Revista do Meio Ambiente 43

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revista do meio

ambienTe Rebia Rede Brasileira de Informação Ambiental

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Vazamento

na Bacia de Campos

ano V • dezembro 2011

9772236101004

ISSN 2236-1014

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Arte como linguagem de educação ambiental O longo caminho do carro elétrico no Brasil Um oásis chamado Terra Um procurador contra Belo Monte



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Capa 12 Caso Chevron: negligência e ausência do Estado

Conselho Consultivo e Editorial Adalberto Marcondes, Ademar Leal Soares (61 3033.3654 secretaria@greenmeeting.org), Aristides Arthur Soffiati, Bernardo Niskier, Carlos A. Muniz, David Man Wai Zee, Flávio L. de Souza, Keylah Tavares, Luiz A. Prado, Maurício Cabral, Paulo Braga, Raul Mazzei, Ricardo Harduim, Rogério Álvaro S. de Castro, Rogério Ruschel Diretoria Executiva Presidente do Conselho Diretor: Vilmar Sidnei Demamam Berna, escritor e jornalista Presidente do Conselho Deliberativo: JC Moreira, jornalista Presidente do Conselho Fiscal: Flávio Lemos, psicólogo Superintendente Executivo: Leonardo da Silva D. Berna, jornalista – ID 55*8*3824 – leonardo@rebia.org.br Moderadores dos Fóruns Rebia Rebia Nacional (rebia-subscribe@ yahoogrupos.com.br): Fabrício Fonseca Ângelo, jornalista ambiental Rebia Norte (rebianorte-subscribe@ yahoogrupos.com.br) – Rebia Acre: Evandro J. L. Ferreira, pesquisador do INPA/UFAC • Rebia Manaus: Demis Lima, gestor ambiental • Rebia Pará: José Varella, escritor Rebia Nordeste (rebianordeste-subscribe@ yahoogrupos.com.br) – Coordenador: Efraim Neto, jornalista ambiental • Rebia Bahia: Liliana Peixinho, jornalista ambiental e educadora ambiental • Rebia Alagoas: Carlos Roberto, jornalista ambiental • Rebia Ceará: Zacharias B. de Oliveira, jornalista, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente • Rebia Piauí: Dionísio Carvalho, jornalista ambiental • Rebia Paraíba: Ronilson José da Paz, mestre em Biologia • Rebia Natal: Luciana Maia Xavier, jornalista ambiental Rebia Centro-Oeste (rebiacentrooestesubscribe@yahoogrupos.com.br): Eric Fischer Rempe, consultor técnico (Brasília) e Ivan Ruela – gestor ambiental (Cuiabá) Rebia Sudeste (rebiasudeste-subscribe@ yahoogrupos.com.br) - Rebia Espírito Santo: Sebastião Francisco Alves, biólogo Rebia Sul (rebiasul-subscribe@ yahoogrupos.com.br) - Coordenador regional: Paulo Pizzi, biólogo • Rebia Paraná: Juliano Raramilho, biólogo • Rebia Santa Catarina: Germano Woehl Junior, mestre e doutor em Física. Pessoa Jurídica A Rebia mantém parceria com uma rede solidária de OSCIPs (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que respondem juridicamente pela finanças dos veículos de comunicação e projetos da Rebia: • Associação Ecológica Piratingaúna CNPJ: 03.744.280/0001-30 • Sede: R. Maria Luiza Gonzaga, nº 217, Ano Bom - Barra Mansa, RJ • CEP: 27323-300 • Utilidade Pública Municipal e isenta das inscrições estadual e municipal • Prima – Mata Atlântica e Sustentabilidade (Ministério da Justiça - registro nº 08015.011781/2003-61) – CNPJ: 06.034.803/0001-43 • Sede: R. Fagundes Varela, nº 305/1032, Ingá, Niterói, RJ CEP: 24210-520 • Inscrição estadual: Isenta e inscrição Municipal: 131974-0 www.prima.org.br

por Instituto Humanitas Unisinos – IHU

Educação ambiental 8 Arte como linguagem de educação ambiental por Caroline Polle

Ciência e tecnologia ambiental 18 O longo caminho do carro elétrico no Brasil por Lucas Bessel

Ecologia interior 22 Oásis Terra

por Maurício Andrés Ribeiro

Política ambiental 24 Um procurador contra Belo Monte por Eliane Brum

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• Ruídos na comunicação ambiental • Laboratório de felicidade • Indignação e repúdio • Contra o processo da ThyssenKrupp • Carlos Minc participa de evento em Itaperuna • A sociedade civil: fermento da democracia • Corinthians também é campeão ambiental • 2014 verde • Quando a informação ambiental é insuficiente • IV CBJA: jornalista socioambiental na busca da liberdade • Considerações sobre a Rio+20 • Pesquisa de opinião • Entrevista com Clodionor Araújo, Presidente do IHAB • Coluna Política Ambiental • O Brasil sem proteção ambiental • XII Conferência das Cidades e o PNRS • XIII Fimai • Réquiem para o Código Florestal • Consumismo e consumo consciente • Guia do Meio Ambiente Revista

Os artigos, ensaios, análises e reportagens assinadas expressam a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, o ponto de vista das organizações parceiras e da Rebia.

‘Neutra em Carbono’

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Redação: Tv. Gonçalo Ferreira, 777 - casarão da Ponta www.prima.org.br da Ilha, Jurujuba - Niterói, RJ - 24370-290 • Tel.: (21) 2610-2272 Editor e Redator-chefe: Vilmar Sidnei Demamam Berna, escritor e jornalista. Em 1999 recebeu o Prêmio Global 500 da ONU para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas • www.escritorvilmarberna.com.br http://escritorvilmarberna.blogspot.com/ Contatos: vilmar@rebia.org.br • Celulares (21) 9994-7634 e 7883-5913 ID 12*88990 Editor Científico: Fabrício Fonseca Ângelo, jornalista, mestre em Ciência Ambiental, especialista em Informação Científica e Tecnológica em Saúde Pública • (21) 2710-5798 / 9509-3960 • MSN: fabricioangelo@hotmail.com Skype: fabricioangelo • www.midiaemeioambiente.blogspot.com Assistente Técnica: Inês de Oliveira Berna – professora e bióloga Pós-graduada em Meio Ambiente • (21) 9994-7634 • ines@rebia.org.br Webmaster: Ricardo Paes • ricpaes@gmail.com • (21) 9475-3844/2537-0235 Produção gráfica: Projeto gráfico e diagramação: Estúdio Mutum • (11) 3852-5489 Skype: estudio.mutum • contato@estudiomutum.com.br Impressão: Imprinta Express Gráfica e Editora Ltda. Comercial Diretor: Leonardo da Silva Demamam Berna, jornalista • ID 55*8*3824 • leonardo@rebia.org.br Representante comercial: Célio Judson de Souza, jornalista político ambiental e do Terceiro Setor – (61) 9637-3867 / 9212-5800 celio@rebia.org.br • celiojudson@hotmail.com / celiojudson@gmail.com Representação em Brasília: Minas de Ideias Comunicação Integrada (Emília Rabello e Agatha Carnielli • Brasília (61) 3408-4361 / 9556-4242 Rio de Janeiro: (21) 2558-3751 / 9114-7707 • brasilia@minasdeideias.com.br Skype: agatha.cn • www.minasdeideias.com.br

Capa: Vazamento de óleo no Campo Frade, na Bacia de Campos.. Foto: Rogério Santana/Governo do Estado do RJ

Rebia – Rede Brasileira de Informação Ambiental: organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, com a missão de contribuir para a formação e mobilização da Cidadania Ambiental planetária através da democratização da informação ambiental e da educação ambiental com atuação em todo o território nacional, editando e distribuindo gratuitamente a Revista do Meio Ambiente e o Portal do Meio Ambiente. CNPJ: 05.291.019/0001-58. Sede: Trav. Gonçalo Ferreira, 777 - casarão da Ponta da Ilha, Jurujuba - Niterói, RJ - 24370290 – Site: www.rebia.org.br

Rogério Santana/Governo do Estado do RJ

nesta edição 3

revista do meio ambiente dez 2011


Jakub Krechowicz (sxc.hu) - http://krechowicz.pl

texto Vilmar Sidnei Demamam Berna* (www.escritorvilmarberna.com.br)

editorial

Ruídos

Também é equivocado imaginar que o mundo melhor que se deseja depende primeiro da evolução pessoal e espiritual dos indivíduos. As pessoas não amadurecem ao mesmo tempo, por isso a mudança para a sustentabilidade requer cidadania crítica e participativa, mecanismos legais e estruturas democráticas que assegurem iguais direitos e oportunidades para todos, em vez de imaginar, como o profeta, que gentileza gera gentileza. Se gerasse, não haveriam tantos estelionatários e pessoas que se aproveitam da boa vontade dos outras para obter vantagens. Finalmente, não devemos nos iludir com a ideia de neutralidade em comunicação. Informar é o ato de escolher que parte da verdade queremos Iluminar e que parte deixaremos nas sombras. Logo, o observador interfere diretamente na observação ao comunicar sobre ela. Assim como existem comunicadores a serviço da sustentabilidade, existem comunicadores a serviço de poluidores e organizações que trabalham para garantir privilégios e controle político, social e ambiental, para aumentar seus lucros, doa a quem doer. Refugiam-se na ideia de que apenas realizam

na comunicação ambiental

Os ruídos na comunicação ambiental podem atrapalhar o entendimento sobre consumo, recursos naturais, superpopulação, amadurecimento pessoal ou sobre a neutralidade na informação

Quando se faz a crítica ao consumismo, por exemplo, não é ao ato de consumir, em si. Não há nada de errado em consumir. É o que fazemos, do berço ao túmulo. O que se critica é o consumo irresponsável; o desperdício, que destrói recursos que poderiam estar sendo melhor distribuídos; a redução da vida humana às dimensões de produzir numa ponta para consumir na outra, como se ganhar dinheiro e gastá-lo é que fosse o importante, e viver, amar, ser feliz nem tanto, claro, a não ser que tenha o consumo como intermediador. Quando se alerta sobre o fato dos recursos naturais serem limitados não significa que não haja recursos no Planeta suficiente para todos. Há, até de sobra. O que se critica é a pegada ecológica desigual, onde uns poucos pegam muito mais que a maioria, só possível por que existe desigualdade social e falta de cidadania consciente e participativa na luta por políticas públicas. Quando se alerta para nossa superpopulação de 7 bilhões de humanos, não quer dizer que o Planeta não possa suportar esse número ou ainda mais gente. O que se critica é o fato da população estar se multiplicando numa velocidade muito maior que a capacidade dos governos e dos mercados em prover a todos de infra-estrutura e condições dignas de sobrevivência, produzindo perversa e mesmo deliberadamente uma exclusão social que permite a concentração de renda e poder de uma minoria. dez 2011 revista do meio ambiente

o seu trabalho profissional e cumprem ordens. O mesmo argumento do piloto que lançou a bomba nuclear sobre o Japão pulverizando instantaneamente mais de 250 mil pessoas e causando danos a milhões de outras. A gente tende a imaginar que todos, em princípio, são bons, até que nos provem o contrário. Mas bondade e maldade existem em todos nós e são questões de escolhas. Nem só de boas intenções são feitos os caminhos da sustentabilidade. Existem pessoas e organizações que tiram vantagem da atual situação e não querem ver seus ganhos e privilégios diminuídos. Então, podem se aproveitar dos ruídos na comunicação ambiental para manterem a opinião pública na dúvida e desmobilizada. À medida que os ruídos são identificados e eliminados, a opinião pública deixará de ser um alvo tão fácil nas mãos dos aproveitadores. * Vilmar Berna é escritor e jornalista, fundou a Rebia –

Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente (www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas



texto Gilberto Ddimenstein (gdimen@uol.com.br)

qualidade de vida

Laboratório de Pela primeira vez, a prefeitura de uma cidade dos Estados Unidos resolveu fazer um censo buscando saber a taxa de felicidade de seus habitantes e, a partir daí, traçar políticas públicas. “Estamos querendo medir com mais precisão o grau de satisfação da população”, diz Daniel Gilbert, professor de psicologia em Harvard. Essa experiência, que vem sendo realizada numa cidade de 72 mil habitantes – onde, aliás, se pode comer um divino pão de queijo e um pão francês com manteiga na chapa típico das nossas “padocas”–, faz parte de um experimento da ciência da felicidade. O que Harvard está tentando fazer em suas faculdades de medicina e saúde pública é tirar a felicidade do besteirol da autoajuda, colocando-a nas mãos de cientistas, com suas máquinas cada vez mais sofisticadas de investigar o cérebro e os conhecimentos sobre genética. É uma investigação que atinge o mais profundo dos sonhos e dos pesadelos dos seres humanos. Estudo publicado na semana passada sobre os anos de vida perdidos por causa de doenças mostrou que cerca de 30% dos brasileiros já apresentaram sintomas de depressão. A tristeza ou a felicidade, além de problemas genéticos, são contagiosas? Pesquisa da faculdade de saúde pública de Harvard revela que sim: tanto a tristeza como a felicidade “pegam”. Usando recursos da epidemiologia, os pesquisadores mediram como pessoas que demonstram alegria propagam uma atitude mais positiva entre familiares e amigos, gerando um contágio. Viram também que a tristeza passa por fenômeno semelhante, mas (felizmente) sem a mesma intensidade da felicidade. A informação é baseada no acompanhamento de 5.000 pessoas durante 20 anos.

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felicidade Povoada de brasileiros, especialmente mineiros, uma pequena cidade americana, chamada Somerville, na região metropolitana de Boston, está se transformando num laboratório de felicidade

Os cientistas da felicidade, usando equipamentos de ressonância magnética e grupos de controle, estão dando caráter científico a práticas milenares, como a meditação. Esse conhecimento já vem sendo experimentado nos hospitais para ajudar na recuperação de pacientes. Também nos hospitais são feitos testes que revelam como pessoas altoastrais têm menos propensão a problemas do coração, hipertensão, diabetes ou infecções respiratórias. Vemos, assim, como determinadas sensações provocam reações bioquímicas no corpo. A ciência da felicidade consegue, às vezes, fundamentar o senso comum. O antigo ditado “Dinheiro não traz felicidade” parece comprovar-se. “Vemos que jogar muita atenção na aparência ou nas coisas materiais, como um carro novo, traz muito menos satisfação do que fazer trabalho voluntário, quando nos sentimos relevantes e parte de algo maior”, afirma Nancy Etcoff, responsável pelo curso de ciência da felicidade de Harvard. O trabalho voluntário, segundo ela, aciona um sistema de recompensa no cérebro. Ela percebe, em suas pesquisas, que mulheres muito ligadas à aparência física tendem a ser menos felizes. “Muitas vezes, as pessoas procuram a satisfação no lugar errado. Percebemos isso pelo sistema de recompensa cerebral”, diz ela. Esse tipo de conhecimento pode mudar decisões individuais, dando força a quem defende uma vida mais simples e menos consumista, mas também tende a mudar comportamentos coletivos. Vários países, entre os quais a Inglaterra e a França, já discutem a ideia de que medições como o PIB são ineficientes para aferir o grau de desenvolvimento de uma nação e de que a felicidade deveria entrar na contabilidade. Esse debate entrou no Brasil com um movimento pela inclusão do direito à felicidade na Constituição. Isso significa encontrar um jeito diferente – e mais exigente – de cobrar as promessas dos políticos. * Gilberto Dimenstein é colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo e comentarista da rádio CBN, é fundador da Associação Cidade Escola Aprendiz. Fonte: http://aprendiz.uol.com.br



Arte

texto Caroline Polle (pollecaroline@yahoo.fr)

educação ambiental

como linguagem de educação ambiental

Desastre, poesia, criação, conscientização. Projetos artísticos, instalações utilizando materiais naturais, protestando contra o desmatamento, criações com recuperação... por um lado expêriencias culturais, por outro lado uma linguagem de educação ambiental

Uma poesia da natureza: por quê precisamos da natureza?

Andy Goldsworthy faz parte do movimento de “Land Art” utilizando materiais e espaços naturais efêmeros.

Land Art ou Arte da Terra, foi um movimento artístico nascido nos anos 60, e tem por característica usar a natureza como próprio suporte para a realização de suas obras. Os artistas do Land Art abandonaram os museus para intervirem nas paisagens naturais como, desertos, cânions, lagos e mares e também nas áreas urbanas. Muitos destes artistas trabalhavam a partir da questão de que a obra só poderia ser sentida se o espectador estivesse dentro dela. Andy Goldsworthy trabalha geralmente ao ar livre, onde coleta materiais ou objetos naturais (galhos, folhas, talos, pedras, flores, neve, etc.) para a confecção de seus trabalhos. Para seus trabalhos efêmeros, Goldsworthy usa geralmente outras ferramentas além das próprias mãos e dentes,ferramentas improvisadas e possivelmente um canivete. “O ser humano precisa reconhecer-se parte da natureza para atuar dentro dela sem destruí-la, sem destruir-se a si mesmo, e para poder assim desfrutar dos valores caracteristicamente humano que ela lhe oferece: o bem e a beleza, sobretudo, precisam ser recuperados e transmitidos para as gerações mais jovens”. (Horst Werting) Seguindo o exemplo de numerosos artistas da Arte da Terra, Andy Goldsworthy considera alguns de seus trabalhos como “arte efêmera”, que pode ser entendido como o tempo de degradação que pode variar de alguns segundos à vários anos. Esculturas de gelo que duram somente uma estação, esculturas de areia dez 2011 revista do meio ambiente

Early morning calm/knotted stalks/pushed into the lake bottom, Cumbria, England, February 20, 1980 ©Andy Goldsworthy, Courtesy Galerie Lelong, New York

em uma praia que desaparece na primeira maré, as construções de pedra ou metal que sofrem intempérie natural. A fotografia faz um papel crucial em sua arte. Goldsworthy guarda marcas dos seus trabalhos por meio de testes fotográficos em cor. Muitos são acompanhados com um título na forma de lengenda que explica a gênese do trabalho. De acordo com suas próprias condições, todo trabalho nasce, e com passar do tempo degrada-se. São componentes completos de um ciclo que o fotógrafo mostra. Há uma intensidade no apogeu de seus trabalhos que está expressada na imagem. A evolução e a decadência estão implícitas. A intenção dele não é anexar sua marca na paisagem mas trabalhar instintivamente com ela, de forma que o espetáculo de suas criações, se igualem brevemente, conforme o mundo natural. Ele está particularmente interessado no tempo da dinâmica da natureza. “Movimento, luz, crescimento e mudança são a alma da natureza, as energias em que eu tento fazer existir meu trabalho.” Assim, seu trabalho poético é também um instrumento de sensibilização sobre o valor e a fragilidade da natureza.


A visão do desastre: um grito de revolta!

Frans Krajcbcerg é um escultor que faz esculturas com madeiras queimadas para protestar contra o desmatamento. A natureza tornou-se a matériaprima essencial deste artista. A reflexão sobre as relações do homem com a natureza, a arte e o meio ambiente são temas que estão presentes na obra do artista plástico Frans Krajcberg. Aos 85 anos, o polonês naturalizado brasileiro, é reconhecido pelo seu engajamento na defesa do meio ambiente e por usar matéria-prima retirada diretamente dos locais onde a depredação se fez presente, como troncos de madeira queimada, galhos e cipós. Suas obras, esculturas, pinturas, gravuras e fotografias têm o intuito de despertar a indignação contra as ações devastadoras do homem. “Meus trabalhos são meu manifesto. O fogo é a morte, o abismo. Ele me acompanha desde sempre. A destruição tem formas. Eu procuro imagens para meu grito de revolta. Com minha obra, exprimo a consciência revoltada do planeta”. (Frans Krajcberg) A preocupação com o meio ambiente permeou toda a sua trajetória artística. Krajcberg chegou ao Brasil em 1948 e iniciou sua carreira com a participação na 1ª Bienal de São Paulo, em 1951. Entre 1958 e 1964 viveu entre Paris, Ibiza e Rio de Janeiro onde produziu seus primeiros trabalhos oriundos do contato direto com a natureza. Em 1964, executa suas primeiras esculturas com troncos de árvores mortas. Realizou diversas viagens à Amazônia e ao Pantanal Mato-Grossense, fotografando e documentando os desmatamentos, além de recolher materiais para suas obras, como raízes e troncos calcinados. Há mais de 30 anos vive em Nova Viçosa, no sul da Bahia, onde mantém seu atelier. Para criar, retira do mangue e da floresta os materiais com que trabalha. A obra de Krajcberg é uma maneira de conscientização da degradação ambiental. Suas esculturas falam da destruição. Os filmes Frans Krajcberg, Retrato de uma Revolta, realizado por Maurice Dubroca, e Krajcberg, o poeta dos vestígios (1987), realizado por Walter Salles, explicam muito bem a relação entre obra de arte e envolvimento político na proteção do meio ambiente. A criação artística não é neutra, não é decorativa. Produções artísticas podem verdadeiramente auxiliar na educação ambiental.

Frans Krajcberg, Flor de mangue, 1973

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molda o tronco de uma árvore, onde registra a impressão de seu próprio corpo. Penone registra o corpo dele na natureza revelando os processos invisíveis em uma trama sutil de afinidades sensíveis com a natureza humana. A analogia entre um ser humano e as plantas é uma das máquinas de sua arte. As metáforas inseridas nos seus títulos: Onde a árvore se lembrará, A vértebra da árvore, a pele será folhas... A árvore, disse Penone, é um material fluido que pode ser modelado. O vetor principal é o tempo. “O homem é temporalmente diferente duma árvore. Em princípio, se nós agarrássemos uma árvore e tivéssemos a constância para não nos movermos durante anos, a pressão contínua exercitada pela mão modificaria a árvore.” Centro Pompidou, 2004. Assim, o artista tira uma fotografia de sua mão agarrando o tronco de uma árvore jovem. Então, para conservar este momento efêmero, ele realizou uma moldagem de bronze da sua mão

O diálogo com a natureza: reflexão sobre a marca Giuseppe Penone faz parte do movimento de “Arte Povera” em Italia.

O tema central do trabalho de Giuseppe Penone é uma exploração da relação entre o homem e a natureza. Nascido em 1947, ele cresceu em Garessio, uma comunidade rural no sul de Turin, e a empatia dele com a natureza se originou desta experiência. Para Penone, natureza representa a grande memória, o modelo de presente dos processos de mudança e crescimento que moldam a vida individual. A arte dele está frequentemente preocupada com a revelação e realização, na forma de escultura, de processos naturais que normalmente podem estar escondidos ou invisíveis. “Eu imprimo minha mão no barro. Eu removo meu braço da árvore para a qual adere. Eu sinto o empurrão da água que pula contra o fim de meus dedos. Eu me lembro da memória da lama, a ascensão lenta dos vapores da terra, o fluxo da água no porão, o empurrão vertical do material, a consciência do espaço onde nós pretendemos ressoar a massa de carne humana que verte, move e se torna volume indistinto, vapor, para o passeador que cruza, no tempo, na história da estratificação através de sedimentação.” (Giuseppe Penone, 1987). Fazendo um diálogo entre natureza humana e reino vegetal, Penone explora essa relação seguindo um equilíbrio, na escala humana. Estando interessado no crescimento de uma árvore, a intervenção da mão do artista

Giuseppe Penone, Continuerà a crescere tranne che in quel punto, 1968, árvore, aço, foto feita em 1978, Alpi Marittime ©Archivio Penone revista do meio ambiente dez 2011


texto Caroline Polle (pollecaroline@yahoo.fr)

10 educação ambiental

Augustin Le Gall, Atelier Mohammed Abounacer, Essaouira, Marocco 2009

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e fixou na árvore no mesmo lugar. A vida natural procura seu curso, além do lugar onde a intervanção aconteceu. A ferida que a mão de bronze deixou, sublinha de contraste o ciclo vital que não pára ao redor dela. Esta mão cortada de seu corpo na segunda fotografia depois de anos, é uma presença sombria e inquietante que propõe uma reflexão sobre a marca ecológica dos homens no ambiente. Enquanto responde uma simple ideia, Penone obtém um resultado estranho, evocando modificações irreversíveis na natureza.

Arte de recuperação: uma outra olhada sobre consumação?

