Centros Históricos e Gentrificação: Há outros caminhos?

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Centros históricos e gentrificação:

há outros caminhos? Francisco Nilton | Nayara Carolly | Poliana Vasconcelos | Victoria Pinheiro


gentrificação : conceitos e teorias


Conjunto de mudanças que geram a (re)valorização dos centros urbanos antigos. É um fenômeno que vem acontecendo desde os anos 70 e caracteriza-se pela reocupação dos centros pela classe média-alta, redirecionando a população de menor renda que já ocupava o local para as periferias. Por se tratar de um fenômeno plural, gera mudanças em toda a configuração da área, como equipamentos, usos e serviços; e está diretamente relacionado à dinâmica da cidade, o que faz com que sua manifestação varie de um contexto para outro.


Para que a gentrificação ocorra, é preciso haver mobilidade espacial de habitantes: (PACIONE apud BATALLER, 2000)

Os habitantes de classe média do bairro central melhoram de vida e deixam o centro com suas famílias;

Uma população de menor renda ocupa o centro, que se deteriora por falta de manutenção;

TEMPO

A classe média se reinteressa pelo centro. Reinveste-se no bairro e a população pobre acaba expulsa do local.


“A maioria das descrições e análises publicadas ao longo dos últimos quinze anos mostra que se trata de um processo altamente diversificado: pode seguir várias trajetórias; pode transformar total ou parcialmente uma área; é protagonizado por uma ampla lista de agentes e suas causas e consequências são complexas e difíceis de determinar com clareza. Por tudo isso, a gentrificação tem sido qualificada por muitos autores como um “conceito caótico”.” VAN WEESEP apud BATALLER, 2000


consequências da gentrificação aumento do preço da moradia

redução da taxa de ocupação

redução da densidade populacional

transição gradual de aluguel para propriedade

Reflexo da mudança de poder aquisitivo da população.

As moradias que antes eram multifamiliares passam a ser unifamiliares.

Consequência da redução na taxa de ocupação.

As novas famílias, mais ricas, passam a comprar suas moradias.


O Estado pode facilitar – ou até mesmo promover – a gentrificação com objetivo dar nova vida aos centros, para fins turísticos ou de simples renovação. Em Barcelona (1989) o processo de renovação do Raval foi parte do plano de reforma para os Jogos Olímpicos de 1992, desenvolvido pela prefeitura.

Promoção do caráter “histórico” dos bairros, como estratégia de atratividade turística; Oferta de benefícios para a realocação, como uma forma de incentivo à mudança; Aumento de impostos na região, como uma forma de expulsar a população; Novo zoneamento ou requalificação do solo, como uma forma de forçar a população a se realocar; Melhoria de serviços públicos em outras regiões, como uma forma de direcionar a população.

o papel do poder público estratégias de intervenção estatal


Para que ocorra gentrificação, são necessárias duas condições:

Devem haver “propriedades gentrificáveis” nos centros urbanos, e o mercado financeiro tem que facilitar o financiamento; É necessário também um coletivo de “gentrificadores potenciais”, constituído por pessoas cujo perfil se encaixe nos padrões.

gentrificação x oferta e procura (HAMNETT apud BATALLER, 2000):


david ley

neil smith

quem? quando?

Geógrafo canadense que estudou gentrificação em Vancouver, a partir de 1978.

Geógrafo americano que estudou gentrificação em diversas cidades dos EUA, a partir de 1979.

justificativa?

Relaciona gentrificação à política, economia e cultura, bem como ao surgimento da classe white-collar (executiva). Esta limitava sua procura por moradia aos centros urbanos das cidades, próximos do trabalho.

Formulou sua teoria com base na oferta, não na procura, e no conceito de rent-gap (diferença entre o lucro obtido com o solo atualmente, e o que poderia ser obtido com outro uso). Smith justifica a seu ponto de vista mostrando que a desvalorização dos centros chegaria a um ponto tão crítico, que o rent-gap aumentaria até valer a pena gentrificar.

o que?

“A oferta seguirá a procura de gentrificadores potenciais, cujo poder econômico determinará o deslocamento de moradores com menores rendimentos.”

