Ed.13- Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre

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Almanaque uberlÂndia de ontem & sempre

nós projetos de conteúdo • ANO 7 • número 13

palácio dos leões

agosto 2017

os 1oo anos de um ícone


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Almanaque UBERLÂNDIA DE ONTEM & SEMPRE

NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 7 • NÚMERO 13

ISSN 2526-3129

AGOSTO DE 2017

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Sumário PALÁCIO DOS LEÕES

OS 100 ANOS DE UM ÍCONE

NOSSA Capa

Ilustração Digital e Manual - Neto Proponente

Paulo Henrique Petri Historiadores

Antônio Pereira Jane de Fátima S. Rodrigues Júlio Cesar de Oliveira Oscar Virgílio Pereira Direção EDITORIAL

Celso Machado

Edição e projeto gráfico

Antonio Seara

EMOÇÕES

Confeitaria “Na Hora”, doces lembranças!

MEMÓRIA

O valioso acervo fotográfico do João Quituba

Política

Pesquisa e reportagem

Homero Santos, o ser humano

Colaboração

Cultura

Carlos Guimarães Núbia Mota Roberta Mello

Ademir Reis Adriana Faria Alberto de Oliveira Arquivo Público Municipal Arthur Fernandes Eliane Santos Cora Pavan Capparelli Gilberto Gildo Hélcio Laranjo Moabe Esteves Neivaldo Silva (Magoo) Roberto Mello Sérgio Chaves Vanessa Merolla Fotografias

Acervos pessoais Arquivo Público Municipal CDHIS (UFU) Clayton Mota Close Comunicação Correio de Uberlândia Jorge Henrique Paul Roberto Chacur Revisão

Ilma de Moraes

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Os 60 anos do nosso 21 Conservatório de Música

Patrimônio

O Centenário do “Palácio dos Leões” Música

Nicolau Sulzbeck, um senhor violinista!

Paixão

Hélcio Laranjo, o jornalista que virou pintor

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Tratamento de imagem

Luciano Araújo Impressão

Gráfica Breda Agradecimentos

Ady Torres • Ana Cristina Neves • Cristiane Heluy de Castro • Carlos Magno • Carlos Roberto Viola • Carolina Toffoli • Daniel Camperoni • Julio Servo • Maria Vidal • Moinho Cultural • Nara Sbreebow • Paulo Eduardo Vieira • Pedro Eduardo Machado • Ricardo Batista dos Santos • Rosilei Ferreira Machado • Taísa Ferreira Machado Projeto Editorial

NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO (34) 3236-8133 Rua Eduardo de Oliveira, 175 384000-068 - Uberlândia, MG

História

Ecos do feminismo em Uberabinha

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Pra começar

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A Reconhecimento

Alfredo Rezende, um 40 empresário À frente do seu tempo

produção de um novo número do “Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre” é um agradável desafio. Por mais que haja uma pauta previamente definida com a equipe de jornalistas, historiadores e demais parceiros sempre surgem fatos que interferem na programação inicialmente prevista. Pela generosidade e competência desse fantástico time de colaboradores, as dificuldades vão sendo superadas e, ao final, o resultado é motivo de orgulho para todos nós. Sem dúvida, dentre tantos aspectos a serem levantados, pesquisados um dos mais críticos é a busca por referências fotográficas. Uberlândia até que preserva registros antigos, o problema é encontrá-los. Garimpá-los junto às mais diversas fontes. Felizmente, sempre temos novos colaboradores para nos auxiliar nesta empreitada. É o caso desta edição. O artigo sobre o empresário Alfredo Rezende, falecido em maio último e bastante discreto com relação à vida pública, só foi possível graças à colaboração do seu sócio Roberto de Mello e a contribuição de sua filha, a jornalista Roberta Mello. A ajuda de Eliane Santos e Sérgio Chaves também foi fundamental na matéria sobre o mestre educador Afrânio de Freitas Azevedo, que teve papel relevante na educação pública uberlandense e que ficou marcado pela cirurgia plástica no guerrilheiro Lamarca. E, ainda, graças às novas colaboradoras Moabe Esteves e Vanessa Merola, vamos ter a partir de agora um espaço dedicado ao patrimônio arquitetônico de nossa cidade. A eles nosso muito obrigado.

E a todos, boa leitura!

Registro

O médico que operou Lamarca

Personagem

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Ignácio Paes Leme, 62 a escora segura de Fernando Vilela


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menor jornal do mundo

Fundador nasceu em Uberabinha

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“Vossa Senhoria”, por anos considerado o menor jornal do mundo, foi criado por um uberlandense ou melhor um “uberabinhadense”, se era assim como se chamavam os que nasciam em São Pedro do Uberabinha. Em recente reportagem, a “Folha de São Paulo” relata que ele foi impresso pela primeira vez em 18 de agosto de 1935. Rodou em diferentes cidades, seguindo as andanças do seu fundador, o jornalista Leônidas Schimdt (1906-1972), natural de Uberabinha, hoje Uberlândia.

O “Vossa Senhoria” mede 3,5 cm de altura (menor do que um palito de fósforo) por 2,5 cm de largura e, depois de alguns anos sem circular, foi relançado na festa literária de Divinópolis em agosto de 2016. Por trás do relançamento do “Vossa Senhoria” atual está Milton Nogueira, engenheiro e especialista em sustentabilidade. A editora-geral do microjornal é Leida Reis, da Páginas Editora de Belo Horizonte, jornalista com mais de 25 anos de experiência e escritora.

Primeiro contrato da “empreza”

iTV

Mais antiga do Brasil faz 80 anos

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Vossa Senhoria: 3,5 x 2,5 cm de informação compactada

ITV está completando em 2017 a marca de 80 anos. Ela começou suas atividades em 31 de janeiro de 1937 com o nome de “Empreza Imobiliaria Uberlandense”. Nesse ano, o governo federal baixou o Decreto-lei 58, que determinava a regularização de loteamentos. Portanto, a ITV começou com a regulamentação da atividade imobiliária no Brasil. Em 1952, passou a se chamar Imobiliária Tubal Vilela. Em 1972, mudou a denominação para ITV Empreendimentos Imobiliários, nome fantasia de Delta Administração e Participação, que permanece até hoje. Sua atuação foi determinante para o desenvolvimento do segmento imobiliário de Uberlândia e hoje está presente em várias outras cidades brasileiras.


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estratégia certa

Ferolla contraria as expectativas

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uando foi indicado candidato a prefeito de Uberlândia, Paulo Ferolla era praticamente desconhecido de grande parte da população da cidade. Tinha um histórico de ligação com o prefeito Virgílio Galassi, com o Sindicato Rural e só. Ocupava a Secretaria de Finanças, cargo que também não proporcionava maior visibilidade. Seu desafio era ainda maior, pois iria enfrentar candidatos bem mais conhecidos. Um há vários mandatos como deputado estadual e outro, vice-prefeito e ex-deputado federal. A estratégia adotada na campanha foi levá-lo para todas as partes da cidade e, principalmente, promover concorridos comícios. Quem coordenava

este trabalho era o então presidente do Sindicato Rural, Luiz Humberto Carneiro. Ele contratou alguns grupos de samba para criar uma aproximação maior com os eleitores. Assim que os comícios tiveram início, Luiz Humberto constatou que, quando um certo grupo de samba se apresentava, era sucesso na certa. O grupo, que já fazia sucesso no “Tribuna”, foi ganhando fama em todos os cantos da cidade. Era simplesmente o SPC – Só Prá Contrariar, que, logo depois, tornou-se um dos maiores fenômenos do samba brasileiro. Não só por isso, mas ajudou. Contrariando expectativas e pesquisas, Ferolla venceu o pleito. E foi ótimo prefeito.

Bugue: de Brasília para o UEC

futebol

Quem ainda lembra quem foi Bugue?

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maior vitória do Uberlândia Esporte Clube foi a conquista da Taça de Prata em 1984, que levou o time à elite do futebol brasileiro. Na ocasião, o técnico era Vicente Lage, o 109. Mas, antes dele, e muita gente se esquece, um técnico ajudou bastante na montagem do time que viria a ser campeão e foi fundamental para essa conquista. Ele veio do futebol brasiliense, trazido pela indicação de um dos apaixonados pelo Verdão, Agenor Garcia. Seu nome é Joaquim Cristiano de Araújo Neto, mais conhecido como Bugue. Veio para dirigir o UEC em setembro de 1982. Com ele, o time conquistou o torneio início do Campeonato Mineiro e também um honroso terceiro lugar no certame. Foi indicado para o prêmio de melhor técnico mineiro do ano. Perdeu a eleição para o polêmico Yustrich. Voltou para o Brasília em janeiro 1983, para dirigir o time no Campeonato Brasileiro daquele ano. Teve ainda outra passagem por aqui, em 1985, mas sem o mesmo sucesso.


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Janelas e portas em madeira e vidro originais

em grande estilo

Casaréu: eclético e protomoderno Por moabe esteves e vanessa merola

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m 1908, o prefeito Alexandre Marquez pediu ao engenheiro Mellor Ferreira Amado a realização de um plano de expansão, que alteraria a organização física de Uberlândia. Na proposta, Mellor definiu a constituição do Centro a partir do Fundinho, núcleo original de ocupação da cidade. O plano de expansão era composto por seis avenidas, que iniciavam em praças e findavam na estação ferroviária. A necessidade de novos arruamentos provocou a expansão do município para a região entre os anos de 1940 e 1950. A partir de então, em virtude do novo plano, a renovação urbana alterou a altimetria na área onde predominavam edificações térreas com porão e estilo eclético art-deco. HISTÓRICO A bela edificação, que hoje abriga a escola de inglês Casaréu, era propriedade do dr. Olavo Ribeiro que ali morou com sua família. A ideia inicial da família Ribeiro, quando comprou o imóvel, era fazer apenas uma reforma. No

1936 Arquiteto Sílvio Rugane refez a edificação

ano de 1936, foi contratado o construtor italiano Silvio Rugane para fazer a alteração da fachada da casa. Mas, o que acabou acontecendo foi a construção de uma edificação completamente nova, que abrigaria não apenas a residência da família,

mas também o consultório do dr. Olavo Ribeiro com acesso distinto pela lateral. Na década de 1980, o imóvel abrigou a Secretaria Estadual de Ensino e, posteriormente, a sede regional da Emater. Na década de 1990, o casarão foi locado

pela arquiteta Ana Cristina Rodrigues da Cunha, passando a abrigar o antiquário Vila Antiga. Depois de um período fechada, a casa foi vendida ao professor David George Francis em 2003, que realizou uma reforma transformando-a em escola, procurando manter as características originais que resguardam uma parte da memória da cidade. O imóvel transita pelas características da arquitetura eclética e protomoderna produzida em Uberlândia no início do século 20, com porão alto e alpendre com acesso lateral. Nas janelas e portas, em madeira e vidro originais, foram acrescentadas grades metálicas. As salas têm pisos em parquê, o banheiro e alpendre em ladrilho hidráulico e, na atual cozinha, o piso foi substituído por cerâmica. O forro em estuque original foi preservado e, na sala principal, foi feito um acréscimo rebaixado em gesso. A pintura decorativa atribuída ao artista plástico Ido Finotti, que cobria as paredes de uma das salas, atualmente está restrita a dois quadros delimitados por uma moldura em gesso.


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Na Hora Durante 34 anos, confeitaria foi ponto de encontro de artistas, políticos e empresários da cidade

1947 confeitaria “na Hora“

A primeira galeria da cidade Nas paredes, o pintor Ido Finotti expôs seus quadros para os clientes e visitantes

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m 1947, o comerciante e pintor Ido Finotti e seu cunhado José Peres abriram a confeitaria “Na Hora” na avenida Afonso Pena entre as ruas Duque de Caxias e Machado de Assis. Nas paredes da confeitaria, Ido Finotti passou a expor seus quadros e fez da “Na Hora” a primeira galeria de arte de Uberlândia. Durante 34 anos, a confeitaria foi ponto de encontro de artistas plásticos, políticos e empresários da cidade. Segundo a neta, Cristiane Finotti, o nome “Na Hora” foi escolhido pelo próprio avô. “Ele dizia que as pessoas sempre falavam: ‘Tá na hora de tomar um lanche’,’Tá na hora de

Por Núbia Mota

comer um pãozinho’. Então é um nome sugestivo”. Ainda de acordo com Cristiane, no fundo da confeitaria, o avô montou um ateliê de pintura. “Lá, ele fazia as próprias tintas, as molduras, as telas. Ele pegava papelão nas lojas, punha nos cavaletes e falava: ‘Vamos pintar com o vovô’”, lembrou ela. O comerciante Sebastião Tavares trabalhou no local de 1959 a 1981, quando a confeitaria “Na Hora” encerrou as atividades. De acordo com ele, o ambiente era agradável e muito bem frequentado. “Qualquer pessoa que chegava e admirava uma obra dele no salão, agradava, e perguntava o preço. Ele deixava o valor comigo, para que eu pudesse

fazer o negócio, caso ele não estivesse”, disse Sebastião. A musicista Cora Pavan Capparelli era cliente de Ido Finotti e José Peres e se lembra bem do grande movimento que tinha no local, pois os clientes gostavam muito do lanches preparados sob a inspeção da mulher de Ido Finotti, Adelina Cicci. “Era uma casal muito simpátic. No local, além de expor as próprias pinturas, ele gostava muito de pintar o Cerrado aqui da região. Ele expunha o trabalho de outros artistas, como o amigo dele, o Valim Júnior e outros não tão conhecidos. Foi quando se iniciou um movimento artístico na cidade”, afirmou Cora.