Mohammed Abounacer é um escultor “ferrailleurs” trabalhando com ferro, que faz parte do movimento de “Arte Ingênua” trabalhando com recuperação. Certos artistas em particular na influência da Arte Ingênua usam objetos da sociedade de consumo que são reciclados em obras de arte. A Arte Singular é um movimento artístico contemporâneo francês composto de criadores autodidatas que estabeleceram voluntariamente um distanciamento da arte oficial e seus matérias. Ele está conectado com uma esfera vasta de influência “post Arte ingênuo”, o qual nós pudemos também chamar de vários modos: arte à margem, arte crua, criação franca, arte fora-das-normas, etc. Esse movimento tem sido recusado pela sociedade de consumo devido a fabricação de esculturas com materiais de reciclagem. Eles gostam de transformar, reciclar e recuperar, criando assim uma poesia visual alternativa à acumulação materialista da economia capitalista.

com o envolvimento do estado na organização da triagem. Ele demostra que problemas ambientais, têm soluções sociais. Em reunião realizada no dia 12 maio de 2011 na Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), no Centro do Rio de Janeiro, foram apresentados os planos de reurbanização do bairro Jardim Gramacho. O principal pedido dos catadores de lixo obteve resposta: serão alugados quatro galpões de depósito de material reciclável até que um pólo de reciclagem seja construído. Experiências culturais podem ser, além de uma linguagem de educação ambiental, uma maneira de conscientização da degradação ambiental. Quer seja a Arte da Terra em relação à dinâmica da natureza de Andy Golworthy, ou as instalações de Franz Kracjberg, para mostrar as ações devastadoras do homem. Produções artísticas podem verdadeiramente auxiliar na educação ambiental. A Arte propõe uma reflexão que relaciona o homem e a natureza e suscita indagações sobre a marca ecológica dos homens no ambiente, como no trabalho do Guiseppe Penone. Objetos da sociedade de consumo que são reciclados nas obras de arte ingênua propõe uma poesia visual alternativa à acumulação materialista da economia capitalista. As fotos de Vik Muniz do lixo, demonstra a urgência da triagem e da reciclagem do lixo e mostram que problemas ambientais podem ter soluções sociais. Agradecimentos: Giuseppe Penone, Vik Muniz, Andy Goldworthy, Frans Kracjberg, Mohamed Abounacer, Augustin Le Gall, Carmen Silvia L.M. Machado, Augusto Giaretta de Oliveira, Isabelle Rivoire, Museu do Meio Ambiente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e Museu de Arte Contemporânea de Niteroi.

Reciclagem: arte, meio ambiente e solução social

Vik Muniz realizou um projeto participativo de retratos fotográficos em relevo com os catadores do depósito de lixo de Jardim Gramacho no Rio de Janeiro O artista paulistano Vik Muniz tem obras nos principais museus de arte contemporânea do planeta além de colecionadores ávidos por suas fotos, que reproduzem meticulosos desenhos feitos a partir do lixo. Seu trabalho é baseado no aterro de Gramacho, onde trabalham catadores em condições insuportáveis e desfavoráveis. O assunto central é a gestão do lixo e a urgência da triagem e da reciclagem já feitos por catadores. Seu trabalho faz a relação entre arte, problemas ambientais e sociais. Ele mostra que, organizando o trabalho dos catadores de uma maneira decente, o problema do lixo pode ser resolvido apenas dez 2011 revista do meio ambiente

Vik Muniz, Atlas (Carlão), Pictures of Garbage, 2008

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Vazamento de óleo no Campo Frade, na Bacia de Campos. Na foto, barcos trabalhando para contenção de óleo junto a plataforma da Chevron

Rogério Santana/Governo do Estado do RJ

texto Instituto Humanitas Unisinos – IHU

12 capa

caso chevron:

negligência e ausência do Estado

Festival de negligência cerca o caso Chevron Os desdobramentos do vazamento de petróleo num dos poços na bacia de Campos (RJ) operado pela empresa americana Chevron, se caracterizou no caso da petroleira, por absoluta falta de transparência, mentiras, omissão, arrogância e prepotência. Por parte do governo, reação tardia, desinformação, despreparo e falta de indignação. A empresa desde o início omitiu e mentiu acintosamente. As informações do vazamento de petróleo vieram à tona apenas alguns dias após o acidente. Quem avisou à Chevron sobre o vazamento foi a Petrobras, sobrevoando o local em atividade rotineira da empresa. Tudo indica que a petroleira de capital americano – quarta maior produtora de petróleo do mundo entre as companhias privadas – escondia o vazamento para ganhar tempo. Quando a empresa americana veio a público falar sobre o vazamento minimizou a gravidade do acidente. Primeiro disse que o volume de vazamento se limitava a 60 barris/dia, depois admitiu que poderia ser maior e falou em 400-650 barris/dia. O desmentido veio através de uma ONG americana SkyTruth que com base em imagens captadas pela Nasa, calculou o vazamento em 3.738 barris por dia, isso entre 9 e 12 de novembro, o mesmo período em que a Chevron insistia que o vazamento já se encontrava em queda. Na sequência veio a segunda mentira. A empresa americana alegou a existência de uma falha geológica na região do vazamento. Botou a culpa na natureza: “Lidamos com a mãe natureza, e a mãe natureza é complicada”, disse Ali Moshiri, presidente da Chevron para África e América do Sul. Os problemas de falha geológica foram minimizados posteriormente pela propria empresa e pela Agência Nacional do Petróleo – ANP, que constatou que o problema estava associado a um vazamento na extremidade do revestimento (sapata) de um dos poços perfurados pela Chevron. Isso significa que o vazamento ocorreu provavelmente por erro de operação do poço e não por falha natural alheia à responsabilidade da empresa. dez 2011 revista do meio ambiente

O suposto problema ocasionado por falha geológica foi desmascarado pelo Greenpeace: “A Chevron declara que o vazamento é resultado de uma falha natural na superfície do fundo do mar, e não no poço no campo de Frade. Mas essa falha não aparecia no EIA (Estudo de Impacto Ambiental). O que aconteceu? Onde está o EIA de Frade?”, disse Leandra Gonçalves, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace. Na realidade, a Chevron omitiu problemas no poço que vazava petróleo. A Chevron já havia detectado um vazamento de óleo no fundo do poço do campo de Frade, mas só mencionou o problema dias mais tarde. Até então, a empresa afirmava apenas que o óleo escorria por “falhas [fissuras] no fundo do mar” e chegava à superfície da água. As mentiras por parte da Chevron continuaram, bem como sua postura negligente. Dias após o vazamento, a empresa afirmou à Polícia Federal que 18 embarcações cuidavam da limpeza na região. Em sobrevoo realizado na área, os agentes federais encontraram apenas uma embarcação cuidando da limpeza. A empresa americana sequer dispunha de material e equipamento adequado para dar conta da gravidade do problema. O robô da empresa tinha capacidade limitada de atuação a uma profundidade de 1.200 metros. Por isso, ela teve de recorrer à Petrobras, sócia mi-


13 noritária do Frade e operadora de um campo vizinho, para identificar a fonte do vazamento com precisão. Foi a estatal que emprestou à petrolífera americana equipamentos mais modernos para que ela pudesse pôr em prática seu plano de contenção, destaca Aristides Soffiati, do núcleo de estudos socioambientais da Universidade Federal Fluminense – UFF. A empresa mentiu também quando afirmava dispor de plano de segurança em caso de acidentes. Segundo David Zee, doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e perito responsável designado pela Polícia Federal para averiguar o vazamento de petróleo no Campo de Frade, “no plano dizia que a empresa exploradora de petróleo teria de ser capaz de monitorar qualquer tipo de vazamento”. Entretanto, diz ele, “quem descobriu o vazamento não foi a empresa, mas sim a Petrobras”. Sobre as negligências da Chevron, há outros aspectos destaca o geógrafo em entrevista especial para o IHU: “O segundo item do plano de estratégia e emergência diz que a empresa tem que ser capaz de monitorar quanto óleo está sendo despejado no mar e até hoje nós não sabemos esse percentual. O terceiro item menciona que a empresa tem que ser capaz de remover o máximo possível de óleo que esteja contaminando o meio marinho. No entanto, não houve barreiras de contenção do óleo e muito menos barcos para retirá-lo do mar. O quarto item fala na dispersão do óleo residual que não se consegue retirar. Portanto, o plano está escrito no papel, mas não funciona. Em vez de a empresa seguir a sequência desses quatro itens, ela pulou imediatamente para o último deles e passou a dispersar o óleo no mar”, afirmou. Uma sucessão de erros e mentiras foi o caminho adotado pela Chevron comenta Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras: “Primeiro a Chevron não percebeu o vazamento, que foi detectado pela Petrobras. Depois a empresa insinuou que o óleo era do campo de Roncador, da própria Petrobras, o que foi descartado pelo nosso centro de pesquisa [da estatal] após análise do DNA do petróleo. Confirmado a origem, a Chevron ainda subdimensionou o vazamento”. As causas do vazamento foram ainda associadas à desconfiança de que a empresa americana estivésse querendo avançar no pré-sal. A Polícia Federal abriu uma linha de investigação se a Chevron tentou atingir pré-sal ao perfurar poço que vazou. Na tentativa, teria ocorrido a ruptura de alguma estrutura do poço perfurado, dando origem ao vazamento de petróleo na Bacia de Campos (RJ).

O ex-presidente da Associação Brasileira dos Geólogos de Petróleo, Nilo Azambuja afirma que as conjecturas que surgem em relação às causas do vazamento na Bacia de Campos, até mesmo as que vêm sendo investigadas pela ANP, não podem ser consideradas definitivas. Segundo ele, a Chevron poderia estar tentando alcançar o pré-sal, sem que isso represente uma irregularidade. “A área é dela, se quiser pode ir ao Japão”, afirmou ele. Essa hipótese é contestada pelo presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira, para quem “a sonda que eles estavam usando tem mais de 35 anos e, portanto, é obsoleta para o pré-sal”. Tudo indica que a empresa trabalhava no limite para reduzir gastos e com equipamentos superados, e essa teria sido mais uma das causas do acidente. Desconfia-se ainda que a empresa operava com mão-de-obra imigrante que sequer passou pelo controle de entrada de estrangeiros nos aeroportos. A empresa refuta a acusação e diz que seus terceirizados estão dentro da lei. A cada dia que se passa, os detalhes do vazamento dão conta que a empresa se orientou pela total falta de transparência e de forma arrogante e prepotente. Sobre o comportamento da Chevron, comenta o jornalista Flávio Tavares: “Estão todas as safadezas conhecidas ou não, todos os crimes previstos ou possíveis, encobertos ou visíveis. As mentiras da empresa, o desprezo pela natureza e a arrogância de seus dirigentes pelo nosso país, a omissão e negligência de ministros e altos funcionários, a simulação dos laudos técnicos ou o silêncio em denunciar que nenhuma norma se cumpria e que o mar iria degradar-se por derrame de petróleo – tudo isto é demasiado para ser apenas soma de coincidências. A propósito emenda o jornalista Elio Gaspari: “Alguém precisa avisar a Chevron que se ela se comportar nos Estados Unidos como vem se conduzindo no Brasil desde que começou a vazamento de petróleo no campo do Frade, arrisca sair do mercado. Passou seis dias calada e, quando abriu a boca, limitou-se a dizer que respeita as leis dos países e está mantendo diálogo constante com as agências competentes do governo brasileiro. Para a patuleia incompetente, nem uma palavra”. A reação tardia e titubeante do governo brasileiro Ao lado da absoluta falta de transparência, das mentiras e da omissão por parte da Chevron, viu-se uma reação tardia do governo brasileiro, beirando até mesmo a falta de indignação com o fato ocorrido. Manifestação dessa postura foi dada pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, que disse mais de dez dias depois do vazamento que “a empresa está fazendo de tudo e que a Chevron não foi punida ainda porque há trâmites a seguir”. Uma semana depois do ocorrido, o Ibama – um dos responsáveis pela verificação das dimensões do vazamento de petróleo – mantinha-se em silêncio. Limitou-se apenas a informar que os seus técnicos acompanhavam o cumprimento do plano de emergência da petroleira que, como depois se verificou, sequer existia. A Agência Nacional do Petróleo – ANP, outro órgão responsável por monitorar, acompanhar e cobrar responsabilidades se mostrou desinformado, confuso, titubeante e apenas dias depois esboçou uma reação “indignada” pouco condizente com sua postura inicial vacilante e conivente diante da gravidade do problema. O jornalista Flávio Tavares destaca que a ANP “só se mexeu depois do feriado de 15 de novembro, e com absurda mansidão”. A inércia do governo foi criticada pelo movimento ambientalista: “Até agora, a única fonte [informações do vazamento] é da própria empresa, que já deu várias informações desencontradas. A falta de transparência dos órgãos oficiais é um absurdo. É o fim do mundo o Ministério do Meio Ambiente não se pronunciar para dar uma satisfação à sociedade”, disse Leandra Gonçalves, coordenadora da campanha de oceanos do Greenpeace. revista do meio ambiente dez 2011


O primeiro balanço efetivo apresentado pela ANP saiu dez dias após o início do problema. A agência afirmou que as causas “parecem ter sido as operações realizadas pela Chevron”. Mais tarde, ingenuamente, o presidente da ANP Haroldo Lima disse: “Trabalhamos com informações falsas”. Após os estragos verificados e apenas depois da amplitude e da repercussão do acidente ambiental, é que o Ibama e a ANP resolveram multar a empresa. O dirigente da ANP para minimizar a postura vacilante do órgão disse que a Chevron poderá perder o direito de participar da exploração do pré-sal. Destaque-se que a multa contra a Chevron que pode chegar a R$ 150 milhões é considerada irrisória. “Para se ter uma ideia, 150 milhões representa 50 minutos de faturamento da empresa, ou seja, representa 1% dos investimentos que ela fez para a produção de petróleo na Bacia do Frade”, afirma o geógrafo David Zee em entrevista ao IHU. O mesmo comentou o jornalista e ambientalista André Trigueiro em seu twitter: “Chevron responde por 4% do petróleo brasileiro, faturou U$8 bilhões no último trimestre. R$50 milhões de multa é #pinto”. Brasil está preparado para o pré-sal? “O acidente da Chevron é um cartão amarelo, uma sinalização muito explícita e evidente. Agora todos estão avisados de que a exploração do présal e em águas oceânicas brasileiras precisa ser feita com mais cuidado do que em relação a como vem sendo conduzida. Uma mudança radical precisa ser feita, e a sociedade precisa cobrar isso”, comenta o geógrafo David Zee em entrevista ao IHU. Com a ampliação da exploração no pré-sal, em profundidades ainda maiores, a possibilidade de acidentes graves irá aumentar. O Greenpeace a partir do vazamento na bacia de Campos colocou em dúvida o aproveitamento do pré-sal. Para Carlos Minc, ex-ministro do meio ambiente, o acidente foi um sinal vermelho: “Não existe risco zero. O pré-sal vem aí”, disse ele, reconhecendo a necessidade de “medidas mais preventivas e rigorosas”. A jornalista Cristina Grillo comenta: “ Se um erro desses acontece no pós-sal, território razoavelmente conhecido pelas petroleiras, fico imaginando o que poderia acontecer no ainda desconhecido mundo do pré-sal”. David Zee alerta: “Esse acidente vem corroborar ainda mais a ideia de que é preciso desenvolver novas tecnologias, aperfeiçoar a segurança e, principalmente, investir recursos na manutenção, prevenção e compra de equipamentos e treinamento de pessoal para saber agir nesses momentos de acidente. Quanto mais investimentos forem feitos, menores serão os riscos”. O geógrafo, porém, faz um adendo: “Entretanto, jamais poderemos dizer que será possível zerar o risco porque, a cada dia, avança-se mais na exploração de petróleo no fundo do mar. Antes, perfurava-se a 1000 metros de profundidade e se pensava que perfurar a 1200 metros era algo fenomenal. Entretanto, hoje já estão perfurando a 2000 metros de profundidade. Então, o homem é muito ousado e está em constante avanço. É preciso aliar a ousadia do desenvolvimento com a prudência da precaução”. A preocupação com o Pré-Sal aumenta na medida em que o acontecido com a Chevron na Bacia de Campos revela que o país sequer tem um plano de contingência contra o derramamento de óleo. O Plano nunca saiu do papel – apesar da potência da petrobras. O governo mantém em banho-maria desde 2003 um plano nacional de contingência contra vazamentos de petróleo de grandes dimensões. “Com um plano, a ação de resposta a esse vazamento [na bacia de Campos], poderia ter sido mais rápida”, diz Rômulo Sampaio, coordenador do Programa em Direito e Meio Ambiente da FGV. Na época da tragédia do golfo do México (2010), o governo brasileiro reafirmou o seu compromisso com a elaboração de um plano de segurança contra o derramamento de óleo. Porém, pouco se fez de lá para cá. “O Brasil não está preparado para evitar ou conter vazamentos de petróleo: o investimento em tecnologia preventiva é exíguo e o Plano Nacional de Contin-

dez 2011 revista do meio ambiente

Ali Moshiri, presidente da Chevron para África e América do Sul

Valter Campanato/ABr

texto Instituto Humanitas Unisinos – IHU

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gência, embora previsto em lei, nunca saiu do papel”, diz o historiador ambiental Aristides Soffiati, do núcleo de estudos socioambientais da UFF de Campos. Segundo Soffiati, “governo e empresas têm dado ênfase na pesquisa de prospecção de petróleo e pouco se tem avançado no desenvolvimento de tecnologia preventiva. Precisamos de robôs, sensores e outros equipamentos que consigam identificar vazamentos com precisão, de modo a permitir uma rápida reposta”. O biofísico José Luiz Bacelar Leão, que era consultor do Ibama na época em que a instituição estava desenhando o atual marco regulatório, frisa que as leis e decretos não saíram do papel “por falta de vontade política” e por pressão das empresas. “Investir em emergência é sempre uma despesa a mais. É tradição no nosso país evitar esse tipo de desembolso, e a ANP acaba trabalhando em prol das empresas”, destaca. Curiosamente, o pré-sal ao contrário de reforçar medidas de segurança pode até abrandá-las, destaca Michael Kepp, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil. Segundo ele, “a ideia de que o vazamento de petróleo da Chevron pode fazer o Brasil adotar regras mais rigorosas para a exploração e produção (E&P) de petróleo em águas profundas não passa de fantasia”. E explica porque: “Um Brasil autossuficiente em petróleo esquecerá esse vazamento muito menor da Chevron por motivo diferente: o présal. As reservas podem em dez anos fazer do Brasil um grande e rico exportador de petróleo. E esses potenciais petrodólares não permitirão que o país reconsidere os riscos de exploração dos campos do pré-sal, que ficam a profundidade seis vezes maior que a da área que a Chevron explorava”. Segundo o jornalista que acompanha a temática, o Brasil está preocupado mesmo é em aumentar a produção e explorar o pré-sal. Uma manifestação evidente disso é o debate


15 em torno dos royalties. A questão da segurança na exploração não é um tema que se encontre na ordem do dia. O alerta do biólogo Salvatore Siciliano, coordenador do Grupo de Estudos de Mamíferos Marinhos da Região dos Lagos (GEMM-Lagos), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) faz pensar: “Estamos às vésperas do Rio +20 e o Brasil está seguindo na contramão ambiental muito séria. Voltamos ao tempo do desenvolvimento a qualquer custo. Estamos pensando no pré-sal mas ainda não conseguimos lidar com vazamentos”. Ainda mais grave: o incidente foi com uma petroleira americana e se fosse com a Petrobras? A tendência a minimizar o problema seria ainda maior. Registre-se que a Petrobras tem o seu quinhão de responsabilidade, uma vez que detinha percentagem societária na exploração do poço. Nos últimos dias, aliás, veio à tona o fato de que vazamentos de petróleo no Brasil são mais comuns do que se pensa e a Petrobras não é tão “limpa” como se acredita. A empresa brasileira, um dos orgulhos nacionais, encerrou o ano passado poluindo mais e recebendo um grande volume de autos de infração dos órgãos de fiscalização. Em 2010, a estatal registrou 57 vazamentos, contra 56 ocorrências em 2009. O volume de petróleo e derivados derramado cresceu cerca de 163%, pulando de 1.597 mil barris, em 2009, para 4.201 mil barris espalhados na natureza no ano passado, quase o dobro dos 2.400 barris que teriam vazado do poço da Chevron no campo de Frade (Bacia de Campos), onde a Petrobras tem 30%. Após o caso Chevron se reavivou também o debate ideológico acerca de quem deve ficar com pré-sal. O presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira, espera que o vazamento sirva de impulso para a revisão da lei do pré-sal, com o objetivo de garantir exclusividade à Petrobras na exploração da área. A lei, sancionada em 2010 pelo presidente Lula, determina a realização de leilões para definir qual empresa explorará cada poço, mas caberá à Petrobras o papel de operadora, com 30% da futura sociedade exploratória. Para Siqueira, o knowhow da Petrobras em águas profundas diminui os riscos do processo e garante que o produto será utilizado em benefício dos brasileiros. Um basta ao petróleo O vazamento de petróleo provocado pela americana Chevron lembrou o episódio da explosão da plataforma de petróleo Deepwater Horizon, da britânica British Petroleum (BP), no golfo do México em 2010. Verdadeiros “rios” de óleo vazaram durante meses, naquele que foi considerado o maior desastre ambiental dos Estados Unidos.

As razões do desastre são as mesmas que estão por detrás do vazamento da Chevron, ou seja, economia de risco. A BP escolheu procedimentos arriscados para reduzir custos e não perder tempo. O vazamento no Golfo recolocou em debate à época na sociedade americana o tema das energias alternativas. Apesar da intensidade, dramaticidade, amplitude e repercussão mundial do desastre ambiental, passado poucos anos o mesmo perdeu força na memória coletiva. Ao contrário do que previu Sérgio Abranches, para quem a economia do petróleo seria duramente afetada pelo vazamento. Disse o ambientalista na época: “Esse é o tipo do desastre que não cai no esquecimento, porque suas consequências continuarão visíveis e provocarão perdas por anos a fio. A exploração de petróleo em profundidade no mar sofrerá restrições regulatórias e enfrentará cláusulas de precaução, em várias frentes. No médio e longo prazo, aumentarão os desincentivos ao uso de combustíveis fósseis e os incentivos à energia renovável limpa. Os programas de pesquisa e desenvolvimento em novas energias serão acelerados. A adoção de veículos elétricos e híbridos também”, afirmou. Os seus prognósticos estão longe de se confirmar. Na mesma época, o teórico da era do pós-petróleo, Jeremy Rifkin, disse que o acontecimento deveria ser visto como um “basta”: “Agora basta. Esta é uma das mais graves catástrofes da história americana. É inaceitável continuar a correr riscos semelhantes. É preciso instaurar uma moratória imediata da extração de petróleo offshore em todo o Golfo do México (...) é o momento de escolher: de um lado, é a velha economia do petróleo, que já produz pouco bem-estar e muitas catástrofes; do outro lado, está a terceira revolução industrial baseada na eficiência, na inovação tecnológica, nas fontes renováveis”, disse. Richard Steiner, respeitado biólogo marinho e consultor ambiental, comentou por ocasião da tragédia do golfo que “a verdadeira lição desse desastre é sobre o custo oculto do petróleo. Espero que possamos nos mobilizar para fontes alternativas de energia. Podemos ser até acusados de ingenuidade, mas ainda assim temos que insistir nisso. Temo que seja desperdiçada a última grande chance de promover energia sustentável antes de um colapso ecológico”. Para em seguida acrescentar: “Quanto mais cedo a transição for feita, melhor não só para o planeta, mas também para o bemestar econômico deste país. Já estamos 40 anos atrasados, deveríamos ter despertado no começo dos anos 70”. Na oportunidade Larissa Ramina, doutora em Direito Internacional alertou: “Deveríamos inserir no centro do debate sobre a crise ambiental a redução do padrão da demanda energética. O consumo aumenta a um ritmo maior do que a descoberta de novas jazidas, e estas, por sua vez, são de mais difícil acesso, e logo com custos de produção mais elevados e maiores riscos ambientais”. Por isso, a pergunta do professor Frederico Brandini, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), feito na época do crime ambiental no golfo e tendo presente agora o acontecido na Bacia de Campos continua sendo pertinente: “Mas de quem é a culpa, afinal? Apenas da BP? Ou da demanda mundial por energia?” Para logo emendar: “Não, a culpa é de toda a cadeia produtiva. E nós, coletivamente, somos responsáveis por tudo isso porque nos acomodamos na conveniência dessa dependência dos combustíveis fósseis como matriz energética”. Agora, no caso da Chevron, o debate é retomado com uma importante advertência do físico Marcelo Gleiser: “Enquanto outras economias debatem como ir além do uso de combustíveis fósseis, o Brasil, com sua vasta rede hidrelétrica e potencial solar e eólico, parece estar querendo ir para trás”.