“a gentrificação explica-se pelo desejo dos gentrificadores de distinguir-se de outros grupos sociais, isto é, trata-se de uma distinção cultural. (...) um traço próprio à classe social que o protagoniza, contribuindo para diferenciá-la da classe trabalhadora e das classes superiores. (...) a gentrificação supõe uma rediferenciação da paisagem cultural, social e econômica (HAMNETT, 1991).” (BATALLER,

(BATALLER, 2000; pág 10)

2000; pág 10)

críticas?

Sua teoria desconsidera as interferências dos governos, da economia e da especulação imobiliária.

Sua teoria é muito específica, e foca apenas em uma possível causa da gentrificação. Nem sempre que ocorre rent-gap, a melhor solução é gentrificar.


a visão atual Atualmente os pesquisadores consideram a gentrificação como consequência de uma série de fenômenos de igual valor, e entendem a importância do contexto urbano de cada cidade para chegar à conclusões. Ao contrário dos trabalhos de 70-80, que tentava explicar o fenômeno, as atuais focam em estudos de cidades (ou bairros, ou quadras) específicos.

Para estudar gentrificação, devemos considerar:

A história da cidade e do bairro; O planejamento e o desenvolvimento urbano; As características da população e a sua participação na dinâmica do local.


gentrificação x placemaking


1960: surgem ideias inovadoras onde o desenvolvimento das cidades deveria ser voltado para pessoas – e não para os carros.

Jane Jacobs

Jan Gehl

William H. Whyte

placemaking um processo de planejamento, criação e gestão de espaços públicos voltado para as pessoas, visando transformar ‘lugares’ que promovam comunidades mais saudáveis e felizes.

necessidades, desejos e potenciais da comunidade

mudanças e benefícios para um espaço público comum


Gentrificação

x

“enobrecimento”, melhoria social, cultural e econômica de um bairro ou, em uma região inteira.

placemaking processo de planejar espaços públicos de qualidade que contribuem para o bem-estar da comunidade local.

o problema Investimentos em espaços públicos passam a resultar em potenciais investimentos ainda maiores para a área. Deslocamento de residentes Habitação de alto custo Aumento dos preços dos serviços Crescente riqueza da área

A diferença Os elementos que fomentam os dois processos:

participação popular O principal conceito do placemaking. Todas as decisões e transformações são definidas pelas necessidades e desejos da comunidade que utiliza o espaço.

objetivos econômicos Seja com ou sem a influência do governo, a gentrificação gira em torno do processo de valorização e de desvalorização dos espaços urbanos ao longo do tempo.


gentrificationphobia Mesmo que o fenômeno da gentrificação tenha se tornado comum, o aprimoramento de locais não deve ser visto como ameaça.

execução e resultados O conhecimento sobre gentrificação e placemaking enfatiza a importância de criar espaços para todos, que conectem os locais, ao invés de dividi-los.

medo excessivo do progresso

melhorias necessárias às comunidades


Bairros precisam ser identificáveis e manter suas características naturais, aquilo que o tempo se encarregou de construir. Evitar a gentrificação é evitar que se apague essa história. Paula Tanscheit, 2016


lisboa


Intensificação do turismo

centro histórico de lisboa

A ausência de estratégias de planeamento e de avaliação de impactos, além da quase inexistente regulação do processo, tem consequências graves.

malefícios Alterações na dinâmica da cidade Aumento nos preços das habitações

Benefícios Recuperação econômica Reabilitação do patrimônio arquitetônico Criação de empregos

Deslocamento populacional para periferias Zonas centrais exclusivas a ricos e moradores temporários

Precisa-se estancar a sangria do centro histórico da cidade e regular a atividade turística para que sirva os interesses da cidade, de quem a habita e de quem a visita.


nova lei das rendas

possibilita despejo com indenização para reabilitação de imóvel

alojamento turístico

aumento de apartamentos destinados ao airbnb

hotéis e hostels reformados gold retorno imobiliário

inauguração de mais estabelecimentos sem regulação de mercado isenção de impostos para aposentados europeus retorno financeiro garantido e benefícios fiscais

acesso à habitação espaço público partilhado

Aumento no valor de compra e venda de imóveis Subida no preço de aluguéis Novos tipos de habitantes Contratos não renovados Elevação da renda local

direito à cidade


quem vai morar em lisboa? qual cidade está a se construir?

num quadro em que se favorece a expulsão de moradores e se isenta de impostos novos detentores de propriedades imobiliárias?

uma cidade maioritariamente de turistas? focada na venda da imagem de apenas seu patrimônio edificado?