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Finotti Pescarias e passeios no Cerrado como inspiração para pintar

Ido Finotti, pintor da paisagem do Cerrado

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do Finotti nasceu em Espírito Santo do Pinhal em 1899. Mudou-se para Uberlândia em 1923, onde permaneceu até morrer, em 1980, aos 80 anos. Aos 12 anos, tornou-se aprendiz de pintor de paredes. Aos 19, em Uberaba, aprendeu a pintura decorativa de interiores, natureza morta e paisagens comuns nas salas de jantar e de visita das casas da época. Em 1924, foi convidado para fazer a pintura do prédio da Companhia Elétrica Clarimundo Carneiro, onde hoje fica a Oficina Cultural, e mudou-se para Uberlândia. Pintou também o altar da Catedral de Santa Teresinha e da Igreja de Nossa Senhora das Dores. Antes da confeitaria “Na Hora”, montou, na cidade, uma empresa de pintura e uma loja de tintas em sociedade com José Roquette. Autodidata, Finotti tirava de pescarias e passeios a inspiração para pintar. Costumava usar uma câmera fotográfica para fazer registros de cenas rurais e urbanas. Ido Finotti dá nome a uma galeria de arte inaugurada em 1991, no prédio do Teatro Grande Otelo, transferida para o Centro Administrativo Municipal em 1994, onde funciona até hoje. Família no balcão Ido Finotti e Adelina Cicci de olho na qualidade


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Distinto público Quituba com sua exposição de documentos sobre a cidade montada em espaço público

memória

João Quituba

Balconista reuniu cerca de 2.800 documentos que registram fatos marcantes da história de Uberlândia

João Quituba Primeiro Arquivo e Museu de São Pedro de Uberabinha

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balconista João Martins de Oliveira, o João Quituba, tinha como hobby colecionar fotografias, correspondências, recortes e outros documentos sobre a história de Uberlândia para expô-los em espaços públicos da cidade. Reuniu cerca de 2.800 documentos, a maioria fotografias, que registram fatos marcantes da vida da cidade entre 1851 a 1981, como a vinda do presidente Getúlio Vargas em 1930, o asfaltamento da avenida Afonso Pena em 1956 e o jogo do Uberlândia Esporte contra o Cosmos de Pelé em 1980. A coleção, com o nome “Primeiro Arquivo de São Pedro de Uberabinha”, fazia parte do Museu de São Pedro de Uberabinha fundado pelo próprio João Quituba. As fotografias eram expostas por ele em áreas públicas, como as praças Tubal Vilela, Sérgio Pacheco e o Terminal Rodoviário durante eventos que aconteciam na cidade.


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Pelé Livros de Ouro do acervo têm centenas de assinaturas A partir de 1982, a chamada ”Coleção João Quituba” foi restaurada e catalogada pelo Centro de Documentação e Pesquisa em História (Cdhis) da UFU, com a ajuda do próprio memorialista, que doou todo o material para a instituição. “Quando entrei aqui em 1987, acompanhei o João Quituba. Era muito gente fina, conversador. Quando apareciam estagiárias, ele gostava de declamar poesias”, lembrou Velso Carlos de Souza, do Departamento de Restauro do Cdhis. Na coleção, dividida entre documentos textuais e iconográficos, há seis “livros de ouro” com centenas de assinaturas de personalidades que estiveram em Uberlândia entre 1978 e 1981 colhidas em pequenos cadernos de capa dura. Em uma das dedicatórias a João Quituba está a assinatura de Pelé. “A coleção é bastante procurada pelos alunos do curso de História porque reúne documentação valiosa sobre o passado da cidade”, disse Velson.

Montagem tem milhares de visitantes atraídos pelo acesso facilitado

Avenida Afonso Pena Fotografia faz parte do acervo de João Quituba

Getúlio Vargas em Uberlândia em 1930, foto doada à UFU por Quituba


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A FELICIDADE QUE BATE FORTE NO PEITO.

Fomos eleitos uma das “Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil” no setor de saúde, CATEGORIA HOSPITAL. O ambiente de trabalho é feito pela felicidade que fica nítida no olhar de cada um de nós e só aumenta o orgulho em fazer parte do time ISO Olhos.

A prevenção faz a diferença na saúde ocular.


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Liberdade e democracia são valores que definem Minas Gerais. Na nossa Assembleia Legislativa, esses ideais estão sempre presentes no debate, no diálogo e na luta diária pelos interesses de Minas e dos mineiros. Participe! É com você que a Assembleia se torna, cada vez mais, o poder e a voz do cidadão.

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almg.gov.br


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Homero Vereador, deputado, presidente de clube amador, secretário e ministro sem perder a humildade

perfil

Homero Santos, o ser humano Sem hiato e sem nunca deixar ninguém perder a esperança, foi político até o último dia de vida Por AntÔnio Pereira

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s deputados estaduais Homero Santos e Valdir Melgaço eram bons amigos. Iniciaram suas atividades políticas como vereadores. Valdir era UDN, Homero era PSD. Entrevistado por Celso Machado, Valdir, muito franco, explicou por que o Homero recebia mais votos que ele e avançou enquanto ele, um dia, não voltou mais à Assembleia. Porque era franco e o Homero não deixava ninguém perder as esperanças”, disse. Era um aspecto da sua personalidade, mas Homero tinha mais alguma coisa. Tinha humildade, disposição para ajudar e era um conciliador. O escritório dos dois vivia cheio de clientes sem condições

de pagar advogado. A assistência judiciária era determinada pelo juiz. Não havia escola de Direito ainda. Não pagavam, mas votavam. Certa ocasião, Homero ia para o aeroporto, com o Hélio Mendes, quando o celular chamou. Homero atendeu. Alguém se queixava de que estava tendo dificuldades para matricular o filho na universidade. Ligou para o aeroporto para saber a que horas sairia o seu voo. Dava tempo. Fez meia volta e seguiu para a universidade. Resolveu o problema. De volta para o aeroporto, Hélio perguntou: “Doutor Homero, quem é esse cara?” Homero respondeu: “Não sei!”. Doutra feita, o vereador Antô-

nio Couto foi a Belo Horizonte e visitou o deputado. Homero saía para falar com um secretário do governo e levou o Couto. Informou à secretária que precisava falar com o secretário e sentou-se. Esperou, esperou, esperou. O Couto, que não é muito tranquilo, levantou-se e foi até a secretária. “Você sabe quem é aquele senhor que está esperando para falar com o secretário?”. “É o dr. Homero Santos”, respondeu a moça. E o Couto: “Sabe quem é ele?”. “Não.” Pois é uma das maiores autoridades do Estado, presidente da Assembleia Legislativa, que nem ele, só o governador.” A moça assustou, levantou-se e entrou rápido no gabinete. Daí a pouco, saiu o secretário com um sorriso amarelo, meio sem graça. “Dr. Homero, me desculpe, eu não sabia que o senhor estava aí...”. E o Homero: “Ora, não se preocupe, as ocupações são demais... eu sei...” Quando presidente da Câmara Municipal, Homero foi presidente também do Flamengo, time amador que disputava o Campeonato da LUF. Era tempo de leis penais esportivas radicais. Diretor de time que, pessoalmente, fosse suspenso ficava proibido de entrar no estádio. Homero foi suspenso pela Junta Disciplinar da LUF. Durante o cumprimento da pena, houve jogo importante do Flamengo e ele estava doido para assistir. Impe-


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dido de entrar, Homero mandou chamar o presidente da LUF, que era o advogado e também político Wellington Borges, o Borgico. Explicou que não queria entrar como diretor ou torcedor, mas porque tinha sido convidado pelos dois times para dar o chute inicial. Borgico levou-o até o centro do campo. Homero deu o chute inicial e, em seguida, acompanhado pelo Borgico, saiu do estádio e não viu o jogo. No princípio de sua vida política recebeu apoios populares fundamentais, como o de Luiz Della Penna, amigo incondicional, que o ligava aos profissionais do volante e aos truqueiros. Della Penna era diretor da Associação dos Motoristas e praticante entusiasmado dos campeonatos da Liga de Truque. Outra pessoa ligada às comunidades populares, amiga de Homero, foi a Ireninha (Irene Rosa), mãe de santo, que transformou o bairro Oswaldo em seu grande reduto eleitoral. Homero era ligado a setores populares, grêmios esportivos, associações civis e outras.

Tancredo Neves e Homero Santos no início da vida política

Período militar Passou tranquilo, mas cauteloso, pelo período discricionário militar, sem se envolver com as medidas temerárias, comprometedoras, retaliativas, perigosas do regime. Ainda assim, foi líder do governador Israel Pinheiro, mal digerido pela ditadura, até ser guindado à presidência da Assembleia em 1970. Foi quando se elegeu deputado federal. Tranquilamente se reelegeu em 1974, 78, 82 e 86. Seu grande segredo era a proximidade com seu reduto. Homero nunca abandonou a gente do povo, seus

Fernando Henrique Cardoso condecora Homero, ministro do TCU


19 “ Homero tinha humildade, disposição para ajudar e era um conciliador”

José Sarney nomeou Homero para o Tribunal de Contas da União (TCU)

eleitores que eram mais que isso, seus amigos. Após a implantação da Constituição de 1988, o primeiro presidente civil, José Sarney, convocou Homero para o Tribunal de Contas da União o que o fez renunciar ao mandato ainda não terminado, mas deixou aprovada a Lei de Federalização da Universidade Federal de Uberlândia, que foi projeto seu. Sempre prestigiando e atendendo o homem do povo que o acompanhou na luminosa trajetória política, Homero chegou à aposentadoria como o mais popular ministro e presidente do Tribunal de Contas da União. Homero trouxe vários ministros do seu Tribunal para conhecer a UFU e ajudá-la nas suas necessidades.

Político até o fim

Homero com os companheiros do antigo PFL. Em pé, Paulo Roberto Salomão, Aldorando Dias de Souza, Homero e Evandro Braga. Assentados – Hélio Mendes, Aureliano Chaves (vice-presidente da República) e Adalberto Duarte

Por capricho da vida, Homero faleceu num dia de eleição, 3 de outubro de 2008, como a sublinhar o caminho de sua história vitoriosa. Faleceu à noite, mas teve disposição para, durante o dia, ir às urnas e votar. Homero Santos nasceu em Uberlândia, no dia 29 de janeiro de 1930, filho do português Manoel dos Santos, pequeno empresário, e Jovenília Ferreira dos Santos, professora. Fez os primeiros estudos com a mãe, formou-se advogado na Faculdade de Direito da Universidade da Guanabara. Montou seu escritório na rua Goiás, com Valdir Melgaço e Oscar Virgílio Pereira. Iniciou sua carreira política elegendo-se suplente de vereador em 1954. Sem hiatos, foi político até o fim. Fontes: Hélio Mendes, Antônio Couto, Almirzinho do Guarany e Welesley Borges.


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“ O Conservatório foi criado porque havia grande procura por um diploma e pela regulamentação profissional”

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música

Conservatório faz 60 anos Instituição foi a primeira escola a oferecer curso superior em Uberlândia Por núbia mota

Há 60 anos, no primeiro passo rumo ao que mais tarde seria a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), foi fundado o Conservatório Musical de Uberlândia, hoje Conservatório Estadual de Música Cora Pavan Capparelli, o primeiro a oferecer curso superior, além de ensino fundamental e médio. Criado em 13 de julho de 1957, o Conservatório era inicialmente particular, instalado com recursos próprios

da musicista que lhe dá nome. Anos depois, foi doado ao governo do Estado, com o curso superior desmembrado para dar origem à Faculdade de Artes. A ideia de montar o Conservatório, segundo Cora Capparelli, deveu-se à grande procura por um diploma na área, já que boa parte dos alunos queria ter a profissão regulamentada. Para começar, foram convidados

um professor de Música de Uberaba, formado em Belo Horizonte, Alberto Frateschi; um professor de violão, Remy Couto, formado no Rio de Janeiro; o acordeonista Jean Carlo Bevilacqua, formado na Itália, e Michele Virno, que se formou pelo próprio Conservatório. A instituição que, desde 1977, ocupa um prédio próprio na avenida Afonso Pena, no bairro Brasil, teve

Registro de aula para alunos nos primeiros anos do Conservatório Musical de Uberlândia


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“ Eram poucos recursos e era preciso pagar os professores. Meu pai me ajudava com uma quantia e eu inteirava com meu salário” cora capParelli

início na mesma via, só que em uma apartamento alugado no Centro. Para custear as despesas, Cora Capparelli, a maior parte das vezes, tirava dinheiro do próprio bolso para manter a escola. “Ainda eram poucos os alunos e eu ainda tinha que pagar professores para vir de São Paulo. Meu pai (Angelino Pavan) me ajudou demais. Ele me dava uma quantia todo mês. Eu também lecionava Geografia e História no Colégio Estadual e no Nossa Senhora, e com meu salário eu inteirava as despesas”, disse ela. Para o Conservatório, Cora comprou três pianos, dois violões e dois acordeões. Além de alunos de Uberlândia, vinham pessoas de várias partes do país e cidades da região. Como o apartamento foi ficando pequeno, o Conservatório passou a funcionar na rua Tenente Virmontes, de lá para dois outros endereços na rua Santos Dumont e, em 1977, para sede própria, concluída um ano antes, com recursos liberados pelo então governador Rondon Pacheco. O terreno foi uma doação de Angelino Pavan, pai de Cora, e da Prefeitura de Uberlândia, por meio do prefeito Renato de Freitas. “Quando terminou, vi que era pequeno para as necessidades que tínhamos, então fui até o governador pedir autorização para ampliar. Ele autorizou e passei mais três anos buscando recursos com a realização de eventos na cidade. A intenção de Cora Capparelli era que o Conservatório levasse o nome do músico Ladário Cardoso Teixeira, mas os deputados estaduais da cidade Homero Santos, Valdir Melgaço e João Pedro Gustin interferiram e acharam justo dar o nome da musicista à instituição. Mesmo aposentada desde 1988, Cora aos 91 anos ainda é atuante na cidade com a realização de eventos voltados à música e à arte.

