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Capítulo Doze ..........................VESTA

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Índice Remissivo

Índice Remissivo

Héstia, nas mais altas moradias, tanto de deuses imortais como de homens que andam sobre a terra, alcançastes uma residência eterna e a mais elevada honra, além de um prêmio justo e honorífico: pois sem ti não pode haver festivais entre os mortais, se no princípio a tua não for a primeira e a última libação do vinho doce como o mel.

Hino Homérico a Héstia

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Como as outras deusas cujos nomes os asteróides receberam, Vesta passou por algumas mudanças radicais durante sua longa história. É uma das mais antigas e mais respeitadas deusas, e aquilo que representa ainda é visto como sagrado. Quase todos os povos tribais vêem o centro da aldeia ou o centro do lar como centro simbólico de todo o universo. Esse tipo de pensamento baseiase na noção de que a humanidade é um microcosmo do universo; somos o cosmo em miniatura. Um xamã Lakota, por exemplo, viaja ao outro mundo subindo pela coluna de fumaça que sai pelo buraco central do tipi. Por quê? Porque o fogo e a coluna de fumaça simbolizam a árvore no centro do mundo, a árvore em que o xamã sobe para atingir o mundo dos

deuses89. O fogo que arde no fogareiro de cada casa da aldeia é o centro visível do universo familiar. O nome grego de Vesta, Héstia, significa literalmente "fogareiro". O fogareiro ou lareira, como ponto central, também simbolizava o aspecto doador de vida da deusa, o foco da vida doméstica. O fogo da lareira nunca podia extinguir-se e era sempre fonte de inspiração e renovação.

Há pouquíssimas personificações de Vesta no mundo antigo. Talvez seja porque ela representa o espírito interior, difícil de personificar. No mundo moderno, é difícil imaginar como é a reunião em torno do fogareiro familiar, permitindo que a presença de Vesta capture nossos espíritos. Hoje, a família senta-se em volta da televisão e tem uma experiência totalmente diferente. Mas, todos os que já se sentaram em torno de uma fogueira de acampamento ou de sua própria lareira sentiram a mágica operada pelo fogo sobre eles. Quando se olha para o fogo, ocorre uma alteração de energia. É muito fácil encontrar alguém entrando em um estado semelhante ao transe ou ao menos alterando seus padrões sensoriais, tornando a mente mais relaxada e calma. Assim, a presença invisível de Vesta como um espírito do fogo nos permite variar nossa concentração entre o lado esquerdo do cérebro e o lado direito. Quem quer que já tenha participado de um acampamento em grupo pode testemunhar a capacidade do fogo de purificar pensamentos, trazer unidade ao círculo, exercer uma influência calmante sobre todos os presentes e "divinizar" o ar. No Antigo Testamento, Deus aparece a Moisés no monte Sinai em forma de uma sarça ardente. Também levou os israelitas à Terra Prometida guiados por um pilar de fogo e nuvens. Na cabala, o fogo é visto como o Shekinah, a presença feminina interior de deus — para os gregos, Héstia. Seu objetivo é concentrar, fortalecer, espiritualizar e divinizar. Portanto, podemos associar Vesta àquela motivação

O fogo é um símbolo apropriado para Vesta interior que recebe a nossa maior atenção, a mais concentrada.

89. Eliade, Mircea, Shamanism: Archaic Techniques of Ecstasy, Princeton, NJ, Princeton-Bollingen, 1972.

Assim como há poucas imagens de Héstia, há também poucos mitos sobre ela, embora as referências que existam sejam extremamente reveladoras. Foi a primeira filha de Cronos e Réia e, portanto, a primeira a ser engolida por seu pai. Tendo sido a primeira a nascer, foi a última a emergir das mandíbulas de Cronos quando os filhos divinos foram devolvidos ao mundo. Portanto, Vesta é Alfa e Ômega, o princípio e o fim, a primeira e a última. Fez voto de permanecer eternamente virgem e, fiel à sua natureza meditativa, permaneceu de fora das brigas dos deuses. Quando Dioniso tornou-se um dos deuses olímpicos, foi necessário que outra divindade deixasse o Olimpo, pois só podia haver doze olímpicos. Héstia ofereceu-se para renunciar; seu culto estava tão profundamente estabelecido que nada poderia abalá-lo e, além disso, estava cansada da futilidade dos olímpicos.

