ex-presidente, é desse contato com o público o que mais sente falta. Acredita ter cumprido seu papel ao ver os problemas resolvidos, ou pelo menos encaminhados, pois sabia que muitos não dependiam dela. Definindo-se como uma mulher fora de seu tempo, pensa que o maior legado que deixou aos aposentados gaúchos foi a sede adquirida naquela época, um patrimônio que só se valorizou ao longo do tempo. A partir da inauguração do novo espaço, já fora de sua gestão, os associados sentiram-se ainda mais à vontade para encaminhar diferentes reivindicações, conforme as necessidades de cada um. E estas ampliavam-se à medida que mudanças governamentais eram instituídas e afetavam a vida dos aposentados. Aliás, esse grupo de pessoas também crescia e já não ficava mais alheio a seus interesses. Eram novos tempos no país e no mundo. No Brasil, planos econômicos se sucediam e falhavam com a promessa de melhorar a vida de todos. O aposentado buscava inserir-se no debate político para garantir suas conquistas e avançar no sentido de manter um padrão de vida semelhante ao de quando estava na ativa. Para isso,

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procurava informar-se de seus direitos, que muitas vezes eram desrespeitados. Contava com a sua Associação, que lhe dava o respaldo necessário tanto para ouvi-lo quanto para levar aos canais competentes suas solicitações. Quase duas décadas se passaram desde então, e a AGEA hoje mostra-se uma associação cada vez mais sólida. Embora ainda haja muito a fazer, o trabalho que vem sendo realizado é motivo de orgulho para aposentados e pensionistas. Atentos ao que lhes diz respeito, a ela recorrem para lazer, cultura, saúde e, mais do que tudo, para fazer com que as leis referentes aos idosos sejam cumpridas, num Brasil onde nem todos perceberam que, em breve, eles serão maioria.

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VISITA PONTUAL

Ao toque insistente do telefone, a velha senhora deixou lentamente a poltrona onde lia um livro. Não tinha a menor dúvida de quem se tratava. Afinal, era dia vinte. − Alô, vovó, vou passar aí daqui a pouco para irmos ao banco. − Embora você não tenha perguntado, vou muito bem, obrigada. − Ora, vovó, eu sei que a senhora é um poço de saúde, nem preciso perguntar. − Você sabe, na minha idade, tudo pode mudar de repente. − Bem, preciso desligar. Ah, meu neto, como seria bom, se não fosse assim, falou para si mesma. Colocou o telefone no gancho e sentou-se novamente para continuar a leitura. No entanto, uma espécie de engasgo


a impediu de fazê-lo. Ficou com o livro entre as mãos, o pensamento distante, sem ânimo até mesmo para chorar. Isso vinha acontecendo havia algum tempo, desde que Vinícius ficara desempregado, e ela não tinha coragem para dizer não. Sua pensão estava reduzida pela metade. Os planos de consertar a antiga poltrona, refazer a pintura do apartamento, substituir aquela prótese dentária, já bem gasta, ou viajar em grupo com os colegas da AGEA eram sempre adiados. O dinheiro mal dava para as despesas indispensáveis. Tivera até que alterar para uma única vez por semana o serviço de sua ajudante doméstica. Quando o jovem recém saído da academia abriu a porta e entrou sem nenhuma cerimônia, passando por ela sem sequer parar para lhe dar um abraço, criou coragem: − Vinícius, meu querido, quando você vai arrumar um emprego? − Ora, não me amole, vovó, a senhora sabe que a situação está difícil. − Mesmo que seja fora de sua área, tente alguma coisa. − O que está acontecendo com a senhora, virou mão de vaca? − É que o dinheiro está ficando cada vez mais curto para mim. − Não me venha com essa agora, até parece que, na sua idade, precisa de muita coisa. Vamos logo, que hoje estou com pressa.

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− Pressa de quê, se você não faz nada? Ela viu os olhos do rapaz faiscarem com um brilho que nunca tinha visto antes. Recuou um pouco. Pela primeira vez, um estranho medo do seu menino, que ela vira nascer e crescer tão próximo, a fez emudecer. Sem que ela pudesse fazer nada, sentiu ele segurá-la pelos dois braços, apertando-os com força. − Vai dar para trás agora, velha? Saiba que esse dinheiro também é meu. Fazendo um gesto brusco com a cabeça, o rapaz largou-a e caminhou em direção à porta. Vendo-se acuada, trêmula da cabeça aos pés, ela apanhou a bolsa e o seguiu cabisbaixa. Acomodada em uma sala da AGEA, a idosa chorava manso e sentido ao contar sua história para a atendente, que a escutava meio sem saber o que dizer. − Se a senhora necessitar de um advogado ou de uma assistente social, pode contar com a gente. − Obrigada, tentarei conversar com meu neto outra hora, mas você já fez muito em me ouvir. Precisava tanto desabafar, estou me sentindo mais aliviada.

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HISTÓRIAS DA ARTE

As artes plásticas nos permitem expressar os mais remotos sentimentos, expondo-os através de cores, traços e materiais. Gosto de frequentar exposições e museus. Adoro o Brique da Redenção, lá encontro todo o tipo de artesanato e também verdadeiras obras artísticas sob forma de antiguidades, que um dia deixam a privacidade dos lares e lá são expostas para o público apreciar e adquirir. A AGEA, valorizando a criatividade de seus aposentados, pensionistas e familiares, anualmente apresenta a Mostra de Arte. Um espaço para os associados exibirem seus trabalhos artísticos. Na abertura de uma dessas mostras, cheguei um pouco antes do coquetel oferecido pela Associação, para melhor apreciar as obras expostas. Passeando pelo salão, logo fui atraída por um quadro em que cavalos corriam pelo prado, como se estivessem livres, sem obstáculos pelo caminho. Olhava a tela, embevecida, quando senti a presença de alguém se aproximando. Não querendo compartilhar minha maratona


de arte, evitei olhar para os lados e continuei observando os trabalhos. Mais adiante, outro quadro me chamou atenção pelo colorido das pinceladas. A autora, apesar de ter dificuldade em se comunicar, conseguiu expressar através da pintura o colorido da vida. Novamente senti a presença de alguém, dessa vez ao meu lado. Continuei com o firme propósito de ficar só, evitando contato com outra pessoa. Já havia passado por várias obras quando me deparei com um quadro muito diferente e que atraiu minha atenção de forma peculiar. Era formado por uma figura central escura, vestindo capa roxa e com velas pintadas acesas no canto direito da tela. O estilo da obra era bem diferente daquele que eu conhecia da mesma artista. Suas pinturas sempre foram leves, quase ingênuas, feitas com delicadeza no uso dos pincéis. Mas este quadro era atípico. Tive a sensação de que a tristeza morava naquelas mãos que pintavam e fiquei ali, com vontade de chorar sem saber o por quê. Foi neste instante que resolvi conversar com alguém e virando-me, vi a autora do quadro. Olhei novamente para a obra e pensei em lhe perguntar o que a tinha inspirado para compor uma figura assim tão estranha. No entanto, ao procurar por ela não a encontrei mais. O salão estava vazio. No final do dia, quando todos os presentes já haviam se retirado, encontrei o gerente da AGEA e quis saber por que a artista que pintara o quadro, que tanto me impressionou, não havia participado do evento.

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Com os olhos tristes, ele disse ser impossível ela ter comparecido. Então, contei-lhe que ela estivera no salão, olhando os trabalhos, mas que ao tentar lhe falar, desaparecera. A triste expressão do gerente mudou, seus olhos se arregalaram e o rosto ficou arrepiado. Com a voz quase inaudível falou: – Impossível. Ela faleceu ontem!

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UMA NOITE NA AGEA

Alberto resolvera ficar até mais tarde naquela noite. Fazia pouco que estava trabalhando na AGEA, havia uma infinidade de relatórios para terminar e o fim do mês estava chegando. – Vamos chavear a porta – disse um colega se despedindo, não sem antes lhe lançar um sorrisinho irônico. Alberto não entendeu e continuou seu trabalho. Gostava de trabalhar ali, o ambiente era acolhedor, as pessoas, amáveis. Da sua janela via a noite já adiantada, o piscar de uma estrela aqui, outra acolá. Lembrou do céu limpo da cidadezinha onde morava, transbordando de estrelas. Naquela época, gostava de ficar olhando-as. Agora, sentia saudades da família, da namoradinha do colégio. Sua vontade era ficar lá para sempre. Mas fazer o quê? Tinha que cursar uma faculdade, sair do marasmo, crescer. Terminara o curso de administração e conseguira aquele emprego. Sabia que era motivo de orgulho para os pais, embora estivessem saudosos.


Vamos parar de divagar e produzir, falou Alberto para si mesmo. Na quietude que pairava na Associação era fácil se concentrar. Depois de uma hora, resolveu esticar as pernas e procurar por um café. Lembrou-se que na recepção sempre tinha uma garrafa. Talvez tenham passado o café mais tarde hoje, pensou. Quem sabe ainda conseguia tomar um. Quando passou pela sala de jogos, viu que ali havia um senhor de estatura mediana, vestido de branco, olhando para um quadro na parede. Estranhou. Não sabia que tinha ficado alguém ainda lá. Mais adiante se serviu de um café e voltou para a sua mesa no fundo do corredor. Trabalhou mais um pouco e então ouviu alguém dando a descarga no banheiro. Deve ser aquela pessoa que vi antes, pensou. Bom, quando eu for embora, aviso. Voltou a se concentrar no relatório, sem se preocupar mais com nada. De repente, um trovão muito forte o assustou. Passou mais um tempo e Alberto viu, de onde estava, acender e apagar as luzes do salão. Ele achou que estava vendo coisas por conta do cansaço. Mas resolveu averiguar. Na porta, parou apavorado: de um dos quadros, tão nervoso ficou que nem atinou qual, saiu um senhor e começou a gesticular, discursando em voz alta: “Meus amigos aposentados...”. Olhou para as cadeiras no salão, a assistência era imensa. O vozerio, intenso. Todos riam e conversavam ao mesmo tempo. Alberto ficou ali, estático, em choque. Ficaria ali muito mais tempo se, num determinado momento, um dos presentes não tivesse notado a sua presença e o encarasse. Os demais também fizeram o mesmo. Alberto saiu correndo, pegou suas coisas e pensou ainda que tinha de avisar aquele senhor que estava

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na outra sala. Parou diante dela e não viu ninguém. Correndo, apagou as luzes, trancou a porta e chamou o elevador. Quando estava descendo, ainda conseguiu ver as luzes da recepção piscando.

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HORA EXTRA NUNCA MAIS

O temporal não dava mostras de que iria parar tão cedo. Seis horas da tarde e já noite fechada. Embora empregado antigo na AGEA, João nunca precisara fazer horas extras. Naquele dia, porém, devido a uma demanda dos aposentados com prazo de entrega, havia sido necessário ficar até mais tarde. Quando os últimos colegas saíram, João teve vontade de acompanhá-los. Com o friozinho que fazia, tudo o que mais desejava era enfiar-se debaixo das cobertas. Ao se despedirem, alguém ainda brincou: − Tome cuidado, João, em noite de temporal, os fantasmas ficam à solta, procurando um lugarzinho para se abrigarem. − Chispem daqui, seus deitados. Estão querendo me assustar? Eu não acredito nisso, não. João lembrou-se do quanto achava divertido as histórias que ouvia sobre sons e vultos à noite nas salas e nos corredores


da Associação. Balançou a cabeça de um lado para o outro, como para afastar o que considerava ser bobagem, ao mesmo tempo em que ria de tais crendices. Sentou-se à sua mesa e deu início ao trabalho. Volta e meia, relâmpagos e trovões clareavam as salas às escuras e faziam estremecer móveis e objetos. Depois de algum tempo, João começou a bocejar. Procurou em vão pelo café. Foi até a cozinha e encontrou uma garrafa cheia, provavelmente a que estava destinada para ele. Ao retornar, um relâmpago iluminou por completo a sala de reuniões por onde deveria passar. Teve a impressão de ver alguém sentado de costas. Um novo clarão e, ao fixar melhor os olhos, nada viu. Voltou para sua sala e trancou a porta. Nesse momento, ouviu, ainda distante, alguém tossindo de forma insistente. Aos poucos, o som se tornou mais nítido. Tosse de gente velha, pensou, sentindo, pela primeira vez, um certo desconforto. A chuva, que se tornara bem mais fraca, parou totalmente, dando lugar a um vento forte. O ranger de portas e janelas voltadas para a rua criava um clima assustador. De repente, o barulho de louça se esfacelando no chão. João correu para o lugar de onde vinha o som e percebeu que parte de uma janela estava aberta. O vento tinha derrubado a xícara. Respirou aliviado. Para sua surpresa, porém, ao fechar a vidraça, observou que não havia nada molhado ao redor, era como se ela tivesse sido aberta naquele momento. Tentando não se impressionar, voltou depressa para a sala e continuou a digitar os dados que ainda estavam pela metade. Um desejo quase irresistível de ir para casa.

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Se aqueles malandros apostam que amanhã vão se divertir às minhas custas estão muito enganados. Não sou de me assustar por pouco. O vento acalmou-se lá fora, e um silêncio sufocante invadiu a sala. Foi nesse instante que ele ouviu o gemido vindo de muito longe. Apurou melhor o ouvido e tudo cessou. Tentou concentrar-se no trabalho. Vez ou outra olhava para a porta, que permanecia fechada. O gemido chegou até ele novamente, parecendo bem próximo. Quando o trinco foi baixando devagar, e ele viu a porta abrir-se lentamente, com um suave ranger, não teve dúvidas, empurrou rápido a cadeira para trás e se pôs em pé de um salto. Tinha as faces sem cor e os pelos dos braços eriçados. Aos tropeços e com os olhos exageradamente abertos, alcançou a porta. Ao cruzá-la, um arrepio percorreu-lhe o corpo inteiro. Enquanto vencia o estreito corredor que levava até a porta de saída, teve a impressão de que alguém o seguia. Com as mãos suadas e trêmulas, mal conseguiu virar a chave na fechadura. Os poucos segundos em que ficou aguardando o elevador duraram uma eternidade. Ao entrar, ainda escutava o que agora lhe parecia o triste som de um lamento.

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O QUE REALMENTE IMPORTA

Quando se olhou no espelho e viu mais uma ruga, Catarina quase não segurou o grito. Revirou-se na cama a noite inteira. Pela manhã, ao abrir a porta para a empregada, estava exausta. − Ai, Dona Catarina, desculpe dizer, mas a senhora está com umas olheiras de dar dó. − Olheiras, Dalva! Olhe isto aqui. E apontou para as maçãs do rosto, logo abaixo dos olhos. − O que a senhora quer que eu veja? Não há nada aí. − Uma nova ruga, Dalva. Como é possível você não enxergar esta cratera? − Que exagero, Dona Catarina, uma coisinha de nada. − Coisinha de nada, porque não é com você. Além do mais, você não entende nada disso. Vou ligar para meu médico agora mesmo.


− Outra cirurgia, Dona Catarina? − Se for necessário, não duvide. Dalva seguiu para a cozinha balançando a cabeça de um lado para o outro, tentando se conter para não rir alto. Com um espelho numa mão e o telefone na outra, Catarina aguardava na linha. − O Dr. Márcio está num congresso e depois vai emendar com as férias. Só vai voltar daqui a um mês. − Não posso acreditar. Quem ficou no lugar dele? − Ele indicou um colega para casos de emergência. − Mas meu caso é uma emergência. − Quer marcar uma hora? − Claro, o que você está esperando, minha filha? Desligou e ligou de imediato para sua amiga Tereza, que atendeu com uma voz sonolenta. − O que houve, Catarina, para me ligar a uma hora dessas? − Mais uma ruga, Tereza, você sabe bem o que isso significa para mim. Já liguei para o Dr. Márcio, mas ele está viajando. Vou consultar com o colega que ficou no lugar dele, mas só tem hora na semana que vem. − Catarina, escute, quem sabe você resolve isso com a esteticista, faz tão pouco tempo que você se submeteu a uma cirurgia.

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− Minha melhor amiga querendo que eu faça apenas um paliativo. − Além do que, uma cirurgia não sai barato. Você tem dinheiro para isso? − Tereza, dinheiro é o de menos. Eu faço um empréstimo. − Por favor, Catarina, me deixe voltar a dormir, porque senão, quem vai ficar com rugas sou eu. − Sua egoísta. Você já imaginou o que aquelas despeitadas lá da AGEA vão falar? Não quero nem pensar nisso. − Acorda, mulher, quem é que vai se preocupar com suas rugas? Elas têm coisas muito mais importantes para fazer. − O que pode ser mais importante do que ter mais de sessenta e manter uma carinha de quarenta? − Se você tirasse os olhos de seu umbigo e pensasse um pouquinho nos outros iria descobrir. − Ah, não, lição de moral a esta hora da manhã, eu não aguento. Sem esperar resposta, desligou o telefone e ficou olhando fixamente para o espelho. Pediu à Dalva apenas um café e na hora do almoço estava sem nenhum apetite. Tentou tirar uma soneca antes de ir para a reunião das quintas-feiras na AGEA, mas não conseguiu. Ao se aprontar, colocou óculos escuros com aros enormes e arrumou o cabelo de modo a encobrir o rosto ao máximo.

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Quando entrou no salão, viu que suas colegas conversavam baixinho a um canto. Aproximou-se, tentando esconder ainda mais o rosto. Todas voltaram-se para ela ao mesmo tempo e ficaram a encará-la muito sérias. Pensando em sua nova ruga, ia começar a se explicar, quando as outras a interromperam: − Catarina − falou uma delas –, recebemos a notícia agora mesmo. A Laurinha foi internada. − A Laurinha? Como assim, internada? Até ontem estava ótima, disse que aquela dorzinha tinha desaparecido. Acabou de fazer os exames de rotina. − Pois é, com esses exames descobriu um câncer em estágio avançado. Precisa fazer uma cirurgia o quanto antes, e as chances de cura são mínimas. À medida que ouvia a notícia, Catarina sentia que a boca lhe secava. Erguendo os braços, que lhe davam a impressão de ter um peso insuportável, tirou os óculos devagar e arrumou os cabelos para trás. Depois, abraçou-se às colegas sem dizer uma única palavra.

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DESAFIOS E MUDANÇAS

O sono não vem. Célia dorme tranquila ao seu lado, e o único ruído é o tic-tac do relógio. Amanhã, última quinta-feira de abril, é dia de eleição para a nova diretoria da AGEA e ele preferiu não concorrer, apenas aceitou fazer parte do Conselho Deliberativo. Está tudo organizado. Até o terno e a gravata que vai usar já estão escolhidos. As pessoas que auxiliarão no processo, as urnas, as cédulas contendo as duas chapas, tudo pronto. Novamente são duas chapas, como há dois anos atrás. Enquanto o sono não vem, lembra como foi a campanha para sua eleição. A presidente anterior já estava havia muito tempo no comando, era necessário mudar e ele aceitara o desafio. Aliás, os desafios sempre fizeram parte de sua vida, desde muito jovem. Aceitar ser presidente da União Gaúcha de Estudantes, na década de 1960, foi um deles. Outro desafio, já como empregado da CAIXA, foi trabalhar na implantação do PIS/PASEP para os trabalhadores brasileiros


da atividade privada e pública, a participação dos empregados no lucro das empresas. Novidades que precisavam ser estudadas e bem-elaboradas para que não houvesse erros. Tenta desviar seu pensamento das eleições do dia seguinte, pois sabe que é isso que está lhe tirando o sono. Que bobagem, está tudo pronto. Tenho confiança na equipe e sei que eles darão continuidade às diretrizes implantadas durante minha gestão, busca se confortar. Volta-se novamente para um passado distante e lembra de quando foi cassado da função de confiança de Chefe de Divisão, na CAIXA, na época da ditadura. Eles não davam muita explicação, diziam apenas que era por motivo de segurança nacional. Ele, cujas ações sempre lhe pareceram corretas, desconfiou que foi por ter pertencido à juventude de esquerda no período estudantil. Recorda de quando a AGEA foi fundada. Já existia a UNEI (União Nacional de Economiários Inativos), no Rio de Janeiro, mas os gaúchos que se aposentavam queriam um lugar para continuar se encontrando e conversando sobre os assuntos da categoria. No início era apenas uma sala, quase sem móveis, que funcionava no sétimo andar do Edifício Brasil. A convivência na APCEF estava se tornando difícil, por isso resolveram criar uma associação só de aposentados. E mais de vinte anos se passaram, quando alguns resolveram que era hora de mudar e ele, Manoel Lourenço da Silva, foi convidado a fazer parte dessa mudança. Buscou antigos colegas de trabalho, pessoas em quem confiava e que, ao longo dos anos, tinham se transformado em amigos, formando um grupo de caráter firme e ideais comuns. O mesmo grupo que agora daria continuidade ao trabalho iniciado dois anos antes.