Uma cidade deve ser planejada e discutida para benefício dos seus habitantes.

Sem ceder a interesses econômicos de especulação que negligenciam quem define e sustenta a cidade.

Os governantes eleitos pelos habitantes desta cidade, mais do que fazer parte deste esforço devem ser os protagonistas deste movimento.


pro pos tas

Suspender a atribuição de licenças a hotéis e hostels até à elaboração de um estudo sobre os impactos do turismo em Lisboa; Realização de uma nova lei restritiva do alojamento local, à semelhança de outras cidades (Ex: Barcelona, Paris, Berlin, Nova Iorque, Londres, São Francisco). Revogação da lei dos reformados gold ou limitação da atribuição de estatuto aos residentes que se fixem em áreas especificas a definir. Discussão e revisão da Nova Lei das Rendas (de acordo com o previsto no Programa do Governo da Cidade de Lisboa para 2013/2017).


pro pos tas

Promover estudos sobre o perfil dos novos habitantes da cidade e respectivas expectativas e motivações. Sensibilizar as associações de moradores para nas respectivas assembleias implicarem formas de compromisso coletivo e consenso democrático; Reter na cidade, e sobretudo nas comunidades mais afetadas pela turistificação, uma parte significativa das maisvalias econômicas, criando canais de redistribuição dos proveitos/receitas geradas pelo turismo nos bairros, orientando-as, de forma transparente, para benefício das respectivas comunidades;


paris


que lugar paris deixa para as classes populares?

qual o papel dos investidores privados no processo de aburguesamento da cidade?

e as recentes polĂ­ticas pĂşblicas dos governos de esquerda, conseguiram frear esse processo?


história e fatores Processos de reestruturação produtiva e desindustrialização da capital na segunda metade do século XX; Neoliberalismo e globalização;

Resulta na metropolização nos países dominantes economicamente;


impacto no cenário urbano reconfiguração da divisão do trabalho, portanto, dos moradores da cidade.

aumento dos aluguéis e do custo de vida

políticas públicas de renovação urbana – a teoria do ‘rent gap’

Rent gap: a diferença entre a renda atual obtida em uma propriedade (a ‘renda da terra capitalizada’) e sua potencial renda sob outro uso (ou ‘renda da terra potencial’)


Instalação de novos moradores (perfil socioeconômico mais elevado – em geral artistas ou profissionais culturais) em bairros tradicionalmente populares; Baixos preços dos imóveis (degradados); Reabilitação; Valorização (boa localização); Modificação do perfil comercial; Interesse das agências imobiliárias;

divisão social dos bairros parisienses


"plano governamental radical" 17 de dezembro de 2014 – plano de aplicação imediata O plano se aplica a oito distritos da capital (2º, 10º, 11º, 12º, 15º, 17º, 18º e 20º)


Os edifícios escolhidos atendem a três critérios: tipo de condomínio

porcentagem de déficit de moradias sociais na região

edifícios onde exista ao menos 15% de demanda de habitação social

O plano parisiense consiste em quando alguns dos apartamentos de qualquer um dos 257 endereços for colocado à venda, por lei, deverá ser oferecido ao governo metropolitano.


Frédérique Lahaye, diretor de habitação do governo de Delanoë, comentou em 2013 que "Todos têm o direito à beleza e a viver em um belo ambiente e não é apenas o dinheiro que deve determinar quem vive (e) onde.“


Bairros populares em via de gentrificação Aumento da diversidade social, favorecida pelo discurso da mixité sociale; Mistura social – justaposição das diferentes famílias, sem que haja interação entre elas; “Efeito-paisagem”; Melhoria das condições de habitação de parte da população, sem atingir as causas que impedem a manutenção das classes populares da cidade.


porto maravilha


zona portuรกria do rio de janeiro Consรณrcio porto Maravilha


pequena áfrica século xx Transferência da capital federal para Brasília (1960)

Maior porto de escravos na história (2 milhões de africanos); Expedição e recebimento de mercadorias para o Brasil e exterior; Saída dos aparelhos da República; Ostracismo econômico; Atração de camadas populacionais de baixa renda;