Nossas maiores pistas sobre Vesta vieram de Roma, e não da Grécia. É comum acreditar-se que os romanos simplesmente adotaram seus deuses diretamente dos gregos, mas isso não é totalmente verdadeiro. Divindades chamadas Júpiter, Juno, Diana, Saturno, Vesta e assim por diante eram adoradas na antiga Itália muito antes que os povos latinos recebessem qualquer influência cultural significativa da Grécia90. Mas, quando os romanos começaram a dominar as CidadesEstado gregas, desenvolveram uma espécie de complexo de inferioridade por sua própria falta de sofisticação cultural. Assimilaram de boa vontade a mitologia mais desenvolvida dos gregos, combinando os mitos gregos

Vesta, ou Héstia

90. Dumezil, Georges, Archaic Roman Religion, Chicago e Londres, University of Chicago Press, 1970, 2 vols.

com suas próprias divindades, muito mais rústicas. Porém, O conjunto dos primitivos deuses itálicos nunca foi deixado de lado; o deus da guerra italiano, Marte, era cultuado mais profundamente pelos romanos do que Ares jamais fora pelos gregos. Uma situação similar ocorre em relação a Vesta, antiga deusa romana do fogareiro que foi sincretizada com a grega Héstia; pois em Roma, as sacerdotisas de Vesta, as virgens Vestais, gozavam de uma posição única no mundo antigo.

Contudo, para compreender mais claramente o que representavam as virgens Vestais, voltemos à idéia de que o homem é o microcosmo e o universo é o macrocosmo. O poder vital que está no centro do universo não apenas tem seu análogo no lar e no fogareiro mundanos, como tem também sua correspondência no corpo humano — o mais significativo dos microcosmos. Esse poder vital é normalmente representado como um fogo ou uma serpente — o shatki ou kundalini dos hindus, o Shekinah ou presença interior de Deus cultuado pelos cabalistas judeus. As virgens Vestais não apenas cuidavam do fogo verdadeiro que era o centro simbólico do Império Romano; também cuidavam do fogo interno, que era o espírito vital das pessoas. Faziam voto de celibato; no centro de sua ordem estava a mais direta ligação com a divindade que um mortal poderia experimentar. As Vestais refletiam a luz do sagrado. Gozavam dos mais extraordinários privilégios de império romano. Se uma vestal encontrasse um prisioneiro a caminho da execução, podia libertá-lo. Eram as guardiãs de importantes testamentos e documentos públicos; Marco Antônio teve de obter o testamento de Júlio César com as Vestais antes de poder lê-lo em voz alta em sua famosa oração sobre o cadáver de César. Mas, mesmo sendo as Vestais vistas como especialmente sagradas, era também sujeitas à mais grotesca das penalidades. Uma virgem vestal que fosse considerada culpada de quebrar seu voto de castidade podia ser queimada viva.

Apesar do fato de ser a Igreja cristã, era profundamente ameaçada pelo poder político das virgens Vestais, as mais importantes devotas que restaram da Deusa, os primeiros Pais da Igreja fracassaram em erradicar a adoração de Vesta até o terceiro ou quarto século d.C. As Vestais estavam entre os últimos pagãos a se render ao cristianismo, e tiveram uma continuação curiosa na própria Igreja. As freiras da Igreja cristã, como as Vestais, são virgens consagradas em um casamento com Deus91 .

Vesta é o mais brilhante dos asteróides92, o que é adequado, pois ela era a guardiã do fogo sagrado. Prometeu pode ter roubado esse fogo dos deuses para dar à humanidade (ver Urano), mas era Vesta quem o

91. Walker, Barbara G., The Womam's Encyclopedia of Myths and Secrets, ibid., pp. 1046-7 92. Bach, Eleanor, Ephemerides of the Asteroids — Juno, Pallas, Ceres, Vesta 19002000, ibid.

Escola das Virgens Vestais, uma gravura do século XIX segundo a pintura de Le Roux

mantinha aceso. Os astrólogos Demetra George e Zip Dobyns sugerem uma regência de Virgem para Vesta93 e, muito antes que o asteróide fosse descoberto, os gregos associavam a deusa Héstia a Capricórnio94. Por causa de sua regência sobre o fogo sagrado ou espiritual, ela também podia ser logicamente associada a Sagitário ou Escorpião (o próprio fogo do kundalini). De fato, ela parece participar de todos esses signos; seu fogo é um fogo interior, o fogo que acaba por nos motivar a viver nossas paixões ou, como diz Joseph Campbell, a "seguir nossa bem-aventurança".