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Sua gestão se caracterizou por um período de mudanças, com reforma do Estatuto e criação da Comissão Eleitoral. Antes os associados votavam por procuração, agora isso não era mais permitido. O foco da campanha foi o interior. Viajando pelas cidades gaúchas, reunindo-se com aposentados e pensionistas, ressaltando a importância do voto na escolha da diretoria da Associação, expondo novas ideias a serem implantadas caso ganhasse a eleição. Foi assim que garantiu que a sua chapa, de oposição, saísse vencedora, mudando, dessa forma, o rumo da AGEA. No seu mandato, a AGEA se abriu para as grandes discussões e começaram as reuniões semanais, primeiro às terças, depois às quintas, para tratar de assuntos que diziam respeito aos economiários, como por exemplo, o Pacotão. Sim, na minha gestão promovi a expansão do corpo associativo e a abertura para uma maior participação dos aposentados na luta pelos nossos direitos – pensa Manoel Lourenço, já se entregando ao sono. Deixo como legado abertura, interiorização e participação. A luta em defesa dos aposentados e pensionistas, os debates livres, o reforço dos laços de amizade. Amanhã a nossa chapa há de sair vitoriosa para dar continuidade a esses novos tempos.

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METAMORFOSEADOS EM ADOLESCENTES

Ela ouve uma algazarra no corredor que ressoa em todo o ambiente. Corre até a porta e fica admirando os abraços entusiasmados, os beijos fraternos, o vozerio indecifrável e os ecos de saborosas gargalhadas. Correm piadas de lá e de cá. Os apelidos engraçados dançam de boca em boca numa coreografia contagiante. Continua a contemplar o encontro casual, maravilhada. Tenta avisar que já está na hora de se recolherem à sala cinco. Desiste. Sabe que ninguém irá escutá-la. Tão distraídos e empolgados, demonstram um mundo interior imenso. Deixa por conta. Quando finalmente seguem em direção à sala, vão perdidos em brincadeiras inocentes, exibindo jovialidade. Pressa não existe. Ela se une a eles, vencida. Envolta em sonhos, lembra sua adolescência, do rir por nada, da necessidade de falar, falar e falar. Recorda como tudo se tornava mágico quando estava assim entre amigos. Algum tempo depois, todos


estão sentados em cadeiras dispostas em filas uma após a outra, mas o burburinho continua sibilando no ar. Um zum-zum-zum teimoso, que permanece alheio a tudo. E ela ali na frente, com a prancheta e uma caneta entre as mãos, enlevada, desliza em movimentos sutis pela sala para não desfazer aquele momento. Encanta-se com tanta energia a extrapolar juventude. As duplas, os trios, os grupos totalmente descontraídos nem se apercebem de quem está em volta. Ela ficaria assim a observálos, fascinada, ignorando o tempo, até que houvesse alguma iniciativa vinda dos próprios pedindo o início dos trabalhos do dia, mas os coordenadores da reunião Conversando com a Diretoria, com o objetivo de informar e debater os mais variados assuntos de interesse da categoria, quebram esses instantes lúdicos chamando-os à realidade. Então, seus metamorfoseados adolescentes revelam-se mulheres e homens cultos. Embora esteja acostumada, não consegue deixar de se surpreender ao vê-los fazendo avaliações sobre o contexto social. Opinam, exigem seus direitos, sugerem projetos para o futuro. Fornecem contribuições importantes ao Grupo de Trabalho Técnico, propõem atitudes e atividades por melhorias na categoria. Preocupam-se com a área da saúde e reivindicam suas perdas salariais, entre outros justos anseios. Eles também programam viagens de lazer e relatam suas inúmeras participações em grupos variados de atividades culturais, jogos, estudos. Organizam festas, entram em conflito contra suas agendas lotadas. A consciência repleta de vivacidade, a vontade de viver e toda essa ousadia a estimulam. Agora, pasmem: a média cronológica desses rebeldes ativistas

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está entre mais de meio e quase um século. São esses os seus admiráveis adolescentes. A exuberância de ideias, o anseio ousado de se aventurar,, expressando o apego pela vida, transparece no rosto de cada associado, o que a faz admirá-los ainda mais. Uma de suas aspirações é de que todo o ser humano, independente de idade, mas especialmente na velhice, pudesse usufruir de um ambiente alegre, saudável, sendo acolhido fraternalmente por seus pares. Que se sentisse cidadão útil e sujeito de sua vontade. Que não perdesse jamais esse contato vital, alimento para a alma, que é estar sempre junto às pessoas que compartilharam da construção de sua história.

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DONA BEATRIZ

A moça assustada do interior que mora em mim por vezes salta, atropela-me e me oferece sua pequena mão fria de medo. A sala de espera se faz um zoológico cheio de feras famintas com as bocas escancaradas, prontas para nos devorar. Às vezes fugimos delas e nos safamos, mas nem sempre é assim. O diagnóstico é sempre um quarto escuro cheio de monstros os quais tememos, a cada consulta. A cada entrega de exames. A AGEA era um lugar elegante e grande demais para mim, que recém entrara na CAIXA. Aquele mundo soava misterioso para mim. Lá as pessoas eram perfumadas – lembro dos perfumes até hoje – e vestiam roupas caras. Os homens usavam ternos bem-cortados e contavam de suas viagens, coisas que para mim sempre foram sinônimo de luxo. Eles nem me olhavam. Eu não havia viajado para lugar algum e nada tinha para contar. O meu dinheiro só dava para trocar as tomadas do velho apartamento onde eu morava com minha mãe, retocar o piso da cozinha, comprar um armário novo ou trocar o pano do sofá rasgado da sala. Aquele outro mundo parecia muito distante.


A Associação era um lugar onde os empregados aposentados se reuniam apenas para comemorar o ócio. Contar o que fizeram. Para lembrar. Trocarem abraços e darem gargalhadas. A menina do interior que ainda vivia dentro de mim achava tudo inoportuno. Triste. Ah, juventude! Pobre juventude, que nada sabe e tudo julga. Aquele olhar pintado de uma crença cega não via a beleza da vida amadurecendo no pé da árvore de vidas bem-traçadas. Zeladas com atenção, bons hábitos, encontros e grupos de ginástica, canto, aprendizado de línguas, oficinas literárias. Grupos que iam jogar voleibol em qualquer canto do país, que participavam de encontros com outros colegas do imenso Brasil. Aquela escada que subimos devagar na imensidão da existência vai mostrando outros cheiros, outras curvas. Até outro horizonte. Ao percebê-la, vi a riqueza de um lugar como aquele. Um espaço onde se podia contar o que vivemos e planejar o que ainda nos resta. E é bastante. Na mesma sala de espera que eu, Dona Beatriz é chamada para ser atendida. Ela enxerga bem pouco, mas mantém a elegância de uma rainha, no seu andar suave e na memória clara das suas lembranças. Quando a conheci já estava aposentada, e eu mal entrara na CAIXA. Mas ela me acolhera com seu afeto e sem julgamentos. Fora nobre desde sempre. O sorriso que vejo agora já era sua marca. Não sei quanto tempo passara, mas hoje somos duas aposentadas, na sala de espera do mesmo médico. Cada qual

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com seus anseios, suas incertezas. O que me dirá aquele homem grisalho de rosto sério e jaleco branco? O que disse ele a Dona Beatriz? Encontro-a de novo na AGEA, no chá das quintas-feiras. Seguro sua mão e cumprimento-a para que ela, através da minha voz, saiba com quem está falando. Pergunto sobre a consulta, ela sorrindo me diz: – Conta você primeiro. Como foi? Damos risadas e tomamos chá. Desta vez nos safamos do bicho. No próximo ano, vamos fazer todos os exames de novo.

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O ROQUEIRO QUE AMA OS BEATLES

Com seu jeito contemplativo, de quem dá reverência às palavras, aos poucos Newton foi se soltando e contou-nos fatos marcantes de sua história, de como chegou à CAIXA e da retomada de antigos vínculos afetivos na AGEA. Uma de suas lembranças de infância já mostrava a convicção o acompanharia vida afora. Quando cismava em não vestir o uniforme do colégio, não havia quem o fizesse mudar de ideia. Era preciso chamar a vizinha, amiga da família, para convencer o menino, que insistia em dizer não. E era um não tão negado que, por mais ameaças que sofresse, não voltava atrás de sua decisão. Depois de muito negociar, o poder de persuasão de Beatriz Francisca, a quem ele chama até hoje de sua segunda mãe, saía vitorioso na difícil batalha. Em sua adolescência, acentuou-se uma personalidade contestadora, que encontrou refúgio na revolucionária banda britânica. O quarteto de Liverpool o arrebatava. Colecionava os


mais variados objetos que se referiam ao Fab Four. Os estudos foram relegados a segundo plano. Depois de repetir a mesma série várias vezes, como castigo, seu pai, que exercia uma alta função de confiança na CAIXA, colocou-o a trabalhar na empresa. Foi determinado que deveria começar por baixo, e Newton iniciou nos serviços gerais. A recomendação a um colega foi categórica: − Toma conta dele e esquece de que é meu filho. Vai trabalhar durante o dia e estudar à noite. Quero ver até onde vai essa rebeldia. Bem mais tarde, um amigo o encontrou no trabalho e, surpreso, perguntou o que fazia ali. Ao saber os motivos, convidou-o a trabalhar com ele no setor administrativo. Aceitou de imediato. A lição valeu a pena, voltara inclusive a estudar. E, assim, depois de galgar vários cargos, chegou a gerente. Implantado o regime militar no Brasil, seu pai, homem de caráter integro preferiu perder a função que exercia na CAIXA, a se aliar a imposta ditadura. Devido a sua atitude, continuou na empresa, porém depreciado. Com sua reconhecida competência, foi convidado a chefiar um departamento no SASSE e transferido para o Rio de Janeiro. Com forte emoção, Newton relembrou um momento angustiante que viveu. Um coordenador na CAIXA, que se tornou um grande amigo, muito o incentivou em seus estudos. Para o trabalho de conclusão da sua faculdade, escolheu esse amigo como orientador. Era o ano de 1974. Uma tragédia marcou Porto Alegre: o incêndio nas Lojas Renner da Otávio Rocha. Nesse

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dia, o amigo se encontrava no local. Na tentativa desesperada de salvar a própria vida, viu-a desaparecer sobre o gradil. Uma imagem, para Newton, difícil de esquecer. Como reação, decidiu não mais voltar à universidade. Não se sentia em condições de continuar. Um outro colega sensibilizou-se com seu problema e lhe ofereceu ajuda. Mesmo relutante, ele aceitou e concluiu o trabalho. Recebeu seu diploma de Bacharel em Ciências Contábeis. Esse fato fez com que Newton sempre procurasse ajudar aqueles que manifestavam vontade de estudar. Foi um grande apoio a diversos outros jovens que cruzaram seu caminho, inclusive dentro da Associação. Os altos e baixos não são privilégio de ninguém. A aposentadoria coincidiu com outra fase difícil da sua vida. Certo dia, sentado num banco de praça, o rosto entre as mãos, tinha os olhos fixos nos próprios pés, um e outro a subir impacientes, enquanto os pensamentos desfilavam ao revés. Um toque no ombro e, ao erguer a cabeça, seus olhos úmidos e avermelhados sorriram. O amigo que sentou ao seu lado fora um bálsamo. Conversaram por longo tempo. O desabafo foi providencial. Antes de se despedir, o outro convidou-o a visitar a AGEA. Chegando lá, sentiu-se renovado ao encontrar colegas com quem havia trabalhado e por quem sentia afeto e respeito. Não demorou muito tempo, foi convidado a desenvolver projetos na Associação. Afinou-se tanto com o trabalho, pois podia unir sua experiência e seus conhecimentos profissionais, que assumiu a Diretoria Financeira em diversas gestões, e não se afastou mais. Nessa área, um fato que o comove é ver antigos

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colegas, prósperos na vida ativa da CAIXA, em situação financeira deplorável, dependendo de auxílio emergencial. Chegou à vicepresidência da AGEA várias vezes, mas sempre negou-se a se candidatar à presidência, alegando não ter o perfil necessário. Diverte-se ao dizer que pode ser considerado uma espécie de eminência parda, preferindo ser um bom suporte para os que estão na linha de frente. Talvez por seu acentuado senso crítico, o trabalho dos bastidores sempre o deixou mais à vontade. Hoje, com quatro filhos e três netos, Newton Pardelhas de Barcellos sente-se realizado. Ao vê-lo falar de si e de sua interessante trajetória, onde tolerância e paciência têm sido os seus maiores aprendizados, impossível não perceber que, por trás do homem de humor cáustico e inteligente, ainda existe um sensível adolescente apaixonado por rock, que sofreu a influência dos tumultuados anos sessenta e cujo fascínio pelos Beatles continua imensurável. Seu grande sonho é conhecer Liverpool e todo o acervo da consagrada banda, um marco importante em sua vida.

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A ÚLTIMA PEÇA

Um ser humano peculiar, personalidade marcante. Homem de baixa estatura, sorriso largo, humor espontâneo e extremamente vaidoso. Assim conheci Raymundo Pinheiro da Silva. Raymundinho, como o chamavam. Amado e respeitado por todos, ao se aposentar na CAIXA logo procurou associarse na AGEA. Lá encontrou seu aconchego, foi por duas vezes vice-presidente da Associação nas gestões de Nádia Capaverde e Manuel Lourenço e responsável pela reconstituição da sede após um grande incêndio. Mais tarde, com o presidente Antoci Neto de Almeida, revelou-se um competente e dedicado Diretor de Relações Associativas. Escolheu como prioridade a área que mais o preocupava, a da saúde. Foi o mentor e um dos fundadores do Grupo Solidariedade, dedicando-se a zelar pelos colegas doentes. Incansável, levava sua contagiante alegria ao visitá-los nos hospitais e até mesmo em suas casas. E aprimorou seu desvelo com os colegas no mandato do presidente Antônio Carlos Mariani Mansur. Além de seu bom humor, Raymundinho adorava pregar peças em quem estivesse ao seu alcance e aprontava todas.


Primeiro de abril nunca passava em branco. Era o dia em que mais se divertia fazendo telefonemas anônimos enganosos para uns, passando trotes em outros e assim ficando por horas. Colocava apelidos engraçados nos colegas. Uma vez perguntei a ele por que um dos seus amigos era chamado por arame farpado? Ele desatou numa crise de riso lavado com lágrimas e respondeu que o amigo solteirão cercava todas as garotas e não tocava em nenhuma. Por isso, o apelido. Nessas ocasiões, caçoava como um adolescente. Mas, quando se tratava de assunto sério, impunha respeito e ouvia a todos com a alma e o generoso coração. Vivia mimando os empregados. Era deles uma espécie de confidente, ao ouvi-los com atenção, sempre achava uma maneira de resolver os problemas. Seguidamente trazia presentinhos e os distribuía de mesa em mesa com o costumeiro sorriso. Nas sextas-feiras chegava com doces ou um bolo e, no rigor do inverno, nunca deixava faltar um cheiroso quentão. Tudo patrocinado por ele. Chegava anunciando: – Hoje é dia de festa, gurizada. Repetia sempre que tinha duas famílias: a sua e a da AGEA. Nas festas, era presença notável, sempre gracejando com um ou com outra, cantando ou dançando com sua esposa, a saudosa Dona Edite. Nunca vi Raymundinho triste. Certo dia, recebemos a notícia de sua internação. Pensamos que essa situação seria passageira. Bobagem, imagina se ele, com todo o seu entusiasmo, iria se deixar abater. O tempo,

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alheio às aflições, voara implacável. As informações sobre sua saúde já não eram animadoras. Lembro-me daquele momento como se fosse hoje. Recebemos a notícia de que ele teria de amputar uma das pernas devido ao agravamento de uma trombose. Ficamos chocados. Sabíamos o quanto seria difícil para ele superar tal situação. Os médicos não tinham tempo a perder e não puderam poupar Raimundinho da triste realidade de seu quadro. E ele sempre tão vaidoso, agora não suportava a ideia de viver sem parte de seu corpo. Sua resposta foi categórica: – Prefiro morrer a ter de amputar minha perna. O médico apelou para a família e insistiu na cirurgia, afirmando que a única chance de Raymundo sobreviver seria a amputação. Realizaram o procedimento. Ele se salvou, mas pouco a pouco foi perdendo a vontade de viver e definhou numa profunda depressão. Dia 02 de dezembro de 2005, comemoração do aniversário de 32 anos da AGEA, acreditávamos que nosso querido Diretor de Relações Associativas tinha obtido uma considerável melhora. Tudo estava preparado para uma grandiosa festa no Clube Farrapos que contaria com mais de 400 convidados. Pois foi essa a ocasião escolhida por Raymundinho para sua definitiva partida. Passamos o dia em seu velório. À noite, apesar da dor, por obrigação mantivemos a festa. Sensações estranhas envolveram a comemoração em confusão de sentimentos, ora sorríamos ao abraçar um colega que havia muito não víamos, ora chorávamos a insubstituível

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perda de um grande amigo. Beatriz, uma das melhores amigas de Raymundinho, tentando nos consolar, balbuciou entre gaguejos: – Raymundinho, esse danado, nĂŁo poderia deixar por menos. Em grande estilo nos pregou a derradeira peça.

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AS AGEANAS

A mulher sempre teve um papel de destaque na sociedade, mesmo quando impedida de expressar pela palavra seus mais caros sonhos ou desejos. Ou simplesmente aquilo que pensava. As mudanças acontecidas no mundo nos últimos tempos tornaram seu papel ainda mais relevante. A presença da mulher economiária, seja como aposentada, pensionista ou companheira, muito tem contribuído para o desenvolvimento das mais diversas atividades da AGEA. Nas últimas gestões, as mulheres na diretoria trouxeram à Associação um olhar diferente. No início, era apenas uma; hoje, são quatro as diretoras. Cada qual com seu estilo e jeito de ser, vieram para ficar. Com características bem particulares, mas com objetivos comuns, foram se tornando cada vez mais indispensáveis. Dora Lúcia foi a primeira. Com andar firme e voz decidida, acrescidos de um desprendimento e disciplina na realização do trabalho, tornou-se Diretora de Integração. Tendo a incumbência


de fazer a ponte entre o interior e a capital, atividade que executa com o dinamismo que lhe é peculiar, mantém o associado do interior a par dos assuntos que circulam na Associação. Está sempre atenta para que a informação chegue a todos, mesmo nos mais escondidos rincões do Rio Grande, onde haja um aposentado ou pensionista sedento pelas novidades da capital. Depois veio Beatriz Francisca, esbanjando ternura e afabilidade, com o objetivo de supervisionar a área assistencial da AGEA. Com experiência e grande dedicação, dificilmente haveria alguém mais indicado. A qualidade de seu trabalho levou-a a vice-presidência. Logo foi a vez de Regina, uma pessoa meiga, mas cuja sensatez e preparo não deixam dúvidas quanto à competência. Assumiu a diretoria de finanças, reduto tradicionalmente masculino, e soube dar o tom de sua feminilidade, desempenhando as tarefas com um jeito tranqüilo e mantendo o equilíbrio da área. Algum tempo mais tarde, passou a se dedicar à saúde e ao bem-estar, sendo então substituída por Dora Helena a própria imagem da alegria. Por onde passa, o sorriso aberto contagia a todos. Impossível ficar triste, quando ela está por perto. Tem conduzido o setor financeiro com a autoridade de quem conhece o assunto. Hoje é impossível imaginar a AGEA sem essas lideranças. Mantendo o reconhecido pique feminino, dividem-se em mil tarefas. São um fervilhar de ideias a enriquecer os debates sobre os mais variados temas. Correm de um lado para o outro. Com olhos de lince e ouvidos atentos, detectam dificuldades e amenizam problemas. Desde o olhar tristonho de um empregado

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até as mais secretas dores dos associados. “Ah, se não fossem elas!” já virou um bordão. Na sociedade machista em que vivemos, as mulheres ainda têm que trabalhar em dobro para mostrar competência. Isso, porém, não afeta as ageanas que, com o apoio dos associados, realizam um trabalho sem alarde, renovam-se a cada dia e produzem os melhores frutos.