Sede atual do Conservatório Cora Capparelli inaugurada em 1977

Cora Capparelli ao piano em apresentação recente em Uberlândia


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Palácio dos Leões, obra do arquiteto italiano Cipriano Del Fávero no dia de sua inauguração em 1917

patrimônio

Palácio dos Leões completa 100 anos Museu Histórico, instalado no prédio, faz 30 anos Por Carlos Guimarães Coelho

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uem passa pela praça Clarimundo Carneiro, mais conhecida como praça do Coreto, enche os olhos com a beleza do lugar, sobretudo em meados do ano quando aflora o ipê-rosa, um dos símbolos do Cerrado. Chama atenção o conjunto arquitetônico – praça, coreto e Palácio dos Leões. O que muitos talvez não saibam é que 2017 é o ano do centenário do Palácio e o marco dos 30 anos de atividades do museu que ele hoje abriga, o Museu Histórico e Antropológico de Uberlândia. Foi há 100 anos que o arquiteto Cipriano Del Fávero convenceu as autoridades da cidade a aceitar seu projeto. O plano inicial era uma construção

modesta, feita com poucos recursos, apenas para instalar o Paço Municipal, sede dos poderes Executivo e Legislativo. Del Fávero acabara de chegar à cidade, era italiano de origem, e havia construído um casarão na praça, existente até hoje, batizado na época de Vila Odete. Como o futuro palácio, o casarão também tem leões na fachada. O primeiro passo para a instalação do Paço Municipal foi convencer a população, que se sentia contrariada por ver a prefeitura sendo erguida em um lugar onde, até então, existia um cemitério. Para viabilizar a obra, Cipriano Del Fávero garantiu que conseguiria executá-la com os recursos existentes

e ainda parcelaria o investimento. E assim foi. As obras foram iniciadas em maio de 1916 e, em dezembro de 1917, Prefeitura e Câmara dos Vereadores abriam suas portas para o público. Um tempo recorde para os padrões da época. E também surpreendente, já que a edificação foi muito bem-feita, o que garantiu a sua durabilidade. Um fato curioso é que o paisagismo do entorno e a instalação do coreto (assinado pelo arquiteto Sílvio Rugani), terminados apenas em 1925, também foram criados por Cipriano Del Fávero. Ele próprio encarregou-se de trazer do Oriente Médio algumas mudas de tamareiras. As palmeiras lá instaladas até hoje também comemoram seu centenário. A atual administradora do Museu, a historiadora Thais Tormin Porto Arantes, contou que Del Fávero não chegou a ver a praça em funcionamento. Ele morreu aos 41 anos, um mês antes da inauguração. Thais disse que não há registros sobre a causa de sua morte. Ela destaca a importância do prédio ter sido destinado ao Museu, o que tem garantido sua correta preservação, além “do comprometimento de servidoras que atuam no espaço desde sua fundação há 30 anos”.


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Planos futuros

O prefeito Vasco Giffoni (em pé) discursa no Palácio dos Leões em 1942

Em 1988, sessão da Câmara Municipal presidida por Silas Guimarães. Na tribuna, Dorival Alves do Nascimento

Palácio se destacava na paisagem da cidade no início do século 20

A atual secretária municipal de Cultura, Mônica Debs, é da área de Música e é evidente seu comprometimento com os equipamentos culturais da cidade, sobretudo aqueles que se prestam à preservação da memória. Mônica quer concluir e publicar o inventário dos bens do acervo do Museu, no qual constam quase 3.000 itens, e transferiu o anexo do Museu para nova sede, oferecendo melhores condições ao acervo. “Uma visita ao Museu permite a formação cultural da criança, em particular, e do público em geral, conscientizando o visitante acerca da relação passado/presente, e a importância de se preservar não somente hábitos e objetos, mas também a memória de hábitos e costumes, ajudando a compreender o mundo em que vivemos hoje. Em sua opinião, além de um prédio imponente e belo, o Palácio dos Leões é um marco na arquitetura de Uberlândia, representando a expansão e modificação do espaço urbano. “Ele está presente no dia a dia da cidade e consolidou-se como referência cultural para todos os que aqui vivem. Quanto ao futuro do Museu, ela afirma que ele é dinâmico e está sempre buscando novas parcerias em projetos que venham a contribuir para a formação do público, como educação infantil, capacitação para receber o público portador de necessidades especiais e a ampliação do acesso ao Museu via internet, com a criação do Museu Virtual. Para ela, no entanto, mais importante é desenvolver uma campanha de conscientização da população acerca da importância do Museu e da preservação do Palácio dos Leões.


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Polêmica sobre o local adiou o início das obras

O Jardim Público logo tornou-se importante área de eventos e lazer

Thais Arantes: historiadora é a atual administradora do Museu

s habitantes de Uberabinha se sentiram desrespeitados quando a lei para a instalação do Jardim Público foi aprovada em 1907. Motivo da insatisfação: o lugar escolhido para ser erguida a praça, o palácio onde funcionaria a prefeitura e o coreto abrigava o segundo cemitério da cidade, que seria desativado em 1908 para a execução da obra. Alguns importantes empresários da cidade chegaram a anunciar que doariam terrenos à municipalidade para que a prefeitura fosse erguida em outro lugar, sem perturbar o sono dos mortos. Com a desavença instalada, o início das obras foi bastante retardado. A construção começou apenas em 1916, quando prevaleceu a decisão das lideranças políticas e sobre o velho cemitério instalou-se a nova prefeitura. Reza a lenda que boa parte das ossadas permanece em baixo da praça.

Museu Histórico e Antropológico faz 30 anos

O

Museu Municipal foi inaugurado na rua Goiás em 1987. Transferiu-se para a Casa da Cultura e, antes do Palácio dos Leões, funcionou em um galpão em frente à praça Clarimundo Carneiro. Era chamado de Museu de Ofícios, por ter quase todo o acervo voltado para objetos e utensílios ligados à produção. Com a ampliação do acervo, passou a ser chamado de Museu Histórico e Antropológico. A administradora do Museu, Thais

Arantes, disse que uma programação está sendo preparada pela Secretaria Municipal de Cultura para celebrar os 30 anos de atividade do Museu. A gestora cultural Cláudia Cardoso Oliva, há 23 anos no Museu, sente orgulho de ter participado das transformações ocorridas ao longo dos anos. “Espero ter contribuído da melhor forma para que o Museu acontecesse e continue acontecendo”, afirmou. A conservadora e restauradora, Marília de Paula Freire Borges, afirma

que “trabalhar com a conservação e restauração do acervo mexe com a sensibilidade, a paciência e exercita o olhar”. Para Maria Regina Ribeiro Gonçalves, também gestora cultural e servidora do Museu desde sua criação “no começo não foi fácil. Não tínhamos sede própria e lutamos muito para conseguir criar uma identidade para o Museu. Felizmente, os profissionais da área são contaminados pela paixão, e este também é o meu caso”.


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entrevista nicolau sulzbeck Por celso machado

E

les se amam e são plenamente correspondidos. Nicolau e o violino são tão ligados que até parece que um tem a alma do outro. Tanto assim que muita gente quando quer se referir a ele o trata carinhosamente por “Nicolino do Violau”. Sua história de vida é bonita. Muito bonita. De muita luta, obstinação, garra e superação. Nasceu na Hungria. Desde criança teve que batalhar muito para superar desafios. Luta que teve começo logo que nasceu, diagnosticado com uma doença muito comum na época, o íleo cecal. Com 8 dias foi operado juntamente com várias crianças que haviam nascido com a patologia. Foi o único sobrevivente. Veio para o Brasil, menino, e aqui construiu sua jornada. Foi empresário bem-sucedido, um dos maiores fabricantes de luminosos do país. Enfrentou dificuldades pelas mudanças contínuas da economia brasileira. Perdeu quase tudo. Menos a paixão pelo violino, que aprendeu a tocar muito cedo e que o acompanha fielmente. E fez dele um violinista respeitado e admirado. Mestre na arte de tocar um instrumento que exige dedicação total de quem se aventura a tocá-lo. Nicolau é uma das referências dos notáveis músicos uberlandenses. Sua personalidade marcante, seu amor pela música, sua história de vida fazem dele “um senhor violinista”! É um pouco do que mostramos nesta entrevista exclusiva.


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Senhor

violinista


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Onde você nasceu? Nasci em Nagykanizsa na Hungria. Uma cidade muito pequena que devia ter uns 5 mil habitantes. Naquela época estava dando nas crianças aquela doença que chamava nó na tripa, que é o íleo cecal. Com oito dias fui operado… e, entre todas as crianças que foram operadas, só eu me salvei. Quando veio para o Brasil? Viemos em maio de 1939. Meu pai já tinha 3 irmãos aqui. Escreveram para ele e orientaram: pega seu filho e sua mulher e vem para o Brasil, não pergunta nada. Foi o que meu pai fez. Minha avó materna ficou, ela era católica. Depois da guerra, tivemos notícias dela e a trouxemos para o Brasil. Mas da família do meu pai, dos que ficaram lá, não sobrou ninguém. Como veio para Uberlândia? Quando chegamos da Hungria fomos para São Paulo, onde moravam meus tios. Como meu pai mexia com padaria, arrumaram para ele um serviço de padeiro. Ele tinha que pegar o bonde às 3 horas da manhã, para chegar à padaria às 4, trabalhar o dia inteiro e voltar para casa à noite. Ele não estava acostumado. Quem morava numa cidade de 5 mil habitantes, vai morar em São Paulo, trabalhar mais de 15 horas, sair antes do dia raiar e voltar à noite, ganhando pouco e sem saber falar a língua. Não era nada fácil. Em São Paulo, eles não se sentiam felizes. Em Araxá, havia uma senhora húngara que tinha um bar e restaurante muito bons, o melhor da

Nicolau com a esposa Maria Alice, a irmã Clara e o pai Eugênio Sulzbeck na inauguração do Uberlândia Clube no dia 26 de janeiro de 1957

Nicolau com o prefeito Geraldo Ladeira (1959-1962)


“ Na Hungria, a gente quase que nasce com o violino. Desde criança tenho fascinação pelo instrumento”

cidade. Ficou viúva e não dava conta de tocar o estabelecimento sozinha. Como a colônia húngara no Brasil era muito pequena, os húngaros de São Paulo colocaram papai em contato. Ele acertou com ela e nós fomos para Araxá. Em Araxá, ficamos dez anos. Foi uma época muito bonita das nossas vidas. Foi lá que fiz o grupo escolar, lá que fui batizado, lá que fiz o ginásio. Neste ginásio, o Dom Bosco, que aprendi Música. Foram dez anos maravilhosos. Deixamos amigos no fundo do coração.

Música na escola Nicolau (à esquerda com seu violino) na orquestra jovem do Liceu

Acima: Nicolau com amigos, atrás dele o prefeito Afrânio Rodrigues da Cunha ( 1955-1958) Abaixo: Acompanhando o cantor de Bolero Gregório Barrios

Quando você despertou para a Música? Na Hungria, quase que a gente nasce já com o violino. Quando tinha 6 anos, minha avó me deu um violininho e eu vivia brincando. Ficava na janela falando que estava fazendo serenata para as moças. Então, desde criança, eu trouxe essa fascinação pelo violino comigo. Em São Paulo cheguei a tomar aulas, mas não deu em nada. Quando comecei a estudar no ginásio Dom Bosco, em Araxá, tive contato com padre Clóvis, o maestro da banda. Uma pessoa incrível que me ensinou a amar a música e a tocar violino de verdade. Quando você veio para Uberlândia? Quando terminei o ginásio, no primeiro semestre de 1950, não dava para continuar estudando em Araxá e fui estudar em Uberaba, no Colégio Diocesano. Papai e mamãe, sempre muito apegados aos filhos,

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acharam que precisavam mudar para algum lugar onde eu pudesse estudar. Surgiu um hotel à venda em Uberlândia. Papai veio, comprou o hotel Zardo e mudamos para cá. Entrei para o colégio Brasil Central para fazer o Científico, mas logo mudei para o Liceu que tinha o curso de Contador, uma profissão muito valorizada. E a Música? No Liceu, fiquei conhecendo o Luis Ricardo Goulart, que também tocava violino. Procuramos a professora Mijorran, irmã do Coronel Hipopota, que tocava piano. Mais pessoas foram se juntando a nós, o Alfredo Tucci, que era ex-aluno e tocava contrabaixo. Ronaldo Pereira Lima era cantor, Helvécio Guimarães, também violinista. Montamos um conjunto que era meia orquestra: piano, violão, contrabaixo, bateria, percussão, meu violino e os trompetes de Durval Clemente e Geraldo Peres. Pedi ao maestro Toledo, do Uberlândia Clube, que fizesse uns arranjos. Começamos a tocar. Rondon Pacheco, que era deputado, assistiu a uma apresentação nossa. Ficou bem impressionado e conseguiu uma ida ao programa Renato Murce, na Capital Federal. Conseguiu passagem, hotel e fomos para o Rio. Você não pode imaginar o que sentimos, nenhum de nós tinha entrado num avião. Isso foi por volta de 1952. Nos sentimos muito importantes, aquele negócio de ir para hotel, restaurante e tudo. Fizemos uma apresentação na


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Rádio Nacional, que era a mais importante do Brasil. [A Rádio Nacional seria a Globo de hoje]. Foi um sucesso tão grande que, no ano seguinte, quando o programa fez 50 anos nos convidaram para tocar. Aí já tínhamos uma orquestra diferente, completa, com 3 sax, 2 trompetes e um trombone. E cantores como o Mauro Zardo, a Conceição, a Isaura, Jaime Nunes e Ronaldo Pereira. No Rio de Janeiro nos exibimos também na Rádio Mauá, que nos apresentou da seguinte forma: “pela primeira vez no Brasil, vamos apresentar uma orquestra formada exclusivamente por estudantes”. Como foi que surgiu sua empresa, a Neon Uberlândia? Em 1955, me associei ao Simão e abrimos uma loja de material elétrico. Meu tio produzia luminosos em São Paulo. Começamos a vendê-los e a instalar aqui. Mas aí vimos que não era tão difícil a fabricação. Era muito complicado trazer de São Paulo e montar aqui. Acabamos montando uma fábrica pequena. Ficamos juntos por uns três ou quatro anos e depois resolvemos separar. O Simão ficou com a empresa que se chamava Neon Sulzi. E montei outra, a Neon Uberlândia. Ela esteve entre os maiores fabricantes de luminosos, chegamos a exportar para a Europa, para os Estados Unidos, para o Chile. Tivemos uns 200 funcionários, mas Deus quis que parasse. Ficou aquela frustração de zerar depois de 60 anos de trabalho, mas sou reconhecido a Deus que me deu uma saúde que vale

Acima: Nicolau, Maria Alice e Pelé “Um pedia autógrafo, outro queria tirar foto: nunca vi Pelé fazer cara ruim”

Ao lado: Nicolau, Bruna Lombardi e Miele. “Miele era uma pessoa maravilhosa, um cara inteligente”


“ Fomos para a casa do Pelé. Ele com um violãozinho e eu com o violino e tocamos até 3 horas da manhã”

muito. Aos 84 anos, ter a disposição que eu tenho. Ficar duas horas tocando no palco em pé e guardar tantas melodias na cabeça não é para qualquer um. Uma desafinada no violino chama muita atenção.