Fonte: esta análise da conjuntura é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no http://www.ihu.unisinos.br/index.php. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos - IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. ( http:// www.ihu.unisinos.br/component/search/?searchword=chevron&ordering=&searchphrase=all revista do meio ambiente dez 2011


Indignação e

repúdio

Antonio Cruz/ABr

16 moções Apedema

Moção de indignação e repúdio da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente no Estado do Rio de Janeiro – Apedema/RJ ao vazamento de petróleo na Bacia de Campos no Rio de Janeiro

As entidades representantes da cidadania organizada, reunidas no X Congresso da Apedema-RJ, realizado nos dias 18 e 19 de novembro de 2011, no Auditório do Sindipetro-RJ, Av. Passos, 34 – Centro – Rio de Janeiro, aprovaram por unanimidade a presente Moção, pela qual manifestam sua mais profunda indignação e repúdio às autoridades públicas e ao setor privado relacionadas com o vazamento de petróleo ocorrido no campo de Frade, na Bacia de Campos e à forma como estão atuando em face a este acidente ambiental, iniciado há mais de 15 dias, cuja exclusiva responsabilidade é da petroleira Chevron. A presente manifestação se dá com base em vários aspectos, todos intrinsecamente ligados ao trágico episódio: 1 • A negligência dos órgãos públicos na condução do licenciamento, do monitoramento e da fiscalização ambiental das atividades realizadas pelas empresas que atuam nas bacias petrolíferas; 2 • A inexplicável demora com que os agentes públicos da área ambiental federal e estadual vem reagindo a este episódio, ensejando desinformação e transferindo suas obrigações a outras instâncias de poder; 3 • A falta de empenho das autoridades públicas na elaboração, divulgação e consolidação de mecanismos legais de proteção ambiental, tais como os Planos de Prevenção, Contingência e Emergência, combinado com o desapreço pela transparência no trato dessas questões junto à sociedade; 4 • A falta de estrutura e capacitação dos órgãos ambientais para lidarem com as atividades cada vez mais crescentes do petróleo no país, agora ainda restritas ao pós-sal e que serão potencializadas pelo pré-sal 5 • A indesejada combinação dos interesses públicos e privados nos vários setores de nossa economia, em particular no do petróleo, quando fica evidenciada a clara opção pelo patrocínio do desmanche da Política Nacional do Ambiente e das normas de proteção socioambiental em todos os níveis da federação; 6 • A inusitada e desrespeitosa declaração do Ilmº Secretário Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, Sr Carlos Minc de que a gravidade do acidente na Bacia de Campos, “não atingiria estados como Mato Grosso do Sul” no ato do dia 10/11/2011, promovido pelo governo do estado contra as alterações das regras atuais de distribuição dos royalties em curso no parlamento; 7 • O uso midiático deste acidente pelo governo do estado em plena campanha pela defesa dos royalties do petróleo para os estados produtores sem nunca ter prestado contas de onde aplicou esse dinheiro e onde irá aplicá-lo no futuro, caracterizando assim a tentativa de desestabilizar as relações republicanas, via construção de um falso movimento para comover o cidadão; 8 • O trato da questão dos royalties como se ele fosse a maior das parcelas da riqueza oferecida pela atividade, subtraindo do povo o debate sobre o petróleo para não despertar nele o nacionalismo e deixando, propositadez 2011 revista do meio ambiente

O secretário do meio ambiente, Carlos Minc, sobrevoa as áreas atingidas pelo vazamento de óleo no Campo Frade, na Bacia de Campos

damente de considerar a maior das parcelas, a que será entregue aos estrangeiros; 9 • O uso da natureza para privilegiar e custear um modelo predatório e excludente dos seus recursos naturais; 10 • A atual representação nos cargos de direção do poderes públicos nas esferas federal, estadual e municipal não representam os anseios dos movimentos socioambientais que atuam na defesa da geração de trabalho, renda e equidade do patrimônio ambiental; 11 • A atuação da atual Secretaria Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro e do Ministério do Meio Ambiente tem se caracterizado pela política do “liberou geral” com Licenças Ambientais que descumprem todo o rito do ordenamento técnico, jurídico e ambiental com “condicionantes fortes” impossíveis de serem cumpridas; 12 • A atuação da Presidenta Dilma Roussef na publicação de um pacote de sete portarias ministeriais com o objetivo de “destravar a concessão de licenças ambientais no país para acelerar grandes empreendimentos, como rodovias, portos, exploração de petróleo e gás, hidrelétricas e até linhas de transmissão de energia”. Ou seja: o governo caminha para anular as conquistas socioambientais obtidas na redemocratização do país. Os participantes do X Congresso da Apedema-RJ exigem a pronta aplicação das multas e o enquadramento legal dos responsáveis, públicos e privados, pelo vazamento no campo de Frade, na Bacia de Campos. Rio de Janeiro (RJ), 19 de Novembro de 2011.


17

Contra o processo da

ThyssenKrupp Moção de apoio aprovada no X Congresso da Apedema-RJ aos pesquisadores processados pela TKCSA As entidades representantes da cidadania organizada, reunidas no X Congresso da Apedema-RJ, realizado nos dias 18 e 19 de novembro de 2011, no Auditório do Sindipetro-RJ, Av. Passos, 34 – Centro – Rio de Janeiro, aprovaram por unanimidade a presente Moção. Informando que a ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), buscando intimidar a livre expressão dos trabalhadores-pesquisadores da Uerj e da Fiocruz, objetivando impor obstáculos às ações e estudos referentes aos impactos à saúde decorrentes de seu complexo siderúrgico, em Santa Cruz, Rio de Janeiro, Brasil, ajuizou ações por danos morais, inicialmente contra o pesquisador pneumologista, Dr. Hermano Albuquerque de Castro, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) e, mais recentemente, contra a bióloga Mônica Cristina Brandão dos Santos Lima, da Faculdade de Ciências Médicas, do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e membro da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais do RJ (Sintuperj), além do engenheiro sanitarista Alexandre Pessoa Dias, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), ambas unidades da Fundação Oswaldo Cruz e pertencem ao Ministério da Saúde do Brasil. As duas últimas ações judiciais se deram após a divulgação do relatório técnico: “Avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA”. O documento objetiva avaliar as bases técnico-científicas e os dados disponíveis referentes aos impactos à saúde ambiental e humana, visando subsidiar as futuras ações institucionais da Fiocruz na análise do problema e no apoio para a implantação de políticas e ações que protejam a saúde da população. O estudo do caso TKCSA é relevante pelos danos ambientais à saúde e aos seus determinantes sociais, além de alertar para a necessidade imperativa da avaliação de riscos à saúde – conforme preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) relativos a outros grandes empreendimentos, a serem implantados em breve na bacia hidrográfica da Baía de Sepetiba e em outros territórios do Brasil. A Apedema-RJ repudia a ação covarde da TKCSA e se posiciona pela defesa intransigente dos profissionais envolvidos, por entender que eles cumprem seu dever como servidores públicos ao defenderem solidariamente a saúde das populações impactadas e, além disso, pelo relatório ter sido produzido sob demanda institucional. De acordo com o comunicado enviado pela presidência da Fiocruz, o relatório subsidiará as ações da instituição em relação aos impactos da TKCSA, tornando-se referência da Fundação para examinar este empreendimento siderúrgico. Segundo a presidência, “Todo esse trabalho, de relevante alcance social e ambiental, traz recomendações para futuras iniciativas da Fundação e sugere a criação de um grupo de trabalho na instituição que leve à frente os resultados da missão à Santa Cruz e que resulte em ações e compromissos efetivos em favor da saúde da população local”. Assim, a Apedema-RJ presta solidariedade aos profissionais processados e se coloca a disposição da AsdUerj que orienta a reitoria da Uerj, uma universidade compromissada com as demandas sociais, que apoie institucionalmente os pesquisadores processados e a população atingida, com recursos e formação de um grupo técnico-científico que avalie

os riscos aos quais a população está sendo submetida devido às ações da TKCSA. Tomamos conhecimento que a Uerj e seus trabalhadores vem se posicionando tecnicamente e politicamente desde sua participação na missão de solidariedade e denúncia em Santa Cruz, legitimando assim a formação de um grupo de trabalho que demande futuras ações de vigilância em saúde e medidas socioambientais efetivas. Sendo que em outubro e dezembro de 2010 moradores de Santa Cruz impactados pela TKCSA foram atendidos no Hospital Universitário Pedro Ernesto/Uerj; o Conselho Universitário da Uerj aprovou em dezembro de 2010 uma moção de repúdio a TKCSA; outra moção de apoio à comunidade e trabalhadores de Santa Cruz/RJ, pelo direito à saúde, a educação, ao trabalho e a Vida foi aprovada no VIII Congresso do Sintuperj em agosto de 2011. Também em Janeiro de 2011 o Jornal do Sintuperj publicou a matéria: CSA polui e prejudica saúde da população – especialistas da Uerj e Fiocruz se mobilizam para denunciar poluição no Brasil e no exterior. A Presidência da Fiocruz, em nota publicada em 1 de novembro de 2011, mesma data da publicação de portaria relativa ao mencionado grupo de trabalho, prestou solidariedade aos servidores públicos processados judicialmente pela TKCSA por meio de declarações públicas sobre o tema, declarações estas pautadas no que há de mais atual, do ponto de vista científico, sobre o impacto da poluição sobre a saúde humana e reafirmou que “a Fiocruz preza entre seus valores centrais, a plena liberdade de expressão individual de seus trabalhadores” e destacou que “a via jurídica escolhida pela empresa para tratar do contraditório presente em questão tão complexa repercute como cerceamento a essa liberdade de expressão e cria constrangimentos para o trabalho institucional de busca de superação dos impasses gerados”. Nesse sentido, manifestou sua expectativa de que a empresa reveja essas decisões. Nesse sentido, a ApedemaRJ conclama as suas instituições filiadas, outras organizações parceiras, demais movimentos sociais e cidadãos brasileiros e estrangeiros a se unirem na luta em defesa dos profissionais atingidos, reafirmando o direito à informação e à comunicação em saúde, bem como à liberdade e à autonomia do trabalho técnico-científico e manifestando-se pelo direito à livre expressão, atacado pelas ações da TKCSA. Dessa forma, os participantes do X Congresso da Apedema-RJ exigem que a TKCSA dentro do enquadramento legal reveja a sua decisão reconhecendo o valor dos profissionais que foram processados injustamente. Rio de Janeiro - RJ 19 de Novembro de 2011. revista do meio ambiente dez 2011


texto Lucas Bessel, do R7

18 ciência e tecnologia ambiental

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Indústria aguarda incentivos públicos, enquanto implantação de infraestrutura é lenta

carro elétrico Rodar 160 km com um carro elétrico na cidade de São Paulo custa, em média, R$ 5,28. Esse é o valor dos 26,4 kW/h necessários para recarregar as 48 baterias de laptop que alimentam o motor de um Nissan Leaf, por exemplo. Percorrer a mesma distância em um veículo a álcool, com consumo de 16 litros de combustível a R$ 1,80 por litro, custaria R$ 28,80. Ao andar em um carro elétrico, o motorista praticamente se livra da responsabilidade por qualquer gás poluente. Substâncias como monóxido de carbono, dióxido de carbono - considerado o principal causador do aquecimento global - e óxido de nitrogênio, que provoca chuva ácida, deixam de sair pelo escapamento (que, aliás, não existe). Isso é especialmente verdade em países cuja geração de energia se dá por fontes consideradas limpas, como a hidrelétrica, predominante no Brasil. Se as vantagens são tão claras, por que nós, brasileiros, não estamos alegremente enfrentando congestionamentos em carros elétricos, que não poluem, não produzem ruído e são mais baratos de manter? As respostas são muitas, mas podem ser divididas em dois principais pontos: preço e infraestrutura. Nem mesmo as últimas medidas de incentivo anunciadas pela presidente Dilma Rousseff mudarão esse quadro no médio prazo. Financeiramente inviável Hoje, um carro elétrico, como o Leaf ou o Mitsubishi MiEV, não custaria menos do que R$ 100 mil no Brasil. Isso porque esses veículos, naturalmente mais caros por causa da tecnologia embarcada, enfrentam uma carga tributária digna de modelos de luxo e não contam com qualquer incentivo governamental. De acordo com o gerente de engenharia da Nissan Yochio Anderson Ito, responsável pela apresentação do Leaf em São Paulo, sem esse “empurrãozinho” das autoridades, não dá nem para pensar em vender o carro elé-

dez 2011 revista do meio ambiente

trico no Brasil. “Precisa de apoio do governo para viabilizar, não há dúvida,” afirmou Ito. Não se perca nas contas. O carro elétrico que por ventura chegasse ao Brasil pagaria 35% de imposto de importação e 25% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) – fato difícil de ser explicado, já que os modelos 1.0, que poluem a atmosfera, pagam apenas 7% –, além de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e PIS/Cofins, cobrados de todos os veículos zero-quilômetro. Caso o tal “empurrãozinho” do governo ocorresse, quanto custaria, então, um carro elétrico por aqui? Segundo o supervisor de engenharia e planejamento da Mitsubishi Motors, Fabio Maggion, a isenção do imposto de importação e a redução do IPI e dos demais tributos viabilizariam o Miev por preços que rodariam a casa dos R$ 50 mil ou R$ 60 mil. “É um valor que já fica bem mais atraente para o consumidor, principalmente levando em conta a economia com combustível e manutenção,” disse Fabio. E como nenhuma montadora pretende vender carros elétricos apenas para ser “boazinha”, o preço viável é condição necessária para a criação de mercado consumidor. Os carros elétricos só chegarão ao país se houver pessoas que os comprem.


Movimentos lentos Da parte do governo, os movimentos em direção a possíveis incentivos existem, mas são lentos e temporários. Consultada pela reportagem, a Receita Federal respondeu que “não há nenhum estudo sobre a tributação de carros elétricos no Brasil”. No recente pacote de incentivo à indústria anunciado pela presidente Dilma Rousseff, as iniciativas ligadas aos carros elétricos são indiretamente beneficiadas pela extensão, até dezembro de 2012, do Programa de Sustentação do Investimentos (PSI) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que agora inclui também os ônibus híbridos. O banco ainda vai destinar recursos para “linhas de equipamentos dedicados à redução de emissões de gases de efeito estufa”, que também podem ser levadas em conta como contrapartida na possível redução do IPI. Não há, entretanto, previsão de reduzir impostos para os carros elétricos importados. Ao mesmo tempo, enquanto o Ministério do Meio Ambiente informa não fazer parte de qualquer estudo ou iniciativa de incentivo ao carro elétrico, coube à pasta da Ciência e Tecnologia (MCT) assumir a maior parte do trabalho governamental sobre o assunto. Atualmente, o MCT, em parceria com Itaipu Binacional, apoia um projeto de desenvolvimento de baterias de sódio, que podem ser utilizadas em veículos elétricos, além de duas iniciativas para a construção de protótipos de ônibus a célula de combustível de hidrogênio, como explica o coordenador-geral de Tecnologias Setoriais do MCT, Adriano Duarte. “Também está em andamento a estruturação de um programa para apoio ao desenvolvimento tecnológico, às pesquisas e à cadeia produtiva voltada a veículos elétricos”, explica Duarte.

Divulgação Nissan

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O Nissan Leaf, primeiro carro 100% elétrico comercializado em larga escala pelo mundo todo, não tem previsão de chegada ao Brasil

terá caminho longo e difícil até chegar ao Brasil O lobby do etanol O Brasil é um dos países líderes no uso de combustíveis renováveis em seus automóveis, graças aos carros flex, que, além da gasolina, podem rodar com etanol de cana-de-açúcar. Essa mesma particularidade, no entanto, pode ser responsável pelo atraso nacional na adoção e, principalmente, no incentivo oficial aos carros elétricos. Um importante executivo da indústria automobilística brasileira – que preferiu não se identificar – foi taxativo ao falar da bilionária força do álcool combustível. “O grande medo do governo é que os carros elétricos matem o etanol. É notória a força dos usineiros junto a setores importantes do governo e da própria indústria.” Outro temor comum entre alguns dos gestores da indústria é que o lobby do álcool possa levar a uma “solução intermediária”, o carro híbrido movido à eletricidade e etanol – visto com desconfiança por boa parte do setor. Por que a falta de fé no modelo? Segundo fontes consultadas pelo R7, o híbrido – que existe há mais de dez anos nos mercados desenvolvidos – sempre foi visto como um passo a mais em direção ao veículo totalmente elétrico, e não como uma solução final. O próprio governo, no entanto, na figura do Ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, já deu pistas a empresários de São Paulo de que o modelo híbrido pode vir a ganhar força. “O veículo elétrico é uma nova possibilidade, mas precisa saber de onde virá a energia para isso. O diferencial brasileiro é o etanol, e vejo como promissor o [carro] etanol-elétrico”, comenta o Minisitro. Enquanto a questão fica presa em mãos oficiais, as montadoras aguardam sentadas possíveis incentivos para que o carro elétrico possa ser comprado por um preço viável. Sem mercado consumidor, sem chance.

Consultada pela reportagem, a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) respondeu apenas que “espera os próximos movimentos” do governo e que as montadoras podem tomar iniciativas isoladas, mas que não há um posicionamento setorial definido. Para René Martinez, sócio de consultoria para o setor automobilístico da Ernst & Young Terco, sem incentivo oficial e sincronia entre governo, indústria e sociedade, o carro elétrico continuará a ser uma realidade distante. “Se compararmos a outros países, nossos incentivos fiscais estão aquém do necessário. Países como Coreia do Sul e China permitem a dedutibilidade de inovações tecnológicas desenvolvidas no exterior. Ainda, países como China e Rússia permitem que o incentivo fiscal porventura não aproveitado em um ano possa ser aproveitado em até oito ou dez anos. A palavra-chave para o desenvolvimento do mercado para veículos elétricos é colaboração. Fica claro que o salto de competitividade depende de um esforço combinado da indústria, governo e sociedade”, explica Martinez. revista do meio ambiente dez 2011


Divulgação Nissan

texto Lucas Bessel, do R7

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Longo caminho O que fica claro é que, para chegar ao consumidor final, o carro elétrico ainda tem um longo caminho a percorrer no Brasil. Não existe subsídio para compra, como nos Estados Unidos – que dão bônus de R$ 7.800 (US$ 5.000) para quem comprar um Leaf, sem falar nos incentivos estaduais. Não existem vantagens práticas para uso no dia a dia, já que o preço ainda seria proibitivo e levaria muito tempo para ser amortizado pela economia de combustível. Não há incentivos fiscais, como ocorre no Japão, que isenta de impostos os veículos elétricos. Não há gratuidade de estacionamento no centro das cidades, como acontece na Noruega. O que o Brasil tem? Por enquanto, muita torcida e algumas iniciativas isoladas. É seguro dizer – segundo estimativas da própria indústria - que será difícil ver carros elétricos rodando de verdade por aí em um prazo inferior a sete ou dez anos. Esse é o preço da inércia pública e da crônica falta de incentivo ao desenvolvimento tecnológico. Fonte: http://noticias.r7.com/carros/

Divulgação Mitsubishi

Onde abastecer? Agora imagine que o carro elétrico já chegou ao Brasil e que você acabou de comprar um, novinho, na concessionária mais próxima de casa. Depois de rodar 150 km – a autonomia estimada da maioria dos modelos atuais - é hora de recarregar as baterias. Mas onde? Se você estiver em casa, fica fácil: é só achar a tomada mais próxima (de preferência 220V, para ser mais rápido), plugar por algumas hora e pronto. Mas e quem mora em prédio? E quem está no meio da rua? Nenhuma cidade brasileira está pronta para receber os carros elétricos. Nas ruas ou nos prédios, a infraestrutura para abastecimento simplesmente não existe. E o motivo para isso é lógico: não há carros elétricos rodando por aí, então não são necessárias tomadas ou postos de recarga rápida em pontos estratégicos. É o velho dilema: quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Isso não quer dizer, no entanto, que as cidades estejam completamente paradas. Na capital paulista, por exemplo, estão em andamento os primeiros estudos, promovidos pela prefeitura, entre fabricantes e AES-Eletropaulo, a empresa responsável pelo fornecimento de energia. De acordo com Ricardo Van Erven, diretor de tecnologia e serviços da concessionária

de eletricidade, não se trata de simplesmente instalar tomadas e medidores individuais por aí. “Todo mundo vê carro elétrico rodando no Japão e nos Estados Unidos e pensa que isso ocorre em questão de semanas. Não é bem assim. Neste momento, estamos desenvolvendo especificações técnicas, normas e padrões para atender à demanda de futuros pontos de recarga”, afirma Erven. Entre as montadoras que participam das discussões estão justamente a Nissan, fabricante do Leaf, e a Mitsubishi, que chegou a importar algumas unidades do Miev para o Brasil. Segundo Erven, os prazos com que os fabricantes trabalham – e que, consequentemente, balizam as ações da Eletropaulo – ainda são longos. “A expectativa da indústria é de começar a fornecer carros elétricos para frotistas [locadoras e empresas preocupadas com o tema socioambiental] em cinco anos”, acrescenta Erven. Os primeiros passos, portanto, já foram dados, e os fabricantes tentam entrar em acordo com as concessionárias de energia para garantir que o plugue X encaixe na tomada Y. O próprio diretor da Eletropaulo diz, entretanto, que ainda falta muito para que o mínimo de infraestrutura possa ser viabilizado. E, nesse caso, o “buraco” é mais em cima, novamente na esfera governamental. “O tema da distribuição ainda não foi disciplinado pelo regulador [a Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica]. No momento em que você fornece energia, é preciso classificar a tarifa como industrial, residencial etc. Isso ainda não foi feito para carros. É possível até que se crie uma nova classe tarifária exclusiva, mas nada está certo”, completa Erven.