Examine o mapa de qualquer indivíduo — ou, nesse caso, de qualquer nação — e a posição de Vesta muito provavelmente revelará o objeto da mais singular atenção. O mapa astrológico dos Estados Unidos, por exemplo, traz Vesta em Touro, o que é bastante adequado para uma nação de pessoas singularmente concentradas em liderar o mundo em Produto Nacional Bruto. A Vesta em Capricórnio da Grã-Bretanha nos indica o quanto aquele país honra a tradição, o comportamento "apropriado" e o sistema de classes. A Vesta em Leão da França nos lembra que naquele país o amor, a arte, a beleza e o prazer, em magnífico esplendor, são cultuados acima de tudo (quem mais poderia ter concentrado tanta energia no palácio de Versailles e dedicado os frutos dessa concentração ao "Rei Sol", a incorporação de Leão?). Dane Rudhyar, cuja Vesta estava em Aquário, foi pioneira no conceito e cunhou a expressão "astrologia humanista" no século XX.

93. Dobyns, Zipporah, Expanding Astrology's Universe, ibid., pp. 60-1; e George, Demetra, Asteroid Goddesses, ibid., pp. 124-30. 94. Gleadow, Rupert, The Origin of the Zodiac, ibid., pp. 80-1.

A vestal Tuccia foi acusada de quebrar seus votos, mas, como sinal de sua pureza, conseguiu realizar o feito de carregar água numa peneira do Tibre até o templo. De uma ilustração do século XIX, segundo a pintura de Le Roux

Se uma Vesta saudável no mapa astrológico corresponde à capacidade do indivíduo de concentrar e dirigir seu fogo interior para uma causa, projeto, ideal ou espiritualidade específicos, uma Vesta disfuncional resultará em uma completa falta de concentração ou direção. As pessoas que não possuem as qualidades de Vesta ou cuja Vesta é aflita tenderão a ser pouco direcionadas, incapazes de definir ou construir um caminho para si. Isso pode resultar em uma falta de limites — pessoas com uma Vesta fraca não têm a habilidade de ficar longe da multidão ou de pessoas que podem tirar vantagem delas. Da mesma maneira, uma Vesta fraca pode resultar num sistema imune fraco. O corpo está indefeso contra os exércitos invasores de microrganismos, assim como o indivíduo está indefeso contra aqueles que queiram invadi-lo psíquica, física ou emocionalmente. Indivíduos abusados sexualmente com freqüência têm Vesta em forte aspecto com Marte, Júpiter ou Plutão, três planetas conhecidos por sua atitude sexual dominadora, que afirmam "Eu pego o que é meu", sem se importar com a resposta. Os contatos Vesta-Saturno com freqüência se mostram como um pai dominante que pode muito facilmente "engolir" o filho, que subseqüentemente vive com medo dele, como a mitologia da dupla paifilha deixa claro. Vítimas de abuso na infância e, mais tarde, de agressão conjugal podem ser indivíduos com uma Vesta dominante, mas aflita. Vesta não revida com facilidade. Essas pessoas estão acostumadas a viver na sombra de alguém que pode ser monstruoso ou terrível. Mas podem conseguir se fortalecer por meio da disciplina que exercem sobre o desenvolvimento de sua própria devoção espiritual e fogo interior, de forma que podem conseguir se livrar desses tiranos.

Vesta, o asteróide cuja posição orbital está mais próxima de Marte, tem uma ligação especial com o planeta vermelho. Ambos representam a polaridade da sexualidade e ambos tratam de problemas nessa área. A regência matriarcal de Vesta sobre o fogo da Kundalini é reminiscente das prostitutas do templo do antigo Oriente Próximo, enquanto seu simbolismo greco-romano e pós-cristão é identificado com castidade e virgindade. Portanto, ela representa uma polaridade que caracterizou a mística feminina por bem mais de mil anos — o complexo "Madona-Prostituta" que foi a imagem masculina das mulheres durante os séculos cristãos. Para alguns homens, uma mulher que não incorpora a castidade virginal é automaticamente uma prostituta — e, em termos medievais, uma consorte do diabo. Embora esse dualismo radical tenha estado ausente de nossa mídia e literatura pelas últimas três ou quatro décadas, ainda é uma assunção tácita entre homens (e mulheres!) cuja polaridade feminina está profundamente perturbada. Há ainda culturas inteiras — notadamente o Oriente Médio islâmico — que levam esse dualismo muito a sério.

Demetra George discute essa polaridade de Vesta atribuindo a ela uma dupla regência95. A regência proposta é Virgem e Escorpião, dois signos cujos glifos são semelhantes, exceto porque o glifo de Virgem é virado para dentro, representando a polaridade ascética ou virginal, enquanto o glifo de Escorpião é voltado para fora, o que se relaciona com a expressão exterior da sexualidade da pessoa.