Ayrton Senna, Ana Cristina e seu pai Nicolau

No Kabana Restaurante com Lereia ao piano Abaixo com o apresentador Galvão Bueno

Conte sobre sua amizade com pessoas famosas como Pelé, Miele... Como é que conheci o Pelé? Eu era amigo do Kiko Calil, de Ribeirão Preto, dono da Modelar, que me apresentou o dr. Eduardo Gomes, um geriatra famoso. Os dois eram muito amigos do Pelé. Fomos apresentados num fim de semana. Fomos para a casa do Pelé, ele com um violãozinho, eu com o violino e tocamos até 3 horas da manhã. Aí a amizade surgiu e foi aumentando. Em relação ao Pelé tem outra coisa interessante. Eu cortava o cabelo com o Jassa, o cabeleireiro dos artistas. Numa das vezes, ele contou que o Pelé estava querendo comprar cavalos. Pensei: quem sabe arrumo os cavalos com uns criadores amigos de Uberlândia. Mas ele tem que ir lá receber. Conversei com o Odelmo, que era o presidente do Sindicato Rural, o Gargalhone, o Domício. Aí o Pelé veio, ficou uns três dias. Levei ao Praia e a outros lugares. E a simplicidade daquela pessoa? Chegávamos nos restaurantes, nas boates, era o porteiro pedindo autógrafo, outro pedia para tirar foto. Nunca vi ele fazer nenhuma cara ruim. O Miele (Luiz Carlos Miele) conheci nos whiskys da

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vida. Sempre que ia num bar ou numa boate em São Paulo cruzava com ele. Daí para uma conversa e o início de uma forte amizade foi um passo. Cheguei a fazer shows com ele em convenções. O Miele era um pessoa maravilhosa, um cara inteligente. E o Kabana Restaurante? Do Kabana nós saímos muitas vezes, às 4 quatro, 5 horas da manhã. Tinha um piano e quando eu encontrava o Geraldo Ladeira, que foi prefeito, ele sentava no piano botava o cigarro no canto da boca, caía cinza, queimava a camisa dele, e nós tocando até de madrugada. O que é Uberlândia em sua vida? Eu amo muito Uberlândia. Aqui estão os meus pais e minha avó. Meus filhos nasceram e se casaram aqui. Ainda tenho grandes amigos em Araxá, mas maiores amigos eu tenho aqui. Você é feliz? Sou. Tenho uma família maravilhosa. De vez em quando brinco com a Maria Alice, minha esposa, que nunca pensei que ainda ia amar tanto uma pessoa de 70 e tantos anos, mas amo. Nós temos 57 anos de casados. Tenho dois filhos com saúde, inteligentes. Um neto, o Luca, com 15 anos. Menino inteligente, bonito. Tenho muitos bons amigos. E tenho o violino, paixão que nunca vai acabar.



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hélcio laranjo

Reencontro apaixonado Jornalista retorna ao desenho e à pintura, amores à primeira vista na infância Carlos Guimarães Coelho

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Laranjo: “Sou autodidata, o que faço é baseado na experimentação mesmo”

Ordenha: a imagem congela o momento, eternizado em desenho ou pintura

ndar por sua casa de é fazer um passeio no tempo. Em todos os cômodos há trabalhos seus e de outros artistas, de diferentes épocas e várias técnicas. Laranjo aponta um e outro e fala sobre cada um deles. Alguns o deixam com os olhos marejados, outros trazem muita alegria, como os retratos do neto, hoje com pouco mais de 1 ano. A relação de Laranjo com as artes visuais foi amor à primeira vista na infância, quando desenhar e pintar eram seu hobby predileto. Mas, quis o destino que ele enveredasse por outro caminho. Foi ser jornalista na vida. Incomodou muita gente, com pautas que sempre deram muito pano pra manga. Depois de três décadas e meia aborrecendo-se muito com algumas das “encrencas” que o ofício gerava, encerrou a carreira jornalística. A reaproximação com a pintura e o desenho já vinha acontecendo, desde a morte precoce do filho em um acidente. Com a aposentadoria, sobrou mais tempo e o trabalho criativo se intensificou. Laranjo não vê nenhuma relação entre seu trabalho de artista e o jornalismo. Até porque sua atuação como jornalista


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se deu mais na área política. E acha que caso estabelecesse algum vínculo entre as duas atividades seria chargista e não um pintor e desenhista. “Mas, a política, hoje, seria muito mais ridicularizada do que era em meu tempo de jornalista.” Ele diz que nunca teve pretensão de atingir algum patamar acadêmico e menos ainda interesse de se inserir no mercado. “É tudo muito despretensioso. Sou autodidata, destes que não recorrem nem a livros técnicos para aprender mais sobre arte. O que faço é baseado na experimentação mesmo. As obras são minhas experiências e a gente vai procurando sempre melhorá-las.” No início, ele só pintava. Era uma atividade mais pessoal, de consumo familiar. Começou a postar nas redes sociais e surpreendeu-se com as reações e a aceitação das pessoas. Foram surgindo encomendas e até o convite para expor em Belo Horizonte. A inquietude fez com que buscasse outras formas de expressão. Pintura a óleo, acrílico sobre tela, pastel seco, desenhos em nanquim, grafite e esferográfica, foi experimentando de tudo um pouco para mostrar seu olhar sobre o mundo, sobretudo as paisagens de Minas. A primeira exposição de Laranjo foi em sua cidade natal, Oliveiras, na região conhecida como Campo das Vertentes, próxima ao sul de Minas. Pensa em expor em Uberlândia, onde mora, mas ainda não bateu nas portas certas. “Queria expor em praça pública ou em terminal de ônibus, apenas para as pessoas verem o trabalho. Não tenho ambições comerciais com minhas obras. O que faço por encomenda já é suficiente, pelo menos para arcar com o custo do material. As galerias oficiais não me atraem muito, são escondidas, subutilizadas e com público restrito.

Palácio dos Leões Um trabalho a lápis colorido sobre papel, técnica muito utilizada por Hélcio Laranjo em seus desenhos Laranjo fez recentemente uma série sobre a cidade de Estrela do Sul. Paisagens, gado, ordenhas, fazendas, festas populares, a cidade, imagens que servem para congelar o momento e eternizá-lo em desenho ou pintura. Para ele, importante é responder a esse chamado vindo de si mesmo e não do mercado.

Apesar da saudade do filho, grande motivação para que ele voltasse a pintar, Laranjo sempre fica feliz quando discorre sobre seu processo criativo. A alegria só é maior quando mostra as pinturas e os desenhos do neto. “Se eu continuar assim, ele terá mais telas e desenhos do que tiveram aqueles modelos dos antigos pintores.”


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Acima: Miss Uberabinha 1915, Leonor Schwindt, conhecida como Lola Título de venda das terras que deram origem à cidade de Uberlândia assinado por Francisca Rabelo

História

Ecos do feminismo em Uberabinha Cresce a participação das mulheres na vida pública nas primeiras décadas do século 20 Por Jane de fátima silva rodrigues

E

m minha pesquisa de doutorado “Perfis Femininos: simbologia e representação na sociedade uberlandense”, constatei uma ativa participação da mulher nos destinos do município. Nesse artigo, privilegio as três primeiras décadas do século XX, quando Uberlândia ainda era Uberabinha. A presença efetiva de uma mulher na criação do município de Uberlândia data de 1851 quando Francisca Alves Rabelo, segunda esposa, viúva e herdeira do primeiro entrante João Pereira da Rocha, fora a responsável pela venda de uma enorme gleba de terra à Paroquia do Arraial de Nossa Senhora do Carmo e São Sebastião da Barra de São Pedro de Uberabinha

(assim eram denominadas estas terras). O montante de 400$00 foi colhido de esmolas e entregue à Felisberto Alves Carrejo, conforme consta em documento.1 Desde os primeiros jornais que circularam em Uberabinha, ainda na década de 1910, vamos encontrar artigos muito interessantes sobre o papel da mulher na sociedade. Um deles, assim se refere: “... a mulher sabe amoldar-se a quase todos os trabalhos, vivendo independentemente sem o auxílio do homem”. Este artigo sem assinatura data de 13/10/1907, foi publicado no jornal “O Progresso. Neste mesmo jornal de 30/1/1910, encontramos um manifesto intitulado “Às Senhoras Mineiras”, alertando as

mulheres (embora estas ainda não votassem) sobre a candidatura do Marechal Hermes da Fonseca, que defendia o alistamento militar obrigatório. Vejamos qual é o apelo: “Impedi com o vosso carinho, com o vosso amor sacrossanto, que vossos maridos, filhos, irmãos e noivos, votem no candidato militar, que trará a desgraça da nossa Pátria e vos arrebatará os seus mais queridos, o arrimo de vosso lar!” Ao longo dos anos, inúmeros artigos aludem sobre o papel da mulher em vários sentidos, como esposa-mãe, arrimo de família, empreendedoras, professoras, artistas, etc. Em 1907, a srª Camilla Jeudy, vem a Uberabinha representando a Companhia de Seguros Sul América; em 1912, é a vez da poetisa goiana Leodegária de Jesus. Em 1923, a cidade recebeu a romancista e feminista gaúcha Andradina de Oliveira, conhecida nacionalmente pela sua oratória. Proferiu, no Cinema Central diante de um auditório seleto, composto de famílias da sociedade local a palestra “A Mulher não é inferior ao Homem”. Fez sua conferência sem ler o que causou admiração ao público, pela sua prodigiosa memória, conforme comentário do jornal “A Tribuna”. Estes são apenas alguns exemplos. O jornal “O Commercio”, de 19 de dezembro de 1915. trouxe a apuração do 1º Concurso para escolher a moça mais bonita de Uberabinha. Dentre as três apontadas estavam Leonor Schwindt, conhecida por Lola; Alda Naves e Antonieta Mascia, sendo a 1. Tive acesso a estes dados através de entrevista com o professor Roberto Carneiro, realizada em 12/10/1993, bisneto de Francisca Alves Rabelo que casara-se em terceira núpcias com José Joaquim Carneiro, pai do Cel. José Theóphilo Carneiro, seu avô. Disse ele: “movida pelo espírito religioso vendeu parte do patrimônio dela, a Fazenda do Salto, que deu origem exatamente à cidade de Uberlândia”.


38 Antonieta Villela Marquez Presença feminina no jornal “A Tribuna” a partir de 1920

vencedora, Lola. Dez anos mais tarde, outro certame foi realizado elegendo Liberata de Oliveira e, em 1930, Odete Costa. O ano de 1920 marca a presença feminina na imprensa, através do jornal “A Tribuna”, com os primeiros escritos de Antonieta Villela Marquez, que àquela época reivindicava o voto feminino e a luta pela emancipação da mulher. No artigo intitulado “O Século das Mulheres”, de 30/5/1920, ela reitera: “Ó brasileiras, imitemos as audaciosas sufragistas – verdadeiras fadas do progresso. Levantemos, também o nosso vôo, coroando os nossos ideaes de bom êxito, vivamos sim e trabalhemos para a completa emancipação da mulher brasileira, porque ella não vive, vegeta ....” Um de seus temas prediletos era a política. Prenunciava um verdadeiro descalabro social, caso os governantes continuassem usando a política em benefício próprio. Indicava a morosidade e a falta de ação no desempenho dos cargos públicos como procedimento que poderia levar a nação à decadência. As promessas de palanque e o seu posterior esquecimento, foram duramente criticados por ela, bem como as gestões de Rodrigues Alves (1902/1906) e do Marechal Hermes da Fonseca (1910/1914). A década de 1920 descortinara-se promissora para os avanços do feminismo em Uberabinha. Em fevereiro de 1921, o jornal “A Tribuna” propunha uma campanha para a escolha de possíveis nomes que disputariam o próximo cargo para Agente Executivo do município. Uma carta assinada com as iniciais M.D.C. reivindicava a participação feminina: “Nós mulheres devemos ter os mesmos direitos, pois que fazemos parte da opinião pública e o que fazei não passa de uma consulta e esta mesma opinião”. O jornal ao publicar a carta se

desculpava com as leitoras afirmando que não fora sua intenção excluir da consulta o elemento feminino. No entanto, ironizou: “... os palpites para a indicação de nomes ao cargo do Executivo Municipal devem passar também para as salas de costuras, para os jardins e para os serões familiares, porque a mulher uberabinhense é uma das mais intransigentes quando se trata do direito que possa exercer” (A Tribuna, 27/2/1921). Nos números seguintes do periódico apareceu a notícia de que em menos de oito dias, as cédulas triplicaram pela participação feminina: “Foram pela mulher uberabinhense, obscurecidos todos estes laços de amizades e compadresco e lançadas nas cédulas nomes de verdadeiras capacidades dignas de occuparem o lugar de mais destaque entre nós”. (“A Tribuna”, 20/3/1921). Testemunho da participação mais efetiva da mulher na sociedade local foi a fundação do Grêmio Recreativo Literário Feminino. De Aurora Chaves, Maria Carneiro, Maria Altina Jardim e Cecy Cardoso partiu a iniciativa. A primeira reunião realizada em 11 de novembro de 1923 contou com a participação de várias pessoas, dentre elas, Agenor Paes, redator-chefe do jornal “A Tribuna”, o capitão Pantaleão Nery Tolentino e os juízes dr. Abelardo Pen-