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A CONFRARIA DO ÓCIO

Ela estava apressada, precisava chegar até o meio-dia no almoço da Confraria para se encontrar com o marido que iria direto para lá. Desceu do táxi e entrou na sede campestre do Clube do Comércio. Chegou alegre e começou a abraçar os amigos que se reuniam para comemorar o final daquele ano. O marido não estava no salão. Toda sexta-feira ele saía de casa para ir ao almoço da Confraria do Ócio, a família já estava acostumada. Ela estranhou não o ter encontrado, porque ele não era de se atrasar. Aproximou-se dos amigos mais íntimos e perguntou pelo marido. Quem sabe estaria ajudando a arrumar a mesa para o bufê de Natal. – Ele não aparece aqui há muitas semanas – responderam. Pálida de vergonha, começou a se questionar o que ele fazia naquelas sextas-feiras em que saía todo perfumado, sempre na mesma hora. Nesse momento, ele irrompe alegre no salão, cumprimentando a todos e, sorrindo, vem ao seu encontro.


– Não me abraça. Nem chega perto. Onde andavas nas sextas quando dizias que vinhas ao almoço? – Ué, tchê, eu vinha pra cá! – Como, se teus amigos disseram que não te veem há muitas semanas? A gargalhada foi geral, era mais uma das brincadeiras que costumavam fazer uns com os outros. Abraçaram o casal e foram todos rindo procurar uma mesa para sentarem juntos. Assim é a Confraria do Ócio, que existe desde 1992, quando várias lideranças da CAIXA se aposentaram e, para continuar se encontrando, passaram a almoçar juntos todas às sextas. No início eram sete pessoas, mas logo o número foi aumentando e os restaurantes ficaram pequenos para acomodar todo aquele pessoal alegre e algumas vezes bastante barulhento. Foi quando um dos membros, amigo do diretor de esportes do Clube do Comércio, conseguiu um local no próprio clube para os encontros, e a turma passou a ter um ambiente próprio para se reunir, com churrasqueira, duas mesas grandes e muitas cadeiras, pois o número de integrantes já passava de quarenta. O grupo precisou se organizar para os encontros e surgiu a lista de confrades com telefone e e-mail. Dividiram-se tarefas. Alguns ficaram responsáveis pelas compras, outros por cuidar da lista e do número de participantes no almoço. Os aniversários passaram a ser comemorados mensalmente com lembranças e bolo para o parabéns. Também arrecadavam brinquedos para levar à creche Bom Jesus.

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Naturalmente, a Confraria se tornou um fórum de debates sobre os acontecimentos que afetavam os benefícios dos aposentados da CAIXA, e o grupo convidava pessoas que pudessem atualizá-lo, ou mesmo influenciá-lo em outras instâncias. Compareceram aos almoços o presidente da UNEI, do Rio de Janeiro, o vice-presidente da FENACEF, o diretor representante da FUNCEF, de Brasília, assim como ex-colegas lotados na Matriz ou vindos do interior. Até o ex-governador Alceu Collares e a esposa Neusa Canabarro almoçaram na Confraria. Buscando ter canais de comunicação com maior influência nas questões dos aposentados da CAIXA, decidiram lançar um confrade para concorrer à presidência da AGEA e venceram as eleições. Presidentes de associações de outros estados em passagem pela nossa capital foram convidados a almoçar na Confraria. Muitos compareceram para conhecer o grupo do qual ouviram falar, principalmente por causa da importância da sexta-feira no convívio dos aposentados gaúchos. Em dezesseis de outubro de 2000, foi instituído o estatuto social, registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos de Porto Alegre, com o objetivo de patentear o nome Confraria do Ócio e o logotipo junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, sob o número 1186076. No estatuto consta que a Confraria será representada por um presidente cuja escolha será feita por aclamação. Após o nome e o logotipo serem registrados, a Confraria passou a lançar camisetas, pratos, copos e taças com a logomarca e vendê-los aos confrades e convidados.

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Hoje, a Confraria já completa 22 anos, mantendo o mesmo presidente, Álcio Cancello Faria, e como vice, Ismar Nasi. Muitos colegas já faleceram e vários novos integram o grupo que, em algumas festividades, chega a ter mais de setenta pessoas para almoçar. Nesses eventos, a comemoração é feita em local maior no clube e o bufê é mais elaborado. Os próprios confrades fazem o almoço, pois são excelentes chefs de cozinha. Algumas refeições são dignas dos melhores restaurantes, pelo requinte com que são preparadas as comidas e sobremesas. Em janeiro, alguns confrades se reúnem na praia de Capão da Canoa para um jantar. O presidente da Confraria guarda um álbum de fotos, onde estão registrados, desde o início, os momentos de alegria e confraternização entre os confrades.

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AMIGOS PARA SEMPRE

O sol iluminava o sofá em que Mansur estava sentado, quando a campainha tocou e eles chegaram. A Diretoria da AGEA, presidida por Antoci, estava ali porque decidira convidálo para concorrer à presidência da Associação. Era uma época em que ele não tinha motivação para se envolver com nada, pois acabara de voltar de Brasília, onde cumprira o mandato de Diretor Representante da FUNCEF, eleito, e sentia-se cansado para assumir novos compromissos. Disseram-lhe ser o homem escolhido por eles, que acreditavam no seu trabalho e que não deveria parar. Emocionado, comentou que só poderia aceitar o convite caso os diretores permanecessem na equipe, pois confiava na competência deles e gostaria de trabalhar com pessoas que conhecessem bem a AGEA, sendo leais às lutas dos aposentados da CAIXA. Eleito, começou o seu mandato em abril de 2003 com a diretoria anterior, conforme haviam combinado, tendo Antoci


como vice-presidente e Sergio Atair como segundo vicepresidente. Em 2005 foi reeleito até 2007. Muito foi feito em seu mandato, como a criação de diferentes tipos de associados: o aspirante, o benemérito e o honorário. Foi criada a Diretoria de Cultura, resultando na primeira mostra de arte dos aposentados e pensionistas, e a Diretoria de Integração para atender melhor o interior do estado. Foi reformulado o Boletim Informativo, com a impressão passando a ser feita em gráfica, e sendo contratada uma jornalista responsável pela comunicação, reportagem e entrevistas. A AGEA aceitou realizar e coordenar o 28º Simpósio da FENACEF, na cidade de Gramado, quando foi batido o recorde: mais de mil e trezentos participantes, vindos de todos os estados do Brasil. As palavras que nortearam a realização do Simpósio foram: “Faça grande, faça certo, com emoção e muita classe, sem prejuízo financeiro para a AGEA”. Uma das características de Antônio Carlos Mariani Mansur é reconhecer e sentir gratidão pelo trabalho de seus antecessores. Um princípio que sempre guiou sua administração foi: “Podemos criar algumas coisas novas, mas elas não se sustentarão se não tivermos o suporte deixado pelos que já estiveram aqui antes de nós, daqueles que construíram, com os recursos da época, o legado que temos hoje”. Para a organização do simpósio não podia ser diferente. A experiência trazida de eventos anteriores foi de grande valia. Os aposentados da AGEA foram convidados a participar da

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reunião que buscou somar as atividades marcantes de outros simpósios, repetindo ações bem-sucedidas e eliminando as que não deram certo. Com essa bagagem, vários associados se inscreveram para trabalhar, começando pela recepção aos participantes de outros estados no aeroporto até a chegada aos hotéis em Gramado, garantindo que todos estivessem bem-acomodados com o carinho do seja bem-vindo gaúcho. Na manhã de abertura do Simpósio, salão lotado, os colegas das diversas regiões do país confraternizaram com burburinhos de alegria por toda a parte. Os presidentes das Associações filiadas à FENACEF, acompanhados por um casal de gauchinhos vestido a caráter, chegaram trazendo as bandeiras de seus estados ao som de tambores e música gravada por orquestra. Enquanto as comissões estudavam os assuntos a serem debatidos, a diretoria da AGEA preocupava-se em garantir que todos os eventos festivos e de trabalho fossem realizados sem falhas. Para alegrar os bailes, jovens pilchados foram contratados para dançar com as convidadas, principalmente com aquelas de outras regiões. No baile de abertura, os presidentes foram presenteados com o lenço gaúcho de cor branca, atado ao pescoço como lembrança do Rio Grande do Sul. Espetáculos artísticos de coral, canto solo, teatro e dança foram apresentados por aposentados das outras Associações e ocorreram no Palácio dos Festivais. Foi o maior sucesso. Em uma das apresentações, os maranhenses chamaram Mansur ao palco e deram-lhe um chapéu todo bordado trazido de sua terra

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e o fizeram cantar com eles. A Bahia foi aclamada pelo público com teatro e música típica daquele estado. Na saída, todos se deslocaram ao centro de Gramado para apreciar a ornamentação de Natal exposta nas ruas. Sexta-feira, término do Simpósio. Todos se aglomeraram no salão principal para o encerramento. Mansur e a diretoria queriam surpreender os participantes que já estavam apaixonados pelos gaúchos. Pretendiam trazer uma soprano e um tenor de São Paulo, mas o orçamento apertado não comportava tais custos. Sergio Atair ficou com a incumbência de procurar cantores em Gramado, mas nada encontrou sem ter de pagar alto cachê. Mansur queria a música escolhida para o encerramento interpretada por cantores líricos, e Sergio não sabia mais o que fazer para conseguir. Os procedimentos da organização, regulamentados pela FENACEF para o final do Simpósio já tinham terminado, quando Mansur pegou o microfone e chamou ao palco todos os colaboradores do evento, que trabalharam incansáveis e sem remuneração, e pediu uma salva de palmas em sua homenagem. Enquanto os participantes se distraíam com as palmas, um casal vestido à italiana entrou e logo começou a cantar a música Amigos para Sempre. A dupla lírica parecia vinda dos céus pela harmonia das vozes. As pessoas se levantaram e, cantando em uníssono, começaram a dar as mãos. Mil e trezentas vozes ecoaram pelo salão. O presidente Mansur se emocionou, pois não acreditava mais que aquela música seria cantada, muito menos com o improvisado coral de amigos para sempre. Assim, num momento ímpar, com uma saudação à amizade, encerrou-se o Vigésimo Oitavo Simpósio da FENACEF no Rio Grande do Sul.

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SOLIDARIEDADE EM GRUPO

Depois de passar vinte dias no hospital, sem receber a visita de ninguém, Tiberio caminhava pela Rua da Praia em direção à Associação de Aposentado quando encontrou dois amigos, Marcelino e Nelson, recém chegados de Montenegro. Sentaramse num dos bancos da Praça da Alfândega e começaram a conversar sobre a visita que haviam feito a outro companheiro que estava hospitalizado naquela cidade. Seu estado era preocupante e eles não tinham como prestar nenhum tipo de ajuda mais efetiva, a não ser tentar motivá-lo relembrando os bons tempos de trabalho. Tiberio estava saudoso de encontrar os velhos companheiros e os convidou para um cafezinho na AGEA. Foram recebidos pelo sorrisão de sempre do amigo Raymundo, com quem falaram sobre saúde, um assunto que tanto os preocupava. Nenhum deles soubera da hospitalização de Manoel. A filha, com quem ele morava, não havia comunicado a ninguém. Embora ela o visitasse, ele sentira falta da companhia dos amigos, a quem


costumava encontrar seguidamente. O sentimento de solidão e abandono num momento de tamanha fragilidade foi para ele difícil de suportar. Conversa vai, conversa vem, Tiberio sugeriu a Raymundo que formassem, na Associação, um grupo de voluntários que fizesse visitas aos colegas doentes e auxiliasse no que fosse necessário. Não queria que outros sentissem a mesma solidão que tinha sentido. Era início de maio de 2001. Combinaram de se reunir ali uma vez por semana. A cada encontro, um deles trazia o nome de um antigo colega que necessitava de uma visita. Chamavam a si mesmos de “os visitadores” e, aos poucos, outros vieram juntarse a eles. O quinto participante foi Moysés, depois Alcides e, em pouco tempo, o Grupo de Visitadores já era composto por oito colegas. As primeiras mulheres a serem convidadas a fazer parte do agora Grupo de Visitadores Sociais foram Clarinha e Beatriz, que trouxe junto o marido, primeiro participante aposentado que não era da CAIXA, mas que conhecia todos os antigos colegas da esposa. Logo sentiram a necessidade de contratar uma assistente social para dar suporte nas visitas hospitalares. Cada colega aposentado e cada pensionista que chegasse à Associação era convidado a participar das reuniões. Raymundo propôs a troca do nome para Grupo Solidariedade, como continuou sendo conhecido em todo o Brasil. O grupo foi crescendo até chegar a trinta pessoas, incluindo os membros da Diretoria. Muitas vezes, eles só ficavam sabendo

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que algum colega estivera hospitalizado depois do falecimento ou quando vinha, já curado, para um cafezinho. Até aquele momento, a comunicação era feita boca a boca, ou seja, alguém sabia que alguém estava hospitalizado e telefonava para a Associação, informando. Depois de muito pensar e discutir resolveram conversar com o chefe do Departamento de Pessoal da CAIXA para solicitar que fosse informado ao Grupo o nome dos colegas que se hospitalizavam, uma vez que passava pelo setor a solicitação de baixa e de alta hospitalar. A princípio, foi difícil convencê-lo a fornecer os dados, pois eram sigilosos, mas acabaram conseguindo. Uma grande conquista. A partir do recebimento das informações de quem estivesse internado, o trabalho ficou mais fácil, e a assistente social passou a telefonar e conversar com os associados doentes. Repassava, durante as reuniões, o nome de quem queria receber visitas e telefonemas e quem preferia ficar só. Mais tarde, foi lançada a Campanha “Seja Amigo da Vida” pela qual se convidava os colegas da ativa e os filhos e amigos dos aposentados para constituírem um banco de doadores de sangue na AGEA, movidos pela necessidade desse material aos que passavam por cirurgia. Numa das reuniões, Raymundo, coordenador do grupo, avisou que não viria na semana seguinte, pois tinha alguns exames médicos a fazer. Também ele ficara doente, Tiberio tomou seu lugar à frente das reuniões e o visitava semanalmente. Raymundo não retornou ao convívio do grupo que criara e conduzia tão amorosamente. Depois de seu falecimento, Tiberio assumiu a coordenação e criou o almoço

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mensal. Na terceira terça-feira de cada mês, reuniam-se num restaurante previamente escolhido. Cada componente levava um ou dois quilos de alimento não perecível, pois além das visitas e dos telefonemas, o grupo passou a auxiliar colegas que estavam enfrentando dificuldades financeiras. Quando não havia nenhum colega necessitado de alimentos, eles eram doados a entidades indicadas pelo grupo e previamente consultadas pela assistente social. Criou-se o hábito de telefonar para os próprios componentes do grupo, principalmente para os que não compareciam às reuniões, pois a ausência era sempre um motivo de preocupação. A partir de então, nenhum deles agendava outro compromisso para as tardes de terça. Tiberio também adoeceu e precisou ficar hospitalizado. Para tristeza de todos, não mais voltou a conviver com o grupo. Assumiu em seu lugar Beatriz, uma das mais antigas, que conduzia as reuniões e permanece a fazê-lo, mantendo o mesmo formato estabelecido por seus antecessores. Ao todo, seis colegas dos primeiros participantes já não estão entre nós, mas os que ficaram continuam visitando, telefonando e amenizando a tristeza de quem adoece.

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A SENHA BANCÁRIA

Quando os colegas do Grupo Solidariedade contavam os causos que aconteciam com os associados, eu ficava em dúvida se eram verdadeiros ou não. Em 2002, seis meses após me aposentar, procurei a Associação de aposentados e, enquanto preenchia a ficha de afiliação, perguntei se havia ali algum trabalho voluntário. Responderam-me que havia, sim, um grupo que se reunia semanalmente. Apresentaram-me ao seu coordenador que, de imediato, fez o convite para participar das reuniões que aconteciam nas terças-feiras à tarde. Conheci outros colegas aposentados com quem não havia trabalhado diretamente, mas que ali se reuniam para continuar a convivência de tantos anos e ajudar àqueles que se encontravam hospitalizados ou com qualquer outro tipo de problema. Fui apresentada à Diretoria e descobri que o coordenador do grupo era também o Diretor de Relações Associativas. Como estava apenas começando a participar das atividades, eles se compraziam em me contar situações, por



vezes tristes, por vezes cômicas, que aconteciam por lá. E numa dessas foi que eu não me contive e ri, acreditando que o caso era brincadeira. Pois numa bela tarde, nosso coordenador contou que ficara sabendo que um amigo e colega de muitos anos estava hospitalizado e foi visitá-lo. Chegando ao quarto do paciente, deparou-se com um quadro de dar dó. O amigo estava imóvel na cama, entubado, ligado a aparelhos que controlavam todos os sinais vitais e mais a aplicação de soro fisiológico. A esposa, bastante jovem, sentada ao lado da cama, segurava sua mão. Depois dos cumprimentos, ela meio chorosa contou que, sem dinheiro em casa, até o leite das crianças estava por terminar e não sabia mais o que fazer. Nosso Diretor, na melhor boa vontade, tentando ajudar a família naquele momento de dor e constrangimento, pediu ao colega acamado que dissesse à esposa a senha de sua conta na CAIXA para que ela pudesse sacar a importância necessária para as compras do mês. Para seu espanto, o colega, sem poder falar, levantou somente o dedo indicador da mão direita e o balançou de um lado para o outro com os olhos muito arregalados, como quem diz: a senha da minha conta, não!

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ESSES MOÇOS, POBRES MOÇOS

Há alguns anos, três participantes do Grupo Solidariedade souberam que certo amigo estava internado numa clínica geriátrica com Alzheimer e decidiram visitá-lo juntos. Acreditavam que, ao vê-los, poderia ter um sopro de lucidez. Na clínica, encontraram-no tomando banho de sol no jardim vestido com um abrigo do Inter, o que os motivou a criar provocações esportivas, como nos velhos tempos, porém, ele não fez nenhum movimento e continuou a olhar para o horizonte, como se nada houvesse a sua frente. A colega, companheira de longa data, segurou-lhe a mão na esperança de ser reconhecida, mas nada aconteceu. Afagou-lhe as mãos e teve a impressão de que ele movimentara alguns dedos levemente. Saíram de lá decepcionados. Aquela criatura parecia um estranho e não o amigo que tantas vezes os recebeu hospitaleiro, com as portas da casa sempre abertas. No


caminho, inconformados com a cena, conversavam sobre a situação e lembraram-se de algo importante: ele adorava ouvir e cantar Lupicínio Rodrigues. Imediatamente começaram a pensar quem teria discos ou fitas do compositor. Após dias de pesquisa, mandaram gravar um CD com as músicas selecionadas e cantadas pelo próprio Lupicínio, exatamente como o amigo gostava. No dia da visita, levaram para ele o aparelho e o CD gravado. Dessa vez o doente estava no quarto vendo televisão, acompanhado da enfermeira. Aparentemente não notou a presença das visitas, o que o atraía era o colorido da tela. A jovem tentou movê-lo do lugar, mas ele nem se mexeu, estava com os olhos fixos na tela. Nesse instante, baixaram o som da TV e ligaram o aparelho com o CD que haviam trazido. Um brilho apareceu em seus olhos e, voltando-se para os amigos, começou a balbuciar, como se quisesse cantar junto com o Lupicínio. Aos poucos, foi surgindo vida no rosto inteiro e a boca fazia um esforço na tentativa de emitir um som musical. Sem conter as lágrimas, os três companheiros se retiraram do quarto, bem devagarzinho, receando despertá-lo daquele momento único.

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DE BRAÇOS ABERTOS

Angelina começou a trabalhar ainda menina e, antes dos cinquenta, estava aposentada. Em seguida, tratou de fazer o que sempre teve vontade, mas que o envolvimento com a CAIXA não permitia: pintar, uma de suas paixões; escrever, um sonho que algum dia seria realizado. Morou sempre no interior e nunca imaginou deixar a sua terra. Os filhos, ao contrário, já adultos e formados, passaram a viver suas vidas distante dali. Numa manhã morna de primavera, a vida de Angelina começou a mudar. Seu companheiro de jornada havia mais de trinta anos teve um AVC. Correria, hospital, medo. Seus pensamentos se misturavam. Mas tudo não passou de um enorme susto. Com a tomografia computadorizada em mãos, o médico falou que tinha sido um AVC transitório sem sequelas. Mesmo assim, os filhos insistiram que os pais deveriam morar em Porto Alegre, mais perto deles e com melhor atendimento médico. Foram tão fortes os argumentos que


Angelina e o marido se transferiram para a capital. Começar uma vida nova numa cidade grande e depois dos sessenta não estava nos planos do casal. No início, a casa, as pinturas, as reformas, a adaptação do cachorro e, principalmente, a deles fez com que nem sentissem o passar do tempo. Nos finais de semana, um dos filhos vinha buscá-los para irem ao shopping, ao Parque da Redenção, ao Jardim Botânico, até que os passeios começaram a escassear. Angelina, com seu temperamento inquieto, começou a mostrar que não estava feliz. Sentia falta de suas atividades, das amigas, dos encontros para lanches, estudos e muitas conversas. Precisava de alguma coisa para preencher o tempo. O marido se entretinha vendo filmes na TV e cuidando do jardim, do gato e do cachorro. Associada da AGEA havia algum tempo, começou a ler avidamente o Informativo. Agora morava na capital e a Associação estava bem mais perto dela. Pensou em visitar a AGEA, mas desistiu, pois imaginou que se sentiria deslocada, uma vez que não conhecia ninguém lá. Numa tarde ensolarada, depois de dar umas dez voltas pelo pátio da casa, resolveu tomar uma atitude. Estava aposentada da CAIXA, mas não da vida. O barulho da moto do carteiro à fez retornar a realidade e foi buscar a correspondência na caixa do correio. Havia chegado um novo Informativo e um convite na primeira página a interessou. Na última quarta-feira daquele mês de abril haveria o primeiro Chá das Senhoras. Leu, releu e decidiu que iria ao evento, pois, mesmo que não conhecesse ninguém, faria novas amizades.