A Mitsubishi já chegou a importar algumas unidades do Miev para o Brasil dez 2011 revista do meio ambiente


Carlos Minc participa de evento em

itaperuna

Carlos Minc em discurso durante Seminário, entre Marilene Ramos, Fernando Fernandes “Paulada” e Flavio Lemos

Carlos Minc, secretário Estadual do Ambiente, participou do “Seminário e Reunião de Trabalho do Comitê de Bacia Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul, SEA, Inea, Cosemma e Ceivap”, em Itaperuna/RJ. Na ocasião, também participaram do evento Marilene Ramos, presidente do Inea; Luiz Firmino, subsecretário Executivo da Secretaria de Estado do Ambiente; prefeitos de 22 municípios das regiões Norte-Noroeste Fluminense, demais autoridades e convidados

Coube ao professor Flávio Lemos, secretário Municipal do Meio Ambiente de Itaperuna e presidente do Comitê de Bacias Hidrográficas do Baixo Paraíba do Sul, realizar a abertura do evento. Flávio agradeceu a todos pela participação e ressaltou a importância do seminário não só para Itaperuna, como para toda a região. O prefeito de Itaperuna Fernando Fernandes, o Paulada, destacou o trabalho que o município vem realizando em diversos setores, mas sempre focando e dedicando especial atenção a questões ambientais. Já a presidente do Inea Marilene Ramos anunciou algumas conquistas para a região. Segundo ela, serão instaladas nove estações do sistema Alerta/Alarme, beneficiando o trabalho da Defesa Civil em atuações preventivas relacionadas a catástrofes naturais. “Este verão vamos estar mais equipados para trabalhar”, diz. A presidente ainda anunciou a criação de aterro sanitário no município de São Fidélis. “Conseguimos concluir a licitação para o aterro sanitário. Será um marco para a região, pois precisamos acabar com os lixões”. Carlos Minc fez algumas considerações sobre a votação do Código Florestal e afirmou: “aqui no Estado do Rio, Agricultura e Meio Ambiente andam de mãos dadas”. Minc também falou sobre sua preocupação em gerar emprego e renda para o Norte-Noroeste Fluminense. “Estamos licenciando as obras do Porto do Açu [em São João da Barra], que vai gerar milhares de empregos”, destaca. No final da manhã, o secretário Carlos Minc e comitiva foram ao Morro do Cristo e plantaram mudas de árvores nativas de mata ciliar.

fotos Eusébio Dornelas

política ambiental 21

O seminário O evento prima pela busca de parcerias entre os municípios e os demais setores, a fim de que a região Norte-Noroeste Fluminense possa elaborar projetos e captar novos recursos. No ano de 2011, dos R$ 30 milhões de recursos disponibilizados pelo CEIVAP (Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul), sobraram R$ 10 milhões. Essa verba é destinada a financiar projetos para preservação dos recursos hídricos. No mês de dezembro será anunciado outro edital, que deve girar em torno de R$ 12 milhões. Durante o evento aconteceram palestras, debates e ainda foram assinados os documentos referentes aos Planos Municipais da Mata Atlântica e Viveiros Municipais (reestruturação). revista do meio ambiente dez 2011


texto Maurício Andrés Ribeiro* (www.ecologizar.com.br)

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Oásis Terra

Gilderm (sxc.hu)

Um oásis é um lugar em que há água e vida no deserto e no qual as caravanas param para descansar e se reabastecer antes de prosseguir viagem

Na escala do sistema solar, a Terra é um lugar com solo fértil, vegetação, vida animal e água. É um pequeno ponto no deserto dos espaços siderais interplanetários. Na escala cósmica, a Terra é um oásis. De onde vêm as águas que existem no oásis Terra? Alguns astrônomos supõem que as águas se originaram no cinturão de Kuiper, um conjunto de cometas existente para além da órbita de Netuno; outros especulam que ela resultou do choque de corpos celestes gelados provenientes do cinturão de asteróides situado entre as órbitas de Marte e de Júpiter. Tal como em outros processos de concepção, o espermatozóide cósmico (um cometa ou asteróide) penetra no óvulo (a Terra) e a fecunda com a água portadora das condições de gerar a vida. Além dessas hipóteses, existe aquela de que a água tenha se formado a partir de elementos que existiam na própria Terra desde sua origem. Como a superfície do planeta é em sua maior parte coberta por água, ela parece ser muita. Entretanto, na realidade seu volume é pequeno, comparado com o volume total da Terra, pois a hidrosfera ocupa uma estreita faixa na superfície do planeta. A título de comparação, se a Terra fosse do tamanho de uma bola de futebol, a água nela existente teria o volume de uma bola de pingue-pongue. Diferentemente de Venus, onde ela é gasosa, e de Marte, onde está em estado sólido, na Terra a água é encontrada em estado sólido, líquido e gasoso. Sendo muito sensível a variações de temperatura, a água é o elemento por meio do qual a natureza responde diretamente às mudanças no ciclo do carbono que provoca as mudanças climáticas. Com o efeito estufa ela derrete, evapora. Intensificam-se e tornam-se mais frequentes eventos críticos tais como os que ocorreram no Brasil em 2010: estiagens na Amazônia e cheias no nordeste, nas regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul. Tais eventos trazem consigo prejuízos econômicos e sociais. Do volume total no planeta, 97,6% da água é salgada e apenas 2,4% é água doce. Várias regiões já sofrem de estresse hídrico, em todos os continentes. Apesar do Brasil dispor de 12% de toda a água doce do mundo, aqui também a relação entre demanda e disponibilidade mostra problemas em dez 2011 revista do meio ambiente

áreas e bacias críticas, especialmente no semiárido nordestino e nas vizinhanças de regiões metropolitanas e em áreas densamente povoadas e industrializadas ou onde exista grande demanda de água para a irrigação na agricultura, como no Rio Grande do Sul. Hidroconsciência e hidroalienação Na cultura brasileira, a consciência sobre a água ainda é pouco desenvolvida e existe a ilusão de que ela constitui um recurso infindável. A água é usada como depósito de lixo e resíduos. Lixões localizados à beira de rios o levam para longe nas enchentes. O rio percebido como depósito de lixo está presente na fala de uma mãe, no interior de Minas, ao deseducar a criança: “ Meu filho, não jogue o lixo no quintal, porque aí não é o rio!” A cultura brasileira urbana dá as costas para a água, sendo usual encaixotar os córregos urbanos e construir sobre eles vias de trânsito, retirando-os das vistas da população. Até mesmo o Ipiranga celebrado no Hino Nacional, em cujas margens plácidas D. Pedro I bradou o grito da independência brasileira, encontra-se coberto por uma via pavimentada. No Brasil, há grande hidroalienação, pois a população urbana cada vez conhece menos sobre o ciclo integral da água, de onde ela vem quando chega na torneira, e para onde vai depois de escoar pelo ralo. O cidadão urbano pobre vivencia fragmentos isolados do ciclo da água, do caminhão-pipa para o balde, e no


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trajeto do esgoto que escorre a céu aberto nas favelas; o cidadão de classe média vivencia o percurso da água da torneira ao ralo ou quando se vê preso num engarrafamento de trânsito em vias urbanas alagadas. Resulta dessa hidroalienação e da falta de investimentos que dela deriva, que a principal fonte de poluição de águas é o despejo de esgoto in natura nos rios. Florestas Florestas e árvores são grandes aliadas de quem precisa de água, ou seja, de todos nós. Ao regular o clima, absorver gás carbônico e ajudar na infiltração da água no solo, as árvores e as florestas realizam processos vitais e prestam valioso serviço. A erosão nos solos e o escoamento superficial de água em áreas sem cobertura vegetal é muitas vezes maior do que aquela que ocorre em áreas protegidas por vegetação. Com o desmate, os rios são assoreados e há perda de qualidade das águas, a redução dos lençóis subterrâneos, a perda de solos. Na ausência de florestas, necessita-se de mais obras estruturantes e há menor segurança hídrica. Assim, por exemplo, quando o desmate e mau uso do solo prejudicam a qualidade da água, as empresas de saneamento passam a gastar mais com produtos químicos no tratamento de água, pois a vegetação filtra metais e matérias em suspensão na água, reduzindo a necessidade de tratamento. Os mais

Na cultura brasileira, a consciência sobre a água ainda é pouco desenvolvida e existe a ilusão de que ela constitui um recurso infindável

*Veja o vídeo Tem um rio em cima de nós em: www.youtube. com/watch?v=HYcY5er xTYs&feature=player_ embedded

penalizados por esses custos são as populações mais pobres e vulneráveis. Preservar os serviços ambientais prestados pelas arvores e florestas é, portanto, também uma questão de justiça social e de equidade. No Brasil, serviços de regulação do clima são prestados em escala macro pela floresta Amazônica, sobre a qual chove a umidade vinda do oceano Atlântico. As árvores bombeiam de volta à atmosfera uma parte dessa umidade, que chove novamente sucessivas vezes em direção ao oeste. Ao encontrar a barreira da cordilheira dos Andes, esse ar carregado de umidade, em verdadeiros rios voadores, se dirige para o sul, umedecendo o centro-oeste e o sudeste brasileiros. Não fosse essa umidade, o clima nessas regiões seria muito mais seco e possivelmente haveria desertos. Sem a floresta amazônica, a agricultura no Brasil central e do sudeste será seriamente prejudicada. Antonio Donato Nobre (No vídeo Tem um rio em cima de nós, no YouTube)* nos ensina que a Amazônia pode ser vista como usina de serviços ambientais que realiza gigantescas transferências de energia, ao promover a evaporação de 20 bilhões de toneladas de água por dia, sendo um poderoso motor do clima global. Caso esse volume de água tivesse que ser evaporado por aquecimento, seriam necessárias 50 mil usinas do porte da hidrelétrica de Itaipu. Culturalmente, a floresta é vista como algo sujo, a ser extirpado. As expressões da língua revelam tal tipo de pensamento: limpar o mato, visto como sujeira; campo limpo e campo sujo significam respectivamente uma área sem vegetação e uma na qual a vegetação tenta se regenerar; quebrar o galho não é um ato negativo de destruição da vegetação, mas uma forma de ajudar um amigo. Até mesmo os quintais urbanos são cimentados, pois a vegetação é vista como um estorvo que dá trabalho para limpar, que atrai bichos e doenças. Nessa visão cultural, vegetação, mato e floresta são sujeiras a serem removidas. Ainda não se valoriza suficientemente o fato de que as florestas prestam serviços ecossistêmicos, tanto em escala macro como em escala local. Uma mudança de percepção cultural sobre a natureza, as águas e as florestas é necessária para que o comportamento em relação ao ambiente passe a ser mais amigável e menos agressivo. A valorização dos serviços ambientais prestados pelas florestas e árvores, bem como a valorização da água como algo essencial à vida, são atitudes positivas. Árvores e florestas são aliadas do ser humano na gestão das águas do oásis Terra. * Autor de Ecologizar e de Tesouros da Índia

revista do meio ambiente dez 2011


Um procurador

texto Eliane Brum

24 política ambiental

Conheça o homem que se tornou o flagelo do governo ao lutar contra a maior e mais polêmica obra do PAC

Se um dia a história da construção da Hidrelétrica de Belo Monte for bem contada, o procurador da República Felício Pontes Jr. será uma espécie de herói da resistência. E um dia as histórias acabam sendo bem contadas. Nascido no Pará, com um avô canoeiro e o outro caminhoneiro, ele é também herdeiro deste duplo movimento – o dos rios que carregam homens e cargas sem ferir a floresta, o das estradas que a sangram. Felício – ou benajoro (chefe) – como é chamado pelos caiapós em sinal de respeito, é a principal voz no Ministério Público Federal (MPF) contra Belo Monte. Desde o início deste século, o grupo de procuradores no Pará já entrou com 11 ações contra a hidrelétrica. Felício costuma escrever seus argumentos durante as madrugadas, tempo de silêncio em que a escrita, assim como a indignação, fluem melhor. E parece estar perturbando a Norte Energia S.A. (NESA), o consórcio responsável pela construção da usina, que em maio pediu seu afastamento ao Conselho Nacional do Ministério Público, por causa do seu blog Belo Monte de Violências. Em vez de responder às dúvidas e críticas expostas no blog, que vale a pena ser lido, o consórcio preferiu calar seu autor. Não conseguiu. Aos 45 anos, católico, três filhos, Felício é um homem sem os maneirismos pomposos que costumam estar ligados aos que lidam com o Direito. No rosto moreno, carrega os traços de um antepassado indígena, cuja história se perdeu na cultura da família, mas permanece como registro genético e sentimental. Fez mestrado em Teoria do Estado e Direito Constitucional na PUC do Rio de Janeiro, cidade onde trabalhou como advogado para favelados e crianças de rua. Depois, tornou-se oficial do Unicef em Brasília. Mas, quando chegou a

Hidrelétricas na Amazônia só podem ser consideradas limpas se estiverem falando em limpeza étnica dez 2011 revista do meio ambiente

contra Belo Monte

hora de escolher seguir carreira internacional ou permanecer no Brasil, fez concurso para o Ministério Público Federal e voltou para o Pará. Desde então, passa parte do expediente bem longe das salas com ar-condicionado. No calor de 40 graus que seguidamente acomete a região, ele sacoleja em voadeiras pelos rios da Amazônia, dorme em redes nas aldeias indígenas, enfrenta corredeiras e trilhas de quilombos para alcançar os povos mais invisíveis do país. Felício Pontes Jr. é um procurador que suja os sapatos na terra às vezes ensanguentada do Brasil. Nesta luta com mais perdas do que ganhos, como são em geral as lutas que valem a pena, ele já viu tombar amigos demais. De tiro, como Dorothy Stang, com quem foi o último a falar antes de a missionária ser assassinada. E, quando não consegue se fazer escutar na burocracia de Brasília, onde os povos da floresta são vistos como um entrave ao desenvolvimento, às vezes o procurador chora por não poder levar uma resposta a quem às vezes só conta com ele para se manter vivo. Na entrevista a seguir, Felício nos ajuda a compreender um projeto que há mais de 20 anos vem sendo combatido pelos movimentos sociais e por muita gente que hoje está no poder – e que saiu do papel justamente no governo Lula e no de sua sucessora, Dilma Rousseff. Para implantar a maior e mais polêmica obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), além de recursos públicos, o governo tem comprometido sua reputação internacional. Por que tanto empenho? O procurador afirma que o setor elétrico é “a caixa-preta do governo”. E nos dá algumas pistas para compreender uma das obras mais mal contadas de nossa história recente. Ao falar no programa de conferências TEDx Ver-o-Peso, no final de agosto, Felício terminou sua palestra aplaudido de pé. Encerrou-a parafraseando Darcy Ribeiro: “Fracassei em quase tudo que fiz. Tentei defender os povos da floresta, e essas mortes mostram que não consegui. Tentei defender os rios amazônicos, e Belo Monte mostra que não consegui. Tentei defender a floresta, e o desmatamento insiste em mostrar que fracassei. Mas meus fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. É uma grande frase. Mas, no caso de Belo Monte, a luta ainda não acabou. Fui até Belém do Pará para conhecer o procurador que tem enfrentado o governo federal na implantação de Belo Monte porque queria trazê-lo para esta coluna. É uma entrevista longa, como todas as publicadas neste espaço. Um bom programa para a Semana da Pátria, quando as máquinas já são cada vez mais numerosas na região da Volta Grande do Xingu e os migrantes vão chegando aos milhares nesta novela trágica, tantas vezes reprisada na Amazônia. A seguir, a história contada não por um burocrata da Justiça, mas por um homem de Justiça. Por que você acha que, depois de seis eleições presidenciais democráticas, a visão do governo sobre a Amazônia continua tão semelhante à da ditadura militar, com a realização de grandes obras e a imposição autoritária pelo poder central? Felício Pontes Jr: Os efeitos da ditadura não terminam com ela. A opressão diante de qualquer discussão com a sociedade sobre como e para quem vamos gerar energia ainda é resquício da ditadura. Diz-se que o assunto


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Dr. Felício Pontes Jr. entre o ambientalista Vilmar Berna e o Dr. Cristiano Pacheco, durante evento na Famath neste ano

é “técnico” e pronto. É como se essa palavra fosse mágica: tem o poder de afastar qualquer discussão sobre o assunto. Eu mesmo cairia nessa conversa se não tivesse, por missão profissional, de vasculhar o setor de energia elétrica do Brasil. E posso dizer hoje que esta é a caixa preta do governo. Não há nenhuma área tão fechada em si mesma como esta. Mesmo com as décadas que se passaram entre os projetos hidrelétricos mais antigos e o governo atual; mesmo que o Brasil tenha atravessado a transição entre uma ditadura para o regime democrático; mesmo que os algozes da presidenta tenham sido substituídos por ela no comando da nação; a verdade é que as práticas governamentais de construir hidrelétricas mudaram muito pouco, quase nada. O setor elétrico no fundo é dirigido pelas mesmas pessoas que estavam no comando décadas atrás. Esses burocratas descartam oportunidades de promover a eficiência energética, tão em moda na Europa e na Califórnia. Nada que traga o novo é considerado. O que mais chama a sua atenção nesta insistência do governo em construir Belo Monte? Há uma coisa em Belo Monte que chama muita atenção de qualquer um que tenha de lidar com o processo, com volumes e mais volumes de processos, que é a mentira do Governo. Eles fogem dos debates e, como o nosso sistema judiciário funciona mal, o sistema não propicia que quem tenha razão consiga alguma coisa neste país. Tanto é que, nas nove últimas ações, obtivemos nove liminares e todas elas foram suspensas pelo tribunal (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília. Normalmente, quase sempre, por uma pessoa só, que é o presidente do tribunal. E com base nesta suspensão, eles vão levando a obra. Qual é a sua hipótese sobre o fato de as liminares caírem sempre em Brasília? Primeiro, é um distanciamento mesmo, do Judiciário. Existem dois ramos do Judiciário, muito evidentes para mim, hoje. Um é o carreirista. É aquela pessoa que faz concurso para juiz porque é um emprego que dá um dinheiro bom. Do tipo: “Vou ter uma aposentadoria tranquila”. E eu vejo quem vai para Brasília, salvo raras exceções, nesta posição de que é um emprego bom, com status e aposentadoria, e que permite chegar aos tribunais superiores, independentemente do que fará lá. E, do outro lado, são poucos os juízes, realmente, com vocação de juiz. Vocação de juiz tem aquele que enfrenta, que olha o que é justo, o que é injusto. As pessoas aqui (no Pará), de um modo geral, são aquelas que chegaram agora no Judiciário, e foram estas que concederam as decisões para a gente. Muitos deles ainda têm o espírito de mudança, do romantismo, da vocação. Mas quando isso chega às instâncias superiores, ou seja, nos mais velhos, muda tudo. E eles têm o poder de segurar, sentar em cima, e o processo não anda.

As pessoas vão ficando cínicas ao longo da carreira no Judiciário? Acho que a faculdade de Direito já faz isso. Eles doutrinam a gente de uma forma que, por mais revolucionário que você entre, sai conservador. Sabe aquele negócio da manutenção do status quo? A lei é “isso” aqui. Vocês têm de defender que “isso aqui” seja feito, não importa que “isso” cause uma distorção entre ricos e pobres, e que esta distorção seja uma das maiores do mundo. Isso não tem importância, tem de defender o que está escrito. Acho que é essa a tônica, de um modo geral, que a faculdade passa para a gente. Mesmo pessoas pobres, que chegaram ao Judiciário pobres, tornam-se conservadoras no contato com o meio. E a pessoa conservadora no Brasil vai assimilar essa teoria desenvolvimentista a qualquer custo, como se isso não se voltasse contra a gente, hoje, já que estamos vivendo na “sociedade de risco”. Mas eles não conseguem enxergar isso. Então é o desenvolvimento a qualquer custo. Você acha que as decisões dos tribunais superiores, no caso de Belo Monte, têm a intenção de agradar o governo? Ou uma outra hipótese é que seriam o reflexo da ignorância com relação à Amazônia, ao que realmente é a Amazônia? Como são muitas decisões, eu vejo as duas coisas. Nas últimas, me parece que o objetivo principal era agradar o governo. Por mais que você tenha um distanciamento da Amazônia, por mais que você não entenda nada da Amazônia – é clara a intenção de agradar o governo. Por que agradar o governo? Porque quem nomeia estas pessoas para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou o STF (Supremo Tribunal Federal) é o governo. Nas decisões anteriores, eu acho que ficou mais evidente mesmo esta coisa do distanciamento. Os caras não têm a menor ideia do que é isso aqui. Não têm a menor ideia do impacto que esta usina vai causar. O povo da floresta é invisível. De Marabá para baixo, o povo da floresta é invisível. E é muito difícil você tentar defender os interesses de quem é invisível. Por que você acha que a Amazônia é tão invisível para o restante do país, ainda que, paradoxalmente, seja tão visível? Isso aqui é muito diferente. Tirando a parte que virou metrópole, como Manaus e Belém, é uma visão diferente de mundo mesmo. Se você juntar os ribeirinhos, a população mais pobre da Amazônia, à população mais pobre da periferia de São Paulo, por exemplo, acho que eles não conseguiriam nem falar entre eles, de tão diferentes que são. Têm uma visão de mundo comrevista do meio ambiente dez 2011


texto Eliane Brum

26 política ambiental pletamente diferente. Se um não puder passar um tempo grande na casa do outro, eles não vão se entender. Me lembro de uma grande liderança indígena dos Tembé, na divisa do Pará com o Amazonas. Ele disse uma vez: “Eu só fiquei na aldeia quando era pequeno. Adolescente, me trouxeram para a cidade. E eu queria saber quem era rico na cidade, que me mostrassem um rico”. Aí mostraram para ele um fazendeiro. E mostraram que na fazenda tinha cavalo, boi... E ele disse: “Mas é só isso? Ele é rico porque tem isso? Então eu sou muito mais rico do que ele!” É outra visão de mundo. E isso é extremamente difícil de ser compreendido no centro-sul do Brasil. A resistência à Belo Monte, assim como a outros grandes projetos, em geral é confrontada com alguns mitos do senso comum, espertamente difundidos e reforçados por aqueles que querem aprovar a obra o mais rapidamente possível. Gostaria que você comentasse alguns deles. O mais popular é aquele que opõe desenvolvimento à preservação ambiental. E transforma todos aqueles que resistem em “ecochatos”. O desenvolvimento predatório se opõe à preservação ambiental. Não enxerga o meio-ambiente como o lar, a casa, o habitat de todos os seres vivos. Mas sim como recurso econômico a ser exaurido para gerar lucro. E quase sempre lucro para poucos. É dessa visão de desenvolvimento que temos de nos livrar. Precisamos tecer outro tipo de racionalidade para lidar com o fato de que os recursos naturais de que dispomos são finitos, e que temos responsabilidade, não só com o nosso conforto, mas também com a sobrevivência das gerações futuras. A ideia de verdadeiro desenvolvimento não pode deixar de levar em consideração a preservação ambiental. Se deixar, não é desenvolvimento. Belo Monte é exemplo disso. Como a hidrelétrica não leva em conta o aspecto ambiental, a geração de energia será reduzida. Isso porque um dos efeitos da mudança climática sobre a Amazônia é a diminuição do volume de água dos rios. Outro fator é o desmatamento. No caso de Belo Monte, ele pode chegar a 5.300 quilômetros quadrados além da área inundada. Haverá a extinção de espécies ameaçadas que nunca foram estudadas. A Volta Grande do Xingu é considerada de “importância biológica extremamente alta” pelo próprio Ministério do Meio Ambiente (Portaria MMA n° 9/2007). E ela será impactada de maneira irreversível, já que haverá a redução de 80% a 90% da vazão do Xingu em 100 quilômetros de sua extensão. Hoje, ninguém tem dúvida de que a falta de floresta influenciará na vazão do rio. Portanto, trata-se de um falso projeto de desenvolvimento – ou um projeto de “desenvolvimento predatório”. Já é possível medir o que este tipo de “desenvolvimento” causou à Amazônia e a todos nós? O desenvolvimento predatório não trouxe desenvolvimento aos povos da floresta – ou trouxe um mínimo diante das perdas. Ele começou a ser implantado na época da ditadura militar – nos anos 70. Passados mais de 30 anos, já é possível medir o resultado desse modelo aqui no Pará, o locus privilegiado. O estado é o campeão em trabalho escravo e em mortes de trabalhadores do campo no Brasil. Estes são os resultados de uma política de desenvolvimento que não leva em consideração os povos da floresta. Ao contrário, nega a sua existência. Em oposição central a esse modelo está o socioambientalismo. Ele parte de um princípio básico: a articulação entre a biodiversidade e a sociodiversidade. Dito de outro modo, ele concilia desenvolvimento econômico com preservação ambiental. É concebido e voltado para os povos da floresta, que possuem centenas de anos de conhecimento sobre a forma de lidar com os recursos florestais sem o impacto suicida. O socioambientalismo possui um campo fértil no Brasil – o líder mundial em biodiversidade. Embora tenha sido estudado apenas 5% do potencial farmacológico da flora mundial, um quarto dos medicamentos usados está baseado em produtos vegetais. Veja o quanto poderíamos lucrar com eles. Imagine se tivéssemos estudado 50% apenas do potencial farmacológico das espécies florestais da Amazônia. É fácil perceber dez 2011 revista do meio ambiente

o que isso significaria em geração de emprego e renda com produtos que não sejam predatórios, como são a madeira, o gado, a soja, ou a energia. Mas nada disso é levado em consideração. Outra ideia, amplamente difundida no caso de Belo Monte, como foi nas usinas anteriores, é a de que as hidrelétricas são energia limpa e barata. Mas você sempre contesta essa apregoada vocação das hidrelétricas... Hidrelétricas, principalmente na Amazônia, estão muito longe de configurar energia limpa. Não só pela emissão de metano, um dos piores gases do efeito estufa, mas também pelos danos ambientais. No caso do metano, Belo Monte vai produzir quase a mesma quantidade emitida por São Paulo, a maior cidade do Brasil, segundo o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Belo Monte, de forma singular, causará inundação à montante da barragem e seca à jusante. Nessa proporção, ela é inédita. Apenas essas consequências já seriam suficientes para derrubar a ideia de que hidrelétricas produzem energia limpa. E essa constatação derruba também a tese de que a energia produzida é barata. Não é. E só foi no passado porque não estavam valorados economicamente os danos ambientais e sociais. Hoje, não valorar os danos ambientais e sociais é se colocar fora do processo histórico. O MPF (Ministério Público Federal) cobra na Justiça o custo de 100 quilômetros do Xingu morto; o custo pelo desaparecimento de 270 espécies de peixes na Volta Grande, alguns que só existem lá; o custo do desmatamento para a formação dos reservatórios; o custo do desmatamento associado; o custo pela perda do lençol freático. Do ponto de vista social, temos o custo causado pelo impacto sobre indígenas e ribeirinhos, como o fim a navegação, a proliferação de mosquitos e de doenças como malária e dengue, que deverão levar à necessidade de remoção, o que é proibido pela Constituição, no caso dos indígenas. Não há nada de limpo nisso, a não ser que estejam falando de limpeza étnica. E qual será o custo real de Belo Monte? Isso tudo será somado em Belo Monte. A ação judicial para valorar já existe. E deve estabelecer o real custo da obra, tornando-a inviável economicamente. Ou seja, se todos os custos sociais e ambientais fossem respeitados e compensados, a usina seria inviável. É uma equação que nunca vai fechar. As hidrelétricas fornecem energia supostamente barata porque não são incluídos os custos socioambientais. Aliás, a energia eólica já deu sinais de que terá em breve o preço mais barato no Brasil. Sobre a solar, há perspecti-