na e dr. Augusto Coimbra da Luz. Nesta reunião definiu-se o objetivo do Grêmio; “a realização de diversões e o desenvolvimento physico e intelectual da juventude”. Foram fixados também os valores da joia e das mensalidades a serem pagas. Inscreveram-se como sócios (as) fundadores (as) 69 pessoas. Deliberou-se que a administração da sociedade seria exclusivamente feminina. No decorrer de 1924, o Grêmio promoveu várias atividades culturais com a inauguração da sede à Praça da Liberdade, com a presença de várias autoridades: Cel. Eduardo Marquez, presidente da Câmara; os drs. Duarte Pimentel e Coimbra da Luz, juiz de Direito e promotor de Justiça, respectivamente. A sede contava com um vasto salão, além de biblioteca e diversos aparelhos de jogos, mesas e cadeiras. Sobre essas realizações iniciais, “A Tribuna” de 20/4/1924, comentou: “Quando os homens se dividem em luctas estéreis e extenuantes, as mulheres tudo conseguem pela cooperação e solidariedade”. No aniversário de dois anos do Grêmio, o jornal “A Reacção”, de 08/11/1925, elogiou o princípio associativo que o colocava acima dos partidarismos, uma vez que a política municipal cindira-se em duas facções acirradas e que decidiam os destinos da cidade: “E em Uberabinha, foram as mulheres, acusadas de irritantes em matéria política, que nos deram essa lição salutar...” Em outubro de 1927, o então presidente do Estado de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada, em visita a Uberabinha, esteve no Grêmio e elogiou o espírito de solidariedade da mulher uberabinhense. A partir de fins de 1928, nenhuma notícia mais circulou na imprensa local. O que teria acontecido? Yolanda Paes e Maria Stephan


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Grêmio Recreativo Literário Feminino Cresce a participação da mulher criaram o jornal “A Mariposa”, “órgão dedicado ao bello sexo”. Com duração efêmera, circulou de março a dezembro de 1925, com 35 números, publicando poesias, crônicas, correio elegante, dentre outras matérias. As notícias exploravam o cotidiano das relações existentes entre a juventude da então Uberabinha. Os defeitos, as habilidades, as qualidades de rapazes e moças eram divulgados nominalmente. Os bailes, as sessões de cinema, o ‘footing’ eram devassados com sabor. Os namoros, ora incentivados, ora condenados, assumiam proporções tragicômicas nas penas afiadas de seus autores (as), assinados por pseudônimos, como Príncipe Neptuno, K Peta, Pá d.Kal, Raio X, dentre outros. A Revolução de 1930 encontrou guarida agora em Uberlândia – face à Lei Estadual de 1929 que alterou o nome de Uberabinha – através da criação do Batalhão Marcos de Freitas Costa e do Batalhão Feminino João Pessoa. Sediando tropas do Triângulo Mineiro, a cidade se tornou o locus das manobras em direção a Goiás, Mato Grosso e São Paulo, que apoiou incondicionalmente a causa revolucionária. A ideia da organização de um Batalhão Feminino partiu da capital mineira, através de Elvira Komel que,

em 5/10/1930, lançara um manifesto intitulado “À Mulher Mineira”, apelando para o espírito cívico que a mulher “deveria” ter em um momento tão difícil. Sob o comando do capitão José Persilva, designado comandante da Praça e governador militar da cidade, das elites dirigentes locais e do Comando Geral do senador Camillo Chaves, o Batalhão Feminino João Pessoa foi coordenado por Stela Cunha, esposa do Agente Executivo, dr. Otávio Rodrigues da Cunha. Em 24/10/1930, Stela Cunha reuniu nos salões do Paço Municipal, que ficaram lotados, inúmeras mulheres da sociedade uberlandense, cujo objetivo era apoiar, material e moralmente os soldados combatentes e as suas famílias. Foram organizadas seis comissões e suas presidências: Comissão de Informações: Odette de Oliveira Marquez; Comissão de Amparo às Famílias Combatentes: Deolina Cupertino Faria; Comissão Encarregada de Confeccionar Roupas, Lençóis e Peças de Vestuário: Chiquinha Zantata e Eufêmia Toledo; Comissão de Proteção à Indigência: Clarinda Rezende; Comissão Angariadora de Donativos: Rosemilra Santa Cecília e Comissão da Cruz Vermelha: Elisa Villela Marquez, com o envolvimento de aproximadamente cem mulheres.

Inúmeros jovens foram convocados pelo Comando Revolucionário Uberlandense para fazer frente às forças que, no interior de Goiás, resistiam na entrada da Ponte Afonso Pena, que ligava Minas Gerais àquele Estado. A saída destes jovens armados, em defesa da Revolução, atingiu em cheio a mulher de Uberlândia: “Assistimos hontem a um espetáculo empolgante: a partida da Coluna de Uberlândia! Nem um dos bravos vacilava; nem uma lágrima humedecia o olhar das esposas, das mães, das filhas, das noivas que vinham, à frente do Gymnásio trazer a bençam e o estímulo aos heroes que marchavam em defesa dos sacratissimos ideaes da Revolução” (“Diário da Revolução”, 18/10/1930). As árduas tarefas desempenhadas pela mulher uberlandense durante os agitados dias dos meses de outubro e novembro de 1930 constituíram-se em uma demonstração de civismo, abnegação e amor. O contraste percebido nas ruas, entre os rumores de botas, uniformes e fuzis e o farfalhar das longas saias; o pisar dos saltos altos, batons e rendas colocavam os dois sexos em luta por uma causa comum. As lágrimas contidas ou derramadas solitariamente, quando os entes queridos partiam para a linha de frente; os longos abraços nas despedidas, com certeza romperam as barreiras entre os sexos, naqueles momentos de dor e incertezas. E para as décadas vindouras, qual foi a participação da mulher uberlandense na construção desta cidade que se projetava cada vez mais no cenário regional e nacional? Mas esta é uma outra história... jane de fátima silva rodrigues

é Doutora em História pela Universidade de São Paulo e bacharel em Direito. Algumas transcrições estão no português da época e por isso foram preservadas.


alfredo rezende

O criador da avicultura no Cerrado A Rezende Alimentos estabeleceu novos e inéditos padrões de qualidade para a produção animal no país Por roberta mello

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a redação do Correio de Uberlândia, entre os jornalistas mais antigos, não havia dúvida: as pessoas importantes da cidade morriam sempre aos domingos – o que significava mais trabalho para a equipe que estivesse de

plantão. Pois foi na madrugada de domingo, 28 de maio de 2017, que morreu Alfredo Rezende. Estava com 78 anos. Foi velado e enterrado no mesmo dia, em Uberlândia, onde nasceu e construiu, literalmente do nada, a Rezende Alimentos, empresa que foi uma das

maiores expoentes da agroindústria brasileira e que, no auge de suas operações em 1997, gerava mais de 5 mil empregos diretos e tinha um patrimônio de mais de R$ 400 milhões (mais de R$ 3,5 bilhões em valores atualizados). O pequeno destaque dado a sua morte pela mídia da cidade não desagradaria à Rezende. Ele sempre foi avesso à imprensa, às badalações e bajulações do mundo corporativo e social. Mas, deixar de relembrar sua obra pode ser um desserviço para os que não a conheceram de perto e não sabem da importância de sua contribuição direta não só para o desenvolvimento econômico de Uberlândia, como para o moderno e atual perfil da avicultura brasileira. É importante resgatar aqui um pouco desta história, o caráter visionário e perfeccionista de Rezende, a quase obsessão pela qualidade e excelência em tudo que fazia, que o tornaram um dos principais empreendedores da cidade em uma época em que o termo “empreendedor” não era ainda uma palavra da moda.


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Alfredo Rezende (de bigode) recebe Ernesto Geisel em visita à empresa. Foto rara: sempre que podia Alfredo evitava fotógrafos

Trajetória Sua história como empreendedor começou em 1958. Técnico agrícola, depois de formado em Viçosa, Alfredo Rezende voltou para Uberlândia e iniciou uma pequena granja. Comprava em São Paulo lotes de 500 pintos de um dia, criava e vendia os frangos de bicicleta, de porta em porta, nas ruas da cidade. Em pouco tempo, a bicicleta deu lugar a uma lambreta. Esta, por sua vez, a um pequeno carro. Em 1962, criou a Granja Rezende S.A. A empresa, ainda pequena e já constituída como sociedade anônima, era talvez um indicativo do futuro que o fundador sonhava. Passou a ser produtor de pintos de corte para granjeiros, investindo em raças especiais para corte, operação que alavancou a empresa e a tornou apta, ainda na década de 1970, a ser produtora de matrizes (aves que eram vendidas para incubatórios que, por sua vez, vendiam os pintos de corte para os criadores). Investindo em linhagens importadas e sempre primando pela excelência

em qualidade, a empresa se tornou a maior produtora de matrizes de corte do país, o que significava, no ápice de sua produção, que até 60% dos frangos consumidos no país tinham origem na Granja Rezende. Alfredo Rezende estabeleceu novos e inéditos padrões de qualidade para a produção animal e implantou, também de forma inédita, não apenas para o Brasil, mas para a maior parte do mundo, sistemas avançados de biossegurança.

Investimentos A Granja Rezende atuava em todos os segmentos de produção da avicultura – e foi a primeira empresa brasileira a produzir ovos SPF (Ovos Livres de Patógenos Específicos), usados para produção de vacinas e que, até 1979, eram importados pelo país. A produção de 2,3 milhões de ovos SPF supria não apenas a demanda do mercado brasileiro como permitia exportações para a América Latina. Com a atuação consolidada na avicultura, Alfredo Rezende

passou a trabalhar na diversificação das áreas de atividade da empresa. A Granja Rezende começou a atuar em pecuária de corte e suinocultura, com maciço investimento em melhoramentos genéticos. Para atender com qualidade à sua própria demanda e à dos parceiros criadores, construiu uma fábrica de rações com capacidade para produzir 450 mil toneladas por ano. A empresa operava com números impressionantes: quatro incubatórios cuja capacidade total ultrapassa 18,6 milhões de ovos por mês. Apenas um deles, o “Diamante”, apto a incubar 10,5 milhões de ovos por mês, era um dos maiores do mundo. A Rezende tinha ainda um abatedouro com capacidade para 20 mil frangos por hora e granjas de frango para criar 25 milhões de cabeças por ano. No final da década de 1980, a empresa estava extremamente capitalizada. Alfredo decidiu então que este dinheiro deveria ser todo transformado em fábricas, indústrias, granjas e aumento dos plantéis. A Rezende investiu, com recursos próprios, mais de US$ 100 milhões (em valores da época) em seu parque industrial. Entre os investimentos havia uma indústria de processamento de soja com capacidade para 1.000 toneladas/dia – que produzia farelo de soja, óleo de soja e ainda sabão (como subproduto). E, também, uma moderníssima indústria de processamento de carnes com capacidade para produzir 120 toneladas/dia de cortes especiais – como salsichas, presuntos, salames, nuggets e hambúrgueres. O Centro Administrativo, impressionante, moderna e funcional construção que ocupava 250 mil m2 – dos quais 36 mil m2 de área construída – , custou US$ 15 milhões (também em valores da época). A empresa entrou na década de 1990 transformada em Rezende


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Alimentos, pronta para crescer até dez vezes mais. A perspectiva de faturamento, quando todo o parque estivesse em plena operação, era de cerca de US$ 650 milhões (em valores não atualizados). A opção por fazer investimentos com recursos próprios havia sido cuidadosamente estudada. Sólida, a empresa buscou no mercado – e obteve – crédito para capital de giro. Tinha ainda pré-negociado com executivos responsáveis por administrar a fortuna da família do empresário americano Sam Walton (Wal-Mart), na época já falecido, um financiamento de US$ 50 milhões. A locomotiva criada por Alfredo Rezende se preparava para atingir a velocidade máxima quando uma decisão judicial desencadeou uma série de eventos que chegaram às páginas dos jornais e acabaram fazendo com que os executivos dos Walton suspendessem as negociações de financiamento, iniciando a inviabilização das operações da empresa. Era o começo do fim. Briga Societária Para entender este momento é preciso voltar um pouco no tempo. Alfredo Rezende enfrentava, desde 1974, um divórcio litigioso proposto pela primeira mulher, Helena Abib Rezende. O processo seguia paralelo à história de crescimento da empresa. Alfredo não concordava que as ações da empresa entrassem na partilha dos bens do casal. Houve pelo menos duas tentativas frustradas de acordo entre Alfredo e Helena. O processo seguia na Justiça. Em maio de 1992, Alfredo Rezende criou uma fundação com seu nome para administrar os negócios em sua ausência. A Fundação Alfredo Júlio Rezende tinha 10% das ações

Alfredo e Roberto de Mello Pinto, vice-presidente da Rezende da empresa. Alfredo tinha, então, 56,94% das ações. As demais estavam nas mãos de outros sete sócios, todos profissionais ligados à empresa. Em dezembro de 1996, os advogados de Helena conseguiram com que a juíza de primeira instância da 5ª Vara de Família de Brasília desse a ela uma antecipação de tutela de 42,5% das ações da Granja Rezende, com base na informação de que, quando da separação, Alfredo tinha 85% das ações da empresa. Começou uma intensa queda de braço judicial. Em uma das batalhas, Helena Abib convocou a imprensa e realizou a “assembleia” da empresa na mesa de um bar que ficava na porta da Aciub. A disputa judicial ganhou as páginas dos principais jornais e publicações econômicas. Diante do cenário de instabilidade societária, os executivos da família Walton suspenderam as negociações do financiamento. Sem capital de giro, a empresa começou a ter dificuldades

nas operações e na negociação da prorrogação de empréstimos de curto prazo com outros credores. Helena obteve o apoio de dois dos demais sócios e conseguiu assumir o controle acionário da empresa. Alfredo Rezende e os demais sócios foram afastados de seus cargos. A nova direção começou a liquidar patrimônio da empresa para obter capital e tentar sustentar as operações. Antes que a ação sobre a partilha das ações fosse julgada, a Sadia entrou na história e comprou as ações de Helena e dos seus dois aliados. Alfredo e os demais sócios receberam a proposta de vender também sua parte ou esperar pela morosa decisão da justiça brasileira. Sem opção, eles decidiram vender também suas ações para a Sadia. A Rezende Alimentos foi negociada por R$ 134 milhões, em valores da época, cerca de 1/3 de seu valor real. Alfredo Rezende se afastou então totalmente do mundo dos negócios.