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Chegou tímida no prédio da Rua da Praia. – Qual é mesmo o andar da AGEA? Quando o elevador parou no décimo segundo andar, suspirou fundo e entrou. Foi muito bem-recebida pela atendente que lhe indicou o local do chá. Qual não foi sua surpresa ao ver colegas que não encontrava havia muitos anos, inclusive algumas de sua cidade. O reencontro foi repleto de manifestações de carinho. Foi apresentada a outras senhoras e convidada a participar da turma. Naquela tarde, ela passou a fazer parte da família AGEA. Começou a frequentar os cursos oferecidos pela Associação e a incentivar os colegas. Procurou mostrar o quanto é bom e saudável a convivência gostosa com os outros aposentados. A informática deixou de ser o bicho-papão para se tornar um valioso instrumento de atualização com os novos tempos; o inglês, um incentivo às viagens ao exterior; o xadrez, um estímulo ao cérebro; o coral, um encontro com a arte; e a oficina literária, o desabrochar de novos talentos. Hoje, participante ativa da AGEA, recebe de braços abertos os que lá chegam, para que se sintam acolhidos da mesma maneira que ela foi recebida quando lá entrou pela primeira vez.

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OUSADIAS DE UM SONHADOR

Sergio Atair dos Santos é um homem de ideias e ação. Presidiu a AGEA no período 04/2009 a 04/2013 e hoje é vicepresidente. Muito querido por todos, é um dos membros mais atuantes da Associação. Está sempre procurando criar novos meios de satisfazer às necessidades dos associados. Antoci, o atual presidente, costuma dizer que, se alguma coisa precisa ser feita, principalmente se demandar rapidez, é só entregar nas mãos de Sergio. Embora tenha sido voto vencido na inovadora ideia de permitir que filhos e netos de associados também possam associar-se à AGEA, ele não perde a esperança de que num futuro próximo sua sugestão seja aprovada. Para ele, o tempo é o maior arquiteto, e o que hoje é rejeitado, amanhã se torna lei. De acordo com sua proposta, além de ampliar a arrecadação, o mais importante seria o ingresso de novas ideias, comprometidas com o mundo ágil e dinâmico dos dias atuais, para fazer da AGEA uma entidade ainda mais ativa em benefício


de todos. O saudável convívio entre velhos e moços traria inúmeras vantagens para ambos. Aos primeiros, a imediata renovação e, aos demais, a possibilidade de se ver no amanhã e enriquecer suas vidas pelo contato com a experiência dos mais velhos. Talvez haja, por parte de alguns, um receio de descaracterizar a Associação, uma vez que ela foi criada para os aposentados e assim deveria permanecer. No entanto, como apontam as estatísticas, num futuro muito próximo os idosos serão maioria e, obrigatoriamente, a convivência entre velhos e moços se dará em toda a sociedade, não devendo ser diferente em uma associação de aposentados. Além disso, favoreceria também a proximidade entre os membros das famílias dos associados, criando um laço de maior compromisso com a proteção e o cuidado de seus idosos. Como uma característica de Sergio Atair é não desistir no primeiro embate, ele continua lutando para concretizar seu sonho. Um homem que chegou para ficar seis meses e já está há vinte e dois anos, sempre pioneiro em ideias inovadoras, saberá encontrar o momento propício para tornar seu projeto uma realidade. Ele não se cansa de afirmar que se sente feliz em participar da diretoria da AGEA, pois é bem-aceito pelos associados e tem o reconhecimento de que seu trabalho é realizado com seriedade e amor. Diz também que a convivência com a família economiária e a certeza de que ainda pode ser útil o motivam ainda mais. Foram iniciativas suas modernizar o sistema de informática, criar um 0800 para que as pessoas pudessem se comunicar

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mais facilmente e de graça, bem como disponibilizar caixas eletrônicos para os associados, fazendo a AGEA andar nos dias de hoje. A marca maior de seu trabalho tem sido na área cultural. Foi ele um incentivador para que a AGEA formasse seu próprio Coral, que nasceu do talento de alguns e hoje é requisitado para se apresentar em diversos lugares. Criador da Oficina Literária, que a cada ano se firma como um evento bem-sucedido e que propicia mais um caminho para os associados expressarem sua veia artística. Durante sua gestão, o jantar comemorativo ao Dia das Mães também se tornou um acontecimento marcante no calendário. Aqueles que trabalharam com ele na ativa são unânimes em afirmar que sempre foi um administrador dinâmico, além de possuir um grande espírito humanitário. Nesse sentido, mais um projeto que ele sonha realizar é construir um hotel residência com todo o conforto e aparato necessário, com profissionais habilitados, para que os que fizerem essa escolha no final de suas vidas sintam-se seguros e tranquilos. Por sua dedicação, mantendo os olhos atentos para os interesses dos aposentados gaúchos, por ter ampliado as possibilidades de lazer e desenvolvimento cultural dos associados, bem como ter contribuído para que a AGEA se tornasse um lugar ainda mais acolhedor, Sergio merece o agradecimento e o apoio de todos.

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O NASCIMENTO DE UM SONHO

Sexta-feira, final de expediente. A AGEA se despede de mais uma semana de intensa atividade. Sergio Atair dos Santos, como de costume, é um dos últimos a sair. Tão envolvido em descobrir novas formas de satisfazer os anseios dos associados, ele nem sente o tempo passar. Mesmo sendo verão em Porto Alegre, o entardecer está agradável. Ao deixar a AGEA, Sergio caminha em direção à Praça da Alfândega. Naquele horário, o burburinho é grande. Esbarra em pessoas que vêm em sentido oposto, mas, ao se desculpar, apenas olha de relance para elas. Nem chega a perceber que algumas carregam instrumentos musicais. Distrai-se numa vitrine, um pouco mais adiante. Ao prosseguir seu caminho, algo o detém. Como se brotasse do meio do verde, um som melodioso o faz virar-se. Surpreende-se, então, com um coral em plena praça. Prestando melhor atenção, se dá conta de que aqueles que agora formam um grupo tão harmonioso são os mesmos que


há pouco passaram por ele. Vestem calça preta e camisa branca. Dos instrumentos afinados, uma suave melodia envolve a todos que transitam pelo local. Esquecidas por um instante de sua pressa, as pessoas param e absorvem a leveza e a paz emanadas daquele som. Sergio, que pensa em ficar somente alguns minutos, acaba esperando até o final da apresentação. Olha em volta e verifica que está cercado de pessoas que, assim como ele, permanecem sob o efeito da música. Os aplausos, os gritos e mais aplausos trazem todos à realidade e, aos poucos, a pequena multidão se dispersa. Ele toma o rumo de casa com uma ideia fervilhando em sua mente: um coral formado pelos aposentados da AGEA. Passa o final de semana amadurecendo mais uma possibilidade de fazer aflorar novos talentos entre os associados. A segunda-feira tão esperada chega e ele, muito entusiasmado, conta sobre a apresentação na Praça da Alfândega e sobre a sua ideia de criar um Coral da AGEA. Alguns acham-na excepcional, outros não dizem nada e outros ainda falam que coral não tem nada a ver com os aposentados. Sergio, porém, está convencido de que a música pode fazer muito bem aos colegas e decide levar o projeto adiante. Conversa com um, fala com outro e, numa dessas, a assistente social da AGEA diz que conhece um maestro. Sergio se entusiasma. Dias depois, presidente e maestro se encontram, acertam detalhes e começam um novo desafio. Precisam ter no mínimo dez ou doze pessoas para iniciar o coral.

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Rapidamente atingem o número mínimo de participantes, e no dia doze de abril de dois mil e dez nasce o Coral da AGEA. Um dos primeiros eventos de que participa é na CAIXA e, a partir daí, não para mais. Passa a se apresentar na Santa Casa, no Festival de Corais no Gravatal, no Parque da Harmonia e nas festividades da AGEA. O hino da Associação é o presente escolhido pelo Coral para homenagear o seu idealizador. Sempre que é entoado, emociona e orgulha a todos os economiários. O Coral da AGEA é a realização de mais um sonho de um presidente ousado que não se cansa de dizer que esse grupo é uma família e um digno representante da nossa Associação.

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UMA VISITA INESPERADA

A semana começa entusiasmada na AGEA. É sempre assim, principalmente nas segundas-feiras a partir das quatro da tarde, quando começa a chegar a gurizada do coral, embora o horário do encontro seja às cinco e meia. Afinal, é necessário colocar o papo em dia. Todos têm muita coisa para contar. É um neto ou uma neta que nasceu ou vai nascer, alguma dorzinha própria da idade, uma academia recém-inaugurada, dança de salão, pilates, programação de viagens. Assunto é o que não falta. A turma se reúne em volta da mesinha do lanche, e, entre chás, cafés, sucos e bolachas, as conversas se desenrolam. As gargalhadas se fazem ouvir por todo salão. O convívio harmonioso do grupo só é quebrado quando uma das vozes se cala para sempre. Então a tristeza toma conta de todos. Alguém disse que a música é o perfume de Deus. Graças a ela e ao tempo, o milagre acontece.


A dor aos poucos se desfaz, e a alegria vem ocupar seu espaço outra vez. E novamente é possível encontrar em cada voz e em cada verso a alma de cada um. No horário do encontro, o maestro fecha a porta do salão principal com a difícil tarefa de fazer com que todos tomem seus lugares, se aquietem, se concentrem e façam silêncio para que o ensaio possa iniciar. Numa segunda-feira como outra qualquer, Anele chegou direto para o seu canto. Senta sempre no mesmo lugar, na terceira fila ao lado da porta que dá para o terraço. Como tem problemas de impostação de voz e de afinação, procura prestar muita atenção aos ensinamentos do maestro. Mas naquele dia não conseguia se concentrar. Virava de um lado para o outro na cadeira. De repente, seu olhar foi atraído para alguém no terraço. Encostado no local onde ficavam as antigas grades, modificadas pela reforma, um colega a olhava. De calça jeans e camisa vermelha, estava muito sério num primeiro momento, mas logo a fisionomia fechada transformou-se num sorrisão. Até aí, nada demais, pois ele sempre participou do Coral da AGEA. No entanto, ele tinha partido havia alguns meses. Paralisada, não conseguia desviar o olhar e só voltou ao coral pelo toque de Antônia, que fazia sinal para que ela cantasse. Anele até que tentou, mas a voz embargou e não saiu. Voltou a olhar para o terraço, mas não viu mais nada. O ensaio terminou e Anele continuava presa na cadeira. A pasta com as letras das músicas aberta e, ela quieta, muito quieta. Nem escutava o falatório do pessoal se despedindo.

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– Anele, está tudo bem? Vais para casa ou vais dormir na AGEA? – perguntaram as companheiras que sempre voltavam juntas. Ela sorriu, levantou calada, o que não era o seu habitual, e saiu com as amigas. No caminho para o ponto de ônibus, ela, tão falante e risonha, estava estranhamente muda e séria. – Não queres contar o que está acontecendo? Desconfiada, sem saber o que elas pensariam, arriscou falar o que tinha se passado durante o ensaio do coral daquela tarde. As duas, bem mais antigas na AGEA, se entreolharam, sorriram e, abraçando a amiga, disseram ao mesmo tempo: – Bem-vinda ao time!

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DESLIZANDO NAS NUVENS

Desde mocinha, sempre gostei de dançar e um dos meus sonhos era o tango, cuja origem é um pouco obscura. Dizem que seria derivado da habanera e dançado nos prostíbulos de Buenos Aires e Montevidéu, no início só por homens, por isso até hoje o par dança sem se olhar. Numa daquelas tardes gostosas de final do verão, em que tomava chá com as aposentadas e pensionistas da AGEA, uma dupla de professores de dança se apresentou em nosso salão para me tirar da tranquilidade. O chá e os salgadinhos deixaram de me interessar e acredito que meus olhos cintilaram de prazer ao assistir aquele espetáculo. Ao final da dança, enquanto todas ainda aplaudiam de pé, a música começou a tocar novamente e, para meu espanto, o professor veio até a nossa mesa e me tirou para dançar um tango. Meus pés conseguiam acompanhar o ritmo, e a mão dele na minha cintura permitia que eu o seguisse, sem errar os


passos, por todo o salão. De repente, a paradinha; a firmeza dele me prendeu no chão e o corpo fez uma curva para trás. Logo fui conduzida para seu lado, e ele me levou sem que eu tivesse medo de cair ou bater em alguma mesa, pois estava andando de costas. Depois daquela experiência, não havia dúvidas. Convenci meu marido a frequentarmos as aulas de dança promovidas pela AGEA. Primeiro dia de aula. Três casais presentes, mais um homem e cinco mulheres para compor a turma de dança à noite. Foram duas horas de prazer. Trocamos de pares para que todos pudessem dançar e aprender. Os que mais se beneficiaram foram os homens que, em menor número, precisaram atender a todas as participantes. Aprendemos a dançar valsa, bolero, rock, samba e tango. Não foi fácil vencer o desafio de dançar em dupla todos os ritmos propostos, porém, ao término das aulas, fomos aprovados com elogios. Hoje, nos jantares dançantes da AGEA, adoro dançar com meu parceiro, fecho os olhos e, como se estivesse deslizando nas nuvens, me permito o prazer de bailar. E o tango deixou de ser um sonho.

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GRUPO ASSISTENCIAL

Dalva Carneiro e Silva foi uma mulher determinada e agregadora. Era pensionista e trabalhou como Diretora Social durante a presidência de Nádia Capaverde. Organizava o Chá das Senhoras, na última quarta-feira de cada mês. Nesses encontros formaram-se algumas amizades que, com o tempo, se fortaleceram. Ela sentia prazer em organizar aqueles eventos, mas ansiava por realizar mais. Pensava que apenas um dia por mês era muito pouco para alguém preocupado com os outros. Bastante habilidosa com trabalhos manuais, podia e queria dar mais de si em benefício dos menos favorecidos, especialmente das crianças. – Cacilda, se eu resolver organizar um grupo, você me dá uma força? Tenho vontade de fazer algo para ajudar filhos de presidiários – disse ela a uma das amigas no chá daquele junho de 1996.


A amiga respondeu que sim, e a ideia foi tomando forma. Falaram com a Presidente da AGEA que aprovou a iniciativa na mesma hora. No chá do mês seguinte, Dalva lançou a proposta. – Eu acho muito pouco nós virmos aqui uma vez por mês, tomarmos chá, batermos um papinho e irmos embora. Acho que temos condições de fazer mais dentro da AGEA, fazer um trabalho voluntário, pois tem muita gente precisando. Algumas senhoras responderam ao chamado de imediato e marcaram o primeiro encontro para a semana seguinte, considerando o dia 31 de julho de 1996 como o da fundação do grupo. O convívio e o objetivo comum foram transformando as tardes de quarta-feira num encontro mais do que de confraternização e trabalho. Aquele grupo se tornou para elas uma extensão de suas próprias famílias. Cada uma fazia o que sabia e ensinavam-se mutuamente os pontos e laçadas. Enxovais de bebê, sapatos e toucas de lã e mantas para os idosos, barras de crochê nas toalhas de banho e rosto, peças e mais peças de fraldas sendo cortadas e dobradas, biquinhos delicados em panos de prato. A presidente da AGEA trouxera de São Paulo uma máquina Singer, e aquelas que sabiam costurar começaram imediatamente a fazer edredons e pijaminhas para as crianças. Trabalhavam com tanto amor que o produto final parecia saído de mãos de fadas. Iam até a antiga FEBEM, conversavam com as crianças e verificavam com a assistente social de lá quais as necessidades, normalmente roupas e cobertas para o inverno. Num dia de

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verão, as cuidadoras pediram ventiladores, pois as crianças sofriam muito com o calor. Elas voltaram para Associação, redobraram o trabalho e logo organizaram um grande bazar para vender os produtos confeccionados e conseguir verba para comprar o que não tinham como produzir. Apesar de se reunir dentro da sede, o grupo sempre foi independente, nunca houve participação financeira da AGEA, e assim tem sido até os dias de hoje. Com o dinheiro das vendas do bazar, compraram ventiladores, berços, cadeirinhas e roupas. No dia em que foram fazer a entrega, Cacilda perguntou sobre uma menina magrinha, cujo sorriso triste lhe chamara a atenção, e soube que ela não havia resistido ao tratamento da AIDS. Continuaram com as visitas mensais ao abrigo, até o dia em que houve uma revolta dos adolescentes. A partir de então, acharam melhor redirecionar o atendimento e as doações a novas entidades, como creches de vilas, asilos e outras. O grupo foi crescendo e nem todas eram associadas ou esposas de associados, mas sim convidadas que se engajavam na ideia e no trabalho. Para essas senhoras, mais tarde, durante o mandato do presidente Mansur, foram concedidos títulos de Sócias Honorárias. Os enxovais de bebê continuam sendo feitos e entregues nas maternidades, diretamente às mães. Além de garantir o recebimento pelas realmente necessitadas, é emocionante ver os olhos daquelas mulheres brilhando de alegria e gratidão.

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Muitas vezes, esse é o único presente que recebem, a primeira e talvez a única roupinha para vestir os seus bebês. As habilidosas mãos, com as lãs que sobram, tecem colchas coloridas que são rifadas para suprir a compra de novos materiais, que novamente se transformam em graciosas peças para aquecer o corpo e o coração daqueles a quem falta quase tudo.

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UM NOVO OLHAR

Clara não via por onde passava. Só queria ir à AGEA, tinha um encontro às três horas com o pessoal do Grupo Assistencial. Quando ficara viúva, havia dez anos, sofrera uma grave depressão, ficando sem ânimo para nada. Tinha sido convidada por uma amiga a participar do grupo. Depois de muita insistência, resolvera ir. Aqueles encontros, naquelas tardes de quartas-feiras, tecendo tricô e crochê e costurando para crianças carentes e idosos, haviam salvado a sua vida. Ela não dormira nada na noite anterior às voltas com o Luc, o seu cachorrinho. Depois de dezesseis anos de companheirismo, após uma longa enfermidade e muito sofrimento, ele lhe dera um último olhar e se fora. Mais uma perda. Agradecia a Deus por não ter precisado sacrificá-lo. Andava assim distraída, sem prestar muita atenção no mundo ao seu redor, quando viu, sob a marquise de uma loja, um mendigo todo encolhido e um cachorrinho aconchegado a ele. Devia ter uns quarenta, quarenta e cinco anos. Passando mais devagar por ele, ouviu gemidos.


Parou e perguntou o que estava acontecendo. Ele retirou a mão que estava por cima do que um dia tinha sido um casaco, e ela viu a roupa empapada de sangue. Clara se apavorou: – O senhor precisa ir imediatamente a um hospital, está com um ferimento grave. Ela tirou o celular da bolsa e ligou para a emergência: – Precisam vir urgente, tem um homem muito ferido, próximo ao shopping Rua da Praia, ele está perdendo muito sangue. – A senhora pode aguardar alguns minutos junto com ele? Estamos mandando uma ambulância agora para atendê-lo. – Não demorem, por favor. O rapaz não parava de gemer, e Clara pensou que era melhor conversar para que ele não desmaiasse: – Como é o seu nome? – André. – André, como é o nome da sua cachorrinha? – Pretinha. – O que aconteceu com o senhor? – Briga feia, moça. – Logo, logo vai chegar o socorro – tentou consolar Clara. André só fez um sinal afirmativo com a cabeça e não falou mais nada.