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O impacto não é mínimo, a não ser pela ótica do esgotamento irracional dos recursos, que parece ser a ótica do governo brasileiro va de que seus custos sejam reduzidos à metade em dois anos. Fruto de uma política agressiva da China, que deseja seu barateamento, e pesquisas de universidades americanas. Portanto, hidrelétricas na Amazônia são sujas e caras. A ideia do risco de apagão no país também aparece com frequência. Neste caso, afirmase que, se Belo Monte não for construída, o Brasil correria o risco de “apagão”. Também se difunde que a energia será destinada à população em geral ou aos mais pobres. A propaganda do risco de apagão está presente desde a primeira ação judicial do MPF contra Belo Monte. Na imprensa da época, 2001, afirmava-se que, se não fosse construída Belo Monte naquela década, o Brasil entraria em colapso. Não entrou. E dificilmente entrará num futuro próximo, especialmente pela entrada da energia eólica no sistema nacional, que é maior do que o governo esperava. Todos os planos decenais erraram para mais a quantidade de energia que a nação precisa para continuar crescendo. Isso sem falar na repotencialização das usinas antigas, utilização da biomassa desperdiçada, mudança das linhas de transmissão e eficiência energética, que não existe no Brasil. Estudos da USP (Universidade de São Paulo) mostraram que o ganho de energia, ao trocar as turbinas antigas de hidrelétricas com mais de 20 ou 30 anos, seria na ordem de 10% de toda a energia gerada no Brasil. E isso sem a construção de nenhuma barragem. Só fazendo com que as já existentes se tornem mais eficientes. De outro lado, a energia gerada por Belo Monte não é destinada à população brasileira. Será destinada aos projetos de extração mineral e de indústrias eletrointensivas (siderúrgicas, por exemplo), que empresas multinacionais pretendem instalar na Amazônia. Até nisso Belo Monte é igualzinha a Tucuruí, que foi construída para atender as necessidades energéticas da Albrás – conglomerado japonês que se instalou no Pará na década de 80. Hoje (a Albrás) paga um preço ridiculamente subsidiado pela energia que custou a casa e a vida de

milhares de brasileiros. Um morador do município de Pacajá, em um debate sobre Belo Monte, fez a seguinte pergunta aos funcionários governamentais presentes: “Meu município fica a 150 quilômetros da usina de Tucuruí e até hoje não chegou energia elétrica lá. Se construírem Belo Monte, estaremos a 140 quilômetros de mais uma usina. Vamos continuar sem energia?” Outra afirmação que se faz sobre Belo Monte é de que a população atingida é pequena e o impacto ambiental mínimo. Falar em “poucos atingidos e impacto mínimo” é desconhecer os documentos do licenciamento. Trata-se de contar com a ignorância do povo brasileiro sobre a Amazônia. É minimizar a importância dessa região e dos brasileiros que vivem nela. É minimizar o fato concreto de que as riquezas amazônicas continuam, com Belo Monte, sendo destruídas e exportadas em troca de muito pouco ou quase nada. É minimizar a área específica da Amazônia onde Belo Monte está sendo instalada, a Terra do Meio, enclave fundamental para determinar a sobrevivência da floresta para os brasileiros do futuro. É minimizar, principalmente, a importância estratégica que a Amazônia tem para o futuro do Brasil. A Volta Grande do Xingu é um ecossistema precioso e delicado. Esse patrimônio estará perdido com a construção da usina. Portanto, o impacto não é mínimo, a não ser pela ótica do esgotamento irracional dos recursos, que parece ser a ótica do governo brasileiro. A convivência dos brasileiros com a floresta nessa área, em particular, resultou no desenvolvimento de técnicas de plantio, de pesca, de preservação florestal que também constituem patrimônio das gerações futuras. Esse tipo de discurso de impacto mínimo dá a impressão incômoda de que nós, da Amazônia, estamos bem mais longe de Brasília do que os chineses. Esse discurso nos reduz a brasileiros de segunda classe. Você acha que a batalha para impedir Belo Monte está perdida? Não, não. Interessante... Mesmo apanhando quase todo dia, eu não consigo perder a esperança. A hora que eu tenho para sentar e escrever essas ações, basicamente, é a madrugada. E é a hora em que eu adoro escrever. Acabo indo a madrugada inteira sem sentir que passou o tempo, de tanta esperança que tenho de que uma hora isso vai dar certo. Mas eu não acho que a solução vai estar nessas ações que a gente está escrevendo por aqui. Eu vejo o Direito, a Procuradoria, nós, aqui, como um instrumento. É do movimento social que vai partir a sensibilização, tanto do Judiciário, quanto das Cortes Internacionais, para parar Belo Monte. E eu acho que vou continuar com essa esperança até o momento de ver a barragem construída na minha frente. Enquanto ela não estiver construída, tenho esperança de reversão. Se Belo Monte for construída, como vai ficar o Xingu? Você consegue enxergar? Eu já até sonhei com isso. Foi um pesadelo. Sabe o que me vem na cabeça? A parte mais pobre da periferia de Altamira, com as crianças com aquela barriga d’água na beira do reservatório. O rio vai se tornar um lago pobre ali em Altamira. E aquelas crianças na beira do lago, na beira do rio Xingu, completamente aniquiladas do ponto de vista físico, sabe? Eu via isso. E na parte jusante da barragem eu não vejo índios mais. É como se fosse um deserto. Toda aquela magnífica biodiversidade que existe, com as cachoeiras, os peixes, tudo desaparece. Como se fosse um deserto. É uma visão dantesca. E como você acordou desse pesadelo que está prestes a se tornar bem real? Pensando que não posso deixar que isso aconteça. Quer dizer, no que depender de mim, isso não pode acontecer. Eu vou fazer a minha parte. Leia a matéria na íntegra em http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/ noticia/2011/09/um-procurador-contra-belo-monte.html revista do meio ambiente dez 2011


Mauro Sakamoto (sxc.hu)

texto Cândido Grzybowski*

28 terceiro setor

A sociedade civil: fermento da

democracia

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase é parte do extenso, diverso e complexo conjunto de organizações sociais sem fins lucrativos do Brasil (mais de 320 mil segundo o IBGE) denominado ONGs, nome inventado para denominar atores públicos não governamentais quando da criação da ONU, em 1945. Entre nós, o nome genérico ONG pegou exatamente quando da realização da maior Conferência das Nações Unidas no Brasil, a Eco-92. São entidades e movimentos sociais públicos, voltados à causa pública, aos bens comuns, à defesa e promoção de direitos humanos. O Ibase se orgulha de fazer parte da Associação Brasileira da ONGs – ABONG desde a fundação, em 1991, sendo Betinho, à época diretor geral do Ibase, escolhido como seu presidente honorário. O Ibase se autodefine como organização de cidadania ativa e assim considera todas as afiliadas da Abong e a imensa maioria das assim denominadas ONGs brasileiras. Não é minha intenção lembrar aqui as relevantes agendas de direitos e de cidadania levantadas pelo Ibase ao longo de seus 30 anos de história, comemorados em agosto deste ano de 2011, história intimamente ligada à democratização do Brasil. Isto porque é a história coletiva das ONGs que merece um lugar central na reconstrução e aprofundamento da democracia brasileira. Aí entram não só as poucas afiliadas da Abong. A democracia no Brasil deve muito às ações não governamentais das Pastorais Sociais (da Criança, da Terra, Urbana...), às redes e fóruns (economia solidária, catadores de lixo, segurança alimentar, Articulação do Semiárido, Agroecologia, Reforma Urbana...), aos movimentos sociais e suas entidades (Sem Terra, Atingidos por Barragens, Sem Teto Urbanos, Favelados, UNE e entidades de juventude...), às feministas e suas entidades, aos movimentos negros e suas entidades, aos movimentos dos GLBT, às entidades cidadãs de comunicação e iniciativas de inclusão cultural, às Apaes, às Santas Casas, aos movimentos cidadãos como o Ficha Limpa e tantas e tantas outras iniciativas. Afinal, somos mais de 320 mil! Um grande tecido social, ativo e vibrante, que faz enorme diferença no enfrentamento de questões espinhosas da nossa democratização, sobretudo as múltiplas facetas da desigualdade e exclusão social que ainda nos marcam. Trata-se de uma sociedade dez 2011 revista do meio ambiente

Considerar todas as ONGs, em sua diversidade e relevante papel cidadão, como sendo criminosas é má-fé e um ataque à própria democracia. Aliás, surpreende que no mesmo clima de criminalização generalizada agora se tenta desqualificar o próprio movimento sindical, um outro pilar da sociedade civil civil emergente, com iniciativas de impacto mundial, como o Fórum Social Mundial, contraponto do Brasil emergente como potência econômica e ator geopolítico. Mas, atenção! Todo este conjunto, indistintamente, está sendo criminalizado e confundido propositadamente com um minúsculo conjunto de organizações, também ONGs, que têm sido usadas como canais de desvio de recursos públicos. São organizações criadas ou controladas por políticos, deputados, ministros e altos funcionários públicos, corruptos e corruptores, que se valem da grande falta de um marco legal cidadão para as ONGs e, através de contratos nada transparentes, desviam recursos públicos. Desconhecer os verdadeiros culpados – o nosso corrupto e antidemocrático sistema político-partidário, o clientelismo e a privatização do bem público que estão encrustados no Estado brasileiro, todas questões no caminho da democratização – e buscar bodes expiatórios no complexo mundo das ONGs brasileiras é tarefa fácil, mas claramente antidemocrática. Considerar todas as ONGs, em sua diversidade e relevante papel cidadão, como sendo criminosas é má-fé e ataque à própria democracia. Aliás, surpreende que no mesmo


* Cândido Grzybowski, sociólogo, é diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Corinthians também é campeão

texto CDN Comunicação Corporativa

clima de criminalização generalizada agora se tenta desqualificar o próprio movimento sindical, um outro pilar da sociedade civil, um dos principais artífices da cidadania entre nós. Estamos diante de um perigoso e irresponsável ataque a toda a sociedade civil, locus em que se gestam e crescem as democracias. Inspiro-me num dos maiores teóricos da transformação democrática dos sistemas políticos do século XX, Antônio Gramsci, para lembrar aqui a centralidade das sociedades civis nas democracias. Para Gramsci, as sociedades civis são o próprio berço das democracias. É nelas que se gestam as resistências ao poder e às políticas que dele emanam, se produzem as alternativas e surgem os movimentos transformadores, primeiro como trincheiras diante do poder e depois como ação pública, na praça, que varre institucionalidades e produz um novo Estado de Direito. Foi assim entre nós. Está sendo assim, hoje, no Mundo Árabe. Sorrateiramente, começa a ser na autoritária China. Nas sociedades civis se forma a própria cidadania, não a delegada pelo Estado, mas a cidadania ativa constituinte e instituinte, que forja os sujeitos coletivos ao mesmo tempo que elabora a cultura democrática dos direitos de cidadania, define a institucionalidade, cria e investe de legitimidade os representantes detentores do poder político. O ataque genérico que nos atinge, hoje, no Brasil, o vejo como uma tentativa de deslegitimar conquistas fundamentais da democracia que temos. Pior, se quer impedir que surja mais uma nova e poderosa onda transformadora – como as novas resistências e agendas que começam a pipocar pelo Brasil afora –, cujo impulso só pode vir donde os poderosos não querem, temendo por seus privilégios confundidos com direitos: a multifacetada e sempre surpreendente sociedade civil brasileira. O momento é difícil para a sociedade civil. Parece que após estas décadas de democratização, chegamos a um ponto em que seríamos até dispensáveis, especialmente as ONGs, a acreditar no discurso conservador que domina nossa mídia e contamina o sistema político todo. Enganam-se os que pensam que este clima de denúncias vai intimidar as entidades e movimentos. Vamos usar a adversidade como oportunidade para nos refundar e radicalizar nosso papel como fermento democrático transformador, que faz da cidadania, de todos os direitos, dos bens comuns e da sustentabilidade da vida como as bases do viver coletivo para todas e todos.

Jonathan Nóbrega

educação ambiental 2

ambienTal Pentacampeonato no Brasileirão garante ao time alvinegro o plantio extra de três mil árvores pelo projeto Jogando pelo Meio Ambiente

O Sport Club Corinthians Paulista conquistou dois títulos em dezembro. Levantou pela quinta vez a taça do Campeonato Brasileiro e também o troféu de Campeão do Meio Ambiente. O time alvinegro participa do projeto Jogando pelo Meio Ambiente e, com a conquista do Brasileirão, garantiu um plantio extra de três mil árvores. O Corinthians é um dos clubes participantes do projeto de educação socioambiental idealizado pelo Banco Cruzeiro do Sul, do qual também participa a Sociedade Esportiva Palmeiras. A ação “Campeão do Meio Ambiente” é uma das novidades do projeto, que nasceu em 2010 com o clube do Parque São Jorge e ganhou a adesão do time alviverde em 2011. Corinthians e Palmeiras garantiram o plantio de 41 mil árvores em 2011, uma marca histórica. A mecânica do projeto é simples: a cada partida de um dos dois clubes, cem mudas são plantadas. Os artilheiros também têm papel fundamental no projeto, já que cada gol equivale a mais cem árvores. Jogo sem sofrer gols também vale cem árvores e pênalti defendido, duzentas. O plantio extra acontece em homenagem ao campeão brasileiro. O Palmeiras se manteve na frente da disputa pelo plantio em boa parte do ano, mas o título brasileiro também marcou a virada corintiana no placar das árvores. A contagem final do plantio registra 19,3 mil árvores para o Palmeiras e 21,7 mil para o Corinthians. Ao todo, serão plantadas quase 80% mais árvores que em 2010, que no total registrou o plantio de 23 mil mudas apenas com a participação do Corinthians. O Jogando pelo Meio Ambiente tem como objetivo promover a responsabilidade socioambiental por meio do futebol. Lançado em 2010 pelo Banco Cruzeiro do Sul, tem como parceiros o Sport Club Corinthians Paulista, a Sociedade Esportiva Palmeiras, a agência Nova Estratégia e o Instituto Ecoar. O Instituto Ecoar é responsável pelo plantio e pela manutenção das árvores. Todos os resultados e novidades do projeto podem ser visualizados no site www.jogandopelomeioambiente.com.br, pelo twitter @ jogandoPMA e pela Fan Page no Facebook (www.facebook.com/paginajpma), onde os torcedores encontram um espaço de interação do projeto com os jogadores. Conheça mais do projeto em www.jogandopelomeioambiente.com.br

revista do meio ambiente dez 2011


2014

O ex-presidente Lula durante cerimônia de lançamento da Campanha Internacional Turística para o Brasil 2014

verde

Marcello Casal Jr/ABr

texto Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira*

30 artigo

Um evento como a Copa do Mundo provoca inúmeros impactos ambientais que deveriam estar entre as nossas maiores preocupações para 2014. Certamente teremos um aumento do tráfego de veículos nas cidades, maior suprimento de energia e água para os estádios e centros de imprensa, aumento da quantidade de lixo e da emissão de gás carbônico na atmosfera. Em transporte temos de diminuir o número de veículos que circulam diariamente e substituí-los por ônibus, metrôs e trens. Aqui temos o primeiro grande gargalo em nossa infraestrutura, já que o tempo e os recursos de que dispomos são ínfimos e estão dirigidos para a construção dos estádios. Apesar de as discussões acerca do tema estarem entre as prioridades das cidades-sede, percebemos que somente algumas terão alguma melhora no sistema e, ainda assim, limitadas ao extremo e, por consequência, impedidas de atingir plenamente seus objetivos. Como transportar os milhares de jornalistas e turistas que aqui estarão para acompanhar o Mundial é uma equação sem solução até este momento, mesmo em cidades que possuem mais linhas de metrô e trens como São Paulo e Rio de Janeiro. Essas se encontram no limite de sua capacidade e muito pouco se poderá fazer até 2014. Sobram ônibus cujos corredores e capacidade estão aquém das necessidades para eventos desse porte, além de serem antigos e poluentes. Isso sem contar com a frota extremamente inchada de veículos de passeio, que inviabiliza facilidades de locomoção dos coletivos. Até com minivans e táxis teremos problemas, pois os temos em número insuficiente para a demanda. Um verdadeiro colapso é o que se apresenta e, pior, ao contrário do que se espera, com aumento de emissão de gases de efeito estufa (será que pelo menos trocarão os filtros dos ônibus?). O abastecimento de água e de energia nos estádios e centros de imprensa tem sido motivo de poucas discussões, como se fosse tema secundário. Pelo contrário, é fundamental para se evitarem desperdícios e emissão de gás e fuligem no caso de utilização de diesel para viabilizar a transmissão do evento. Como quase todos os estádios começaram suas obras, nada mais poderemos fazer além daquilo que foi planejado. Alguns terão plataformas de captação de calor para a geração de energia, mas me parece que não houve preocupação (nem no Nordeste) com a captação de água. Para consumo humano e cuidados com os gramados do campo e com o entorno (caso exista algum estádio sem excesso de concreto). Para esse fim, a captação da água da chuva seria bastante interessante e correta, particularmente onde não houver lençol freático. Lixo! Será que algum dos que possuem poder de decisão para o mundial pensou em como tratar e manipular o lixo produzido? Acredito que não. Esse tipo de material, na cabeça dos que se preocupam com futebol, é ape-

dez 2011 revista do meio ambiente

Apesar de as discussões acerca do tema estarem entre as prioridades das cidades-sede, percebemos que somente algumas terão alguma melhora no sistema e, ainda assim, limitadas ao extremo e, por consequência, impedidas de atingir plenamente seus objetivos

nas um detalhe insignificante, com o qual não caberia a eles se preocuparem, e sim o poder público. Assim como todos os quesitos acima. Isto é, faço um evento gigantesco e nunca terei de ficar absorvido com as suas consequências. Por exemplo, será que eles já se preocuparam com detalhes da construção do centro de imprensa, com o tipo de material que será utilizado e para onde tudo aquilo vai após a sua utilização? Inclusive os cabos? Quilômetros devem ser usados e, certamente, para algum lugar irão. Serão reutilizados? Onde? Espero que não mofem em algum lugar, como os aparelhos de ar-condicionado do Pan-Americano do Rio, em 2007, que foram comprados em excesso e abandonados em qualquer lugar, até não servirem para mais nada. Essas acima são algumas questões que por certo estão longe da lista de prioridades do tal comitê organizador, que de tão organizado teve de mudar (?) seu comando nos últimos dias. Imaginei que ele deveria ser dirigido por gente do Estado brasileiro, que coordenasse as inúmeras funções exercidas por diferentes fontes para endereçá-las ao mesmo ponto comum às vésperas do campeonato de futebol. Mas não: seu organograma passa ao largo do poder público e trata tudo como propriedade privada, sem compromisso algum com o povo brasileiro, que, no fim, é quem está bancando a farra toda. Farra essa que pode jogar por terra todas as conquistas da última década, por absoluto distanciamento dos interesses nacionais. Uma inconsequência sem limites das instituições que delas deveriam cuidar. *Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira foi comentarista esportivo, ex-jogador de futebol do Corinthians, entre outros clubes, e da seleção brasileira Fonte: publicado originalmente no site da Carta Capital


terceiro setor


texto Paulo Paiva

32 comunicação ambiental

Quando a informação ambiental é

insuficiente Licenciamento bem amarrado e fiscalização bem feita é possível?