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1945 vila presidente roosevelt

Um loteamento inovador Bairro incorporou novos princípios da arquitetura moderna em sua concepção

O

s primeiros loteamentos de terrenos em Uberlândia, que foram os da área do Patrimônio da Igreja, seguiam o antigo modo de divisão em pedaços quadrados – por isto mesmo chamados de quadras – e subdivisão em lotes retangulares. As velhas ruas do povoado, seguindo o modelo colonial, tinham largura apenas suficiente para que dois carros de

Por oscar virgílio

bois ou carroções pudessem passar ao mesmo tempo, alinhados ou em direções opostas, como no Fundinho. Quanto a espaços de convivência, a regra era reservar apenas uma praça na frente do lugar destinado à obrigatória construção da igreja. Mais tarde, quando a comercialização de terrenos cresceu, é que surgiu a conveniência de serem reservadas mais algumas praças destinadas

apenas a embelezar e valorizar os terrenos de seu entorno, geralmente com os custos arcados pelo poder público. Em 1945, foi aprovado um empreendimento privado com proposta inovadora, a começar pelo nome, que em vez de ser nome de santo, homenageava o falecido presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, condutor de seu país na

Inovador Arquiteto João Jorge Coury adotou uma concepção arquitetônica diferente da mesmice quadrada


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guerra contra o nazifascismo. O arquiteto João Jorge Coury, chamado a planejar o loteamento da Vila Presidente Roosevelt, adotou, com aquiescência dos proprietários da área, uma concepção imobiliária diferente da mesmice quadrada então vigorante nos parcelamentos do solo. Arquitetura moderna O projeto do novo bairro incorporou diversos conceitos da arquitetura moderna que vicejava na Europa e já se manifestavam em várias capitais do Brasil, tanto no planejamento urbano como na construção de edifícios públicos e residências unifamiliares. O modelo adotado para o parcelamento era conhecido por cidade jardim, um estilo que estava na moda e de forte apelo comercial. Ao invés da pesada suntuosidade austera e elitista dos projetos tradicionais, privilegiava aspectos de interesse social. Formas leves e muitos espaços sugeriam engrandecimento e liberdade. Uberlândia não andou sozinha neste rumo. O espírito criativo da arquitetura moderna empolgava os bons arquitetos e teve grandes expoentes em várias cidades brasileiras. Goiás, desde as décadas de 1930/1940, já se empenhava em tais discussões e já adotara o modelo cidade jardim no planejamento de sua

nova capital, Goiânia, principalmente na formulação do Setor Sul. A versão uberlandense continha os ingredientes básicos daquele estilo, a partir da indução ao contato com a natureza, que não era expulsa da área loteada, mas tratada com carinho e preservada ao máximo. Praças (nove) e largos em profusão (sete), e não apenas a praça única na frente da igreja, com nomes evocativos de personalidades e fatos importantes da História: praças Lincoln, Jeferson, 14 de Julho, San Martin, Tiradentes, César Lates, Thomas Edison, Felipe dos Santos, Simon Bolívar. Grandes espaços (sete) chamados “largos” com nomes de flores (das Acácias, das Camélias, das Rosas, das Violetas, dos Lírios, dos Cravos, das Hortênsias). Ruas e avenidas largas, com nomes de países latino-americanos, apropriadas a um generoso tratamento paisagístico, além de espaços destinados a serviços públicos, onde surgiriam depois escolas – o Grupo Escolar Sete de Setembro, o Grupo Mário Forestan, o Centro de Indústrias do Sesi. E até um hipódromo, que chegou a ser muito utilizado, levando para a Vila Presidente Roosevelt, aos domingos, grandes plateias para assistir às corridas. Na parte interna de vários quarteirões foram reservados espaços para a prática de esportes, playgrounds e recreação, estimulando a convivência entre os residentes.

Um empreendimento de tal natureza carecia, no entanto, de tratamento específico e permanente, para manter as funcionalidades programadas. Isto deveria resultar de uma forte integração entre o poder público e o apoio da população, de forma individual e através de suas representações civis. A falta de cultivo desta cultura resultou, tanto aqui como em outras cidades, Goiânia inclusive, no desaproveitamento pelos moradores de todas as possibilidades de fruição dos espaços comuns interquadras. Ainda assim, de modo espontâneo e sem estímulo oficial, o vitorioso bairro acabou se tornando, proporcionalmente, o mais dotado na cidade de conjuntos musicais e de pontos populares de convívios diversos – cultural, social, esportivo e religioso. Lá trabalham muito e em paz ativas pastorais católicas, espiritismo, terreiros de umbanda, congados e trabalhos evangélicos. E ainda há uma concorrida biblioteca comunitária. Ali surgiu também a discussão de aspectos importantes do parcelamento do solo, levando à criação e implantação de conceitos locais marcantes e característicos até então inéditos. É que Uberlândia, desde a sua emancipação como município, adotara uma linha de desenvolvimento predominantemente urbana; porém ainda não se dera conta de que tal opção exigia uma atenção especial


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quanto à qualidade de vida de sua população, especialmente sobre a existência de áreas destinadas ao lazer, à convivência social e à instalação de serviços públicos. O primeiro empreendimento imobiliário local em que houve cuidado com tal assunto foi justamente a Vila Presidente Roosevelt. Renato de Freitas, um dos sócios do empreendimento, quando se elegeu vereador propôs que a reserva de áreas para fins públicos, assim como se fizera na Vila Presidente Roosevelt, fosse tornada obrigatória dali por diante, e não mais facultativa, como vinha sendo. Foi então aprovada, em caráter pioneiro no Brasil, a 5 de dezembro de 1955, a Lei n° 556, determinando que os loteamentos deveriam conter “áreas destinadas à Prefeitura, para serem por esta utilizadas com a finalidade que entender conveniente, na base pelo menos de 2% sobre o número de lotes existentes”. E mais : nos projetos deveria haver “a reserva de áreas destinadas a praças, em proporções mínimas exigidas pela moderna técnica de urbanismo.” Dinâmica ideológica Como acontece com toda inovação, a Vila Presidente Roosevelt despertou comentários de vários tipos, motivados pela introdução de novas regras no comércio imobiliário ou até mesmo por simples caipirice. Uma interpretação maldosa aplicada à Vila Presidente Roosevelt dizia que o projeto continha uma dinâmica ideológica indutora de comportamentos socialistas. Como se o estilo do bairro provocasse efeito igual ao do famoso “pó de Pirlimpimpim” inventado por Monteiro Lobato, de uma variedade secreta que, pelo simples contato, induziria os moradores do bairro ao comunismo... Até

João Jorge Coury: “canto e sorriso” hoje ainda há quem pense assim sobre os projetos de João Jorge Coury e vislumbre neles intenções ocultas e subliminares, apenas perceptíveis a espíritos muito aguçados. Já foi até descoberto que a Praça Tubal Vilela, com seus compridos bancos, tem perigosas características coletivizantes! São gracejos improcedentes. A arquitetura da União Soviética, país admirado por João Jorge Coury, ela também, como se sabe, buscava inspiração naqueles precursores e não concebeu nem construiu modelo algum que fizesse escola mundial, apesar da tentativa de desenvolver o chamado “construtivismo soviético”. Abalizados comentaristas acadêmicos de hoje não admitem identidade alguma daquelas formulações com as figurações humanistas de Coury que, em depoimento no IPM de 1964, expôs que a fonte de sua inspiração era o movimento da arquitetura moderna e deixou bem clara sua admiração pelo espírito criativo do francês Le Corbusier. Este mestre, cuja obra de fato teve caráter fortemente vanguardista, não pode ser lembrado separadamente de expoentes da escola moderna como o inglês Ebenezer Howard, autor da obra clássica Cidades Jardins do Amanhã (1850/1928) e o americano Frank Lloyd Wright (1867/1959), que projetou o Museu Guggenheim de Nova York. Preconceitos e falsa ciência à parte,

o certo é que foi graças ao projeto da Vila Presidente Roosevelt, de João Jorge Coury, que, embora de forma solitária, a cidade ainda sertaneja de Uberlândia, de regra asfixiada pela especulação imobiliária e pelo crescimento desordenado, assinalou sua presença nas propostas da arquitetura moderna. Pela primeira vez se adotou um parcelamento do solo que, apesar de sua destinação popular, tinha características próprias, lotes amplos e uso social planejado. Ali, o morador não viveria em espaços ridículos, nem se sentiria asfixiado e oprimido, como aconteceu com os índios confinados nos aldeamentos coloniais. O poeta francês Paul Valéry, em sua famosa obra “Eupalinos ou O Arquiteto”, de 1923, ajuda a entender o pensamento real que animava os projetos de João Jorge Coury. Este livro, inspirador de arquitetos cultos, era um dos que ele tinha à mão em seu escritório na rua Santos Dumont, entre outras obras de sua predileção. Eupalinos, um arquiteto que viveu na ilha de Samos, no século VI antes de Cristo, em fala revivida por Valéry classifica as obras de engenharia e arquitetura em três espécies: as mudas, que nada exprimem, as que falam e as que cantam e sorriem. Nas construções e espaços imaginados por Coury – casas, igrejas, praças, jardins, escolas e bairros – podem ser sentidos, espalhando claridade e leveza, o canto e o sorriso a que Eupalinos se referiu. Estimulando a convivência fraterna, o culto respeitoso à natureza, a valorização da pessoa humana, estes ingredientes das utopias são universais, imemoriais, não têm donos nem autores exclusivos. Apenas contam com raros intérpretes dotados da sensibilidade necessária para seu cultivo e perpetuação.


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Zona Boêmia: Nos anos 50 a zona boemia era localizada num trecho da rua Santos Dumont

década de 1950 código de postura

Baixo meretrício e meninas desvalidas Para conter a expansão da prostituição, o governo decide implantar algumas medidas saneadoras Por Júlio césar de oliveira

A

prosperidade econômica de Uberlândia nos anos 1950 fez com que um grande contingente de pessoas se deslocasse para a cidade em busca de negócios, trabalho e entretenimento. Temendo que o progresso expandisse a “imoralidade”, o poder público buscou normatizar a sociedade. Norteado pela presunção de periculosidade, responsável por associar a miséria material dos excluídos à criminalidade; os ébrios, os toxicômanos, os mendigos, os ociosos e as prostitutas foram apontados no Código de Postura Municipal de 1950 como nocivos à ordem pública. No entanto, as normas do Código foram incapazes de conter o aumento da prostituição que, segundo a imprensa local, feria os “valores morais da sociedade”. Diante deste quadro foram promovidos debates concernentes à virgindade, às uniões consensuais, aos crimes passionais e

à prostituição. Ao final deles, definiu-se que era prudente impor sobre esta última um rígido controle jurídico. Neste sentido, foram adotadas algumas medidas saneadoras. Na gestão do prefeito Tubal Vilela (1951-54), os lupanares, até então localizados nas ruas Guarany (atual Professor Pedro Bernardo) e Santos Dumont, foram transferidos para as ruas Sem Sol (hoje Engenheiro Azelli) e Uberaba (atual Joaquim Cordeiro). Para o jornal Correio de Uberlândia em 1956, essa postura fez com que as casas de tolerâncias se espalhassem por diversos bairros da cidade: “quando a zona boemia deixou de se localizar em certo trecho da rua Santos Dumont, por força de uma determinação legal emanada pelo prefeito Tubal Vilela da Silva, obviamente espalhou-se pelos quatro cantos da cidade – entre as casas de família, passando, desde então a criar sérios embaraços com as vizinhanças”.

Procurando resolver o problema criado por seu antecessor, o prefeito Afrânio Rodrigues da Cunha (1955-59) adotou a seguinte postura, assim descrita pelo mesmo Correio de Uberlândia também em 1956: “o senhor prefeito municipal deliberou fazer convergir para um ponto só a zona boêmia da cidade, sendo aproveitado então o trecho que circunda o Cassino Monte Carlo, na avenida Vasconcelos Costa e adjacências, onde, diga-se de passagem, já existem várias casas de tolerância mais ou menos agrupadas numa espécie de ‘zona’. Conforme conseguimos apurar, o Prefeito dará a todas as casas de tolerância que já existem na cidade (espalhadas entre as de família) o prazo máximo de doze meses para se estabelecerem no local já previamente destinado à zona boemia da cidade. Louvável providência do Prefeito Afrânio Rodrigues da Cunha visando a localizar (um ponto único) o meretrício de Uberlândia”. Porém, o prefeito esqueceu que, no local por ele indicado para ser a nova zona de baixo meretrício, localizavase o Lar Alfredo Júlio cujo objetivo era “amparar as meninas desvalidas”. Esta realidade obrigou os pais de família das áreas próximas às ruas Sem Sol e Uberaba a escreverem “residência familiar” nos portões das residências ou nas fachadas das casas. Dessa forma, apreende-se que as tentativas de exercer sobre a prostituição um rígido controle jurídico nos anos 1950 foram inócuas. Pior. Reforçaram no imaginário da sociedade o fato da prostituição ser um “mal necessário”. Um “mal” eficaz para satisfazer os “incontroláveis desejos sexuais” dos homens e, por extensão capaz de evitar que eles, “saciados sexualmente” não incomodassem as “jovens virgens e as mulheres honestas”.