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A ambulância chegou e os socorristas foram abrindo caminho, pois ao redor de André já havia juntado um monte de curiosos. Eles o colocaram na maca e, quando estavam saindo para a camionete, o mendigo a chamou. Ela se achegou e ele disse bem baixinho: – Cuida da Pretinha pra mim, por favor. – Mas, depois, como vou te encontrar? – Assim que sair dessa, estarei no mesmo lugar. André implorou, segurando sua mão. Clara não falou nada, olhou para a cachorrinha que estava ganindo desamparada e ficou sem saber o que fazer. Resolveu levá-la a uma pet shop. Pediu que ela fosse banhada e lhe dessem um vermífugo. Comprou uma guia e uma coleira e foi em direção da AGEA. Conseguiu convencer o porteiro do Edifício Cacique que só iria ver as amigas que a estavam aguardando e depois iria embora. Chegando lá, viu o pessoal conversando e tomando cafezinho, pois o encontro já havia terminado. Os olhares de interrogação para ela e a cachorrinha a fazem corar. Clara suspira e diz: – Gente, vocês nem queiram saber o que aconteceu.

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DEPOIS DO BAILE

O mês de dezembro estava prestes a entrar. Talvez não fosse o melhor momento para uma separação. Logo as festas de final de ano chegariam e com elas a angústia de estar só. Ela procurou se dedicar a inúmeras atividades para não pensar sobre isso. Nos primeiros dias, sentiu uma necessidade enorme de ficar em casa. Como se quisesse recuperar o aconchego daquele espaço criado por ela com tanto carinho e que a presença do marido não lhe permitia usufruir. Passada uma semana, saiu a passear pelo bairro. Nunca observara com atenção a pequena e bem cuidada floricultura, a dois quarteirões. A charmosa padaria, com algumas poucas mesas para lanches. O armazém da esquina, lembrando aqueles antigos onde se podia encontrar de um tempero exótico a um objeto decorativo em ferro ou madeira, que não se acharia em nenhum outro lugar. Sentiu-se voltando à própria infância ou para a infância dos filhos ao ver crianças brincando na praça, na rua imediatamente anterior a sua. Caminhava devagar, respirava profundamente.


Ao retornar, ora cumprimentava um, ora sorria para outro, até ser acolhida por sua casa, que a esperava com suas cortinas brancas e o cheiro de alfazema exalado pelos vasos no beiral das janelas. Naquela tarde chegou a tempo de atender o telefone que não parava de tocar. − Aqui é da AGEA. Queria lhe informar que os convites para o baile de final de ano já estão à disposição dos associados. Agradeceu e, ao desligar, percebeu que nunca dera importância a esse evento. Ronaldo não sabia nem gostava de dançar, mas ela mesma nunca tivera interesse. Arriscou alguns passos de valsa pela sala e, cantarolando preparou-se para o banho. Na manhã seguinte, às dez horas em ponto estava em frente ao shopping. Queria comprar o vestido mais bonito que pudesse encontrar. Já quase desistindo, provou um modelo que tinha visto na vitrine. Ele lhe caiu tão bem, que levou sem piscar. A data do baile se aproximava e seu entusiasmo era cada vez menor. Será que não vou parecer uma mulher à caça de namorado? Na minha idade isso seria ridículo, como diria minha neta. Na sexta-feira marcada para o grande evento em comemoração ao aniversário da AGEA, ela amanheceu febril. Não é culpa minha se não tenho condições de ir, bem que tentei, pensava, querendo se consolar ou justificar. Nem fez questão de sair da cama.

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No final da tarde, uma amiga ligou pedindo carona para a festa à noite. Ela alegou seus motivos para não ir, mas ficou com pena da outra. Fez um esforço, meteu-se embaixo do chuveiro, depois tomou um chá bem quente com um analgésico. Ligou para a amiga dizendo que passaria em sua casa dentro de uma hora para pegá-la. Ao chegar ao Clube Farrapos, achou tudo muito bem organizado, as pessoas elegantes e perfumadas, a comida ótima, mas nada daquilo a agradava muito. Dançou algumas músicas com maridos emprestados de outras, que quase a fulminavam com os olhos. Depois, para não criar mais embaraços, aceitou o convite de dançarinos contratados para quem não tinha par. Até que se divertiu um pouco, mas um sentimento de frustração a perseguia. A festa acabou, sua amiga conseguiu companhia para o resto da noite, e ela voltou sozinha para casa. Ao entrar na garagem, um outro carro chegou junto. Assustou-se imaginando se tratar de um assalto e deu ré, ao invés de engatar a primeira. A batida de leve foi inevitável. Olhou pelo retrovisor e viu sair do outro carro um homem maduro, bem vestido e sorridente. Sem saber a razão, seu medo despareceu e, mesmo ainda nervosa, saiu do carro para pedir desculpas. Ele, porém, adiantou-se: − A culpa foi minha, não venho muito à cidade e, com esses prédios todos iguais, sempre me engano na entrada da garagem da minha irmã. Espero que não tenha lhe causado um grande susto. Estou voltando de uma festa, mas como pode ver estou sóbrio e chegando exatamente como fui.

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Disse isso e riu de um jeito que misturava timidez e descontração, que ela também não pôde deixar de achar engraçado. Retrucou que a diferença entre eles era apenas que ela tinha ido com uma amiga. Riram novamente, e ele fez questão de continuar a conversa. − Sabe, é a primeira vez que vou a esse baile, por insistência de um amigo meu. Até imaginei que poderia conhecer alguém interessante, mas todas estavam acompanhadas. − Por acaso você está voltando de um baile dos aposentados da CAIXA? – ela falou em tom de brincadeira, enquanto ajeitava os cabelos para o alto. Olhando para ela com espanto, ele aproximou-se um pouco mais: − Não vá me dizer que está vindo do mesmo lugar. Completamente pasma, ela ergueu o rosto de maçãs salientes e falou: − Por mais incrível que possa parecer, é do baile da AGEA que estou chegando, sim. Se isso não estivesse acontecendo comigo, eu duvidaria. − É muita coincidência. Só falta agora descobrir que somos velhos conhecidos do passado, e esta noite é um presente dos deuses. Nesse instante, a lua saía de sob as nuvens e se mostrava mais bela do que nunca. Foi então que, no encontro de seus olhos, perceberam que algo havia mudado.

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UM HOMEM AGREGADOR

Antoci Neto de Almeida gosta do que faz. É com satisfação que preside a AGEA, principalmente neste ano em que a Associação completa 40 anos de luta pelos direitos dos aposentados e pensionistas. Ocupa-se dos assuntos a ela pertinentes com energia e determinação, participando pessoalmente de todos os eventos necessários ao seu desenvolvimento, sejam reuniões, viagens, grupos de trabalho ou eventos sociais. Quando se aposentou, começou a participar dos almoços semanais organizados por alguns colegas que se aposentaram na mesma época. Era o início da Confraria do Ócio. Criaram uma chapa para concorrer à presidência da Associação, encabeçada por Manoel Lourenço, que veio a ser eleito. Antoci frequentava a AGEA sem nenhum cargo, apenas para estar junto aos amigos e ajudar no que pudesse. Quando a gestão de Manoel Lourenço estava por terminar, ele informou


que não poderia concorrer a novo período e convidou Antoci para disputar a presidência, uma vez que estava se formando uma chapa de oposição. Outro colega disse que também gostaria de encabeçar a chapa da situação, e foi feita uma prévia entre eles da qual Antoci saiu como candidato dos aliados, por escolha da maioria presente. A chapa liderada por Antoci foi vencedora nas urnas. Em sua gestão, continuaram as discussões sobre o “Pacotão” iniciadas no período anterior, buscando uma melhoria para os salários dos inativos. A questão sobre a retirada do chequealimentação dos aposentados a partir de 1995 estava no auge. Nesse período, muitos aposentados e pensionistas se filiaram à AGEA e frequentavam as reuniões. Juntamente com a FENACEF, a AGEA resolveu lançar o colega Mansur como candidato a Diretor Representante nas eleições da FUNCEF, e Antoci viajou pelo interior do RS, com outros colegas, buscando votos para Mansur, que foi o escolhido entre os três mais votados. Apesar do bem-sucedido trabalho na capital, o atual presidente tinha uma constante preocupação com os associados do interior e, mesmo sabendo que o Informativo chegava a todos mensalmente, Antoci queria levar aos colegas do interior gaúcho os assuntos discutidos nas reuniões das quintas-feiras. Para isso, criou as cidades-polos para onde viajava, muitas vezes de ônibus, ao encontro de aposentados e pensionistas carentes de notícias. Cresceu ainda mais o número de associados. Até aquele momento, eram eleitos o presidente, dois vices, um tesoureiro e um secretário. A partir de 1999, passaram a ser eleitos o presidente, dois vices e os conselhos Deliberativo

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e Fiscal, sendo a diretoria designada pelo presidente. Com o crescimento da AGEA, e de acordo com as crescentes necessidades, foram sendo criadas novas diretorias para melhor atender aos associados. Também foi criado o Grupo Solidariedade e contratada uma assistente social, com o objetivo de ajudar aposentados e pensionistas nos momentos difíceis, como doenças e falecimentos. A sede teve uma atenção especial, com pintura nova, aquisição de aparelhos de ar-condicionado, instalação de nova aparelhagem de som no salão nobre e atualização do equipamento de informática. Foram firmadas parcerias com escritórios de advocacia e com a Fellini Turismo, além da já existente com a Bika Corretora de Seguros. Coisa que poucos sabem, Antoci criou um sistema de entrega de livros a domicílio. O associado escolhe o livro através do site da AGEA, solicita por telefone e recebe, sem custo, a encomenda em sua residência. Instituiu o plano de saúde para os funcionários da AGEA, estendendo-o depois aos filhos maiores dos associados. Agregador, Antoci tem espírito de equipe e gosta de frisar que a gestão é do grupo, não dele sozinho. A turma que começou com Manoel Lourenço tem se mantido ao longo de todos estes anos, sempre coesa e forte, norteando os caminhos da AGEA, uma associação que não para de crescer. Para seus integrantes, Raymundinho foi o principal articulador da formação desse grupo, pois foi ele quem, na Confraria do Ócio, vendeu a ideia de organizar a chapa que terminou por sair vencedora nas eleições de 1997.

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Neste quadragésimo ano de existência, surgiu a ideia deste livro que Antoci e toda a diretoria abraçaram com entusiasmo, contando um pouco do que foi realizado até agora. Atualmente, em sua quarta gestão como presidente, Antoci continua atento ao bem maior da Associação: seus associados. Repassa as informações e esclarece detalhes a todos, quer por meio do site, do Informativo, por e-mail, ou mesmo de viva voz, nas reuniões que ainda acontecem na capital e interior. Para ele, é preciso lançar mão de todos os meios disponíveis para que as orientações cheguem ao associado, esteja ele onde estiver. Sua busca em integrar aposentados e pensionistas em torno de uma associação voltada para eles tem sido o seu objetivo maior e motivo de satisfação pelos resultados obtidos.

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CENÁRIOS

Volta ao amplo apartamento, que agora lhe parece ainda maior. As janelas sem cortinas, apenas com persianas entreabertas, deixam entrar raios de sol que fazem aparecer o bailado da poeira. Depois de tantos dias abandonado, seu lar precisa ser aberto e limpo. Fica para depois. Na parede da sala, a foto ampliada de um casal sorridente com a Torre Eiffel ao fundo contrasta com a tristeza dos móveis. Na suíte, a cômoda e o criado-mudo estão cheios de remédios. Sobre a cama, algumas roupas espalhadas. Há, ainda, uma caixa lilás, onde são guardados documentos. Está revirada. Outra foto do mesmo casal está ali, agora o cenário é uma praia com águas calmas e azuis. No Caribe, talvez. Entra no banheiro e, instantes depois, ouve-se o som da água do chuveiro misturado a soluços. Outra vez silêncio. De roupão, olha pela janela e vê a larga sacada, com prateleiras repletas de vasos com diferentes temperos e até mesmo hortaliças. Algumas plantas estão secas.



Lidiane e Marcos conheceram-se na escola, quando tinham dezesseis anos. Casaram-se aos vinte e três, quando terminaram seus estudos, havia trinta e oito anos. Os dois trabalharam na CAIXA até a aposentadoria. O único filho estava casado. Pela primeira vez, ela está só. Um sentimento desconhecido e assustador: solidão. Quanta mudança aconteceria em sua vida sem o companheiro. Como poderia dormir sem o abraço de Marcos? Seria capaz de acordar e planejar seu dia sem contar com ele? Com quem dividiria seus sonhos, alegrias e medos? Teria forças para ir à academia sem o marido? E ao cinema? Com quem comentaria o filme? Viajar, então, nem pensar. Parecia que não conseguiria nem mesmo continuar respirando. O telefone toca. É Fernanda, a amiga de muitos anos, desde o tempo em que trabalharam na mesma agência: – Oi, Li. Como estão as coisas? Falei com a Nara, a assistente social da AGEA. As tuas despesas de alimentação, como acompanhante durante a internação, serão ressarcidas pelo Saúde CAIXA, desde que apresentes os comprovantes. A Nara falou que podes pedir ajuda a ela, se quiseres, para encaminhar a pensão por morte e receber o auxílio funeral. Lidiane diz à amiga que precisa agradecer à assistente social, pois a moça, numa das visitas ao hospital, logo no início do tratamento de Marcos, lhe sugeriu mudar de plano de saúde, do PAMS para o Saúde CAIXA. Ela lhe explicou que a sua participação nas despesas médicas e hospitalares no Saúde CAIXA fica limitada a um valor anual, enquanto no PAMS não existe esse limite e pode gerar saldo devedor se o desconto mensal não for suficiente para amortizar a dívida. Não fosse isso,

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além da dor e das dificuldades que enfrentará com a recente viuvez, teria ainda problemas financeiros. Após tentar convencer Fernanda de que está bem, desliga o telefone. Olha novamente para os remédios e decide levá-los para a assistente social, ela saberá o que fazer com eles. Recostase na cama. Exausta pela dor e pelo cansaço, adormece e sonha. Ela e Marcos caminham de mãos dadas na praia da foto, rindo de tudo e de nada. Tão leve.

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AUXÍLIO EMERGENCIAL

Uma figura sem igual. Era assim que Conrado costumava ser visto pelos que o conheciam bem na Associação. Não fosse sua desorganização financeira, o que lhe causava enormes dores de cabeça, podia se dizer que não tinha problema algum. Os que trabalharam com ele na ativa eram unânimes em afirmar que, nessa área, ele havia sido sempre um verdadeiro desastre. Fazia o tipo carismático e, embora as seguidas confusões que criava para si próprio envolvendo dinheiro, todos gostavam muito dele. Não resistia a um rabo de saia, e contar sobre suas aventuras amorosas se tornava uma diversão para ele e para quem o ouvia. As pessoas o consideravam um sujeito mão aberta e talvez estivesse aí a raiz de suas dificuldades. Por conta disso, vivia se metendo em situações que o complicavam mais ainda, ora para ajudar a quem precisava mais do que ele, ora para fazer um agrado ou ainda por deixar abusarem de sua generosidade. Certa vez, Conrado foi protagonista de um fato inusitado que deixou a todos apreensivos e com urgência para dar uma


solução a seu problema. O presidente e o diretor financeiro estavam reunidos na sala da presidência, quando viram a porta se abrir e o conhecido colega entrar em estado deplorável. Tinha os cabelos brancos desgrenhados e o suor lhe escorria pelo rosto. Os olhos davam a impressão de querer fugir das órbitas. – Por favor, por favor, vocês precisam me ajudar. É um caso de vida ou morte. Diante daquela cena, vendo o homem com a angústia estampada no rosto, os dois ficaram assustados. Conrado continuou: – Já passei no Departamento Financeiro, eles não puderam me ajudar, mas eu sei que vocês podem dar um jeito. O presidente e o diretor se entreolharam. Sabiam que o colega estava impedido de realizar um novo auxílio emergencial, por já ter esgotado a sua margem. Mas com um pedido tão veemente, e porque o valor não era tão significativo, eles aprovaram a quantia que ele necessitava. Enquanto providenciavam a liberação do dinheiro, observaram que o colega se acalmara um pouco, mas permanecia acabrunhado. Por isso, não tiveram coragem de perguntar a razão de tanta urgência. Dias depois, viram o aposentado entrar na Associação feliz da vida. Com um olhar tranquilo e um sorriso maroto nos lábios, ao ver Antoci foi logo agradecendo. – Vocês salvaram a minha vida. Se não fosse o auxílio emergencial da AGEA, não sei o que teria sido de mim. Andei

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dando uma resvalada, vocês entendem, e só com um buquê de flores bem bonito a minha namorada poderia me perdoar, e eu estava sem um tostão no bolso. Ela adorou as rosas vermelhas, e o namoro continua de vento em popa. Não era uma piada, mas todos só conseguiram rir.

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A OUTRA FACE

Confesso que me senti inibido diante daquele homem, outrora aos meus olhos, tão poderoso. Ali sentado à minha frente, não era nem sombra do que havia sido, com seu porte sempre elegante e uma pose que beirava a arrogância. Ele não me reconheceu, nem eu fiz questão de me identificar. Naquele tempo, ele chefiava a unidade em que eu ingressara, logo no início de minha carreira na CAIXA. Percebi que ele também não estava à vontade. Aos poucos, porém, creio que por se sentir acolhido ali na Associação, foi deixando as palavras saírem. No começo truncadas, como se estivesse envergonhado de tudo aquilo. Tendo encontrado alguém disposto a ouvi-lo, encorajou-se. − Sabe, imagino que essa não deva ser uma situação apenas minha. Talvez outros aposentados estejam vivendo o mesmo problema. Ajeitou-se na cadeira, pigarreou, olhou para os lados, e continuou:


− Não sei como cheguei a isso. Quer dizer, eu sei. A questão é minha filha. Separou-se do marido e, com dois filhos pequenos, voltou a morar lá em casa. Uma das crianças tem um probleminha, e precisa de atendimento especial, o que torna tudo mais difícil. − Entendo o que o senhor deve estar passando. Ofereci-lhe um café. Segurou a xícara com a mão trêmula e, agradecendo, sorveu a bebida em dois goles. Depois, apanhou um lenço no bolso da camisa, secou o suor do rosto e prosseguiu: − Ela ganha pouco, a pensão do marido não é suficiente para as despesas. Então, eu e minha mulher, que vivíamos com certa tranquilidade, de repente nos vimos obrigados a dividir nossa renda com mais três pessoas; no caso, só meus ganhos, minha mulher nunca trabalhou. Ele ficou em silêncio por um instante, como se procurasse as palavras, e novamente voltou a falar: − A filha acha que não precisa contribuir com nada, quer apenas vestir-se e comer bem, sem se preocupar com o resto. Temos tentado conversar, mas ela diz que é por pouco tempo. Só que essa situação já dura dois anos, e não vejo perspectiva de mudar tão cedo. − A vida às vezes nos apresenta imprevistos, mas sempre há uma saída. − Pois é, por isso estou aqui. Eu sei que a AGEA não vai me falhar numa hora dessas. Preciso de mais um auxílio emergencial, o anterior já está quitado.

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− Claro, vamos ver o que podemos fazer. O senhor tem o seu contracheque aí? Ele abriu a carteira e me entregou o papel. Constatei de imediato que sua margem era pequena, já comprometida com outros débitos. Após fazer os cálculos, disse-lhe o valor de que poderia dispor. Observei em seus olhos uma ponta de decepção. No entanto, assinou os papéis no lugar em que lhe indiquei. Em seguida, ergueu-se e agradeceu. Estendendo-me a mão ao despedir-se, notei que estava úmida. Com as costas um tanto encurvadas, caminhou para a porta com seu passo cansado. Antes de sair, voltou-se e ainda disse: − Se me permite um último desabafo... − Claro, se eu puder ajudar em mais alguma coisa. − Vou fazer cinquenta anos de casamento nos próximos dias, nem sequer uma festa, como imaginei, poderei dar à família e aos amigos. Sem esperar resposta, deixou a sala. Meus olhos o acompanharam até a saída. Nesse exato instante, entrava um colega e também seu amigo. Vestia abrigo e tênis e trazia no rosto um ar saudável. Conhecido por todos como uma pessoa simples, apesar do patrimônio invejável, o recém chegado abraçou-o afetuosamente, abrindo um largo sorriso. Embora acostumado a cenas inusitadas, as que se seguiram me surpreenderam de modo inacreditável. Mudando totalmente a postura, o outro empertigou-se todo e retribuiu o sorriso e o abraço de modo efusivo. Quase não conseguia reconhecer

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naquele homem a pessoa que eu acabara de atender. Estava perto dos dois e não pude deixar de escutar a conversa. − Então, bodas de ouro. Mal dá para acreditar que meio século passa tão depressa. Merece ser comemorado à altura. − Pois é, a questão é que a Ana preferiu uma viagem à Europa. Mas vamos fazer lá em casa um encontro apenas para os íntimos, algumas iguarias regadas com champanhe. Você é nosso convidado de honra. − Fico muito feliz e agradecido, mas minha mulher e eu também vamos estar fora do país. − Que pena! Que tal, então, se combinássemos um jantar em uma dessas charmosas e românticas cidadezinhas do Velho Continente? Ou quem sabe, na volta, um tour a Montevidéu ou Buenos Aires. Nada como a carne dos pampas, e o vinho produzido por aqui está cada vez melhor. O amigo apenas assentia com a cabeça. O sorriso se apagando, mostrava um rosto cada vez mais sério. Em determinado momento, o outro se voltou. Quando me viu, desviou os olhos.

