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Cardinal
by Ponte
Em suma, vemos que três, o número dos modos da astrologia, simboliza um princípio patriarcal masculino, celeste, enquanto o quatro, número dos elementos, relaciona-se com o culto terrestre da deusa-mãe. A roda astrológica de quatro vezes três equilibra o masculino e o feminino, ou yin e yang, num círculo de completude. Afinal de contas, embora alguns digam que Deus é homem e outros que é mulher, a vida neste planeta não tem possibilidade de surgir exceto através de uma união de ambos. Além disso, diz-se que além deste plano terrestre não há necessidade de uma diferenciação masculina ou feminina; somos seres absorvidos um no outro. Mas nesse plano também não há necessidade de classificações como cardinal-fixo-mutável ou terra-fogo-ar-água. Tudo se funde e se torna um.
Os signos cardinais iniciam a energia. Seu poder dirige, é a vontade de agir. Podem ser motivados por uma visão ou puramente pela obsessão de realizar algum tipo (qualquer tipo) de ação — mas eles agirão. Por vezes parecem-se com um tufão ou, melhor ainda, um rolo compressor. Arremetem para a frente e tudo o que se pode fazer é sair do caminho deles.
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Entre os três gunas hindus, o modo cardinal corresponde a rajas. Rajas tem a mesma raiz de rajá ou marajá, que significa rei. A mesma palavra aparece nas linguagens européias como rex (latim) ou roi (francês), além de regai e royal. Na antiga Índia, os reis eram guerreiros; era sua incumbência pegar em armas e conquistar o campo de batalha, assim como era dever de um brahmin meditar e estudar as escrituras. Da mesma maneira, as pessoas cujos horóscopos trazem uma ênfase nos signos cardinais estão no caminho da ação. Necessitam de uma causa, uma batalha, um campo ou atividade. Sem isso, tornam-se feixes frustrados de energia nervosa.
Falando novamente da filosofia clássica hindu, descobrimos que os rajaguna têm uma deficiência crônica: a ira. Pessoas cardinais têm um temperamento volátil, inflamado, que pode explodir facilmente, a menos que tenham um escape para sua abundante energia. Signos cardinais gostam de iniciar coisas. Quando estudarmos a mandala do zodíaco um pouco mais a fundo, isso se tornará aparente, pois os signos cardinais correspondem aos quatro ângulos principais do mapa astral e também ao início das quatro estações (ou seja, os equinócios e solstícios). E eles não apenas começam coisas, como parece que as coisas
são começadas para eles. Entre indivíduos multicardinais, com freqüência ocorre que suas vidas tomam as rédeas e se movem antes que eles realmente saibam que estão fazendo ou por quê. Essa energia que alguns atribuem à "sorte de principiante" pode não durar para sempre; mas, com os signos cardinais, isso está muito bem — porque, quando as coisas atingem um ponto em que o planejamento consciente de rotina se estabelece, os tipos cardinais já estão procurando um modo de sair do antigo e entrar em algo novo.
Áries manifesta sua cardinalidade de modo mais óbvio do que os outros signos. Pessoas de Áries criam atividade simplesmente por criála. Precisam estar fazendo algo, mesmo que seja bater a cabeça na parede, lutar por uma causa perdida ou chutar um cachorro morto. Realmente não se importam, desde que isso dê a eles algo a fazer. Capricórnio, o signo cardinal de terra, é um pouco mais quieto, mas mais incansável. Prefere caminhar e não correr em direção a um objetivo em particular; mas, como qualquer signo cardinal, nunca será desviado de seu propósito. Essa cardinalidade de Capricórnio lhe dá a força de determinação necessária para atingir o topo da pirâmide corporativa ou política — ou a força interior para manifestar seu mito do solstício de inverno e buscar ininterruptamente a luz interior.