Quando nos reunimos com as autoridades e os empreendedores, ouvimos reiteradamente os conceitos de transparência de informações, monitoramento conjunto e participação ampla. Mas na hora da instalação de um empreendimento, não é fácil para a sociedade civil, mesmo organizada, acompanhar a execução da obra. As informações sobre as intervenções que modificam o meio ambiente no nível local, não fluem adequadamente. Sem esta facilitação do acesso a informação ambiental, fica complicado, até mesmo para os especialistas mais dedicados, e, sobretudo, para os atingidos, compreenderem a natureza das próprias intervenções em campo, bem como, os seus danos potenciais, critérios de mitigação ou formas de compensação adotadas. Para que o licenciamento ambiental seja bem amarrado, e a fiscalização bem feita, é fundamental que governo, empresas e sociedade civil organizada consigam estabelecer canais de comunicação, onde a informação possa fluir, como diz Vilmar Berna, com a menor dificuldade possível. Esse processo de comunicação não implica em promover uma verdade soberana, nem em canalisar as informações por um único meio. É preciso enxergar todos os atores, amplificar a voz as minorias, e reunir toda representatividade social, para que possa se estabelecer um diálogo real sobre o desenvolimento. A imprensa livre tem um papel de destaque nesse fluxo de informações, e não apenas a grande imprensa. Atualmente, quem tem cumprido melhor esse papel de buscar a democratização da informação ambiental tem sido as redes de comunicação independentes, as mídias alternativas e o “grito” dos movimentos sociais. A sociedade brasileira, com toda a sua pluralidade sociocultural, quer participar do processo de desenvolvimento em igualdade de condições. Não importa mais a classe econômica, o nível de instrução; seja um rico empresário ou um humilde jangadeiro, todos preciam do espaço para se expressar em igualdade de condições, como prega a democracia. dez 2011 revista do meio ambiente

Precisamos encontrar esse caminho, pois, como está, não vai poder ficar. Existe uma burocracia compartimentada no licenciamento ambiental, resultando em uma confusão de competencias, atribuições e responsabilidades, que não resultam em qualidade. Nem mesmo os deputados e senadores conseguem obter com facilidade, as respostas que a sociedade necessita sobre os diversos problemas ambientais que o país está enfrentando. Novos mecanismos de comunicação, auditoria e fiscalização precisam ser criados para que o Ministério Público, ONG’s e Prefeituras possam colaborar com o desenvolvimento de menor impacto. Precisamos também, mudar a lei para que os estudos de impactos ambientais sejam realizados de forma independente, ou compartilhados entre várias instituições, e não mais contratados pelos empreendedores. Inspecções de engenharia no rio Almada (Vila Juerana), após a conclusão dos estudos de impacto ambiental do Porto Sul, e alguns dias depois da audiência pública. Mesmo quem mora ao lado, não sabe dizer o que eles estão fazendo, nem porque, nem pra que, nem muito menos, se estão autorizados. Não é fácil para o cidadão brasileiro acompanhar obra alguma, ainda mais diante das urgências que chamamos de “aceleração do crescimento”. Não estamos acostumados com essa prática política, nem o governo, nem os empreendedores e nem as comunidades, e no final, não organizamos os canais, nem a infra-estrutura necessária para que a sociedade organizada possa participar, monitorar e fiscalizar as licenças ambientais. A disponibilização das informações da licença ambiental pelo Ibama na internet é um passo importante, mas não é suficiente, porque não possui o detalhamento da obra para que os atingidos possam ser compreendê-la na ponta, no campo municipal, no microespaço individual onde tudo isto se realiza. É obrigação constitucional do governo, e dos empreendedores, oferecer o livre acesso às informações ambientais. De certo, o governo está testando e sendo testado, num novo tempo onde a sociedade demonstra, claramente, que não quer mais aceitar os programas do governo, sem que possa refletir, participar, e também, decidir. O governo continua distante do povo, e as empresas seguem esse caminho. Ao que parece, errando na sua metodologia, quando só consegue perceber a engenharia desenvolvimentista, desprezando os acontecimentos que são afins às estratégias da comunicação social, da sociologia, da antropologia, enfim, das práticas científicas que acompanham a pessoa humana, tantas vezes, ocultas e oprimidas diante das transformações ambientais em nome do “progresso”. Todos precisam ser atores reais e presentes, materializados e reconhecidos, participantes e ativos na construção de um modelo de desenvolvimento responsável, sustentável e justo, que proteja ao máximo a riqueza natural e cultural do Brasil. Ao contrário da comunicação ambiental, o investimento em publicidade e marketing são constantes nesses projetos. Em Ilhéus e região, Outdoors estampam a Ferrovia Oeste-Leste e o Porto Sul, antes de se ter a licença dos empreendimentos aprovadas, o que é, no mínimo, pouco ético e politicamente incorreto, além de socialmente deseducativo. Fonte: http://acordameupovo.blogspot.com


iv cbJa:

jornalista socioambiental na busca da liberdade Três dias ou melhor, cerca de 26 horas de programação, entre palestras e oficinas, e uma conclusão: nós, que assumimos o papel de jornalistas socioambientais, sucumbiremos se ficarmos restritos aos ‘aquários’, a tarjas institucionais e às pautas métricas, envernizadas e cartoriais, que nos engessam e anulam

O Iº Encontro Nacional da REBIA aconteceu durante o IV CBJA, com os moderadores e representante da REBIA de diferentes localidades do país, que narraram suas experiências, numa atmosfera de simplicidade de compartilhamento. “Ao ouvir histórias de vida e de militância tão interessantes, fiquei motivada a não desistir de correr atrás de meus ideais, independente das dificuldades que fazem parte dessa jornada.” (Sucena Shkrada)

Precisamos de liberdade, é algo vital para nosso exercício. A reflexão pode parecer radical e até óbvia para algumas pessoas, mas foi o que realmente extrai, ao término do IV Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, realizado entre os dias 17 e 19 de novembro, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). O evento foi organizado pelo Instituto Envolverde e pela Rede Brasileira de Informação Ambiental (Rebia), com apoio da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA). No fim de tarde do sábado, posso dizer que um certo incômodo tomou conta de mim, me alertando para sair de possíveis inércias e períodos lacônicos e de equivocados pedestais, armadilhas comuns em nossa área (vaidades e orgulhos). Eu me dei conta que não há nada de errado em ser frágil, pois ao mesmo tempo, sou forte ao defender meus ideais de um jornalismo ético e multidisciplinar, em meio à exigência de sobrevivência em um mercado controverso e até perverso, em certas ocasiões. Essa ‘tempestade de ideias’ não foi resultante só do que ouvi dos palestrantes, mas da troca de repertório com os colegas de Norte a Sul do país, que participaram do evento, o que foi enriquecedor. Durante o evento, triei algumas falas que me soaram positivas para esse exercício de reavaliação. No painel, que tratou da Rio+20, ouvi, por exemplo, do jornalista Vilmar Berna, a seguinte afirmação: “Não há imprensa neutra. Fala de parte da verdade. A questão é qual parte trataremos na Rio+20. O que vamos deixar nas sombras?”. A metáfora cabe bem em um tema no qual ainda pisamos em ovos e precisamos dedicar maior atenção ao contexto histórico e socioeconômico e não sermos enredados em possíveis retóricas. Com as mudanças de datas sofridas no evento oficial, que passou para o período de 20 a 22 de junho do ano que vem, uma informação me pareceu importante a ser aprofundada. Segundo Claudia Maciel, do Itamaraty, entre os dias 16 a 19, o Brasil realizará grandes eventos com a sociedade civil, no processo informal, que não cabe na grande conferência. Agora, é importante saber qual será a representatividade dessas atividades na qualidade de vida da sociedade, não é verdade?

texto Sucena Shkrada Resk

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No plano macro da Rio+20, tendo em vista que cerca de 80 países entregaram suas propostas de contribuições oficiais para a secretaria da Rio+20/ONU, mais uma pauta me pareceu interessante de ser aprofundada. O que converge e o que distoa nesses documentos? O que me chamou a atenção na fala do economista Ladislau Dowbor, professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), nas áreas de economia e administração (que recentemente concedeu entrevista para o blog), foi trazer sua experiência recente na China (maior emissor de Gases de Efeito Estufa do mundo) e, ao mesmo tempo, maior investidor em energias renováveis. “Lá, as motos elétricas estão nas ruas, no valor de 350. Por que aqui no Brasil não se adota esse modelo?”, lançou o questionamento aos presentes. Com a proposta de quebrar paradigmas, Luiz Pinguelli Rosa, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) afirmou: “Não há energia santa...Mesmo a eólica precisa de cimento, aço, cobre que necessitam de energia fóssil...”, durante sua palestra que tratou da Ciência e Inovação para uma sociedade Sustentável. Segundo Pinguelli, o Brasil não deveria investir na energia nuclear. “Fukushima foi uma lição... e termoelétrica é um absurdo. O governo deve incentivar energia distribuída, extraíla também do lixo. Ele também fez algumas ressalvas às hidrelétricas e mencionou que muitas pessoas do Movimento Atingidos por Barragens, populações indígenas não foram devidamente compensados e deveriam ser compensados por royalties…

Leia a íntegra: www.cidadaodomundo.blogse.com.br revista do meio ambiente dez 2011


Rio+20

texto Comissão Nacional da Rio+20

34 documento especial

Considerações sobre a

5 • Trabalho decente, empregos verdes e responsabilidade social das empresas A efetiva implantação do modelo de desenvolvimento sustentável pressupõe que a inserção produtiva no marco do trabalho decente seja considerada objetivo central das políticas sociais, econômicas e ambientais, de modo a assegurar que as mudanças conduzam à geração de empregos em toda a cadeia produtiva e, particularmente, em setores estratégicos e intensivos em mão-de-obra, como parte dos esforços pela erradicação da pobreza. Grandes oportunidades para a geração de empregos podem ser criadas pelo investimento em práticas sustentáveis de manejo da terra e da água, agricultura familiar, agricultura de base ecológica, sistemas orgânicos de produção, manejo florestal sustentável, uso racional da biodiversidade para fins econômicos e novos mercados ligados a fontes renováveis e não convencionais de energia. Os investimentos em novas atividades sustentáveis exigirão cursos de formação e qualificação profissional, por meio de planos setoriais que permitam aos trabalhadores o acesso a novos postos de trabalho formais e de melhor remuneração. É necessário que sejam asseguradas condições e relações de trabalho ao menos compatíveis com os patamares estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho, com vistas à sua superação, no marco da garantia de condições de trabalho decente. Num mundo em que as cadeias produtivas se alongam, é natural que a atenção das empresas seja ampliada à atuação de seus fornecedores. Entretanto, a responsabilidade das empresas sobre seus fornecedores não deve substituir a responsabilidade fiscalizadora do Estado nem deve ser usada para impor políticas e comportamentos aos fornecedores de outros países. O relacionamento das empresas com seus fornecedores, no contexto do exercício de sua responsabilidade social corporativa, deve ser pautado pelo conceito de empresas sustentáveis e trabalho decente, com respeito às condições e prioridades locais. 6 • Educação O acesso de todos a uma educação de qualidade é condição essencial para o desenvolvimento sustentável. A educação constitui um dos principais vetores de inclusão e ascensão social, principalmente quando é democrática e respeita a diversidade. Ao mesmo tempo em que se deve buscar a ampliação do acesso em todas as esferas, da pré-escola à pós-graduação, é necessária a promoção de práticas educacionais que dez 2011 revista do meio ambiente

Tim & Annette (sxc.hu)

Continuação da minuta da contribuição brasileira para o processo preparatório da Conferência Rio+20, que começou a ser publicada na edição 42. O documento reflete os comentários apresentados na III Reunião da Comissão Nacional da Rio+20

A educação constitui um dos principais vetores de inclusão e ascensão social, principalmente quando é democrática e respeita a diversidade contribuam para a mudança dos padrões de interação com o meio ambiente. Programas transversais de educação ambiental devem ser estimulados e a formação profissional precisa estar voltada para a inovação e a implementação de padrões de produção e consumo sustentáveis, valorizando as necessidades e o conhecimento local. Uma estratégia de democratização do ensino e do acesso ao conhecimento não pode estar dissociada de um amplo processo de inclusão digital e de incorporação das novas tecnologias de comunicação ao ensino. É necessário trabalhar para diminuir a desigualdade no acesso existente entre países e entre indivíduos. Os espaços educadores sustentáveis devem avançar estratégias para o desenvolvimento da cultura da sustentabilidade. Tais espaços são construídos a partir da adequação dos espaços físicos a padrões sustentáveis, da adoção de processos de gestão participativos e da inclusão dos temas do desenvolvimento sustentável nas propostas político-pedagógicas.


35 7 • Cultura A cultura é um diferencial na construção de uma resposta aos desafios da sustentabilidade nos âmbitos global, nacional e local. A contribuição da cultura é indispensável para o desenvolvimento sustentável, perpassando os pilares social, econômico e ambiental. É a dimensão onde são reconhecidos os significados e sentidos das ações que podem transformar sociedades. Nesse contexto, são fundamentais a consolidação a consolidação dos direitos culturais como parte dos direitos humanos, o acesso à cultura, a garantia da diversidade cultural e o reconhecimento dos saberes dos povos originários e tradicionais. Cabe ao Estado e à sociedade civil organizada desenvolver ações abrangentes e colaborativas que visem ao fortalecimento da dimensão cultural do desenvolvimento levando em consideração a construção de sociedades mais justas e conscientes. Para atingir esse objetivo é preciso combinar políticas de cultura, meio ambiente, educação, saúde, infraestrutura, planejamento territorial, entre outras. A Conferência Rio+20 deve levar em conta o potencial da cultura na geração de alternativas para superação do “consumismo” como hábito típico do modelo atual e apontar para mudança de paradigma. A sustentabilidade, na sociedade do conhecimento e da informação, precisa conjugar os modelos culturais da diversidade, das cadeias produtivas e das soluções inovadoras propostas pela economia criativa. O desenvolvimento sustentável deve consolidar uma cidadania cultural que garanta a todos o direito de participar desse processo de transformação. 8 • Gênero e empoderamento das mulheres Relatório da ONU demonstra que a persistência das desigualdades entre gêneros é o maior entrave ao desenvolvimento humano nos países. Essa desigualdade, segundo a ONU, chega a provocar perdas de até 85% no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e apresenta diferenças entre o meio rural e urbano. As mulheres desempenham, entretanto, papel central para o êxito das políticas de desenvolvimento sustentável, especialmente na promoção de padrões de produção e consumo sustentáveis. Responsáveis pela maior parte das decisões de compra e investimento das famílias, as mulheres devem ser o foco prioritário de políticas de educação e conscientização para o desenvolvimento sustentável. A perspectiva de gênero e as medidas para a promoção da participação da mulher em posições de poder devem ser consideradas

de forma transversal no desenvolvimento sustentável, perpassando o conjunto das políticas públicas nacionais e iniciativas internacionais. A importância do recorte do gênero para o desenvolvimento sustentável deve ser reconhecida tanto nos espaços urbanos quanto nos rurais, bem como na administração pública e nas atividades produtivas. 9 • Promoção da Igualdade Racial Qualquer forma de racismo é incompatível com o desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento sustentável pressupõe inclusão social e econômica, equilíbrio ambiental e uso responsável da tecnologia, bem como diversidade cultural e regional, processos decisórios participativos e não-discriminatórios. A ideologia do racismo tem sido historicamente peça fundamental na estruturação de sistemas de produção baseados não só em relações injustas de trabalho, mas também na destruição do meio ambiente. Atividades produtivas relevantes para o desenvolvimento econômico nos últimos séculos basearam-se na exploração de mão-de-obra escrava e numa perspectiva predatória em relação aos recursos naturais. A realidade econômica e social de muitas sociedades continua altamente influenciada por esses padrões históricos. Em muitos países, os grupos sociais com os índices mais elevados de pobreza e com os piores indicadores socioeconômicos e de acesso a bens e serviços são os povos associados a esse histórico de exploração, como afrodescendentes, indígenas e migrantes. Em um círculo vicioso, as manifestações de racismo, discriminação racial, xenofobia e todas as formas de intolerância são agravadas por essas condições de pobreza e carência que se perpetuam em determinados grupos sociais. Do ponto de vista ambiental, esses grupos sociais estão muitas vezes relegados a viver em condições inadequadas de moradia, saneamento, acesso à água e tratamento de lixo. Uma parcela dos referidos grupos sociais vive em comunidades tradicionais. O racismo também produz efeitos contra essas comunidades, desqualificando e desautorizando seus modos de vida e suas perspectivas próprias sobre o desenvolvimento. É fundamental não só primar pelo direito dessas comunidades de preservarem e promoveram seus saberes e suas formas de organização coletiva, mas também se faz necessário reconhecer a importância que as comunidades tradicionais conferem à preservação do meio ambiente. 10. Reforço do multilateralismo com participação da sociedade civil A participação da sociedade civil é fundamental para reforço e renovação do multilateralismo. Presente de forma ativa em grande parte dos foros multilaterais, a sociedade civil tem atuado de forma decisiva na determinação de debates na agenda internacional, bem como na reflexão e na deliberação em processos internacionais. O papel da sociedade civil no multilateralismo é de especial relevância nos foros dedicados ao desenvolvimento sustentável, tendo sido fundamental para a própria consolidação desse conceito durante e depois da Rio-92. Desde então, a sociedade civil vem atuando de forma cada vez mais determinante nos foros multilaterais, enriquecendo debates, assumindo papel central na mobilização social em torno de questões prementes e auxiliando na implementação de compromissos e decisões acordadas. A enorme capacidade de ação e reflexão da sociedade civil ainda pode ser mais bem integrada aos trabalhos dos diversos organismos multilaterais, os quais devem buscar formas para promover níveis de participação ainda maiores. Nos foros voltados ao desenvolvimento sustentável, o debate é ainda mais relevante e deve estar no centro das discussões em torno da estrutura institucional durante a Conferência Rio+20. Acompanhe nas próximas edições o restante do conteúdo desta minuta. revista do meio ambiente dez 2011


36 eventos ambientais

Pesquisa de O levantamento foi realizado para se ter uma mostra de como atuam os jornalistas que se dedicam área. As informações foram obtidas através de questionários enviados no final de outubro e respondidos até a primeira quinzena de novembro de 2011. Dos 31 jornalistas convidados a participar, 18 enviaram as repostas, dos quais três pediram para não ser identificados. Os profissionais foram escolhidos pela experiência na área e também se procurou contar com a participação de representantes de todas as regiões do País. Os dados são analisados abaixo, a partir dos comentários dos entrevistados, com trechos de depoimentos editados. O que você entende ser jornalismo socioambiental? Para você, existe diferença entre ambiental e socioambiental? Qual? Os entrevistados responderam distintas visões sobre o tema. A seguir, as opiniões divididas. Há diferença O jornalismo socioambiental é mais completo que o ambiental, ao desenvolver assuntos absolutamente correlatos e inseparáveis, que são as temáticas social e ambiental. O jornalismo que tem o viés da sustentabilidade é, por sua vez, mais completo que o socioambiental, pois coloca na equação socioambiental o lado econômico, político e cultural, fundamentais para se encontrar qualquer saída. Jornalismo socioambiental é uma especialidade do jornalismo, que visa levar ao público notícias, informações e conceitos relevantes para a conciliação das necessidades e atividades humanas com a preservação e a conservação ambiental. No meu entender, existe diferença. As pautas do jornalismo socioambiental focam prioritariamente mudanças de atitude e de hábitos de consumo, visando à redução dos impactos humanos sobre os recursos naturais, os ecossistemas e a biodiversidade; alternativas de trabalho, manejo, produção e/ou sobrevivência de baixo impacto ambiental e com respeito ao ser humano (não degradantes, com justiça social); gestão territorial; comércio justo e ambientalmente correto, entre outras. As pautas do jornalismo ambiental incluem todas as anteriores e também aquelas que focam prioritariamente ou exclusivamente a ecologia e o estado de conservação das espécies; a evolução dos ecossistemas e das espécies; os efeitos ambientais das mudanças climáticas; dez 2011 revista do meio ambiente

opinião O que pensam os jornalistas da área ambiental sobre a atuação profissional, mercado, fontes, satisfação etc.

relações e interações biológicas, e assim por diante. Do mesmo modo, o jornalismo social é ainda outra especialização, pois inclui todas as questões do jornalismo socioambiental mais as questões sociais não relacionadas ao meio ambiente ou à biodiversidade. Entendo que é a cobertura de uma agenda ambiental que também inclua as questões sociais e indígenas. Vejo o jornalismo socioambiental como um ramo de especialização do Jornalismo dedicado à cobertura das questões socioambientais em seus diversos aspectos, especialmente para mostrar os fatos geradores da crise socioambiental para que as pessoas se sensibilizem e tomem consciência e possam atuar sobre as causas e não apenas sobre os efeitos. A diferença entre jornalismo ambiental e socioambiental é mais que apenas semântica. Na verdade oculta duas visões diferentes de mundo, uma como se o meio ambiente fosse fora de nós, como se nossa espécie pudesse usufruir dele como bem entendesse sem sofrer as consequências e outra visão, socioambiental, que considera o ser humano como parte integrante do meio ambiente. Ainda assim é um conceito limitante, pois deixa de fora outras dimensões socioambientais como a cultural, a espiritual, a ética, a econômica, entretanto, não há como ser diferente, pois embora possamos ter a percepção holística da realidade, nossa análise tende a ser cartesiana. Informar é escolher que parte da verdade iremos iluminar com nossas escolhas e que parte deixaremos nas sombras. Acredito que o viés ambiental ou socioambiental deva estar presente em todas as pautas. No entanto, ao menos por enquanto, é muito necessário que haja um esforço para ampliar a cobertura ambiental e social. Jornalismo ambiental para mim é quando a gente não apenas cobre temas vinculados ao meio ambiente, mas quando se dá a todas as pautas um tratamento transversal. O jornalismo socioambiental é uma ampliação do escopo da pauta, incluindo também temas sociais não apenas como enfoque principal, mas também no tratamento transversal do tema. Cobertura jornalística sobre o conflito entre civilização humana e natureza. Fazemos parte da natureza, mas nossa intervenção tem causado um enorme impacto. É disso que trata o jornalismo ambiental. O socioambiental reforça que também fazemos parte da natureza e atenua uma visão mais radical, ainda presente em algumas entidades conservacionistas, de que a natureza deve ser preservada independente dos seres humanos. Também atenua uma visão, quase superada nos movimentos sociais, de que as questões ambientais são um luxo burguês. Esta visão ficou bem clara nos primeiros FSM realizados em Porto Alegre e agora, às vésperas da Rio + 20 e do Fórum Social Temático de janeiro próximo, parece estar superada. Oremos. É o jornalismo que em sua abordagem lida com os pilares da sustentabilidade, não apenas o ambiental, como também o econômico, o social e, diria também, o cultural. O “jornalismo socioambiental” é uma referência a um tipo de informação que vincula a estrutura social ao ecossistema no qual acontece. Se existe diferença entre “ambiental” e “ socioambiental”, ela se encontra nos focos de atenção da reportagem, matéria ou artigo. “Ambiental” seria tratar sobre o mundo no qual existem as florestas, as girafas ou as abelhas. “Socioambiental” seria o universo no qual o homem interage com as florestas, as girafas ou com as abelhas.


Platinum

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A formação do jornalista será incompleta, deficiente, se ele não tiver em sua construção profissional esclarecimentos sobre os impactos gerados ao meio ambiente”. (André Trigueiro) Não há diferença O jornalismo ambiental, antes de tudo é jornalismo. O que isso quer dizer? Que a sua prática precede de conhecimentos práticos de comunicação social e que a sua prática perpassa por um processo de captação, produção, edição e circulação de informações e conhecimentos. A sua diferença emerge a partir do momento que esses conteúdos estão comprometidos com a temática ambiental sendo destinados a um público leigo, não especializado. Segundo Wilson Bueno, o jornalismo ambiental desempenha inúmeras funções, sendo possível destacar três mais importantes: a) função informativa, b) função pedagógica, c) a função política. A primeira diz respeito aos principais temas que abrangem a questão ambiental, considerando o impacto que determinadas posturas, processos e modelos tem sobre o meio ambiente, consequentemente, sobre a qualidade de vida. A segunda função diz respeito à explicitação das causas e soluções para os pr oblemas ambientais e à indicação de caminhos para a superação dos problemas em questão. Já a terceira função, a política, tem a ver com a mobilização dos cidadãos para fazer frente aos interesses que condicionam o agravamento da questão ambiental. Portanto, podemos dizer que o jornalismo ambiental é um pouco do que diz o Adalberto Marcondes. “Que seja um jornalismo pela sustentabilidade”. E, no que o André Trigueiro reforça ao dizer: “A formação do jornalista será incompleta, deficiente, se ele não tiver em sua construção profissional esclarecimentos sobre os impactos gerados ao meio ambiente”.