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A gente ama o que faz!

CIDWAN

A Cidwan Propriedade Intelectual foi criada em 1975. Prestou serviços, inicialmente, em São Paulo e São José do Rio Preto. Em 1979, veio para Uberlândia por meio de parceria com a Aciub, na gestão do dr. Osmar Carrijo. Pioneira na realização de registros de marcas e patentes na cidade e região, conquistou a credibilidade em seu segmento de atuação, o que a levou a atender empresas de grande porte do cenário nacional, inclusive intermediando e assessorando a proteção de direitos no Brasil e exterior. Ao longo desses 42 anos, construiu diáriamente uma história de pioneirismo, competência e seriedade, conquistando clientes e inúmeras premiações. Uma história escrita com muito trabalho, dedicação e amor às atividades desenvolvidas.

AV. AFONSO PENA, 4619 - UMUARAMA UBERLÂNDIA-MG / CEP: 38.405-309 cidwan@cidwan.com.br (34) 98845-0529 (34) 3291-7400


História Fotografia registra a construção de um dos maiores centros comerciais de Minas Gerais e do país

25 anos center shopping

Empreendimento mudou a configuração da cidade Shopping abriu tendências de negócios e alterou paradigmas do consumidor

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ma surpresa na configuração urbana de Uberlândia nas últimas duas décadas e meia foi o crescimento da cidade para uma região cheia de brejos, que parecia pouco atraente para a expansão imobiliária. Até um grupo empresarial empreendedor descobrir que o lugar era um ponto interessantíssimo para a instalação do Center Shopping, um dos maiores centros comerciais de Minas Gerais e do país. O que se vê hoje, 25 anos depois, é um empreendimento visionário cumprindo a meta de transformar a

Por Carlos Guimarães Coelho

área pouco promissora em um local de grande convergência de vias, alto fluxo de veículos e referência de consumo para a região. Juliana Lessa é uma das pessoas que ajudaram a fazer esta história. Pouco depois da inauguração, recémformada em Comunicação, entrou no shopping como assistente, depois tornou-se analista, supervisora e, por fim, gerente de marketing até 2011, quando saiu para seguir carreira como promotora de eventos corporativos. “A empresa vinha de um núcleo familiar e era essa a atmosfera que tínhamos em nossos relacionamen-

tos. Era como familiares que convivíamos ali, sem vaidades de hierarquia e todos reconhecendo a todos pelo próprio nome. Se passávamos a maior parte do tempo lá dentro, sem saber se lá fora fazia frio ou calor, era necessário manter a temperatura do afeto e da colaboração uns com os outros. Foram bons tempos de convivência”, recordou Juliana. Ela conta também que, no início, o shopping era um dos poucos lugares para passear na cidade e, mesmo não tendo ainda um número de lojas tão grande, o desenvolvimento da região já era visível.

fotos beto oliveira

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Permanência Há cinco anos, o Center Shopping tinha apenas uma praça de alimentação e um restaurante de maior porte. Dos primeiros lojistas nem todos permaneceram. Apenas seis comemoram com o shopping 25 anos de funcionamento. Entre eles está o advogado Antônio Carlos Cardoso, proprietário da loja Cairê, que abriu suas portas no primeiro dia de funcionamento do Center Shopping e lá permanece até hoje. Cardoso confessa que pensava que a loja era algo provisório. “Não vim para ficar e acabei ficando 25 anos. Outros que chegaram pensando na perenidade, acabaram saindo, alguns há mais de décadas. O mercado não é fácil para ninguém, mas, com profissionalismo, a gente consegue vencer as intempéries do mercado. E o Center Shopping ajuda a dar um atendimento mais profissionalizado ao cliente. Só com profissionalismo é que a gente vence”, disse o empresário. Para Antônio Carlos, o shopping já se tornou sua segunda casa, aprendeu a não temer a concorrência e a se impor no mercado. “Nesses 25 anos no Center Shopping, criei minha família. Gosto muito daqui. Conheço pelo nome da pessoa que retira o lixo

aos donos do shopping. Na verdade, somos mais donos que os próprios donos.

Não é só consumo

Fábio Teodoro: “um centro de convivência”

Ser maior e melhor

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ois meses depois de o shopping celebrar 10 anos de existência, em 2002, com shows gratuitos de artistas locais e atrações como Kid Abelha e 14 Bis, Fábio Teodoro iniciava a carreira de profissional de marketing. Entrou como analista, passou pelos departamentos comercial e financeiro até chegar a diretorsuperintendente após a fusão entre o Arcom e o grupo BRMalls. Para Fábio, “em se tratando de um projeto inovador para a cidade, o Center Shopping não somente alterou a paisagem urbana do município como trouxe novos hábitos de consumo e novos conceitos para o consumidor”. Na opinião dele, “o Center Shopping promoveu a inclusão das pessoas em um novo modelo de sociabilidade. Somos um centro de convivência”. Fábio revela que um escritório espanhol foi contratado para prospectar o desenho do empreendimento nos próximos 30 anos. A partir deste estudo, algumas expansões já estão sendo pensadas, além da instalação de novas torres. De acordo com o diretor-superintendente, os próximos três anos serão dedicados à revitalização do shopping. Relatou, em primeiríssima mão, que o espaço passará por mudanças. “Ser maior depende muito do mercado lá de fora, que anda oscilando muito. Então, vamos aproveitar este momento para ser melhor. O momento é de ‘retrofit’, dar uma repaginada e mostrar uma ‘cara nova’ para os clientes.

Hoje, ao falar dos 25 anos do Center Shopping, Juliana Lessa não esconde a alegria e o orgulho de ter feito parte do empreendimento e sua gratidão ao Arcom e a Willian Costa Dias, diretor- superintendente do shopping em 18 dos seus 25 anos de existência. Ela destaca os grandes eventos culturais e promocionais, as campanhas inovadoras para fomentar o consumo, os eventos gratuitos, os cafés com lojistas, fornecedores e frequentadores e as decorações criativas e impactantes nas datas comemorativas. “Nós fizemos o Center Shopping. Estávamos lá em todas as expansões. Shopping não é só consumo. Tem de ser amor. No início da década, o grupo fundador do empreendimento, o atacadista Arcom, realizou a fusão com a holding BRMalls, empresa de capital aberto com portfólio de investimentos bem-sucedidos em todo o país. Na fusão, o Arcom viu a oportunidade de aliança com uma força comercial que tinha diálogo com grandes marcas, além do alto profissionalismo de gestão trazido pelo novo grupo.


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Afrânio “Anísio Teixeira nos dava conselhos sobre o futuro do país. E o futuro passava pela educação”

entrevista Afrânio azevedo

“Um homem muito orgulhoso da vida“ Cirurgião mudou aparência de guerrilheiro procurado Por Arthur fernandes

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le foi um personagem marcante. Um homem de posições claras, de posições firmes. Corajoso, inteligente, amigo. Polêmico como a maioria dos Freitas. Cumpriu notável papel como médico, cidadão, educador. Um brasileiro dos bons. Em 1969, Afrânio foi procurado pelo guerrilheiro Carlos Lamarca, um dos líderes da oposição armada à ditadura. Lamarca queria fazer uma cirurgia para mudar suas feições da maneira mais radical possível. “Ele (Lamarca) tinha orelha de abano, coloquei no lugar. Tinha nariz de tucano, ficou reto. Tinha sobrancelhas muito caídas, eu as levantei”, recordou o médico durante entrevista ao MGTV em 2014.

Afrânio sempre descartou qualquer arrependimento pelo que fez. Tinha orgulho de ter somado esperança aos que viveram a repressão militar. “Este período foi importante na consolidação da vontade de colaborar para acabar a ditadura. Me sinto muito orgulhoso do que fiz, das prisões, espancamentos, de tudo. Sou um homem muito orgulhoso da minha vida”, afirmou. Do tio, Josias de Freitas, cirurgião de Uberlândia que fez escola no Rio de Janeiro quando ainda era capital federal, ele herdou a paixão pela medicina. Na especialidade que escolheu, a cirurgia plástica, seu principal tutor foi Ivo Pitanguy. “Afrânio era um cirurgião plástico excepcional”, disse o colega de

turma, Henrique Garcia. Depois de quase duas décadas no Rio, Afrânio voltou para Uberlândia em 1988 com uma missão bem definida: aplicar os fundamentos da Nova Escola do educador Anísio Teixeira, com quem conviveu. Afrânio de Freitas Azevedo faleceu em 2015 aos 75 anos. Leia a seguir os principais trechos de uma entrevista de Afrânio ao jornalista Arthur Fernandes em abril de 2011. Como é a Uberlândia de Afrânio de Freitas Azevedo? Eu vivi duas épocas em Uberlândia. Uma na infância muito feliz quando Uberlândia tinha perto de 100 mil habitantes. Depois, estudei em São Paulo e fui para o Rio fazer vestibular. Estudei na Praia Vermelha. Tinha um tio que era professor lá, um dos melhores cirurgiões que o Brasil conheceu, Josias de Freitas, que cuidou dos seus sobrinhos como se fossem filhos. Nos deu todas as armas que a cirurgia pode oferecer. Morei com ele quase seis anos em Botafogo. Foi um período muito rico na minha vida. Aprendi muito. Tive seis casamentos, tenho duas filhas do primeiro. O professor


55 Carlos Lamarca, um dos guerrilheiros mais procurados do país durante o regime militar

“Eu operei Lamarca” Em 1998, Afrânio Azevedo deu uma entrevista à revista Manchete em que contou detalhes da cirurgia plástica no ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, um dos opositores mais procurados na época pela forças de repressão do regime militar que governava o país. Leia, a seguir, um resumo da narrativa de Afrânio sobre o episódio que iria marcar sua vida para sempre.

”Em 1969, fui procurado por um colega médico Almir Dutton Ferreira, para realizar um trabalho importante para uma organização clandestina, a VPR – Van­guarda Popular Revolucionária: uma cirurgia plástica para alterar as feições de um líder guerrilheiro. Não houve identificação do guerrilheiro.” “No dia da cirurgia, levantei cedo e segui de carro para a clínica, em Santa Teresa, um hospital onde operava com freqüência. O paciente internou-­se sob o olhar de assisten­tes e enfermeiros e que também não o reconheceram. Iniciada às 8h da manhã, a cirurgia durou uma hora e 40 minutos, sob anestesia geral.” “Fiquei sabendo que havia uns oito ou dez homens com Lamarca no quarto, enquanto ele se recuperava da operação. O único acom­ panhante que pude ver no hospital, fui conhe­cê-lo depois, durante a prisão. Chama-se Wellington Diniz e hoje vive em Uberaba.

“Menos de um mês depois, os jornais estamparam as primeiras notícias de que Lamarca teria feito uma cirurgia facial que lhe alterara a fisionomia, porque o Exército e a polícia não conseguiam localizá-lo em lugar nenhum. Vi que o pesadelo estava se aproximando.” “No dia 6 de abril de 1970, fui levado ao DOI-CODI da Rua Barão de Mesquita. Um agente ameaçou: ‘O senhor vai contar a história direitinho para nós ou vai passar por isso.‘ Eu estava diante da mesma pessoa que acompanhara Lamarca no dia da cirurgia: era Wellington Diniz, seu segurança pes­soal. Quebrado da cabeça aos pés. ‘A situação é a seguinte’, disseram os poli­ ciais do DOI-CODI: ‘ele disse que o senhor sabe quem é o médico que o procurou, e o senhor vai dizer.’ “Algemado, saí dali para o Conselho Regional de Medicina, onde os agen­tes queriam que eu identificasse o médico no fichário, mas o Wellington acabou revelando antes o nome de Almir Ferreira. Mentiram a ele que eu já havia reconhecido, e ele confir­mou o nome.” “Depois de 73 dias, às 14h do dia 18 de junho de 1970, fui finalmente solto. Na saída do DOI- CODI, o Capitão João Câmara Gomes Carneiro disse: ‘Esqueça tudo o que você viu aqui. Será bom para você e bom para nós.’ Quando cheguei em casa, senti uma alegria imensa ao rever minhas filhas.”