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ENCONTROS AO ENTARDECER

Cecilia acorda animada, hoje é dia do chá com as amigas e há muito a fazer. Arruma a casa, abre as cortinas, ajeita as almofadas e depois de um último olhar, para ver se tudo está em ordem, vai a pé até o salão que fica a duas quadras. Faz uma escova e muda a cor do esmalte para um nude. Ao voltar, passa na floricultura e escolhe um arranjo de rosas e flores do campo para colocar na mesa de centro: as primeiras são as prediletas de Vera e Lourdes; Carmen, Tereza e Luíza preferem as outras. Após o almoço, separa a louça que usará logo mais, deliciase em preparar o chá de maçã, ao mesmo tempo em que distribui em bandejas os excelentes salgadinhos encomendados na padaria do bairro. Escolhe os guardanapos e a toalha rendada, enquanto repassa mentalmente os assuntos que ouviu na AGEA na reunião da última quinta-feira e sobre os quais quer conversar com as amigas. A melhor coisa que fiz foi começar a ir a essas reuniões. Antes ficava em casa e nem tinha ideia do quanto se aprende por lá, até que minha pensão começou a encolher. O dinheiro que recebia no


dia 20 já não dava para todos os gastos do mês. Seu pensamento é interrompido pelo toque da campainha. Lourdes e Tereza são as primeiras a chegar. Mal acabam os abraços e beijos e as demais já apontam na esquina. Entram todas juntas, são tantas as perguntas que fazem umas às outras, que as vozes se misturam nesse começo de encontro mensal, que, entre elas, já é tradição. Luiza fala do bisneto nascido há dez dias, de como ele se parece com o falecido. Vera conta que a neta que está morando no Canadá vai se casar. Carmen reclama que o dinheiro da pensão não dá para mais nada e Cecilia aproveita para entrar no assunto que quer discutir com elas: – Vocês sabem que agora estou frequentando a AGEA nas quintas-feiras? A reunião se chama Conversando com a Diretoria, e eles têm falado muito sobre a nossa situação, os PMPP, além de outros assuntos que também nos interessam. – Que outros assuntos? – pergunta Vera. – Olha, Vera, já falaram nas eleições da FUNCEF, nos problemas do plano de saúde, nas viagens que organizam ... – Sabes bem que és a única que te associaste, Cecilia – interrompe Carmen. – Pois é. Por falar nisto, trouxe comigo estas propostas aqui para vocês também se tornarem sócias. Eles estão fazendo uma campanha para ampliar o quadro de associados e dão brindes a quem se filiar neste mês. Porque não aproveitam agora? – O que falaram sobre nós, pensionistas do PMPP? – pergunta Luiza.

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– O presidente explicou que, quando foi extinto o SASSE e criada a FUNCEF, os que já estavam aposentados tinham contribuído para o SASSE e não para a FUNCEF, então, quem assumiu o pagamento dos rendimentos deles, entre os quais nossos maridos, foi a própria CAIXA. Só que para a CAIXA essa situação era irregular. Então a folha de pagamento passou para a Fundação e a CAIXA se comprometeu a aportar as reservas necessárias para manter esses pagamentos. E existem outras situações também, que só ouvindo as explicações dele pra entender. – E sobre as viagens, que viagens? – interrompe Lourdes. – Olha, parece que em junho vai haver uma para Gravatal, uma semana inteira e pode parcelar o pagamento. Em setembro será para Livramento. Rever Rivera, já pensaram? Lembram quando íamos com nossos maridos, como era bom? Aquilo deve estar muito mudado... – Poderíamos ir todas juntas. Eu não conheço ninguém lá na Associação – comenta Tereza, que até agora tinha ficado só escutando. – Mas para isto temos que ser todas sócias da AGEA, peguem estas propostas e levem para preencher. Depois vamos combinar um dia para irmos lá, todas juntas, e então nos inscrevermos nos passeios que quisermos – completa Cecilia. Lá fora, o céu começa a tingir-se de vermelho, e as muitas nuances que se infiltram pela janela, iluminam ainda mais aqueles rostos alegres, que riem e falam sem parar. Um animado encontro que faz jus ao belo entardecer.

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CAMPEÃ AOS 40

O esporte, muito mais que uma atividade, muito mais que uma competição, é uma declaração de vida e de amor a ela. A FENACEF apoia o esporte e deseja que cada atleta vença seus próprios limites. Painel de boas-vindas – Jogos 2014 Ricardo Cravo sorri. O homem responsável pela área de esportes da AGEA está emocionado. AGEA, campeã brasileira dos V Jogos da FENACEF. Nem sempre foi assim. A Associação foi crescendo ano a ano. Tudo começou em 2010 quando o Paraná criou os jogos para os aposentados. A AGEA, com o empenho de Newton e de Antoci, reuniu uma delegação de quarenta pessoas entre atletas, convidados e uma jornalista e trouxe para o Rio Grande do Sul oito medalhas. Voltaram encantados, pois os jogos


estimulavam os aposentados, pensionistas e companheiros a praticar esportes, cuidar mais da saúde fazer atividades físicas, além de proporcionar encontros e reencontros com colegas de outros estados. O ano de 2011 trouxe a segunda edição dos jogos da FENACEF e, mais uma vez, Newton e Antoci formaram uma delegação de cinquenta pessoas para irem a Brasília. Voltaram com mais oito medalhas, e os jogos mostraram união do grupo e integração com os demais participantes. Os jogos continuaram ganhando novos adeptos. Em 2012, foi a vez de Águas de Lindoia, interior de São Paulo, sediar os III Jogos. A delegação da AGEA, coordenada pelo diretor Milton José, o Miltão, trouxe dez medalhas e se classificou em terceiro lugar no Brasil. O entusiasmo com os resultados levou Sergio, presidente na época, a criar a Diretoria de Esportes. Na primavera de 2012, antes de iniciar uma das reuniões de quinta-feira Conversando com a Diretoria, Sergio comentou com Ricardo que precisava de um clube para treinar os atletas da AGEA. Como fazia parte da diretoria do Petrópolis Tênis Clube, Ricardo acenou com essa possibilidade. Convidado para ser o Diretor de Esportes da AGEA, Ricardo aceitou o desafio. Extremamente competitivo, alegrou-se com a ideia de coordenar um grupo de colegas para competir nos jogos dos aposentados. Os IV Jogos foram em São Luiz do Maranhão. Os atletas queriam participar, mas principalmente ganhar. Na garra de

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cada jogador, dando o máximo de si, não havia ninguém velho. Eram todos garotos dentro de suas limitações permitindo-se pular, correr, cair, levantar, jogar. Bonito de se ver a dedicação dos atletas que fizeram o possível e o impossível para vencer. Durante as competições, ninguém sentia dor e nem lembrava do joelho, do braço, da coluna. Claro que um Gelol, de vez em quando, não fazia mal a ninguém. O importante era a participação, o entusiasmo e a vontade de vencer. O resultado foi um total de dezoito medalhas, sendo cinco de ouro, seis de prata, sete de bronze e o segundo lugar no ranking nacional. O resultado positivo de 2013 foi um motivador à preparação para os próximos jogos do ano seguinte. Agora, o objetivo maior era vencer e vencer. Durante um ano, todos os atletas da capital e do interior, independentemente da modalidade, se desdobraram treinando, focados na competição. A motivação, o planejamento, as condições de treinamento e o foco dos atletas foram fundamentais. O resultado da garra, da disciplina, do talento, da superação, somados ao espírito coletivo e à união do grupo foi coroado com o título máximo de 2014. A AGEA, Campeã dos V Jogos dos Aposentados da FENACEF, conquistou vinte e quatro medalhas, seis de bronze, sete de prata e onze de ouro. E, como disse alguém, “somos todos vencedores, os que ganharam medalhas, os que não ganharam, os que torceram. O que valeu foi a soma dos esforços de todos. Um diretor comprometido e uma diretoria que proporciona as condições necessárias para que os atletas, as grandes estrelas, possam treinar, faz toda a diferença.”

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AO SOM DE SCHUBERT

Final de um dia cheio, Juliana está tentando decidir se vai ou não a Livramento no próximo fim de semana. Acomodada em sua poltrona favorita, ouvindo Schubert com Pluma preguiçosamente aninhado em seu colo, pondera prós e contras. Não precisa de nada de Rivera, mas as viagens da AGEA são sempre tão divertidas. Pluma mia, pedindo atenção. Ela o afaga distraidamente enquanto lhe vem à lembrança o dia em que se associou à AGEA, seis meses depois de ter se aposentado. No ano seguinte resolveu ir ao Simpósio, em Natal, Rio Grande do Norte. Encontrar ex-colegas de trabalho e antigos chefes, viajarem todos na mesma expectativa pelos assuntos que lá seriam tratados já foi uma alegria. Emoção maior sentiu ao ver aposentados e pensionistas, como ela, lutando por melhorias para todos. Alterações no plano de saúde e na recuperação das perdas nos benefícios eram o ponto-chave


das discussões. Ainda guarda a foto da delegação do Rio Grande do Sul no porta-retratos e, desde então, tem ido a todos os Simpósios. Participou também do passeio de Maria Fumaça, pois já tinha feito novas amizades e gostava de viajar em grupo. A viagem de trem trouxe recordações de um tempo antigo, quando ouvia as histórias contadas por seu avô, que costumava vir de Santa Maria para a capital. Tornou-se frequentadora assídua dos eventos promovidos pela AGEA e, em outro ano, resolveu fazer o passeio ao Gravatal. Já havia ido com uma amiga, mas com a turma da Associação foi muito mais divertido. Ir às compras depois do café da manhã e voltar correndo para a hidroginástica na piscina coberta era quase uma aventura. O dia era curto para todas as atividades propostas pela equipe de recreação do hotel. Pluma pula de seu colo e sai em busca da bola de lã. Juliana substitui Schubert por Mozart no pequeno aparelho de som e estende-se no sofá. Tem ido tantas vezes a Livramento,que desta vez está preferindo não ir e, além disso, precisa visitar uma amiga no hospital. Juliana recorda de sua viagem a Portugal organizada pela AGEA. Era o primeiro passeio internacional da Associação com um grupo de trinta e cinco pessoas, dentre elas duas amigas e a jornalista responsável pelo Informativo. Precisou fazer um empréstimo para poder viajar, mas valeu a pena. Conheceram lugares históricos e modernos, foram a um jantar com música típica e se divertiram muito. Essa viagem despertou uma

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vontade de cursar um idioma estrangeiro para continuar viajando mundo afora, e, para sua surpresa, a AGEA lançou uma pesquisa de interesse sobre aulas de inglês dentro da própria sede. Não tinha como ficar de fora. Quando Juliana ficou sabendo que a diretoria da AGEA daria de presente de Natal aos empregados um passeio a Gramado, com direito a ver o espetáculo do show dos tenores no lago, e que abriria aos associados que quisessem ir, ficou sem voz. É claro que iria, e foi. E foi maravilhoso, apesar do frio e da chuva que obrigou todos a comprarem capas. Clima de inverno em pleno verão, Gramado é assim. Num outro ano viram o desfile de rua, quando as crianças olhavam admiradas para uma quantidade enorme de Papais Noéis que acenavam e sorriam. Pluma se cansa da bolinha de lã e pula no sofá, aninhandose acima de sua cabeça. O celular toca o sinal de mensagem, interrompendo seus pensamentos. É Cláudio informando que tinha reservado um lugar para ela em sua mesa no jantar de final de ano. Cláudio é um de seus melhores amigos. Está na Associação há bem mais tempo do que ela e também gosta de viagens, de bailes e do mar. Os jantares de final de ano são festas imperdíveis que sempre terminam de madrugada por causa do baile, e as pessoas que ficam até o fim se dividem em caronas ou táxis. Depois responderá a mensagem; agora precisa organizar o material para a aula de Informática, na manhã seguinte, às nove. Depois, às dez, na aula de inglês, vai confirmar a ida ao almoço no Piquete Rancho dos Amigos no Parque da Harmonia, com os colegas de aula. Sobre Livramento, decidirá mais tarde.

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TERREMOTO

Após trinta e um anos de casamento, quando tudo parecia tranquilo, Célio chegou em casa depois da caminhada matinal e surpreendeu a mulher: – Carla, estive pensando, quero ter mais espaço, saber como é ser livre. Acho que eu gostaria de me separar. Antes que perguntes, não, não tenho outra pessoa. Apenas estou cansado dessa vida. – Só podes estar brincando! Ou enlouqueceste? – Nada disso. Desejo ter liberdade para fazer o que quiser. – Célio! Estou boba. Pensei que fôssemos felizes juntos. Te amo e não quero me separar de ti. – Eu também te amo. Me perdoa por te magoar, só preciso ficar sozinho por um tempo. Carla ainda tentou fazer Célio mudar de ideia, sem sucesso. Teve de capitular:


– Bem, não gostaria de ficar longe de ti, mas não vou insistir mais. Se esse é o teu desejo, vamos nos separar. Passaram-se dias e Célio permanecia firme na decisão. Prática e realista, Carla sabia que para um casamento ser bemsucedido é preciso que as duas pessoas estejam dispostas, por isso resignou-se. – Carla, vi no mural da AGEA que o Alberto, que foi meu colega de agência, tem um escritório de advocacia especializado em direito de família. Vamos marcar uma consulta com ele e ver como resolvemos a situação? Consultado, o advogado informou que o divórcio poderia ser muito simples, bastaria comparecerem ao cartório. Na época do casamento, haviam optado pela separação total de bens, além de decidirem não ter filhos, para que nada interferisse no grande amor que sentiam. Carla sugeriu uma viagem de despedida de casamento, afinal durante o tempo de união, viajavam muito. A AGEA, através de uma agência de turismo parceira, estava organizando um grupo para conhecer o México. Tantas vezes falaram em conhecer aquele país, mas, por um motivo ou outro, sempre acabavam indo para outro destino. Ele aceitou. Viajaram vinte dias depois. Seria a viagem de divórcio. Sentiam-se modernos e civilizados. Ela, menos feliz do que ele. Depois de duas semanas de passeios, quando chegaram em Guadalajara, os dois despediram-se dos colegas da Associação. Alugaram um carro para ir até Taxco, que não estava incluída

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no roteiro da agência. Queriam conhecer a cidade da prata, localizada a três mil e cem metros acima do nível do mar, com estreitas ruas e prédios coloniais. A viagem era longa, dormiriam em Toluca, para continuar no dia seguinte. Eram quase nove e meia da manhã do dia dezoito de abril. Saíram da cafeteria no shopping. Carla foi para o carro no estacionamento, enquanto Célio pedia informação ao segurança para saber a melhor rota a seguir para chegar a Taxco. De repente, o carro começou a balançar de um lado para outro. Era um movimento diferente. Carla, a princípio, não entendeu o que estava acontecendo. Ouviu o som de alarmes e viu as pessoas saindo do prédio, às pressas. Só então, compreendeu. Desceu do carro com a intenção de procurar por Célio. Foi quando o viu chegando, com os grandes olhos castanhos ainda maiores. – Que cara é essa, Célio? – Fiquei com medo de morrer longe de ti. Sorriram e, de mãos dadas, retornaram ao carro. O terremoto havia passado.

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UM SORRISO, UM APERTO DE MÃO, UM ABRAÇO

Acordar tão cedo naquela manhã de sábado, início de primavera, deixou Graça mal-humorada. Quando se aposentou, aposentou também o despertador. Tentou se animar ao pensar no passeio de Maria Fumaça, de que sempre ouvira falar, e agora iria fazer com o grupo da AGEA. A saída do ônibus do Haudi Park Estacionamento estava marcada para as sete horas. Graça chegou dez minutos antes, e a coordenadora do passeio a recebeu com um contagiante bom-dia que melhorou seu humor. O programa organizado pelos colegas da Associação incluía um dia cheio de atividades. Procurando seu lugar no ônibus, não pode deixar de notar um senhor de olhos azuis, já um pouco grisalho, que lhe sorria. Graça sentou-se no banco à sua frente. Ao iniciar a viagem, a coordenadora deu as boas-vindas a todos e logo passou a palavra à guia, que foi contando a história da região durante a viagem.


A primeira parada foi na loja da Tramontina, em Carlos Barbosa. Graça pegou um cesto e saiu escolhendo algumas ofertas para presentear sobrinhas e afilhadas. Ao entrar num dos corredores, chocou-se com o senhor de olhos azuis e deixou cair a cartela de garfinhos de coquetel que tinha na mão. De pronto, ele se abaixou e, ao lhe entregar a cartela, estendeu a mão e apresentou-se como Pedrinho. Ela agradeceu e se encaminharam ao caixa, quando ele a convidou para um café. Depois voltaram ao estacionamento. Enquanto aguardavam a entrega dos tickets para o passeio de trem, Graça conversou com outras pessoas e constatou que não era a única a fazer o passeio pela primeira vez. Quem já havia feito, só tinha elogios. No trem, Pedrinho sentou-se ao lado de Graça e foram conversando até começarem os shows. Ele, aposentado havia mais de vinte anos, frequentava a Associação semanalmente e lhe falou de tudo o que a AGEA poderia lhe proporcionar, inclusive sobre o atendimento prestado pelos empregados. Ela, aposentada havia apenas cinco meses, ficava pensando de quais atividades gostaria de participar. No próprio trem puderam assistir apresentações de teatro, música e dança. Casais vestidos a caráter tiravam os viajantes para dançar no corredor. Graça estava encantada. Na parada em Garibaldi houve degustação de vinho, espumante e suco de uva. O passeio foi de Carlos Barbosa a Bento Gonçalves, onde o ônibus já os aguardava para levá-los à Epopeia Italiana, que conta a história da imigração italiana no estado. Graça se emocionou

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lembrando das coisas que sua avó contava. Saindo dali foram almoçar num restaurante com comida típica da região, e Graça, numa mesa com mais sete pessoas, comentou que nunca tinha se divertido tanto. Distraídos, nem viram o tempo passar quando foram chamados para continuar o passeio. A visita a uma vinícola da região era com hora marcada. Apreciadora de bons vinhos, como sua avó, Graça gostou muito das explicações da recepcionista da vinícola, desde a plantação e colheita das uvas até o engarrafamento da bebida. Na loja de varejo comprou uma caixa de vinho cabernet sauvignon e um litro de suco de uva branco. O grupo estava feliz com o passeio. Apenas uma pessoa parecia não ter gostado de nada, nem da fumaça do trem, nem da comida servida no restaurante, nem das explicações da moça da vinícola, nem da viagem. Mas em todo lugar existem pessoas assim. Graça não sabia se era o almoço, ou o vinho, ou a energia do grupo, mas a algazarra das conversas foi dando lugar ao silêncio de quem descansa. E lembra. Uma pausa que durou pouco, pois logo chegaram ao Shopping das Fábricas, em Farroupilha. Era o último item do programa. A guia informou que teriam uma hora e meia para comprinhas, e o grupo se dividiu. Na hora marcada, quase todos carregando sacolas, retornaram ao ônibus. Durante a viagem de volta, uns dormiam, outros conversavam baixinho. Na chegada, a guia perguntou se haviam gostado e a coordenadora informou outros passeios que se realizariam no decorrer do ano, convidando a todos para um cafezinho na Associação.

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Enquanto cada um pegava suas compras no bagageiro do ônibus e se despediam uns dos outros, Pedrinho se aproximou de Graça. Emocionada, ela recebeu e retribuiu seu abraço, e combinaram de se encontrar na semana seguinte, na AGEA. No táxi, a caminho de casa, Graça reconheceu que foi bom ter acordado cedo naquele sábado de primavera. Cada momento valera a pena.