O perfil dos bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo era, principalmente, caracterizado por comportar populações pobres, moradias simples e pequenos empreendimentos; Consórcio Porto Maravilha como projeto de revitalização e refuncionalização para a área;


Consórcio porto Maravilha plano Estratégico de 1996 Delay de mais de 10 anos entre o planejamento e as reformas política de gestão estratégica e empreendedorismo 5 milhões de m² Dividido em 2 fases Aumento do potencial construtivo parcerias público-privado

Lei Municipal complementar nº 101/2009; inspirado no Plano de Barcelona; lançado pelo prefeito César Maia (1993 – 1997) e pelo secretário de urbanismo Luiz Paulo Coelho; Coligação partidária entre as esferas de poder municipal, estadual e federal;

Surgimento do discurso empreendedor nos EUA e Europa – anos 70;

Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Cidade Nova, São Cristóvão e Caju; 1ª fase: (2009 – 2011) | 2ª fase: (2012 – 2016); Investidores interessados devem comprar os CEPACs12 (Certificados de Potencial Adicional Construtivo);

Recebeu capitais da EBX, Odebretch, OAS e Carioca Engenharia;


iluminação pública, pavimentação, calçamento, drenagens e arborização Museu do Amanhã e Museu Arte do rio de Janeiro, pinacoteca Escola do olhar desaterro do Cais da Imperatriz, reestruturação dos Jardins Suspensos do valongo


marketing urbano

Objetivo de inserir a área numa posição de destaque e atração de capitais; Propaganda do governo local como autor de grandes obras; Captação de investimentos, fluxos e pessoas selecionadas; Administração para a chamada "cidade-empresa";

urbanismo monumentalista

Explosão do preço do metro quadrado; Expulsão compulsória de classes mais populares; Apropriação espacial pela classe média;


Novos atores e novas territorialidades O projeto não é consequência dos eventos que já ocorriam e estavam consolidados na área, e sim de uma política pautada no empreendedorismo.


padrões espaciais e seus frequentadores saúde Atrai classe média; Obras consolidadas; Efetivo policial e guarda municipal; Remoção de moradores de rua;

áreas ainda em obras Atraem classes mais baixas; Se apropriam dos entulhos das obras para revender;


Os armazéns 1 a 7 do Pier Mauá foram tombados como Patrimônio Histórico pelo decreto municipal nº 19002 de 5 de outubro de 2000; Tiveram seus interiores e fachadas restaurados para abrigar atividades como Art Rio e Fashion Rio; Atração da classe média e alta;


Museu do Amanhã: e o passado?

A população negra da Pequena África sofreu a primeira forma de segregação espacial na cidade de Rio e foram protagonistas nas revoltas contra os poderes imperiais absolutistas e militares. O Museu do Amanhã honra de forma adequada a história do lugar?


possíveis soluções

plano de Habitação de interesse Social do porto Forte participação popular; Entender a história do local e estabelecer usos apropriados; Manutenção dos pequenos empreendimentos locais;


referĂŞncias


NASCIMENTO, Bruno Pereira; SILVA,William Ribeiro. Zona portuária do Rio de Janeiro e suas novas territorialidades. BATALLER, Maria Alba Sargatal. O estudo da gentrificação. CLERVAL, Anne. Paris sans le peuple: la gentrification de la capitale. Paris: La Découverte, 2013, 254 p. http://www.rio.rj.gov.br/.../173DECRETO19002BensZonaPortu... ; http://rioonwatch.org.br/?p=17595 http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?id=5621886 http://www.placemaking.org.br/home/o-que-e-placemaking/ http://www.archdaily.com.br/br/01-59079/como-fazer-cidades-chicago-e-o-conceito-de-placemaki ng http://www.archdaily.com.br/br/791764/placemaking-x-gentrificacao-a-diferenca-entre-revitalizar-eelitizar-um-espaco-publico http://www.archdaily.com.br/br/790883/quem-vai-poder-morar-em-lisboa-da-gentrificacao-e-do-tur ismo-a-subida-no-preco-da-habitacao-causas-consequencias-e-propostas http://www.slate.com/blogs/moneybox/2012/10/08/gentrificationphobia_.html http://www.archdaily.com.br/br/759927/paris-anuncia-medidas-radicais-para-impedir-gentrificacao


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