Alguns estudiosos de astrologia acham um pouco mais difícil identificar as qualidades cardinais de Libra e Câncer. E, realmente, se pensarmos em Libra apenas como o signo do relacionamento, teremos muito trabalho para apontar sua natureza essencialmente cardinal. Mas, como aponta Dane Rudhyar em seu Pulse of Life, Libra representa o equinócio de outono, quando o poder da humanidade coletiva começa a fazer sombra ao poder do ego individual157 . Temos de pensar nos relacionamentos nesse contexto mais amplo. Um libriano que canaliza todo o seu poder de relacionamento num casamento ou outra relação íntima pode não estar expressando todo o leque da cardinalidade libriana: o espectro completo do relacionamento é manifestado pelos librianos que prevêem uma nova humanidade baseada naquilo que os índios americanos ou budistas chamariam relacionamento correto. Mahatma Gandhi é um ótimo exemplo desse tipo de libriano.
A natureza cardinal de Câncer também pode ser um pouco difícil de apontar. Isso porque o campo de atividade de Câncer é o coração humano. Câncer vem no solstício de verão, quando os dias são mais longos e o sol brilha. Pode parecer um pouco confuso para alguns, já que o Sol é normalmente visto como um planeta masculino e Câncer é um signo essencialmente feminino. Mas, como veremos (em Câncer),
157. Rudhyar, Dane, The Pulse of Life, ibid, pp. 73-8.
Os signos da cruz cardinal, ilustrado por Diane Smirnov
Câncer une as energias solar e lunar de um modo muito importante — e se aplicarmos o esboço de Joseph Campbell do mito do herói à passagem do Sol através do zodíaco, Câncer representa o casamento místico, a união das energias masculina e feminina158 .
A energia cardinal de Câncer é utilizada construindo-se uma sólida base para o ego solar, de forma que ele possa expressar melhor o seu desígnio. Essa base pode ser um lar e uma família ou o centro interior do ser (e por isso pensamos em Câncer como um signo psíquico).
Signos cardinais são como o primogênito de uma família — levados a realizar ou perseguir uma visão que está praticamente fora de alcance. Todavia, há constante movimento e atividade, nunca um estado de perfeito descanso; é como se uma cenoura fosse balançada diante
158. Campbell, Joseph, The Hero with a Thousand Faces, ibid., p. 245.
deles, incitando-os a prosseguir só por mais uma milha até alcançá-la. Por mais exaustivo que isso possa parecer, aqueles que possuem uma forte modalidade cardinal preferem assim. O descanso não é fácil para esses tipos, a menos que tenham uma súbita queda de energia.
A energia possuída pelos signos cardinais opera de modo diferente e corresponde grosseiramente ao elemento em questão. Por exemplo, a cardinalidade de Áries se expressa por meio do fogo, Câncer por meio da água, Libra por meio do ar e Capricórnio por meio da terra; Áries, o signo de fogo, é levado a buscar alguma espécie de vitória pessoal — ser o primeiro, o mais rápido ou o melhor em algo. A água de Câncer corre constantemente como um rio em busca de seu lar definitivo, ou o que quer que faça Câncer sentir-se seguro e a salvo. Libra, o signo cardinal de ar, é levado por sua necessidade de constante equilíbrio e harmonia em um mundo que parece fazer questão de manter as coisas em um estado de desequilíbrio na maior parte do tempo. Capricórnio, o signo cardinal de terra, é impulsionado por seu desejo de dominar o mundo físico, seja sentado no cume do Monte Everest, no mais alto escalão da escada corporativa ou, de acordo com seu simbolismo de solstício de inverno, empenhando-se para manter a luz interior acesa.