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A EMOÇÃO DAS LETRAS

Aposentada, Maria Isabel pensava no que iria fazer de sua vida dali para frente. No início, precisou se dedicar à mãe doente. Só após o seu falecimento, e depois de um tempo para respirar, é que conseguiu vislumbrar um novo começo. Tinha alguma habilidade com a escrita, mas como livrar-se do bloqueio antigo: De onde você copiou isto, menina? Cada vez que tentava escrever um texto, a voz do professor falava mais alto e ela deixava pra lá. Já ouvira falar nos concursos literários organizados pela AGEA, mas nunca tivera coragem de participar. Havia as oficinas literárias que tiveram início em 2010, com uma oficina de contos, dirigida pelo escritor Caio Riter. Um dia, no início de 2011, folheando o informativo da Associação, ficou sabendo que estavam abertas inscrições para uma oficina literária de crônicas com o jornalista e escritor Walter Galvani. Resolveu inscrever-se. Ao chegar ao primeiro dia de aula, o pensamento era um só: o que estou fazendo aqui? Para sua surpresa, encontrou colegas com quem havia trabalhado e outros que conhecia de encontros


eventuais. Sentiu-se mais à vontade. Vencidos os bloqueios, ou pelo menos parte deles, descobriu que poderia escrever, que sua escrita tinha valor. No final do ano, foi publicado um livro. Uma emoção indescritível participar, pela primeira vez, de uma sessão de autógrafos na famosa Feira do Livro de Porto Alegre. Tinha acontecido nova oficina em 2012, novamente com o escritor Caio Riter, só que dessa vez de crônicas. Infelizmente, não pudera participar. Em 2013, mais uma oficina literária, de contos, agora sob a batuta do escritor Luiz Paulo Faccioli. Já com alguma experiência, tudo parecia mais fácil. Puro engano. Novas técnicas foram apresentadas com mais rigor nos detalhes, e as dificuldades aumentaram. Por um momento, quis desistir. Seguraram-na, os agradáveis encontros semanais com um grupo animado, o chazinho, os biscoitos, os papos sobre literatura e, principalmente, o desejo de aprender mais. Ela escrevia, o professor corrigia, escrevia novamente, e mais uma vez, até que o texto contivesse apenas o essencial. A cada nova dificuldade vencida, uma alegria. Ao final do ano, outro livro, nova sessão de autógrafos, a presença da família, amigos e até desconhecidos, todos prestigiando. Neste ano, o privilégio de escrever a história dos quarenta anos da AGEA. Sabendo-se ainda com um longo caminho a percorrer, pois a escrita é um eterno aprendizado, Maria Isabel não se intimida diante do novo desafio que ela e as demais componentes do grupo têm pela frente. Emocionar as pessoas

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é o trabalho de um escritor. Isto ela garante que não irá faltar. Em cada história contada, um pouco de cada um. Identificar-se, ela deixa por conta dos leitores.

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COSTURAS DO TEMPO

Uma porta enorme de madeira. Fora, um silêncio de atordoar o zumbido. Do lado de dentro, barulho. Parecia que todos falavam ao mesmo tempo, enquanto alguns cantavam, outros ainda gargalhavam. Minhas pernas tremeram. Cheguei a chamar o elevador de volta. Mas a porta da AGEA se abriu antes que eu conseguisse fugir dali. Não tive escolha a não ser entrar. Um gato numa sala cheia de cachorros estaria mais à vontade do que eu naquele momento. Dei boa-tarde, bem baixinho, para que ninguém ouvisse e nem me olhasse entrando assim tão assustada. Muitas perguntas tiniam na minha cabeça: será que vou gostar deste lugar cheio de gente que não conheço? E esta alegria? O movimento das pessoas ia me empurrando para dentro de um salão cheio de senhoras e senhores. As mulheres, todas mais ou menos da minha idade, umas até mais velhas, estavam muito bem vestidas. Maquiadas e com unhas coloridas,


desfilavam como se estivessem na passarela. Trocavam abraços e comiam petiscos. Os perfumes que exalavam a cada passada davam um ar de nobreza ao ambiente. Um garçom elegante me ofereceu uma taça de coquetel de frutas. Olhou-me de pertinho como se fosse contar um segredo. Tremi toda. Fazia muito tempo que nenhum homem chegava assim tão perto de mim. Usava um perfume amadeirado que fez zunir um calafrio nas minhas costas. Os escritores já estavam todos por lá. Trocavam abraços e recebiam mimos dos visitantes. Não conhecia nenhum deles, mas precisava estar ali. Conhecer esse novo lugar, que seria o meu ponto de ocupação nas tardes geladas de Porto Alegre. Ou ainda nas quentes do calçamento escaldante, quando um lugar agradável e com ventilação adequada me faria esquecer a solidão da aposentadoria. Separar, aposentar e ver os filhos irem carece de uma sabedoria que nem sempre está ali na prateleira dos livros. Um homem de cabelos pretos, com uns poucos fios prateados, cruzou, pela segunda vez, o olhar com o meu, lá do fundo do salão. O rosto me pareceu familiar, mas eu tinha certeza de não conhecer ninguém ali. Um misto de inveja, medo e esperança tomou conta de mim. As pessoas estavam tão faceiras com os livros nas mãos dando autógrafos e contando da oficina. A diretoria da AGEA escancarava-se em sorrisos pelo sucesso do projeto de incentivar a literatura. Os filhos encantados com seus pais escritores, descobertos no entardecer das suas vidas.

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Um toque no meu ombro me sacudiu do devaneio. – Oi. Lembras de mim? Entramos juntos na CAIXA, fizemos o curso de integração. Depois nunca mais te vi. Era a festa de lançamento de um dos livros dos associados da AGEA. Haviam feito oficina literária durante o ano, ali, naqueles salões aquecidos pelo sol da tarde, e havia pouco autografaram a obra na Feira do Livro de Porto Alegre. Receberam os seus diplomas e os abraços naquela tarde tão especialmente perfumada. Eu estava conhecendo o lugar onde tantos já eram de casa. – Onde eu andei todo esse tempo em que não vi tudo isso? Mauro me contou da sua vida. Do quanto esperou por mim, da sua procura nas festas da CAIXA, sem ter me encontrado uma vez sequer. Das viagens que fez com os grupos da AGEA, depois que se viu divorciado e com os filhos crescidos, sempre achando que me encontraria. Não tive coragem de lhe contar que acabei casando com outro por achar que ele nem me via, mas que nunca o esqueci. Ele tinha virado ficção. Uma história que permanece porque foi contada, mas que de fato nunca aconteceu. As moças da limpeza saíram em grupo batendo a porta. O presidente veio se despedir, desculpando-se, pois estivera ali desde o início da tarde e estava cansado. Não vi que todos tinham se ido. Além da silhueta do rapaz encarregado de fechar a porta, que se via distorcida ao fundo do corredor, só o rosado do sol que se punha no Guaíba nos fazia companhia.

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Olhamos para o livro que tínhamos na mão – Costuras do Tempo – nos olhamos uma vez mais e saímos em silêncio. Na privacidade do elevador, nos abraçamos. O cheiro dele ainda era o mesmo, quente e delicado; seu abraço, forte como aquele de quarenta anos atrás.

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A BEATA APOSENTADA

Em Porto Alegre, na Avenida Juca Batista, existe um lar para os padres que não têm mais condições de cuidar das paróquias devido à idade avançada ou por alguma doença. Frei Eugênio, franciscano, mora nesse lugar e, mesmo velhinho, a convite da AGEA vem celebrar missa na Associação no dia de Santa Rita de Cássia, padroeira dos aposentados. No salão, os empregados costumam arrumar uma grande mesa com toalha branca, flores e travessas com pãezinhos a serem bentos e distribuídos aos presentes no final da missa. Frei Eugênio dispõe sobre a mesa galhetas de água e vinho, cálice com as hóstias que serão consagradas, missal e a pequena bacia com o manustérgio e toalha para secar as mãos no rito do lavabo. Os próprios participantes da missa são convidados a fazer a leitura do folheto trazido pelo Frei que corresponde às missas rezadas no dia.



Há dois anos, salão lotado, Lucia foi convidada a participar da liturgia fazendo a leitura de alguns trechos desse folheto. Feliz por ter sido lembrada, lia as etapas com precisão, cuidando vírgulas e demais pontuações para que todos os presentes entendessem os textos exatamente como foram escritos. O sermão daquele dia emocionou-a mais do que em outras ocasiões. Ao final da missa, humildemente se ofereceu para distribuir os pãezinhos bentos e também recolher os objetos da cerimônia. Guardou as jarrinhas, o cálice das hóstias e, ao pegar a pequena bacia com o manustérgio, constatou que estava cheia de água. Nervosa, não quis despejar a água na pia, acreditava que era benta e, sem hesitar, bebeu-a. Na saída, comentou com algumas pessoas que não tinha comungado, mas se sentia abençoada por Deus, porque havia tomado a água benta. Pensaram que fosse a água da jarrinha com que o Frei havia lavado o cálice das hóstias já ofertadas e queriam saber como ela tivera a coragem de beber a água do cálice que somente os sacerdotes podem beber, pois ela contém farelos de hóstia. – Não, respondeu. Vocês não entenderam. Tomei a água da bacia pequena que fica junto com uma toalhinha. Contendo o riso, uma colega explicou: – Lucia, aquela água não era benta. O sacerdote a usou para lavar as mãos antes do ofertório no rito do lavabo.

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PIQUETE RANCHO DOS AMIGOS

O céu nublado de setembro prenuncia chuva.

Roberto se veste. Põe a bombacha, o lenço vermelho, a bota campeira. Resmunga. Bah, que tempo bem feio! Imagina se este ano ia ser diferente. Época de Acampamento Farroupilha é de chuva e frio. É muito provável que tenha barro por todo lado. Mesmo assim, o Parque da Harmonia vai estar repleto de gente. O amor à tradição e ao Rio Grande é maior do que qualquer cara feia do tempo. Ele embarca no ônibus que o leva até o Parque. O almoço será ao meio dia, mas ele vai bem mais cedo, para o chimarrão e a cachacinha. Chegar até o piquete é sempre um problema, nunca acerta de primeira a sua localização. Durante o Acampamento Farroupilha, no Piquete Rancho dos Amigos, parceiro da AGEA, vários grupos de aposentados se reúnem para prosear, cantar e saborear um delicioso carreteiro de charque.


No ano passado, Roberto participou de um jantar no piquete. Foi assistir ao Coral da AGEA que se apresentava no palco principal do Acampamento. Junto com outros corais, o grupo fez um sucesso danado. Depois foram todos jantar no piquete. A turma não se contentou apenas com o carreteiro, o feijão mexido, as saladas. Trataram de cantar e dançar. Hoje, o almoço é da turma do Inglês da AGEA. Roberto faz aula de inglês na Associação. Nunca foi muito ligado em língua estrangeira, mas a necessidade o obrigou a estudar. Lucas, seu neto mais novo de seis anos, estava muito impressionado que o vovô, que contava tantas histórias fantásticas, não sabia nada de inglês. Gostou do desafio e agora estava indo ao encontro da turma para o almoço. Quando chega, e desta vez acerta de primeira o local do piquete, chove pra mais de metro. O cheirinho da comida campeira se mistura com o da terra molhada. Isso o faz sentir-se em casa. Além de delicioso, o almoço estava bastante divertido. Ele, que nunca foi de dança gauchesca, ensaiou alguns passos, e até que se saiu bem. Se pisou nos pés da prenda, ela não reclamou. Que olhos daquela guria!, não parava de pensar. As brincadeiras com os colegas o fizeram recordar os tempos de escola, quando saíam com a professora em excursões. Quase três horas. A chuva para. O pessoal começa a levantar e se despedir. Está na hora de cada um tomar o seu rumo. Roberto caminha em direção à parada do ônibus. O céu continua cinzento, as nuvens muito carregadas e, ao desviar

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de uma poça d’água, quase escorrega, embarrando as botas. Por um instante fecha a cara e arruma o chapéu, mas acaba sorrindo. Não será uma bota suja de barro que vai estragar o prazer desta tarde. Olha para trás e sorri novamente. Ano que vem tem mais.

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VAMOS TOMAR UM CHÁ?

Adélia é viúva, tem oitenta e sete anos, duas filhas e uma neta. Vive no mesmo apartamento há mais de trinta anos. Na maior parte do tempo, conta apenas com a companhia de Jaguar, o gato preto, sonolento e carinhoso. Mas ela é feliz, tem o espírito alegre e valoriza os bons momentos. Nos últimos dias, porém, sente-se um pouco solitária, pois a filha mais nova, com quem tem mais afinidade, está viajando a trabalho e só retorna em quinze dias. Adélia está resfriada e com tosse faz uma semana. Roberta, a filha mais velha, consegue convencê-la a ir ao médico e a acompanha. Depois de examiná-la, ele pede uma radiografia do tórax, pois o chiado que ouve nos pulmões pode ser algo mais sério do que um simples resfriado. – Nessa idade é melhor não descuidar – diz o doutor. Já passa das oito da noite quando saem do consultório.


Adélia despede-se de Roberta na porta de seu prédio e sobe lentamente a escada até o segundo andar. Assusta-se com a possibilidade de estar doente. Entra no apartamento e arrasta-se até a velha cadeira de balanço. Quase no mesmo instante em que senta, Jaguar pula e se aninha em seu colo. Conforta-se um pouco com o bicho, que parece entender sua solidão e seu medo. O telefone toca. É sua amiga Nilda: – Não esquece que amanhã é a última quarta-feira do mês e temos o chá na AGEA – avisa a companheira de Associação –, acrescentando que terão novidades agradáveis durante o chá, mas é surpresa. Conversam durante alguns minutos. Mal desliga o aparelho, ele toca outra vez. É a filha mais nova. Quer saber como a mãe está, diz que não se preocupe. Tudo ficará bem. Finda a ligação, Adélia sorri e pensa: – Afinal, a vida não está tão ruim. Amanhã vou agendar o raio x e depois encontrar minhas amigas na AGEA, conversar, rir e, quem sabe, até me queixar um pouco. Levanta, procura no armário uma roupa bem bonita para vestir no dia seguinte. Ao se ver no espelho, pensa que deveria tentar um novo corte de cabelo. No dia seguinte, lá está ela na AGEA, bem vestida, cabelo arrumado e coração feliz. Encontra as amigas, come uma fatia de torta. O chá é trocado pelo café.

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– Meu vício. Conversa, ri e tosse. Durante um acesso, esbarra na jarra de suco, que cai da mesa no colo de Eliane. Tinha de molhar logo a Eliane, que fazia sua estreia nos chás da AGEA. Adélia, sem jeito, pede desculpas e pensa em ir embora. Porém recebe um abraço de sua vítima. – Deixa de bobagem, mulher. Acontece com qualquer uma. Como é bom estar próxima de pessoas capazes de entender as trapalhadas de alguém jovem há mais tempo, como sua neta costuma dizer. Ninguém mais presta atenção em Adélia, pois nesse momento as luzes são diminuídas, ao som de Have you ever really loved a woman. Um bonito rapaz entra no salão vestido de Zorro, numa coreografia sedutora. Os gritinhos vão aumentando à medida que as roupas são despidas e arremessadas ao solo. Adélia suspira profundamente quando o mascarado, quase nu, a pega para dançar. E a tosse... Que tosse?

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BEM QUE PODIA SER VERDADE

Carlos sobressaltou-se. Seria o frêmito de uma folha caindo? Quá, quá, quá. Seu bocó, e lá folha caindo, e ainda por cima no quarto, faz barulho? Está certo, havia o silêncio que bailava no ambiente, mas o ruído poderia ser daqueles habitantes da noite, invisíveis durante o dia e que poderiam estar brincando de assustar, não é? Pensou em retornar ao livro que estava lendo, mas desistiu. Ao seu lado, Sofia ressonava em paz. Eles tinham vindo morar no residencial e sentiam-se alegres, confiantes, tendo prazer em viver. No início, todos os filhos foram contra, mas ao ver que os pais estavam bem e as queixas, doenças e tristezas tinham ficado em segundo plano, deram o braço a torcer. Afinal, eles não se tornariam um incômodo para ninguém. Era muito bom curtir a velhice dessa maneira: viver num lugar amplo, entre jardins com bancos convidativos. O


apartamento do casal tinha um quarto, cozinha, banheiro e uma salinha. Ali recebiam visitas, jogavam cartas, viam TV. Faziam passeios, participavam de excursões, iam ao shopping, ao cinema, nos passeios mais curtos, Gramado e Canela, Rivera, águas termais. Estavam cogitando de ir ao Rio de Janeiro, a sua Sofia era a mais entusiasmada. A cada viagem voltavam embriagados de coisas novas. Descobriam o prazer nos detalhes. Carlos gostava de ajudar a cuidar da horta. Era com alegria que via nascer uma salsinha, um tomate, uma rúcula. A terra tinha o dom de recarregar as suas energias. Já Sofia amava o jardim. Ela e as amigas cultivavam rosas, gerânios, gérberas, cravos, amores-perfeitos. O caramanchão ao redor de um dos bancos se coloria de flores lilases e brancas na primavera, perfumando tudo ao redor. Sofia bordava, tricotava e conversava. Ele era mais introvertido. A mulher não, aonde ia encontrava alguém para bater papo. Ele sempre a admirou pelo seu jeito alegre. Conheceram-se num baile da faculdade, onde ele cursava administração. Estava entediado, até vê-la, sentada com uma amiga, de vestido vermelho, cabelos negros ondulados, sorriso tímido. Ao tirá-la para dançar, ficara encantado com sua beleza. Dançaram a noite inteira. Trocaram telefones e daí para o namoro foi tudo muito rápido. Depois noivado, casamento, os filhos. Estavam casados há cinquenta anos. Não saberia viver sem ela. Agora estavam ali, morando no Residencial da AGEA. Cultivando a horta, o jardim e os antigos e novos amigos.

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Todos no mesmo barco. Aposentados da CAIXA, assim como seus companheiros e companheiras que haviam descoberto que envelhecer também podia ser bom. Sentiam-se seguros – havia fisioterapeuta, ambulatório com equipamento de pronto atendimento e uma equipe de enfermagem (enfermeira e técnica), serviço de ambulância, dentista uma vez por semana. Havia uma pequena biblioteca, sempre reabastecida de novos livros. Oficina de artes, música, literatura, inglês. De vez em quando saía até uma reunião-dançante no salão de gala. Outro barulho. Carlos acorda. Peninha, a vontade era de continuar sonhando. Na véspera Sergio Atair dos Santos, da AGEA, havia mostrado o seu projeto de construir um residencial e ele ficara encantado. Carlos imaginava morar num lugar assim, com toda a infraestrutura para atender os aposentados. Bem que podia ser verdade.

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NA VARANDA

Um sol vaidoso se põe no Guaíba. Deslizando por aquela imensidão de água que borda a cidade de Porto Alegre, as embarcações dançam, balançadas pelo vento suave, e se vão sumindo no horizonte. Uma brisa fresca abana a cortina clara. Da varanda, olho o mapa da cidade, como quem examina a anatomia de um corpo. Lá embaixo, as pessoas passam. Umas batem os saltos no paralelepípedo. Outras arrastam os chinelos, carregando o peso da vida sobre os ombros curvos. Muitos passam. Muitas vidas cruzam a Rua da Praia. Um rastro de sol ainda teima em aquecer meu rosto para logo se esconder, vermelho, no horizonte. Andam mulheres e suas criancinhas: inícios de vida já serpenteando na multidão. Velhos tossem curvados tentando chegar também. Da varanda da Associação Gaúcha dos Economiários Aposentados vejo, entre tantas outras, minha própria trajetória.


A infância deixada no interior, a chegada na capital para estudar, a aprovação no concurso da CAIXA. A aposentadoria. O ingresso no seleto grupo onde a cultura serve de alento para o andar de um tempo que passa rápido e nos deixa mais e mais velhos. Onde o encontro no abraço afetuoso dos amigos de anos acalenta a nossa saudade. Onde o acolhimento nos momentos difíceis segura a onda. Onde o pertencer é a lei. Assim é a AGEA. Olhando-se a vida que segue, do alto, da varanda banhada pelo sol da tarde, ou sentindo-a de dentro com os biscoitos na bandeja, o sorriso da jovem secretária, o chazinho gelado na jarra, o cafezinho fumegante recém passado. Encontros. Sorrisos. Abraços e recordações. Saudade. Histórias, muitas histórias. Lágrimas, até. Fazeres culturais, canto, jogos, livros, lutas por direitos, aconchego. Quando eu for um dia desses, poeira ou folha levada, no vento da madrugada, serei um pouco do nada. Invisível. Delicioso. Que faz com que o teu ar pareça mais um olhar. Suave mistério amoroso. Deste já tão longo andar. E talvez do meu repouso.