Para os que estão profundamente conscientes do poder da serpente ou kundalini dentro de si mesmos, há duas respostas básicas e dois modos de administrar essa força, ao mesmo tempo sexual e espiritual. No modo de Virgem, o indivíduo de Vesta pode escolher controlar a força sexual. Na melhor das hipóteses, essa escolha cria o iogue, o técnico do sagrado que canaliza o poder vital para um caminho de evolução espiritual consciente. Para nosso modo de pensar contemporâneo, pode parecer anômalo ver um indivíduo dedicado aos princípios ou práticas espirituais como alguém que possui também uma forte sexualidade, embora esse seja exatamente o estado em que a pessoa se encontra quando Vesta aparece com força no mapa astrológico. Administrar esse poder com confiança, para atiçar o fogo interior como um alquimista atiçando o fogo em seu cadinho, é uma tarefa extremamente difícil, e com muita freqüência o desejo de espiritualidade da pessoa de Vesta acaba emergindo simplesmente como repressão sexual. Como Palas Atená, que viveu na sombra de seu pai por anos, o indivíduo de Vesta pode começar a viver à sombra de éticas religiosas ou culturais, comportando-se "corretamente" e sublimando sua natureza sexual para conseguir a aprovação de Deus ou da sociedade. Mas, a pessoa de Vesta é também capaz de extremo abandono. Lembre-se de que Vesta abdicou de seu status olímpico por Dioniso, o deus do êxtase e da embriaguez. Héstia e Dioniso são emblemáticos da força sexual criativa; ambos são motivados pelo fogo do kundalini. Mas, enquanto Héstia preservava e controlava essa força, Dioniso entregava-se inteiramente a ela, em deleite orgíaco. Aqueles que seguem a polaridade de Escorpião de Vesta podem ter problemas com promiscuidade (a porção prostituta da dualidade de Vesta) quando a força psicossexual ou kundalini está à solta. De um modo ou de outro, o controle apropriado de uma sexualidade extremamente vital está implícito na personalidade de Vesta — podemos mesmo chamar a isso o dilema essencial de Vesta.

Lembramos também de outra similaridade entre Virgem e Escorpião por meio da regência de Ceres sobre Virgem e de Plutão sobre Escorpião. Ambos enfrentam o sofrimento pela ausência de Perséfone quando ela está com outro. Ambos simbolizam a necessidade do indivíduo de reconhecer a sensibilidade e a ligação que temos com

95. George, Demetra, Asteroid Goddesses, ibid., pp. 124-30.

esses relacionamentos primários com o filho ou parceiro, e ambos os signos possuem a capacidade de incrível concentração interior. A respeito disso, ambos compartilham o talento de Vesta para a finalidade dirigida.

Na análise do mapa, Vesta reflete o senso de direção espiritual de um indivíduo. Quer que as pessoas sigam conscientemente um caminho espiritual ou simplesmente o desejo de seu coração e suas necessidades naturais, Vesta ajuda a definir e concentrar sua intenção. Como Palas Atená, a incorporação da inteligência criativa cujas habilidades residem em muitas áreas, Vesta também é enfatizada em muitos domínios. Ela é capaz de sentir grande paixão como guardiã do fogo interior, mas ao longo dos anos sua função tem sido domesticar, controlar ou segurar essa paixão em reserva. Quando as mulheres eram despidas de seu poder em assuntos da Igreja e do Estado, o espírito das Vestais estava no subterrâneo, o que para muitas resultou em uma determinação ainda maior de manter o fogo aceso e dedicar-se à devoção e à adoração em silêncio, discretamente. Durante os séculos que se seguiram foi a mulher que, agindo a partir do lar, influenciou aos poucos a direção espiritual e as escolhas de sua família, de tal modo que aqueles influenciados por ela são com freqüência motivados a seguir caminhos que refletem sua experiência inicial de primitivas reuniões de família em torno do fogo simbólico. Dessa forma, Vesta opera de modos discretos. Atualmente, porém, podemos ver Vesta agindo mais publicamente, em uma era em que o espírito das Vestais está em homens e mulheres que escolheram dedicar suas vidas ao desdobramento espiritual de si mesmos e de outros, ou que escolheram agir como representantes espirituais de grandes grupos de pessoas. Esse processo pode desdobrar-se em silêncio e discretamente, como no caso de Madre Teresa, ou através de escritos e palestras, como com Lynn Andrews e Shirley McLaine, que incorporam, todas, uma Vesta forte.

Júpiter e sua águia, do Kunstbüchlin de Jost Amman, publicado por Johann Feyerabend, Frankfurt, 1599.

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