O ciclo encarnatório do modo cardinal é um período de produtividade e ação. Não é à toa que ficamos tão contentes em descansar e ficar parados quando atingimos o modo fixo! O mesmo processo é verdadeiro para nossa experiência do mundo como um todo quando há muitos planetas transitando por signos cardinais. Por exemplo, durante o final da década de 1980 e início da de 1990, três ou quatro dos planetas exteriores (mais pesados) transitaram por signos cardinais — Saturno, Urano e Netuno estavam em Capricórnio, com Quíron simultaneamente no cardinal Câncer. Esse alinhamento no céu induz a uma grande atividade na Terra; observamos "terremotos" tanto geológicos quanto geopolíticos — movimentos da terra e movimentos políticos. Eis como quantidades excessivas de cardinalidade costumam agir, tanto individual quanto coletivamente. Normalmente, há esse sentido de urgência com os signos cardinais — se não agirmos agora, vamos perder aquele momento. Por essa razão, uma pessoa com forte cardinalidade muito provavelmente perderá a paciência com pessoas ou situações que parecem estagnadas e podem facilmente ficar aborrecidas mesmo com seus próprios projetos, pois o ato de iniciar ou criar é o mais estimulante e esse momento de gênese já passou. Logo que o novo e diferente se torna a rotina e necessita de manutenção diária, as pessoas cardinais podem desencantar-se bastante.
Não é por acaso que os ciclos sazonais anuais começam nos signos cardinais. Os primeiros dias de primavera, verão, outono e inverno correspondem exatamente aos primeiros graus de Áries, Câncer, Libra
c Capricórnio, respectivamente*. Conhecemos esses dias como equinócios e solstícios, as quatro vezes no ano em que a Terra e o Sol estão suspensos em ângulos exatos de potência magnética aumentada. Talvez isso tenha algum efeito nos componentes bioquímicos dos indivíduos multicardinais. Uma coisa é certa com signos cardinais — a vida nunca carece de drama.
Situações de vida complexas e potencialmente estressantes surgem para indivíduos nascidos com muitos planetas em signos cardinais. Quando planetas ocupam três dos signos cardinais em uma orbe próxima de maneira a formar ângulos de 90 graus uns com os outros, os astrólogos chamam a essa configuração um Quadrado T cardinal. Quando os quatro signos cardinais contêm planetas, a configuração produzida é chamada grande cruz — ou, mais especificamente, cruz cardinal. Essas configurações apontam para a necessidade de um indivíduo de expressar todas as situações simultaneamente, mesmo quando parece haver competição entre as diversas situações e cada voz exige ser tratada separadamente. Nesses casos, não há "este ou aquele": tudo deve ser tratado ou as diversas situações cutucarão incessantemente o cérebro da pessoa até que consigam o que querem. E o que querem? Quando três estão presentes, como no Quadrado T, a solução está com freqüência na perna que falta — o que faz sentido, pois aquele signo é a polaridade do signo situado no ponto focai do T, o signo que recebe a maior tensão. A terapia de polaridade opera segundo o mesmo princípio, uma vez que alivia a tensão de um ponto do corpo recorrendo a um oposto correspondente. Dessa forma, se o Quadrado T envolve planetas em Câncer, Libra e Capricórnio, Libra é o mais pressionado e encontra um alívio em Áries. Quando os quatro signos estão firmemente configurados na grande cruz, o indivíduo deve manter um fluxo firme e direcionado para cada um dos quatro — necessidades emocionais (Áries) devem equilibrar-se e harmonizar-se com as necessidades do parceiro (Libra); família ou preocupações pessoais (Câncer) necessitam receber tanta atenção quanto as preocupações mundanas ou profissionais (Capricórnio). Embora isso tudo possa parecer incrivelmente estressante, as pessoas geralmente têm mais facilidade em lidar com a cruz de quatro pontas do que com o Quadrado T, em que estão em jogo apenas três dos quatro elementos. Talvez seja assim porque, como observamos anteriormente, quatro é um número que repousa sobre um alicerce seguro, originado da fonte feminina de poder doador de vida, e oferece mais estabilidade e segurança do que o três, um número em constante movimento.
*. N. da T.: mantive o esquema do original, que se refere ao hemisfério norte. No hemisfério sul, onde está o Brasil, a correspondência seria: Áries-Outono, Câncerinverno, Libra-primavera e Capricórnio-verão. Por causa dessa variação de hemisfério, alguns trechos parecerão estranhos ao leitor brasileiro.