Mario Quintana

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GALERIA DOS PRESIDENTES E ESTRUTURA HISTÓRICA DA AGEA POR PERÍODOS DOS PRESIDENTES



Heitor Ricardo Alves

Darcy Martins Mano

Nรกdia Capaverde da Cunha Larsen

Manoel Lourenรงo da Silva

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Antoci Neto de Almeida

Antonio Carlos Mariani Mansur

Sergio Atair dos Santos

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UMA HISTÓRIA DE TRABALHO EM DEFESA DOS APOSENTADOS DA CEF

A AGEA - Associação Gaúcha de Economiários Aposentados foi fundada em 19 de dezembro de 1974 por um grupo de servidores da Caixa Econômica Federal, que estava se aposentando ou prestes a se aposentar. O objetivo era preservar seus direitos, proporcionar lazer e manter o vínculo existente entre os colegas de trabalho. Foi a primeira Associação de Economiários Aposentados da CAIXA nos estados. Em Assembleia Geral do dia 05/03/1975 foram aprovados os Estatutos e eleita a primeira Diretoria que ficou assim constituída:


Heitor Ricardo Alves 05/03/75 a 17/04/79 – 17/04/79 a 31/03/ 81

Biênio 1975 a 1979 Presidente: ������������������������� Heitor Ricardo Alves Secretário: �������������������������� Paulo Augusto Bastian de Carvalho Tesoureiro: �������������������������� Darcy Martins Mano Vogal: ����������������������������������� Décio Palmeiro D’Ávila, Waldemar Dal Conte, João Franco Simões Ferreira e Paulo Nunes da Silva Biênio 1979 a 1981 Presidente: ������������������������� Heitor Ricardo Alves Vice-Presidente: ���������������� Rivadavia Silva Pereira Conselho Deliberativo: �� Jorge Antônio Zir e outros Conselho Fiscal: ���������������� Ibanez Ribeiro Lisboa e outros Principais atividades da gestão Estatuto Social da AGEA publicado em 01 de agosto de 1979. 1º Simpósio de Aposentados da CAIXA, 09/11/79, em Porto Alegre, com representantes do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Durante três anos seguidos, a principal atividade da AGEA foi a organização de simpósios anuais. No simpósio de 1979 discutiu-se a aquisição das ações da Corretora pertencente à FENAE (08.04.1977). Em 1981, foi aceita pela FUNCEF proposta para o cálculo da Função de Confiança na aposentadoria, tese apresentada por um associado do Rio Grande do Sul.

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Darcy Martins Mano 31/03/81 a 27/04/83 – 27/04/83 a 17/04/85

Biênio 1981 a 1983 Presidente: ������������������������� Darcy Martins Mano Vice-Presidente: ���������������� Pollux Martins de Souza Secretário: �������������������������� Jarbas Cardoso Tesoureiros: ������������������������ Enio Viana Gonçalves e Alfeu Farias Diretora Social: ����������������� Laura da Luz Stangherlin Conselho delibertativo: � Emilio Athanásio e outros Conselho Fiscal: ���������������� Dácio Palmeiro D’Ávila e outros Biênio 1983 a 1985 Presidente: ������������������������� Darcy Martins Mano Vice-Presidente: ���������������� Pollux Martins de Souza Conselho Deliberativo: � Emilio Athanásio e outros Conselho Fiscal: ���������������� Hilário Coelho Estima e outros Principais atividades da gestão Criados a logomarca e o Informativo AGEA. Contratado o primeiro empregado burocrático da AGEA (1981). Organizado o 3º Simpósio em Curitiba. Assistência Jurídica na AGEA, com o advogado Hélio Rômulo Verdi, a partir de 1983. Organização de passeios e excursões. Em 11/01/84 foram cedidas salas para a nova sede na rua dos Andradas 1780, por meio de contrato de comodato entre CAIXA e AGEA.

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Nádia Capaverde da Cunha Larsen 17/04/85 a 30/04/87 – 30/04/87 a 30/04/89 – 30/04/89 a 30/04/91 30/04/91 a 30/04/93 – 30/04/93 a 30/04/95 – 30/04/95 a 30/04/97

Biênio 1985 a 1987 Presidente: ������������������������� Nádia Capaverde da Cunha Larsen 1º Vice-Presidente: ���������� Fitizalã Saldanha da Rocha 2º Vice-Presidente: ���������� Breno Acauan 1º Secretário: ��������������������� Jarbas Cardoso 2º Secretário: ��������������������� Maria Terezinha Dias 1º Tesoureiro: ��������������������� Raymundo Pinheiro da Silva 2º Tesoureiro: ��������������������� Wanderley Perreira de Arruda Conselho Deliberativo: � Dácio Palmeiro D’Avila e outros Conselho Fiscal: ���������������� Ildefonso Porto e outros. Biênio 1987 a 1989 Presidente: ������������������������� Nádia Maria Capaverde da Cunha Larsen Vice-Presidente: ���������������� Fitizalã Saldanha da Rocha 1º Secretário: ��������������������� Raimundo Nogueira Ramos 2º Secretário: ��������������������� Luiz Onésimo Chaves 1º Tesoureiro: ��������������������� José Carlos Gomes 2º Tesoureiro: ��������������������� Antonio Almeida Lanes Conselho Deliberativo: � Dácio Palmeiro D’Avila e outros Conselho Fiscal: ���������������� Djalma Viegas e outros Biênio 1989 a 1991 Presidente: ������������������������� Nádia Maria Capaverde da Cunha Larsen 1º Vice-Presidente: ���������� Breno José Acauan

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2º Vice-Presidente: ���������� Fitizalã Saldanha da Rocha 1º Secretário: ��������������������� Milton Cunha Montado 2º Secretário: ��������������������� Odete Porciúncula 1º Tesoureiro: ��������������������� José Carlos Gomes 2º Tesoureiro: ��������������������� Joel Barbosa Conselho Deliberativo: � Dácio Palmeiro D’Avila e outros Conselho Fiscal: ���������������� José Carlos Souto e outros. Biênio 1991 a 1993 Presidente: ������������������������� Nádia Maria Capaverde da Cunha 1º Vice-Presidente: ���������� Fitizalã Saldanha da Rocha 2º Vice-Presidente: ���������� Alfeu Faria 1º Secretário: ��������������������� Raimundo Nogueira Ramos 2º Secretário: ��������������������� Luiz Onésimo L. Chaves 1º Tesoureiro: ��������������������� José Carlos Gomes 2º Tesoureiro: ��������������������� Antônio de Almeida Lanes Conselho Deliberativo: � Dácio Palmeiro D’Avila e outros Conselho Fiscal: ���������������� Djalma Viegas e outros Biênio 1993 a 1995 Presidente: ������������������������� Nádia Maria Capaverde da Cunha 1º Vice-Presidente: ���������� Júlio Athayde Bohrer 2º Vice-Presidente: ���������� Fitizalã Saldanha da Rocha 1º Secretário: ��������������������� Raimundo Nogueira Ramos 2º Secretário: ��������������������� Luiz Onésimo L. Chaves 1º Tesoureiro: ��������������������� Antonio de Almeida Lanes 2º Tesoureiro: ��������������������� Nely Isolete Azevedo Rosa Conselho Deliberativo: � Ben Hur Godolphin e outros Conselho Fiscal: ���������������� Hilário Coelho Estima e outros

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Biênio 1995 a 1997 Presidente: ������������������������� Nádia Maria Capaverde da Cunha 1º Vice-Presidente: ���������� Fitizalã Saldanha da Rocha 2º Vice-Presidente: ���������� Fernando Corletto da Silveira 1º Secretário: ��������������������� Raimundo Nogueira Ramos 2º Secretária: ���������������������� Maria da Conceição Medeiros 1º Tesoureiro: ��������������������� Antonio de Almeida Lanes 2º Tesoureira: ��������������������� Nely Isolete de Azevedo Rosa Conselho Deliberativo: � Arnaldo Lewis e Sá e outros Conselho Fiscal: ���������������� Hilário Coelho Estima e outros. Principais atividades da gestão Aquisição de um sítio para lazer dos aposentados e da sala da Sede Atual. Criação do Grupo Assistencial Dalva Carneiro e Silva. Pleiteado com a Receita Federal a isenção do IR para associados aposentados por invalidez. Organizado o 7º Simpósio Nacional dos Economiários, em Gramado. Apoio jurídico aos aposentados do PMPP na elaboração de processos sobre bitributação e equiparação dos aposentados ao quadro de funções da CEF. Criado o cartão de felicitação para os aniversariantes. Instalado o primeiro computador na AGEA. Início da Confraria do Ócio, em 1992.

Manoel Lourenço da Silva 17/09/97 a 17/04/99

Biênio 1997 a 1999 Presidente: ������������������������� Manoel Lourenço da Silva

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1º Vice-Presidente: ���������� Raymundo Pinheiro da Silva 2º Vice-Presidente: ���������� Terezinha Marli Bezzi 1º Secretário: ��������������������� Flavio Jorge Ferreira de Castro 2º Secretário: ��������������������� Geraldo Mabilde 1º Tesoureiro: ��������������������� Eno Brasil Pereira 2º Tesoureiro: ��������������������� Lino Roberto Cruz da Silveira Conselho Deliberativo: �� Alceu Beck e outros Conselho Fiscal: ���������������� Breno José Acauan e outros Principais atividades da gestão Reformulação da área financeira e administrativa. Alteração do estatuto no que diz respeito a eleição do presidente: “O presidente da AGEA só pode se reeleger uma vez, computando, no máximo quatro anos de mandato”. Reforma da sede da AGEA, na Andradas – 943/12º/ Participação da AGEA no XIV CONECEF em 05/98, em São Paulo. Iniciadas as reuniões semanais entre associados e diretoria. Aposentados e pensionistas são informados sobre decisões da FUNCEF, nas reuniões e no Informativo AGEA. Início das viagens ao interior para atualizar as informações aos aposentados e pensionistas. Constituição da parceria com a Bika Corretora em 1997. Realizado o memorável encontro em 03/09/98 para discutir alternativas diante dos baixos proventos pagos pela FUNCEF. Formada uma comissão para estudar todos os planos de benefícios administrados pela FUNCEF. Deste trabalho nasce a proposta de atualização dos benefícios, apelidado pacotão. Indicação do nome do associado Antonio Carlos Mariani Mansur para concorrer ao cargo de diretor da FUNCEF.

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Antoci Neto de Almeida 23/04/99 a 23/04/01 – 23/04/01 a 29/04/03

Biênio 1999 a 2001 Presidente: ������������������������� Antoci Neto de Almeida 1º Vice-Presidente: ���������� Raymundo Pinheiro da Silva 2ª Vice-Presidente: ����������� Terezinha Marli Bezzi Diretor Financeiro: ����������� Newton Pardelhas de Barcellos Diretor Administrativo: �� Milton José da Silva Diretor de Relações Associativas: ���������������������� Antônio Carlos Garcia Diretor de Esportes, Social e Eventos: ��������������� Cláudio Santiago Marques Conselho Deliberativo: �� Alcio Cancelo de Farias e outros Conselho Fiscal: ���������������� José Antônio Moreira Ribeiro e outros. Biênio 2001 a 2003 Presidente: ������������������������� Antoci Neto de Almeida 1º Vice-Presidente: ���������� Sergio Atair dos Santos 2º Vice-Presidente: ���������� Manoel Lourenço da Silva Diretor Financeiro: ����������� Newton Pardelhas de Barcellos Diretor Administrativo: �� Milton José da Silva Diretor de Relações Associativas: ���������������������� Raymundo Pinheiro da Silva Conselho Deliberativo: �� Moysés Sant’Anna Vieira e outros Conselho Fiscal: ���������������� Carlos Augusto Rodrigues Bello e outros

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Principais atividades da gestão Inauguração da sede após a reforma. Alugada uma das salas para a FUNCEF. A AGEA foi a primeira Associação de Economiários do Brasil a receber a Representação da FUNCEF. Criação das diretorias na AGEA e das diretorias de representantes em cidades-polo no interior do estado no ano 2000. Organização de uma comissão para planejar a eleição do candidato dos aposentados a diretor representante na FUNCEF. Viagens pelo interior do RS com a comissão para lançamento do candidato e busca de votos. Eleição do candidato da AGEA para Diretor Representante. Surge um novo plano de benefícios, chamado REB, que tenta contemplar as aspirações dos aposentados. implantação de um fluxograma de viagens ao interior para levar as informações das reuniões de quintas-feiras, resultando no aumento do número de associados. Disponibilização do espaço para apresentaçãodo REB aos associados, para migrarem com maior conhecimento sobre as implicações da mudança. Surgimento do Grupo Solidariedade, com o objetivo de ajudar aposentados e pensionistas nos momentos difíceis, como doenças e falecimentos. Contratação de uma assistente social para assessorar o atendimento aos aposentados. Inauguração da Galeria dos Presidentes.

Antônio Carlos Mariani Mansur 29/04/03 a 28/04/05 – 28/04/05 a 26/04/07

Biênio 2003 a 2005 Presidente: ������������������������� Antonio Carlos Mariani Mansur

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1º Vice-Presidente: ���������� Antoci Neto de Almeida 2º Vice-Presidente: ���������� Sergio Atair dos Santos Diretor Financeiro: ����������� Newton Pardelhas de Barcellos Diretor Administrativo: �� Milton José da Silva Diretor de Relações Associativas: ���������������������� Raymundo Pinheiro da Silva Conselho Deliberativo: �� Alcio Cancello Faria e outros Conselho Fiscal: ���������������� Renato dos Santos Dias e outros Biênio 2005 a 2007 Presidente: ������������������������� Antonio Carlos Mariani Mansur 1º Vice-presidente: ���������� Antoci Neto de Almeida 2º Vice-presidente: ���������� Sergio Atair dos Santos Diretor Cultural: ���������������� Alcio Cancello Faria Diretor Financeiro: ����������� Newton Pardelhas de Barcellos Diretor Administrativo: �� Milton José da Silva Diretor de Relações Associativas: ���������������������� Raymundo Pinheiro da Silva (in memoriam) Diretora de Integração: �� Dora Lúcia Neuberger Conselho Deliberativo: �� Alcio Cancello Faria e outros Conselho Fiscal: ���������������� Renato Santos Dias e outros Principais atividades da gestão Adequação do estatuto ao novo código civil. Contratação de uma jornalista.O Boletim Informativo passa a ser impresso em gráfica. Ampliação e definição das representações regionais. Criação da Diretoria de Integração para dar maior atenção aos associados do interior. Desenvolvimento do serviço de

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informática. Comemoração dos 30 anos da AGEA com eventos no interior e na capital. Criação de um grupo de trabalho técnico para assessorar a presidência. Debates sobre os planos da FUNCEF, com convidados vindos de Brasília. Organização e realização do XXVIII Simpósio da FENACEF, em Gramado, RS. Registro do nome AGEA nos órgãos competentes. Foi feito um grande movimento em prol dos associados e pensionistas PMPP’s. Recuperação do Cadastro dos PMPP’s. Gestão baseada em previsão orçamentária. Criação de novas modalidades de sócios: Aspirante, Benemérito e Honorário.

Antoci Neto de Almeida 26/04/07 a 28/04/09

Biênio 2007 a 2009 Presidente: ������������������������� Antoci Neto de Almeida 1º Vice-Presidente: ���������� Sergio Atair dos Santos 2º Vice-Presidente: ���������� Beatriz Francisca Borba Gonzaga Diretor Financeiro: ����������� Newton Pardelhas de Barcellos Diretor Administrativo: �� Milton José da Silva Diretora de Integração: �� Dora Lúcia Neuberger Diretor Cultural: ���������������� Alcio Cancello Faria Conselho Deliberativo: �� Antonio Carlos Mariani Mansur e outros Conselho Fiscal: ���������������� José Antônio Moreira Ribeiro e outros

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Principais atividades da gestão Climatização ambiental, aquisição de três aparelhos de arcondicionado. Renovação da aparelhagem acústica no Salão Nobre. Implementação do relógio ponto digital (empregados/ AGEA). Formação do grupo de estudos “Garra”. Criação do Concurso Fotográfico. Constituídas parcerias em áreas de turismo e seguros, bem como com advogados especializados em causas trabalhistas, quando foram implementadas várias ações em ações em busca dos direitos dos aposentados e pensionistas..

Sergio Atair dos Santos 28/04/09 a 28/04/11 – 28/04/11 a 25/04/13

Biênio 2009 a 2011 Presidente: ������������������������� Sergio Atair dos Santos 1º Vice-Presidente: ���������� Antoci Neto de Almeida 2ª Vice-Presidente: ����������� Beatriz Francisca Borba Gonzaga Diretor Financeiro: ����������� Newton Pardelhas de Barcellos Diretor Cultural: ���������������� Alcio Cancello Faria Diretor Administrativo: �� Milton José da Silva Diretora de Integração: �� Dora Lúcia Neuberger Conselho Deliberativo: �� Antonio Carlos Mariani Mansur e outros Conselho Fiscal: ���������������� Renato dos Santos Dias e outros. Biênio 2011 a 2013 Presidente: ������������������������� Sergio Atair dos Santos 1º Vice-Presidente: ���������� Antoci Neto de Almeida

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2º Vice-Presidente: ���������� Newton Pardelhas de Barcellos Diretor Administrativo: �� Milton José da Silva Diretor Cultural: ���������������� Alcio Cancello Faria Diretor Financeiro: ����������� Regina Mariza Benincá de Farias Diretor de Integração: ���� Dora Lúcia Neuberger Diretora Assistencial: ������ Beatriz Francisca Borba Gonzaga Conselho Deliberativo: �� Manoel Lourenço da Silva e outros Conselho Fiscal: ���������������� Maria Beatriz Nunes Fraga e outros Principais atividades da gestão Criação do cadastro de doadores de sangue. Implantação do sistema telefônico 0800. Criação da Oficina Literária da AGEA em parceria com o Projeto Mãos à Obra Literária. Lançamento dos livros: Nem todas as palavras, Feira do Livro de Porto Alegre em 2010; Estalos e rabiscos, Feira do Livro de Porto Alegre em 2011; Costuras do Tempo, Feira do Livro de Porto Alegre em 2012. Implantação do Curso Básico em Informática. Criação dos símbolos da AGEA: Bandeira e Hino. Fundação do Coral da AGEA. Criação da Diretoria de Esportes. Ampliação das parcerias com novos prestadores de serviços. Criação dos cargos de Gerente para Atendimento de Expediente, RH e Patrimônio. Criação do Grupo da Cultura Tradicionalista e do chimarródromo. Parceria com o piquete Rancho dos Amigos. Instalação de computadores para uso dos associados e internet sem fio. Regularização de escrituração contábil junto à Receita Federal. Regularização das pendências judiciais envolvendo a AGEA. Modernização

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da carteira de sócio da AGEA com foto. Negociação de 49% das ações com a FENAE. Construção da cobertura na sacada para melhor utilização do espaço. Parceria com clube para prática de esportes e lazer. Implantação de curso básico de língua inglesa. EM ESTUDO - Hotel Residência para Aposentados e Pensionistas (Economiários).

Antoci Neto de Almeida 25/04/13 a 25/04/15

Biênio 2013 a 2015 – em andamento Presidente: ������������������������� Antoci Neto de Almeida 1º Vice-Presidente: ���������� Newton P. de Barcellos 2º Vice-Presidente: ���������� Sergio Atair dos Santos Diretor Administrativo: �� Milton José da Silva Diretora Financeira: ��������� Dora Helena da Costa Souza Carvalho Diretor Cultural: ���������������� Alcio Cancello Faria Diretora de Integração: �� Dora Lúcia Neuberger Diretora Assistencial: ������ Beatriz Francisca Borba Gonzaga Diretor de Esportes: �������� Ricardo Lobato Cravo Diretora de Saúde e Bem-Estar: �������������������������� Regina Mariza Benincá de Farias Conselho Deliberativo: �� Antonio Carlos Mariani Mansur e outros Conselho Fiscal: ���������������� Maria Beatriz Nunes Fraga e outros

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Principais atividades da gestão Serviço de entrega de livros da biblioteca da AGEA a domicílio. Atualização dos equipamentos de informática. Lançamento do livro Costuras do Tempo 2, na 59ª Feira do Livro de Porto Alegre, resultado da 4ª Oficina Literária da AGEA, organizado pelo escritor Luiz Paulo Faccioli. Implantação do Café da Manhã do Economiário. Parceria com o escritório de advocacia Portanova e Advogados Associados, visando oportunizar aos associados a busca pelo recálculo do INSS na aposentadoria em ação coletiva. Implantação de informações em slides em todo o ambiente.

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