É o jornalismo que se ocupa de cobrir e contextualizar informações referentes às questões sociais, ambientais e econômicas. Acredito que não há mais diferenças entre jornalismo ambiental ou socioambiental, porque é impossível abordar o tema ambiental sem tratar também de suas correlações sociais e econômicas. Não vejo diferença entre ambiental e socioambiental. Também não vejo grande relevância hoje em ter essa identidade, de jornalista ambiental. No meu caso, não trabalho para corporações poluidoras ou que cometam algum tipo de violência contra populações tradicionais, por exemplo. Não existe diferença; socioambiental inclui sociedades, mas deveria estar em ambiente como um todo. Prefiro usar jornalismo ambiental, e pensar que estou incluindo tudo. Essa é questão retórica, de um formalismo que mais prejudica do que ajuda a cobertura jornalística. Não me preocupo com a qualificação da abordagem que faço. O que faço é ir atrás de informações relevantes. Jornalismo feito por profissional dedicado a essa “editoria” específica, assim como há (cada vez menos, infelizmente) o jornalismo feito por profissional dedicado à Política, Economia e assim por diante. E quando falo com dedicação profissional, tento explicitar que se trata de alguém que busca formação e atualização constante, que procura mergulhar nos meandros e especificidades de cada área, entendendo as complexidades políticas (conjunturais e estruturais) e, assim, realizando a necessária e indispensável tarefa de bem informar a maior quantidade possível de pessoas. Não vejo distinção entre ambiental e socioambiental – Jornalismo com “J” maiúsculo aborda o máximo de ângulos possíveis em cada empreitada. É um jornalismo que busca trabalhar com as informações de maneira bastante holística e aprofundada. Creio que no passado, os ambientalistas tinham essa visão separando os dois temas. Hoje não acredito mais que isso seja possível. Trabalhar com a conceituação socioambiental é uma garantia do entendimento e do comprometimento da sociedade com o tema. Jornalismo ambiental é aquele, além de ter as características comuns ao jornalismo, tais como atualidade, objetividade e correção; e além de obedecer às boas práticas do jornalismo, tais como pesquisar o tema e ouvir múltiplas fontes; é marcado pelo olhar sistêmico sobre a pauta. O jornalismo ambiental não deixa de ser jornalismo em sua essência, mas adiciona ao jornalismo a capacidade de olhar para os temas abordados um olhar que permite perceber a complexidade do próprio tema. Para mim não existe diferença entre jornalismo ambiental e socioambiental, assim como não existe ambiente sem sociedade. Não faço essa distinção, pois acredito que o ser humano, assim como a sociedade da qual faz parte, está fortemente ligado e em interação no meio em que vive, daí as consequências das suas atitudes recaírem sobre todos, inclusive sobre eles mesmos. Eu não posso dizer que uma empresa é ambientalmente correta se não trata seus funcionários com dignidade e respeito. Penso que as questões ambientais estão intrinsecamente ligadas ao social e ao econômico. Aos grupos sociais e a relação com o seu meio. Ecologia, Antropologia, Sociologia. A informação como instrumento de Educação. Não há diferença, uma vez que o ambiental contempla necessariamente a dimensão social na minha concepção de mundo. O meio ambiente inclui o elemento humano, não há separação entre os humanos e a biota. Muitas vezes utilizamos o termo “socioambiental” para enfatizar questões sociais, que costumam ficar de fora do discurso e das ações de alguns movimentos ambientalistas de classe média urbana. A pesquisa pode ser lida na íntegra em http://terragaia.wordpress.com/2011/11/30/ pesquisa-o-que-pensam-os-jornalistas-da-area-ambiental-sobre-a-atuacaoprofissional-mercado-fontes-satisfacao-etc/ revista do meio ambiente dez 2011


texto Lúcia Chayb*

38 eventos ambientais

Um mundo integrado e uma

água Única

O que é o Instituto Ambiental Águas do Brasil? Clodionor: O Instituto Ambiental Águas do Brasil (IHAB), é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) com seis anos de existência formal, fruto de movimento socioambiental, “Amigo das Águas – Água Subterrânea... Eu me Preocupo!” iniciado há mais de dez anos pelo movimento “Idealistas Pragmáticos”. Este movimento foi gerado por geólogos comprometidos com os recursos hídricos subterrâneos. A evolução do movimento se deu graças à integração de outros profissionais das ciências ambientais e por pessoas interessadas procedentes de outras áreas que facilitou a interação com a sociedade. Esta expansão ampliou a visão do movimento para um conceito definido no slogan “um mundo integrado e uma água única”. Dessa forma, no ano 2001, nasceu o IHAB. Consideramos-nos idealistas, por acreditar e agir visando um mundo melhor; e pragmáticos, por buscar e fomentar permanentemente a implementação de ações efetivas que envolvam as três dimensões - ambiental, social e econômica - preconizadas pelo desenvolvimento sustentável. Qual o diferencial das propostas do IHAB? As nossas iniciativas são pautadas,como já disse, pelo idealismo e pelo pragmatismo. Sob a perspectiva idealista, trabalhamos pela preservação, conservação e recuperação do meio ambiente como um todo, água, ar, terra, flora, fauna... Sob a perspectiva pragmática, trabalhamos para incorporar, evidenciar, realçar a responsabilidade ambiental como fator de geração de benefícios econômicos e sociais junto à iniciativa privada, ao Governo em todas as suas instâncias e à sociedade em geral. Acreditamos na possibilidade de um desenvolvimento econômico com respeito e responsabilidade ambiental. Uma OSCIP busca benefícios econômicos? É a postura pragmática do IHAB. Não nos prendemos a radicalismos de nenhuma espécie. Entendemos que, enquanto seres humanos, construímos ao longo de nossa história modelos comportamentais, de valores, nos quais a dimensão econômica sempre teve, e, pragmaticamente falando, continua tendo, a importância máxima, o foco central. É fundamental que tenhamos a compreensão que sem “recursos econômicos” não é possível promover ações de responsabilidade ambiental em todas as suas instâncias; por isso, também consideramos a educação ambiental como um passo fundamental para a sensibilização, conscientização e efetivação de ações, o uso adequado dos recursos naturais, produção, comercialização e disponibilização de bens e serviços de forma ambientalmente responsável. O que o IHAB entende como sua missão? Estimular, promover e divulgar o conhecimento técnico – científico sobre água e meio ambiente e conscientizar a sociedade da importância de proteger e usar racionalmente os elementos da natureza, visando a melhoria da qualidade de vida. Para isso, congregamos técnicos, entidades afins e interessados no conhecimento, captação, armazenamento, tratamento, distribuição, uso e proteção da água, bem como suas correlações com o meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida. Quais são as principais ações já promovidas pelo IHAB e quais são os seus resultados práticos? dez 2011 revista do meio ambiente

Entrevista com Clodionor Carvalho de Araújo, Presidente do IHAB

Frame do vídeo “Clodionor parte 1”, da FGF TV, disponível no Youtube

Entre outras realizações do IHAB podemos citar os projetos: • As Águas Subterrâneas do Estado do Ceará, Nordeste do Brasil; trabalho produzido com base nos conhecimentos existentes sobre as ocorrências de águas subterrâneas no Estado do Ceará, sede do Instituto, que se encontra quase que totalmente inserido no Semi-árido brasileiro, sofrendo ciclicamente os efeitos do fenômeno seca, comum a esta região. Espera-se que essa informação venha ajudar técnicos, gestores e usuários na busca da contribuição das águas subterrâneas para a gestão integrada dos recursos hídricos do Ceará realizado para a SRH/MMA. • O projeto Manejo Sustentável da Vegetação de Mata Atlântica sob Linhas de Transmissão de Energia Elétrica. A Etapa 1, Descrição da Carta Geoambiental e de Permeabilidade do Solo da Área de Proteção Ambiental da Serra de Baturité no Estado do Ceará, trata da cartografia geoambiental da Área de Proteção Ambiental do Maciço de Baturité, enfatizando-se os aspectos geotécnicos, notadamente o atributo permeabilidade do solo. Os produtos gráficos foram gerados a partir do Sistema de Informações Georreferenciadas (SIG), com a utilização do programa SPRING 5.0 do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE realizado através de convênio com a Coelce, Frutal, UFC e Semace. • O projeto Ceias – Central Eletrônica de Informações Ambientais e Sociais. Este é um espaço informatizado em rede, disponibilizado, sem ônus aos participantes do movimento “Amigo das Águas e do Meio Ambiente” do Pacto de Cooperação do Estado do Ceará e demais interessados na realização de pesquisas e trabalhos hidro-ambientais e sociais objetivando formar uma rede de multiplicadores de informações socioambientais.


39 • O projeto “O2 – Encontro Intercontinental sobre a Natureza” que já contabiliza duas edições (2003, 2005) e a terceira, a do ano 2007, em dezembro próximo. Trata-se de um encontro bienal realizado nos anos ímpares na cidade de Fortaleza. O O2 tem como objetivo congregar líderes políticos, ambientalistas, cientistas, pessoas físicas e jurídicas comprometidas com a proteção da natureza e a sobrevivência do planeta para discutir as questões do desenvolvimento sustentável em nível intercontinental, ressaltando as atuais condições, os estudos realizados e as ações a serem implementadas para o manejo geoecológico da natureza, além de mobilizar a população em geral para a conscientização do interesse pela proteção da água, do meio ambiente, do turismo ecológico, da eco-cultura e pela convivência harmoniosa das pessoas nos seus hábitats. O O2, já em sua segunda edição em 2005, firmou-se como um evento referencial e está despertando interesse de outros Estados na realização da versão do mesmo, face ao seu formato técnico-científico (cursos, conferências, mesas redondas, simpósios, tribuna livre, oficinas e exemplos de casos). Ele é complementado com uma Feira que coloca ênfase na ecocultura, no ecoturismo e no ecoesporte. No último evento tivemos um total de 5.640 de visitantes e 3.782 participantes diretos. É importante salientar que na edição de 2005, 70% dos participantes inscritos no O2 procediam de 20 estados brasileiros e países vizinhos. Qual a proposta do programa “Água Sadia” e o que significa “segurança hídrica”? Segurança hídrica significa a disponibilização regular de água em quantidade e qualidade apropriadas para consumo humano, animal e produtivo e gerenciamento do uso e reuso. O “Água Sadia” tem como foco o desenvolvimento de projetos visando captação, armazenamento, tratamento e disponibilização de água em comunidades urbanas e rurais atuando de forma complementar e integrada, aos esforços governamentais e das instituições e empresas responsáveis pela água, saneamento, saúde e meio ambiente. Nas comunidades urbanas, inicialmente, o programa centralizará as suas ações no desenvolvimento de projetos focando a racionalização do uso e do reuso da água em condomínios, proporcionando, além dos benefícios ambientais diretamente ligados ao uso/reuso da água, benefícios financeiros às comunidades envolvidas pela economia de custos com a água. No meio rural, o IHAB, com a parceria do Rotary Internacional e da Fundação Rotária (Distrito 4490 – Ceará, Piauí e Maranhão), está implementando o “Água Sadia – Programa Estratégico de Segurança Hí-

drica”, que visa dotar às comunidades rurais de pequenas obras hídricas, que permitam manter regularizada a oferta de água potável e a saúde da população, mesmo em períodos onde predominem situações climáticas adversas. Objetivando ampliar ao máximo o número de comunidades atendidas, o “Água Sadia” está aberto à colaboração de outras entidades governamentais, privadas e ONGs que tenham compromisso socioambiental. As ações do projeto “Água Sadia” serão implementadas integrando esforços dos setores governamental, produtivo e da sociedade civil e terão como componente fundamental ações de educação ambiental visando a mobilização, o envolvimento, a conscientização e a capacitação do público-alvo. Quais as iniciativas em andamento? O que estão planejando? As duas edições do evento O2 nos proporcionaram levantar inúmeras sugestões e demandas. Com a proposta de, até o ano 2011, o IHAB ser reconhecido pela sociedade como uma organização amiga das águas e protetora da natureza reorganizamos o IHAB e estamos planejando um conjunto de atividades integradas e complementares. O evento de 2007 será fundamental nesse sentido. Ele visa desenvolver ações voltadas à captação, armazenamento, tratamento, distribuição, uso e proteção da água. Com a nova realidade imposta pelas mudanças climáticas e pelo aquecimento global, nunca foi tão oportuno, como agora, tratar deste tema em profundidade. Em Setembro de 2006, o IHAB foi convidado a promover a primeira edição do O2 no continente europeu. De forma paralela à “Feira de Setembro de Moura” (Alentejo, Portugal), uma comissão do IHAB apresentou trabalhos relacionados à Segurança Hídrica, Energias Renováveis e Ocupação Territorial. A participação do IHAB ampliou o relacionamento com governos, instituições e empresas europeias e contribuiu para a ampliação do intercâmbio com aquele continente; como resultado disso, pelo menos 15 países estarão representados no O2 na edição de 2007. Outra iniciativa é o “Fórum Multissetorial de Responsabilidade Ambiental”. Esta iniciativa tem como objetivo conscientizar, capacitar e envolver lideranças empresariais, públicas e da sociedade civil. Estimular as questões relativas ao meio ambiente abrindo oportunidades de ações integradas visando o estabelecimento de diferenciais competitivos para o país, os estados, os municípios e a iniciativa privada; ações baseadas no conceito da responsabilidade socioambiental proporcionando, inquestionavelmente, benefícios para a sociedade em geral que se traduzirão em melhorias contínuas do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A Feira de Tecnologia e Produção Limpa (PROECO) surgiu impulsionada por demandas do mercado visando estimular, expor e disseminar trabalhos, produtos, serviços e tecnologias, com foco no gerenciamento integrado dos resíduos sólidos e de produção limpa. Atendendo a sugestões levantadas nos projetos e eventos realizados, o IHAB está implantando a Escola Cearense de Educação Ambiental (ECEA) cujo objetivo é o de promover atividades de informação, capacitação e conscientização relativas ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável, através da implementação de métodos voltados à produção limpa e de proteção e uso racional dos recursos naturais. A iniciativa nasceu bem-sucedida. O trabalho realizado pela ECEA na “Ação Resíduos Sólidos – Etapa de Mobilização e Envolvimento”, parte do Programa de Educação em Saúde e Mobilização Social no Município de Maracanaú (CE) realizado pela Secretaria de Infra-estrutura do Estado do Ceará (convênio firmado entre o Ministério da Saúde através da FUNASA e o Governo do Estado do Ceará) e na Comunidade Mutirão Vida Nova, foi reconhecido como uma “experiência bem-sucedida” e premiada na “III Mostra de Experiências Bem-Sucedidas” do “III Seminário Internacional de Engenharia de Saúde Pública” da Fundação Nacional de Saúde, realizado em Fortaleza, em Março de 2006. *Lúcia é diretora da ECO•21

revista do meio ambiente dez 2011


40 destaque

Gustavo Lima/Câmara dos Deputados

Câmara em foco

Dep. Felipe Bornier

ambiental Senado em pauta

Em audiência pública conjunta da CMA (Comissão do Meio Ambiente) e da CRA (Comissão de Agricultura e Reforma Agrária), o senador Acir Gurgacz (PDT-RO) afirmou que ficou satisfeito com o depoimento da Ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, e concordou com ela em não anistiar o desmatamento ilegal, mas é necessário atender a situação dos produtores da Amazônia. Gurgacz disse que o novo Código Florestal (PLC-30/11), aprovado na Câmara dos Deputados e em debate no Senado, deve garantir a produção de alimentos de forma sustentável, para que as futuras gerações não venham a ser prejudicadas.

Foi aprovada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável a PL5284/09, do deputado Felipe Bornier (PHS/ RJ), que proíbe a importação de pele de animal exótico, cão e gato, exceto para fins educacionais e científicos. O relator deputado Miguel Correa (PT/MG) colocou um aditivo, que diz, desde que a origem seja certificada, pois tanto no Brasil como no exterior há criadores certificados e controlados na indústria de couro moda. O projeto. que é polêmico entre os ambientalistas e religiosos, segue para a comissão de constituição e justiça e cidadania.

O deputado Giovani Cherini (PDT-RS), Presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, informou que o sucesso do I Encontro Brasileiro de Secretários de Meio Ambiente foi tão grande que já está marcado o II Encontro, para os dias 25 e 26 de janeiro de 2012, na cidade de Porto Alegre-RS. O evento ocorrerá junto com o Fórum de Desenvolvimento Social da ONU e terá a sua pauta voltada para a Conferência Rio+20, que ocorrerá em junho de 2012 no Rio de Janeiro. Cherini disse que o importante foi o compromisso dos secretários de meio ambiente estarem articulados politicamente para implantação de programas de preservação ambiental, direcionados pelo Governo Federal a serem estabelecidos e cumpridos, e cuja articulação política pela sustentabilidade é o foco. A Carta de Brasília entregue ao Presidente do Senado Federal José Sarney-(PMDB-AP), ao Presidente da Câmara dos Deputados Marco Maia (PT-RS) e a Presidenta da República Dilma Roussef, é a pauta a ser seguida na política ambiental brasileira, e expressa a vontade soberana e legítima dos estados e municípios do Brasil.”

Brizza Cavalcante/Câm. Deputados

Dep. Sarney A Frente Parlamentar Ambientalista, tendo Filho como presidente o deputado Sarney Filho (PV-MA), negocia com a Globe International (organização internacional de parlamentares) um conjunto de propostas legislativas para subsidiar as negociações da Rio+20-Conferência das Nações Unidas Para o Desenvolvimento Sustentável, a realizar-se em junho de 2012. A Globe International organizará a 1ª cúpula mundial de legisladores, uma semana antes da Rio + 20. Sarney Filho disse que uma das proposições é de que seja inaugurada uma nova metodologia de formatação de acordo entre países. Nesta proposta os acordos internacionais seriam discutidos primeiro pelos parlamentos e depois pelos governos. A ordem atual é inversa, isto é, os governos firmam os acordos e os parlamentos ratificam. Qualquer acordo no âmbito da ONU só passa se tiver consenso e ainda precisa ser confirmado pelos parlamentos signatários; por isso é necessário inverter a ordem atual do processo começando pelo parlamento.

Márcia Kalume/Agência Senado

colunista Célio Judson

Política

Noticiando os fatos “verdes” que ocorrem no Congresso Nacional

dez 2011 revista do meio ambiente

O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), presidente da CMA (Comissão de Meio Ambiente), busca consenso com o Senador Jorge Viana (PT-AC), relator do Projeto PLC-030/11 (Novo Código Florestal), sobre as Apps (áreas de preservação permanentes). Rodrigo apresentou emenda substitutiva propondo faixa de matas a serem recuperadas, em dimenSen. Rodrigo Rollemberg sões que variam de acordo com as larguras dos rios. O texto, em análise no Senado, já diz que a recomposição da mata ciliar é obrigatória para pelo menos 15 metros de mata ciliar em rios com até 10 metros de largura na margem. Com a emenda proposta por Rodrigo, seriam inclusos rios mais largos, em especial os da região amazônica. O senador Christovam Buarque (PDT-DF) fez um apelo a Presidenta Dilma Roussef para que ela participe na próxima reunião do Conselho da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável Rio +20, da qual o senador é presidente. Christovam quer que Dilma assuma a missão política de convidar os Chefes de Estados dos países membros da ONU. O senador relembrou que na ECO-RIO/92 o então Presidente Fernando Collor, atual senador, convocou os Chefes de Estados, que vieram em grande número prestigiando o evento.


ambiental

Antônio Cruz/ABr

O Brasil sem proteção

texto Prof. Dr. Eloy Casagrande Jr.*

artigo 41

Chevron, Código Florestal e Belo Monte

Estamos às vésperas do maior encontro mundial para a discussão do futuro do Planeta, que novamente volta ao Rio de Janeiro, depois de 20 anos, a “Conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre Desenvolvimento Sustentável”, e o Brasil ainda não consegue cumprir com uma agenda mínima para a proteção dos seus recursos naturais! O ano de 2012 também será o ano em que o PT (Partido dos Trabalhadores) comemorará 10 anos no poder da sétima maior economia do mundo, e como os outros que o antecederam, não vemos uma política ambiental objetiva e eficiente. Situações como a gravidade do vazamento de petróleo na Bacia do Frade encoberta pela Chevron, a liberação da licença ambiental para construir a usina hidrelétrica de Belo Monte e o texto-base do Código Florestal aprovado pela comissão de meio ambiente do Senado têm algo em comum, a visão desenvolvimentista em detrimento da sustentabilidade, uma palavra que caiu no chavão político-empresarial, pouco compreendida por aqueles que insistem em adotar este modelo econômico cartesiano e ainda chamar de “progresso”. O slogan da conferência da ONU é “Rio+20: O futuro que queremos”, onde o Brasil terá de levar uma proposta mais consistente para que possa implantar um modelo de “desenvolvimento sustentável”, ao invés de meras palavras que caem no vazio. Até agora aqueles que têm o poder de decisão neste país demonstram um empenho maior na defesa dos seus interesses pessoais e de seus partidos em detrimento do interesse coletivo. Assim, não nos causa surpresa a impotência do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), braço ativo do Ministério do Meio Ambiente, que tenta ser funcional com poucos funcionários qualificados, poucos recursos e muita interferência política. Nem mesmo consegue cobrar as multas daqueles que destroem nossa natureza. No ano de 2010, o orgão maior de proteção ambiental do país, emitiu um total de R$ 1 bilhão em autuações, mas arrecadou apenas cerca de 5% deste valor! A pressão política também possibilitou a licença ambiental prévia para a construção de Belo Monte, um projeto desenterrado de 1989, orçado na época em R$4,5 bilhões e hoje em R$26 bilhões! A obra já foi contestada não somente pelos impactos socioambientais e destruição de comunidades indígenas, mas também por um conjunto de cientistas que a reprovam do ponto de vista técnico-econômico. Para além dos interesses das empreiteiras e dos políticos, não se vê quem pode ganhar com a construção de Belo Monte. Para o Dr. Célio Bermann, especialista do setor, antes de aprovarmos novos projetos, é preciso também questionar toda a matriz energética brasileira, uma vez que seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química e os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose. No caso do código florestal, vemos a pressão do setor do agronegócio, que mantém diversos deputados e senadores no poder, por mais áreas para expansão de suas monoculturas que desmatam e envenenam solo e água. Aqui também vemos o parecer de cientistas ser desprezado, ambientalistas tratados como “radicais” e a voz dos movimentos sociais ser abafada. O novo texto, elaborado pelo Senador do PT, Jorge Viana, defende a desastrosa possibilidade de transferência de competência para estados e municípios para decidir

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, participa do programa Bom dia, Ministro, e fala sobre construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que deverá ser a maior do país, e o programa Luz para Todos

sobre Áreas de Proteção Permanente (APPs) e a anistia de produtores que promoveram desmatamentos até junho de 2008, convertendo multas em recuperação de áreas degradadas, um claro retrocesso. Finalizando o ano, nos deparamos com um desastre ambiental que pode ser um alerta para aqueles que defendem a exploração das reservas de petróleo do Pré-Sal, onde se questiona a qualidade da tecnologia a ser empregada e as garantias não existentes em relação aos possíveis acidentes. O Ibama e a ANP (Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis) permitiram que a Chevron, uma empresa com passado ambiental criminoso em diversos países onde atua, pudesse explorar livremente nossos poços de petróleo, sem um controle mais rígido de suas operações. Mentiras e as desculpas fazem parte da atividade petroleira em todos os acidentes. É de praxe retardar o anúncio do problema, minimizar a gravidade do acontecido e depois apresentar o caso como uma “fatalidade”! Vimos isto repetidamente acontecer em diversas situações semelhantes em várias partes do mundo, sendo a última em 2010, no Golfo do México, onde a empresa BP (British Petroleum) dava seu exemplo de irresponsabilidade. Lá entre multas e indenizações a BP pode ter de desembolsar mais de R$70 bilhões, enquanto que aqui se fala da Chevron pagar apenas R$150 milhões! Voltando a campanha da Rio+20, podemos tornar isto uma pergunta: Afinal, que futuro queremos? Somente a sociedade civil organizada poderá responder a isto, colocando suas prioridades claras para aqueles que detêm o poder no Brasil, que ainda não aprenderam a valorizar suas riquezas naturais. *Eloy Casagrande é coordenador do Escritório Verde da Universidade Tecnológica Federal do Paraná-UTFPR revista do meio ambiente dez 2011


Brizza Cavalcante/Câmara dos Deputados

texto Célio Judson

42 lixo e reciclagem

Mesa-redonda com Herman Huisman (coord. do Depart. Nacional de Resíduos Sólidos da Holanda), Rafael Greca (ex-prefeito de Curitiba), Sinval da Silva (prefeito de Tibagi/PR), Manuel Júnior (presidente da comissão), Fábio Branco (prefeito de Rio Grande/RS) e Jair Souto (presidente da Associação Amazonense de Municípios)

XII Conferência das Cidades e o Plano Nacional de

resíduos sólidos

O deputado Manoel Junior (PMDB/PB) afirmou que os municípios brasileiros terão dificuldades para cumprir a Lei 12.305/10, pois a maioria das prefeituras não dispõe de recursos financeiros para realizar os planos de gerenciamento de resíduos sólidos, e nem tão pouco tem como implementar as obras, por absoluta carência de mão de obra técnica capacitada. Cerca de 85% dos municípios não tem sequer ainda uma secretaria municipal de meio ambiente instalada. Pela legislação, em vigor,até 31 de dezembro de 2012, todas as prefeituras brasileiras quer sejam de porte pequeno/médio ou grande, tem de ter concluído o “Plano de Gestão Integrado de Resíduos Sólidos”, do contrário não poderão receber recursos financeiros da União para essa finalidade. Outra recomendação da União é para que as prefeituras se formem em unidades de consórcios municipais para barateamento e a regionalização dos aterros sanitários ou usinas de compostagem atendendo a uma microrregião. Manoel Junior afirma que é necessário que os Governos Estaduais em conjunto com a União, apóiem verdadeiramente os municípios mas infelizmente não está existindo vontade para isso: “Estamos alertando a União, e me refiro a uma emenda da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável no valor de 93 milhões de reais, destinada ao Ministério do Meio Ambiente e destinada a prefeituras, que ainda não foi liberada. Em média um município de menor porte na elaboração de um plano de gestão de resíduos sólidos vai desembolsar de 150 mil a 300 mil reais. Calcula-se com estes recursos liberados, seriam atendidos de 700 a 800 mini e médias prefeituras, mas é necessário se alocar ainda mais recursos, pois aí não só teríamos planos, mas o resultado concreto até 2014, do banimento dos lixões e o cumprimento da nova lei.” O Senador Cícero de Lucena Filho (PSDB/PB) disse estar muito preocupado, pois além de não terem recursos financeiros para fazer valer a lei nacional dos resíduos sólidos, as pequenas e médias prefeituras, não tem técnicas para cumprir a exigência da Lei, tem de lutarem num emaranhado da burocracia oficial, pois a maioria dos recursos financeiros ficam concentrados na União e a nova política nacional dos resíduos sólidos define com clareza o papel compartilhado de todos – governo, empresários e cidadãos. É uma lei atualizada e avançada. O Deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) acredita que sem a adesão dos municípios nada será feito. Na sua opinião é fundamental garantir políticas de indez 2011 revista do meio ambiente

Realizada nos dias 29 e 30 de novembro, no Auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, em Brasília, a XII Conferência das Cidades; na pauta a Política Nacional de Resíduos Sólidos, comandada pelo presidente da CDU – Comissão de Desenvolvimento Urbano deputado Manoel Junior (PMDB/PB) centivos econômico e tributário ás prefeituras. Jardim, disse que na época da elaboração da Lei, entre o que foi definido na comissão e o que foi aprovado pelo plenário, houve uma espécie de lipoaspiração e que foi justamente nestes instrumentos econômicos, brincou ele. Mas nas negociações para viabilizar a aprovação da proposta, o Executivo se comprometeu a enviar a Câmara um pacote de medidas de incentivos; foi regulamentado uma redução de PIS/CONFINS para materiais recicláveis de cooperativas. Há também programas de incentivos a nível municipal e estadual reduzindo ICMS/IPI. Os resíduos sólidos devem ser considerados como bem de valor econômico. O IPEA – Instituto de Economia Aplicada –, estima em R$ 8 bilhões as perdas anuais do país, ao não aproveitar os materiais descartados.O Brasil ainda em 2010 gerou 60,8 milhões de toneladas de lixo urbano. O professor Arlindo Phillip Junior, da Faculdade de Saúde Pública da USP - Universidade de São Paulo, disse que no Brasil devem ser geradas aproximadamente 13 bilhões de toneladas de lixo urbano, considerando o crescimen-


43

Fotos: Divulgação

to econômico do país, até o ano 2050, e que é indispensável tratar o lixo com tecnologia industrial com proteção ambiental e bem econômico, surgindo novas profissões técnicas para este setor industrial. “Será uma nova evolução para a humanidade”, afirmou Junior. Segundo a ONU - Organização das Nações Unidas, nos próximos anos serão investidos 108 bilhões de dólares na destinação dos resíduos sólidos. O ministro do STJ - Superior Tribunal de Justiça, Antonio Herman Benjamin, afirmou que um dos avanços mais importante trazidos pela nova política nacional de resíduos sólidos (Lei 12.305/10) está consolidado no princípio da precaução, isto é, reverte-se o ônus da prova e transfere-se para o empreendimento a tarefa de comprovar previamente que determinada atividade não vai causar mal à saúde das pessoas e nem ao meio ambiente (crimes ambientais), e nem limitar o direito da cidade de ter uma gestão sustentável. “Acrescento ainda a inclusão do princípio, uma mudança significativa de paradigma em comparação com o atual modelo de gestão praticado pelos municípios. A nova política vai facilitar o processo de aproximação entre os objetivos dos projetos das cidades e as metas de desenvolvimento sustentável com proteção ambiental, protegendo as florestas, a fauna e a flora e banirmos com os lixões em nossas cidades e o tratamento inadequado dos resíduos sólidos, protegendo o solo e o sub-solo,” concluiu Benjamin. Carlos da Silva Filho, Presidente da Abelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais –, falou das consequências que o uso indiscriminado de recursos naturais poderia causar nos próximos anos sem adotar a coleta seletiva, a reciclagem e a reutilização de recursos sólidos industriais. “Estaremos comprometendo a continuidade de uma série de avanços que ora conquistamos. Seria um retrocesso, uma volta ao passado, se as prefeituras alegarem falta de recursos financeiros no avanço dessa política nacional de resíduos sólidos. Silva, alertou, produzimos no país

Deputados Adrian Mussi Ramos (PMDB/RJ) e Zoinho Jorge de Oliveira (PR/RJ)

mais de 60 milhões de toneladas de lixo e resíduos urbanos sem destinação adequada, uma média de 1 kg por habitante/dia. “Isto para nós é uma grande preocupação, um grande alerta; a solução é a união consorciada das prefeituras mediante um plano diretor de logística nacional, cujo custo hoje é orçado em 9,6 bilhões de reais pelo Ministério do Meio Ambiente, relativo aos aterros sanitários. Hoje 25% municípios brasileiros já dispões de coleta seletiva e armazenamento e tratamento adequado do lixo urbano, o que equivale a 58% do montante produzido na área urbana de nosso país, foi um considerável avanço em pouco tempo. O Ministério do Meio Ambiente / o Ministério das Cidades e o Ministério da Integração Nacional, tem de unir-se urgentemente para um programa nacional de erradicação dos lixões, a nossa vergonha nacional.” O Secretário Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Leodegar Tiscoski, informou que a prioridade do ministério é eliminar os lixões. Para tanto se planeja investir R$ 1,5 bilhão, em soluções regionalizadas de gestão de lixo urbano evitando dessa forma a proliferação dos lixões, que aumentaram muito, sobretudo hoje nas regiões norte, nordeste e centro oeste. Cerca de 2.800 municípios ainda tem lixões, e 1.200 municípios tem lixões melhorados (aterros controlados), mas é necessário, para o cumprimento da Lei 12.305/10, transformá-los em aterros sanitários. O gerente executivo de meio ambiente e sustentabilidade da CNI – Confederação Nacional da Indústria – Shelley de Souza Carneiro, falou que o ponto essencial para o sucesso da nova legislação federal dos resíduos sólidos, tem relação com a viabilidade econômica, mas ainda é preciso se discutir e montar uma maneira de que os reciclados retornem à indústria, a um custo justo, sem comprometer a competitividade, na cadeia produtiva. Leonardo Maia Mall, da ABBAI – Associação Brasileira de Baterias Automotivas e Industriais, defendeu a redução da carga tributária sobre a cadeia produtiva, visando incentivo entre os setores públicos e privados no processo de implementação da logística reversa. O deputado Manoel Junior (PMDB-PB) também defende muito o envolvimento e as informações para a sociedade. “Para que possamos cumprir o que diz a legislação, precisamos de tudo informara nossa sociedade e as nossas crianças e estudantes, dar-lhes educação ambiental.” Nabil Bonduki, representante da ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, falou da importância do envolvimento da população. “Sem a participação do cidadão, o grande passo não será dado.” Segundo, ele com a campanha publicitária Separe seu lixo, acerte na lata, o governo deu início a primeira de uma série de campanhas focadas na conscientização do cidadão, mas ainda haverá uma continuidade dessa campanha de chamamento da população e de educação ambiental. José Fernando Thomé Jucá, Coordenador do Grupo de Resíduos Sólidos da UFPE – Universidade Federal de Pernambuco –, disse que a solução homogênea para o tratamento dos resíduos sólidos é aquela que atende as necessidades de cada município. Lembrou que São Paulo gera uma quantidade muito grande de lixo plástico, enquanto na Amazônia a maior parte do lixo é orgânica. A composição dos descartes já determina a solução. Para o material orgânico, o melhor tratamento é o biológico. Já os plásticos podem gerar energia a partir do calor e da biodegradação. O professor Thomé Jucá coordena um grupo de 65 pesquisadores que avaliam a situação brasileira e as soluções adotadas em outros países. Este projeto, financiado pelo BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –, ajuda a discutir as tecnologias mais apropriadas a cada município ou a cada microrregião do Brasil. Sabetai Calderoni, Presidente do Instituto Brasil Ambiente, disse que a nova fronteira do tratamento de resíduos é gaseificação. De acordo com ele, em vez de gastar 100 s para construir um aterro, a prefeitura pode gastar 80 com uma central de reciclagem, porque em algum tempo o aterro se esgota. Ele frisou que a gaseificação e a incineração são processos diferentes: ao contrário da incineração, na gaseificação não ocorre queima, os materiais revista do meio ambiente dez 2011


são aquecidos a 800 graus, mas na ausência de oxigênio. Temos aí a possibilidade de processamento de materiais descartados, a custo muito baixo sem poluição. O Brasil perde 10 bilhões de dólares por ano apenas por não reciclar o lixo residencial. A representante da CEF – Caixa Econômica Federal – Denise Seabra, disse que os prejuízos podem ser ainda maiores devido a má utilização dos recursos investidos. Ela afirmou que a maioria dos aterros sanitários tornam-se lixões. “Se os critérios de financiamentos não considerarem as continuidades das ações, será um investimento perdido porque em pouco tempo deixará de atender aos propósitos previstos.” A CEF, conta com uma linha de crédito com recursos do FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –, que cobre todos os itens necessários a elaboração dos planos de gestão dos resíduos sólidos. Seus critérios incluem até mesmo os ganhos com crédito de carbono, com garantia adicional do financiamento. Os lixões emitem grandes quantidades de gás metano que contribui para o aquecimento global. Com a instalação de aterros sanitários é possível apenas aproveitar esse gás e receber o crédito de carbono devido a redução das emissões do metano. Uma experiência internacional de sucesso na reciclagem é realizada na Holanda, que tem uma gestão eficiente de lixo urbano. Lá se produz a mesma quantidade de resíduos sólidos que o Brasil, 60 milhões de toneladas, embora em um território equivalente a 0,5 % do território brasileiro. Quem garante isto é o coordenador de Departamento dos Resíduos Sólidos da Holanda Herman Huisman. A grande diferença é que o índice de reciclagem chega a 80% e que apenas 3% do total dos resíduos sólidos vão para 22 aterros sanitários. O material restante é distribuído para 22 usinas de compostagem e 12 incineradores instalados. Diferentemente do Brasil, estima-se que menos de 2% do material descartado é reciclado. Husiman sustentou que os incentivos fiscais e econômicos do governo da Holanda foram fundamentais para o sucesso do programa. No país os impostos recolhidos dos aterros sanitários são muitos baratos e além disso quem paga pelo tratamento dos resíduos sólidos são os consumidores e não todos os cidadãos. É a justiça social na prática a lei holandesa. Cinco municípios brasileiros receberam o prêmio “Cidade Cidadã”, por se destacarem na adoção de boas soluções no tratamento dos resíduos sólidos: Novo Hamburgo (RJ), Rio Grande (RS), Sertânia (PE), Sertãozinho (SP) e Miguel Pereira (RJ), entregue no final do evento.

dez 2011 revista do meio ambiente

comunicação ambiental

Comunicação e educação ambiental sustentáveis

XIII FIMAI

Durante a Fimai, o encontro dos três editores: Martinho Santafé, da Revista Visão Social; Vilmar Berna, da Revista do Meio Ambiente e Júlio Tocalino Neto, da Revista Meio Ambiente Industrial

A humanidade vive hoje um momento importante de mudança para um outro modelo de desenvolvimento baseado na ideia do tripé ambientalmente sustentável, socialmente justo e viável economicamente. São vários os motivadores que nos levam a querer a mudança. Para uns, pode ser o medo dos riscos, a informação sobre os desastres. Para outros, pode ser a esperança de que vale a pena mudar, que adianta mudar, que existe um mundo melhor além do que existe hoje. A mudança para a sustentabilidade precisa ser antecedida pelas boas ideias, pelos sonhos, pelas utopias e precisam se tornar viáveis pelas pesquisas e desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias, novas formas de gestão, e tudo isso está cada vez mais disponível e ao alcance de quem deseja a mudança segundo o que demonstrou a XIII Fimai, coordenada pelo Julio Tocalino Neto, que conseguiu, mais uma vez, ser um motivador de esperança para a mudança no rumo da sustentabilidade ao expor ideias e tecnologias maduras para esta nova sociedade do futuro. A comunicação e a educação ambiental se inserem no esforço democrático de construção e fortalecimento da cidadania socioambiental planetária. Portanto, não são fins em si mesmas, mas partes de um processo de construção da democracia. Antes, o progresso justificava quase que tudo e agora não é mais assim. A sociedade continua demandando pelo progresso, mas já não aceita que seja a qualquer preço e a tendência é a sociedade se tornar mais e mais conscientizada e exigente não menos. Hoje, existe uma legislação ambiental que não havia até bem pouco tempo e que obriga empreendedores a fazer estudos de impactos ambientais, audiências públicas, estabelece medidas compensatórias aos impactos negativos do progresso, e responsabilidades em toda a cadeia de produtos e embalagens. Hoje, a sociedade sabe que o progresso, o consumo, não trazem só benefícios, mas também sacrifícios e impactos, tanto para o meio ambiente quanto para comunidades. Por isso, é fundamental a transparência nas decisões e canais de diálogo para a negociação de conflitos e medidas compensatórias. A mudança para a sustentabilidade pressupõe a capacidade da sociedade fazer escolhas diferentes das que conduziram a sociedade à beira do colapso ambiental. E para isso, ela precisa receber informações e valores para a sustentabilidade. Entretanto, existe uma diferença entre a informação que a sociedade quer e a que ela precisa. Para a informação que ela quer o mercado pode ser solução. Para a que ela precisa são necessárias políticas públicas e alternativas de financiamento.

texto Vilmar Berna

texto Célio Judson

44 lixo e reciclagem


Quem ganha ou perde com a lei que revogará o Código Florestal?

para o Código Florestal O balanço já pode ser feito com base no extenso e intricado projeto que resultou de trâmite-relâmpago em quatro comissões do Senado. Talvez ajude os senadores dispostos a mitigar em plenário seus impactos mais nocivos. Quem mais ganha são os bovinocultores, pois adquirem o direito de não devolver cobertura vegetal aos 44 milhões de hectares de áreas sensíveis em beiras de rio, encostas, topos de morro e nascentes, que foram invadidas por degradantes pastagens. Um crime de lesa humanidade, pois a ocorrência de pastos nessas áreas de preservação permanente (APP) desrespeita um dos mais básicos fundamentos das ciências agrárias e da economia socioambiental. São infinitamente menos graves as implicações da análoga “consolidação” de atividades agrícolas ou florestais nos demais 11 milhões de hectares subtraídos às APP, pois na maioria dos casos ela não comprometerá as principais funções ecossistêmicas da manutenção de vegetação nativa, além de também não promover assoreamentos ou erosões. Por isso, as benesses aos tradicionais arrozeiros gaúchos, produtores catarinenses de maçã, cafeicultores mineiros, etc., não serão concedidas em detrimento do interesse nacional, público ou social. Não chega a haver conflito. Se aberrações forem mantidas, nova lei será mais um estímulo à exportação barata dos recursos naturais. Na mesma toada, praticamente ninguém sairá perdendo com os dispositivos do projeto que facilitam as compensações das reservas legais (RL). Além de acabarem com a irracionalidade de impedir a exploração de terras de alta aptidão agrícola, também evitam as desvantagens da dispersão desses tesouros de biodiversidade em fragmentos isolados. Ao instituir a Cota de Reserva Ambiental e incentivar compensações em condomínios, o novo programa “PRA” estimulará o surgimento de mercados estaduais de compensações, atendendo tanto os interesses dos que devem respeitar as normas da “RL”, quanto os interesses da coletividade. Todavia, vai em direção oposta o tratamento “vip” oferecido a todos os proprietários de imóveis com área de até quatro módulos fiscais, em vez de restringir tais regalias apenas a esses pequenos empreendedores que se matam para garantir a educação dos filhos com a esquálida remuneração do árduo trabalho de sitiante. Grande parte dos imóveis com área de até quatro módulos fiscais são bucólicas chácaras de recreio de privilegiadas famílias urbanas. Com certeza, muitos dos membros do Congresso passam alguns de seus fins de semana em propriedades desse tipo, mesmo que não lhes pertençam, por serem de parentes ou amigos. O viés chega a ser escandaloso, pois tais imóveis nada têm a ver com aquilo que muitos parlamentares adoram chamar de “setor produtivo”. Também serão muito beneficiados todos os que cometeram desmatamentos ilegais no intervalo de dez anos entre o início da regulamentação da Lei de Crimes Ambientais e o odiado decreto do ex-presidente Lula, de 22 de julho de 2008, sobre infrações ambientais. Qual a razão da escolha dessa data, em vez de setembro de 1999, para demarcar a separação entre as normas atinentes ao chamado passivo ambiental das que o projeto propõe para o presente e o futuro? Quem são os diretamente interessados nesse expediente que joga o projeto na imoralidade? Por que a base parlamentar do governo Dilma temeria rejeitar tão asquerosa prerrogativa aos devastadores?

texto José Eli da Veiga* ilustração Stedilletto

Réquiem

legislação ambiental 45

No geral, também sairão bem favorecidos os setores e ramos mais propensos à “absorção da proposta neocolonizadora da China”, como diz Carlos Lessa, ou que defendem o “Brasil da Fama” (fazenda, mineração e maquiladoras), como diz Marcio Pochmann. É um projeto que atropela simultaneamente a política climática (PNMC), o Plano Brasil Maior, e o Documento de Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20, pois se opõe - em gênero, número e grau – ao “Brasil do Vaco” (valor agregado e conhecimento). Aliás, chega mesmo a autorizar a Camex a adotar medidas de restrição às importações, contrariando o empenho da presidenta em impedir que pretextos ambientais levem a Rio+20 a legitimar mais obstáculos ao comércio internacional. Apesar disso tudo, o Código Florestal terá um digno e respeitoso funeral se o plenário do Senado adotar apenas três simples, mas incisivas, intervenções cirúrgicas. Primeiro, excluir pastagens de todos os perdões oferecidos aos desmatamentos de APPs. Segundo, admitir tratamento preferencial apenas à agricultura familiar legalmente reconhecida, com repúdio a qualquer discriminação baseada em área de imóvel, seja ela medida em módulos fiscais ou em qualquer outra unidade. Terceiro, substituir o rancoroso símbolo político de 22 de julho de 2008 por uma data que ao menos faça algum sentido jurídico. Se, ao contrário, a maioria se inclinar pela manutenção dessas três aberrações, a lei que revogará o Código Florestal será mais um grande estímulo à exportação barata dos recursos naturais concentrados na carne bovina. A exata negação do que reza o sétimo dos oito “princípios” que abrem o projeto: “fomentar a inovação em todas as suas vertentes”. *José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação

do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), escreve mensalmente às terças para a Valor Econômico. www.zeeli.com.br revista do meio ambiente dez 2011


Consumismo e consumo consciente

Michael Lorenzo (sxc.hu)

texto Marcus Mingoni* (www.souagora.com.br / www.sejaetico.com.br)

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Todos já presenciamos ou vivemos na própria pele aquela cena constrangedora em que a criança chora e esperneia em uma loja por não ter o seu pedido atendido. Os pais muitas vezes parecem impotentes para lidar com a situação, que é realmente desafiadora. Por um lado, as ações de marketing voltadas às crianças estão cada vez mais sofisticadas e crescem em ritmo exponencial. Por outro, o acesso simultâneo a diversos tipos de tecnologia e a enorme exposição à informação tem proporcionado às crianças plena consciência da influência que exercem nos hábitos de consumo da família. Há, também, o componente da compensação: muitos pais compram o que os filhos desejam para aliviar a culpa pela ausência no convívio diário. Estamos falando de crianças em processo de formação, que não estão preparadas para o bombardeio de estímulos ao consumo a que são submetidas diariamente. Os efeitos são devastadores e extrapolam o ambiente familiar, gerando custos para a sociedade e o meio ambiente. O desenvolvimento de comportamentos incompatíveis com as respectivas fases do crescimento desgasta as relações familiares, faz com que muitas crianças tenham dificuldade em compreender as limitações do orçamento familiar e as deixa com tolerância muito baixa a frustrações. É claro que temos a responsabilidade e o dever de pressionar os agentes sociais e políticos para que sejam criados mecanismos de regulação das campanhas dirigidas às crianças. Ao mesmo tempo, é urgente que os pais se posicionem. O objetivo não é criar uma redoma de isolamento, mas tentar preparar nossos filhos para consumirem com equilíbrio e discernimento. Algumas ações podem contribuir para a formação de consumidores conscientes. O primeiro passo é os pais refletirem sobre suas próprias fraquezas. Se eles compram apenas roupas de marca, não planejam os gastos do orçamento dez 2011 revista do meio ambiente

Querer é diferente de precisar! familiar e estão sempre “no vermelho”, fica muito complicada a tarefa de educar os filhos na direção de um consumo consciente e responsável. Já a questão da televisão é um capítulo a parte. Não ter o aparelho à disposição no quarto dos filhos é um avanço importante. Essa medida obriga a criança a dividir o tempo que passaria diante da TV com os demais membros da família, o que pode colaborar para desenvolver o espírito de cooperação. Ao assistir junto com os filhos alguns programas e propagandas, os pais podem aproveitar para conversar sobre o teor deles e levar a criança a ter uma visão crítica daquilo que assiste. Estabelecer limites de tempo para assistir TV e ficar ao computador também é saudável. Melhor ainda do que impor regras é buscar atividades que possam ser realizadas em família e que não envolvam mídia. Isso inclui uma extensa gama de programas interessantes, como ir a parques, realizar trabalhos voluntários, brincar com jogos de passatempo para a família, praticar esportes, participar de atividades culturais, ler e cozinhar juntos. Evitar levar as crianças para fazer compras também ajuda bastante, especialmente no caso das pequenas. Isso porque é difícil para elas compreender porque os pais não compram o que elas desejam. Todavia, se for inevitável levá-las, prepare-as antecipadamente sobre o que poderão ou não comprar. Isso ajudará muito na hora de dizer não e poder lembrar que já havia sido combinado. Quando os pais percebem a dimensão do problema e refletem sobre as consequências maléficas que o consumismo precoce causa na família e na sociedade, está estabelecido o primeiro passo na direção de uma ruptura com esse estado de coisas. Desenvolver a consciência da importância de preparar nossos filhos para não serem alvos fáceis das elaboradas estratégias de marketing é fundamental. A oposição ao consumismo não significa o radicalismo de buscar o consumo zero, mas almeja proporcionar condições para um consumo inteligente e equilibrado, tanto do ponto de vista do orçamento doméstico como dos recursos do meio ambiente. *Marcus Mingoni é diretor de Operações da Divisão de Sistemas de Ensino da Editora Saraiva


PROGRAMA RECLAMAR ADIANTA

RÁDIO BANDEIRANTES AM 1360 (RJ) COM ÁTILA NUNES FILHO E ÁTILA NUNES NETO Permitir que dezenas de ouvintes diariamente entrem no ar para reclamar, protestar, denunciar, sem censura. Essa é a fórmula do sucesso de audiência do Programa Reclamar Adianta que vai ao ar de segunda à sexta feira pela Rádio Bandeirantes AM 1360 (RJ). Na verdade, esse sucesso é um resultado, e não o objetivo. O objetivo sempre foi – e é – de dar voz aos cidadãos que não têm acesso aos veículos de comunicação para externar seus pontos de vista.

PROGRAMA RECLAMAR ADIANTA RÁDIO BANDEIRANTES AM 1360 (RJ)

De 2ª à 6ª feira, entre 10h e meio dia, Acesse pela internet: www.reclamaradianta.com.br Central telefônica 24h: (021) 3282-5588 www.emdefesadoconsumidor.com.br atilanunes@reclamaradianta.com.br


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SIM, quero ser assinante-colaborador da REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental, uma organização sem fins lucrativos, assegurando meu livre acesso ao conteúdo do PORTAL DO MEIO AMBIENTE (www.portaldomeioambiente.org.br) e o recebimento da versão impressa e gratuita da REVISTA DO MEIO AMBIENTE sempre que for editada.Declaro concordar com o pagamento de R$ 100,00 (cem reais) referentes às despesas de manuseio e de postagem de 12 (doze) edições impressas, que receberei uma a uma, independente do tempo que dure. Farei o pagamento através de depósito bancário na Caixa Econômica Federal, Agência 3092 OP 003, C/C 627-5, em favor da PRIMA – MATA ATLÂNTICA E SUSTENTABILIDADE – CNPJ nº 06.034.803/0001-43, parceira da REBIA neste projeto pela democratização da informação socioambiental no Brasil. Após o pagamento, informarei pelo e-mail vilmar@rebia.org.br a data, hora e valor do depósito e os dados completos (nome completo, endereço completo) a fim de receber meus exemplares.

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