Ivo Pitanguy me levou para a clínica particular dele, talvez por deferência com o que ele aprendeu com meu tio. Para mim, foi muito gratificante trabalhar com Ivo Pitanguy. Quando terminei meu curso em 1965, já tinha atividades no hospital no qual era professor na cadeira do professor Josias. Sedimentei meu conhecimento. E a segunda Uberlândia? Voltei para cá em 1988 com a experiência na vida universitária, na política, e, fundamentalmente, no conhecimento que tive com o professor Anísio Teixeira, pai da educação na América Latina. O filho de Anísio era meu companheiro de atividade política e meu calouro na faculdade. Na casa dele, nós nos reuníamos. Ele (Anísio Teixeira) ficava em casa porque tinha sido cassado pelo governo militar, era um dos criadores da Universidade de Brasília, e em nossas reuniões pedia para se sentar conosco e nos dava conselhos extraordinários sobre o futuro do país. E o futuro passava inquestionavelmente pela educação. Este futuro chegou? Acho que estamos construindo o sonho dele. Eu me guio única e exclusivamente pelo que ele me ensinou. Para fazer uma boa educação, nem a remuneração é tão importante. Deveria ser, mas não há recursos suficientes para pagar o que o professor merece. O crescimento populacional em Uberlândia é gigantesco. A cidade recebeu uma migração intensa nestes últimos anos. Quando voltei, em 1988, Uberlândia tinha em torno de 175 mil a 200 mil habitantes. Hoje a cidade quase triplicou sua população, tem mais de 600 mil habitantes. Este crescimento é devido às ofertas que Uberlândia tem


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Afrânio e o time de basquete no Praia Clube. Em pé, Décio Tibery (técnico), Paulo Emilio, Rubens Guilherme e Sérgio Santos. Agachados, Élcio Marques, Marden Grama, Afranio e Gilberto Rodrigues da Cunha oferecido à população das cidades do entorno e de cidades do Nordeste do país. A migração é muito grande. Em que circunstâncias aconteceu a cirurgia de Lamarca? Fizemos um trabalho político muito importante contra a ditadura militar. Fui preso seis vezes. A última, por causa da cirurgia do Lamarca. Havia uma repressão enorme, principalmente, ao setor operário e estudantil e alguns companheiros, amigos contemporâneos de universidade, me procuraram e me pediram para fazer a cirurgia em um líder de uma organização. Eu disse: depende de quem é o líder. Eles disseram que o nome eu não poderia ficar sabendo. Eu disse que se não ficasse sabendo, não iria operar. O senhor participava de algum grupo de resistência ao regime nesta época? Não. Eu já tinha deixado de participar. Eu estava trabalhando na universidade, tinha cinco anos de formado. O núcleo inicial da guerrilha comandada por Lamarca ficava no Rio. Eles fizeram muitas ações, expropriação de dinheiro em assaltos a bancos, compra de fazendas para treinamento militar. Mas, é sempre aquele problema: eram jovens demais. Estavam

tentando repetir Che Guevara e se imortalizarem através da luta de guerrilhas. Eu tinha também uma formação de esquerda, marxista. O senhor mantém até hoje essa posição ideológica? Tenho uma concepção marxista da história. Acho que a única coisa que o marxismo esqueceu de analisar foi o ser e o ter. A vaidade humana e a necessidade de posse que o ser humano tem. Posse da mulher, posse do marido, posse do filho, posse da riqueza. Isso é um componente sério que tem que ser levado em conta. Como este marxista participante de atos contra o governo militar foi parar em governos de origens udenista e arenista? Por incrível que pareça. Quando voltei para cá, encontrei a situação política muito polarizada. Não era em torno de princípios, era em torno do bem-estar da comunidade. Eu tinha grande amizade com Paulo Ferolla. Crescemos juntos. Dei orientações para o pessoal que estava fazendo o marketing da campanha (para a Prefeitura de Uberlândia em 1989). No dia do debate, fui para casa dele e treinei o Ferolla. O Paulo foi preparado para a TV, para o debate com Geraldo Rezende, que tinha grande

experiência política, era deputado e tal. Cheguei à conclusão que tinha que levar o Paulo do jeito que ele era, simplório, o paizão que ele é. A figura bonachona e a simplicidade dele foi o que levamos para a televisão. Os marqueteiros dizem que foram eles. Não foi não. Eu que fiz a campanha. Ganhou a eleição no debate porque todos viram que ele não mentia. E o Virgílio Galassi, posteriormente, como era sua relação com ele? Muito boa. Mesmo com essas diferenças antagônicas de pensamento político? Sem problemas. Muito boa. Para ambos. Para o último governo do Virgílio e o primeiro do Paulo, fiz os programas de governo. Foram governos magníficos para a cidade. A cidade teve uma explosão de desenvolvimento e de competência. Dentro do governo, cobrei cada coisa que tínhamos colocado no programa de governo. E aconteceu. Eles se tornaram hegemônicos, mas nunca deixaram de me consultar. Foram importantes nas sucessões. Os dois nunca mais perderam eleições. Acho que foram homens fundamentais para a cidade.


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Uberlandices... preservação da ordem

Cavalaria no canavial

E

m meados da década de 60, alguns atos de violência começaram a acontecer nas ruas de Uberlândia. A população estava em crescimento, a cidade tinha quase 90 mil habitantes. Vândalos e desocupados andavam quebrando vidraças, danificando jardins e levando pães que eram deixados pelos padeiros nas janelas das casas. Os moradores prejudicados clamaram por providências junto às chamadas forças vivas da cidade. As lideranças, como sempre, agiam quando convocadas pela comunidade e se puseram em ação. Como no tempo dos grupos políticos Cocão e Coió, a movimentação foi de impressionar, dos escritórios do Cine Uberlândia, onde ficava Nicomedes Alves dos Santos, até a residência do líder pessedista Antônio Thomaz Ferreira de Rezende – o Toninho Rezende. Com um telefonema para Belo Horizonte, a cidade recebeu seu Grupamento de Cavalaria. Com a vinda da milícia, a coisa melhorou em termos de vadiagem nas ruas. Pelo menos até um certo dia, quando cidadãos de bem foram até a redação do jornal, para falar com o jornalista Licydio Paes. Eles contaram que os cavalos do Grupamento de Cavalaria, soltos à esmo pelas redondezas, estavam comendo, pisoteando e estragando o canavial plantado pelos internos do Patronato de Menores. Licydio redigiu a notícia e o jornal foi às ruas. Dia

seguinte, à porta do jornal, estava o capitão e mais seis praças montados, e o referido oficial passou a exigir com energia de militar ofendido que o autor da notícia se retratasse. O antigo e destemido jornalista prometeu atendê-lo, mas... sem perder a dignidade de profissional consciente. No dia seguinte – em sua primeira página –, o jornal trazia a solicitada retratação: “A respeito de notícia veiculada na edição de ontem, dando conta de que os animais do Grupamento de Cavalaria estão comendo, pisoteando e estragando o canavial, laborio-

samente plantado pelos meninos do Patronato, devemos, por bem da verdade, dizer que houve uma pequena discrepância de redação: quem está se aproveitando mal do canavial dos internos do Patronato de Menores de Uberlândia não são os cavalos, mas os próprios cavaleiros!” Não se sabe se houve outro telefonema para Belo Horizonte, mas que o Grupo de Cavalaria foi de curta existência na cidade, foi... Alberto de Oliveira No livro “Havia um caminho...”


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Aplausos a ela

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ANOS 50

No tempo da Brilhantina

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Lambretta foi o primeiro veículo motorizado fabricado no Brasil. Isso em 1955, antes mesmo do início da indústria automobilística. Tinha como um dos pontos fortes a boa estabilidade devido ao baixo centro de gravidade proporcionado pelo motor próximo à roda traseira. Virou mania nacional e Uberlândia, moderna por essência, foi cativada pela simpatia e charme dessas “máquinas”. Os adeptos eram tantos que, no final da década de 50 e início da de 60, foi criado o “Lambretta Motor Clube de Uberlândia”. Numa época em que as opções de entretenimento não eram tantas, ele é quem promovia festas, encontros e eventos. A febre das “Lambrettas” em Uberlândia durou até o surgimento dos primeiros carros brasileiros. Mas, até hoje, a Lambretta ainda é uma relíquia muito valorizada por colecionadores.

As gincanas promovidas pelo Lambretta Motor Clube de Uberlândia reuniam sempre muito público como este no Praia Clube quando a portaria ainda era pelo antigo córrego São Pedro, atual av. Rondon Pacheco. À frente Haroldo Serralha e, logo atrás, Oswaldo, Walter e Agenor Garcia.

ANOS 60

Cabeludo não!

N

a década de 60, os costumes e hábitos em Uberlândia eram bem diferentes. Especialmente no tocante à liberdade, talvez influência do regime militar em

vigor. Para quem não viveu isso fica até difícil de acreditar, mas, nesse período, a entrada do sócio no Praia Clube, principalmente nos finais de semana, era fiscalizada pelo próprio presidente do clube, Adalberto Testa. Ele ficava na portaria dando as ordens e ai do rapaz que chegasse com o cabelo muito comprido. Era barrado mesmo! Se não viesse com a “cabeleira” aparada, não entrava. Dá para imaginar o sofrimento dos jovens da época que usavam grandes fivelas no cinto e calças boca de sino, que chegavam até 40 cm de largura. Outros tempos, outras regras.

ue Uberlândia é uma cidade muito musical, todos já sabem e reconhecem. Que é berço de grandes talentos que reverberam para o país e para o mundo é um fato. O que muita gente não sabe é que Vanessa da Mata começou sua carreira aqui. Ela nasceu em Alto Garças (MT) em 1976. Em 1990, com 15 anos, veio morar em nossa cidade para tentar entrar na Faculdade de Medicina. Era uma jovem estudante em Uberlândia, quando abraçou também a carreira musical e começou a tocar e cantar nos bares da cidade. Daqui galgou os degraus da fama e, hoje, é uma das principais intérpretes da nova MPB. Muito simpática e honrada, Vanessa frequentemente em suas entrevistas faz referência com carinho à cidade onde tudo começou na sua carreira artística.


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Rio Uberabinha “Os amadores dos esportes náuticos nele organizaram a Associação Esportiva Praia Clube”

arquivo revista uberlândia ilustrada de 1939

A joia preciosa de Uberlândia Artigo publicado em 1939 enaltece o Uberabinha e registra o Praia Clube às margens do rio

D

as imensas riquezas naturais que possui o município de Uberlândia, é inquestionavelmente o rio Uberabinha a sua joia mais preciosa. Pelo poente da cidade passa ele sempre correntio e marulhoso sobre o seu leito de pedras resistentes. As suas águas puríssimas banham a extensão superior a 135 quilômetros, atravessando toda a superfície do território do município, da parte sul e oeste. Em toda essa extensão ostenta ele riquezas inesgotáveis. A pastaria, no seu vale extenso e sinuoso conservase numa verdura perene, recebendo a vaporada constante das suas águas puríssimas. Constitui um tesouro imenso a reserva de argila no subsolo das suas margens onde existem abundantemente turfa e minérios enormes de pedrarias de cristais, diábase micas, xisto e outras variedades. O diamante, cobiçado que aí tem aparecido, é o prenúncio de uma reserva preciosa ainda não explorada. Majestosas cachoeiras forma ele na região acidentada, já utilizada como fonte geradora de energia,

beneficiando a cidade, evoluindo–se em todos os setores, serão, num futuro pouco distante, utilizadas as suas águas cristalinas para abastecer a cidade, já prevendo-se a insuficiência dos mananciais aproveitados. Dando expansão ao esporte na cidade, os amadores do desporto náutico organizaram a Associação Esportiva “Praia Clube”, escolhendo para seu campo de exercícios de ginástica e natação, um recanto nas margens, rica de frescura e poesia, no subúrbio da cidade... Sua beleza invulgar inspirou a musa vadia do poeta Dalbas Junior, que o cantou em quadrinhas mimosas:

As borboletas vadias Parecem pétalas de rosas, Sobre as areias macias Das suas praias formosas. Nas ribeiras, a ramagem Nos verdes galhos pendidos, Forma a densa plumagem Dos ramos ali–nascidos. Suas águas evaporadas Em gotinhas brilhantes, Caem na relva aveludada Das suas ilhas verdejantes.

RIO UBERABINHA

As alegres saracuras Entoam-se em hino, cantando A beleza das águas puras, Do rio que vai passando.

Desse rio a pedraria Forma a rocha resistente, Onde as águas noite e dia Murmuram constantemente.

Para esse rio perfeito, Quis a natureza dar, Tudo que havia feito, Para ao mundo embelezar.

Formam-se véus de prata, Desse rio as cachoeiras, À sombra da verde mata, Sobre a rocha altaneira.

Dalbas Junior era o pseudônimo de Jerônimo Arantes, diretor da revista “Uberlândia Ilustrada”, onde o artigo foi publicado.


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Ignácio Paes Leme (à esquerda) encarregado por Vilela de construir a estrada de Uberabinha a Vila Platina

ignácio paes leme

A escora segura de Fernando Vilela Engenheiro comandou projetos importantes: água nas torneiras e estradas para automóveis Por antônio pereira

I

gnácio Pinheiro Paes Leme era carioca. Nasceu no dia 12 de novembro de 1873. Formou-se engenheiro civil pela Escola Politécnica do Largo de São Francisco, no Rio de Janeiro. Iniciou suas atividades profissionais em Franca, transferindo-se, depois, para Araxá e Vila Platina (Ituiutaba). Assumindo a presidência da Câmara de Vila Platina, em 1909, Fernando Vilela, na condição de Agente Executivo, contratou-o para a execução de seu grande projeto, o abastecimento de água da cidade. Foi um trabalho árduo, pressionado pela

urgência. A região passava por uma crise de seca. Vilela queria um serviço definitivo e seguro e não um paliativo, o que lhe exigiu muitas viagens, empréstimos, avais, reuniões com vereadores e pessoas da comunidade. Estabelecido um projeto definitivo, Paes Leme iniciou o seu trabalho com o apoio dos vereadores Nicodemos Macedo e Vitório Alessandri, também engenheiros. A água secando, Paes Leme e Vilela enfrentando sem descanso as obras e o povo dizendo que o “homem” estava louco. Por um capricho da sorte, quando a última fonte de abastecimento secou, a água

jorrou abundante pelas torneiras. Foi uma festa inesquecível com muitos foguetes, discursos e cervejas. Paes Leme saudou o Agente Executivo, em nome do povo. Fernando Vilela agradeceu a saudação e acrescentou que construiria uma estrada para automóveis de Uberabinha até Vila Platina. Os populares comentavam: “O homem ficou louco mesmo. Mal sai de uma encrenca e já entra em outra”. Paes Leme construíra para Fernando Vilela o primeiro serviço municipal de captação e distribuição de água no Triângulo Mineiro. Já havia um, em Uberaba, mas era particular. Vilela levou Paes Leme para diretor técnico de sua empresa, Companhia Mineira Auto Viação Intermunicipal encarregada da construção da estrada. Antes de constituí-la, Vilela iniciou a construção da estrada. Era junho de 1912. A Companhia só se formou em dezembro. Imediatamente, Paes Leme começou a obra mais importante da história do desenvolvimento econômico de Uberlândia. As ferramentas da obra eram pás, picaretas, enxadões, grades de arado, juntas de bois e carroças. O primeiro veículo a rodar pelas ruas esburacadas e poeirentas de


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Paes Leme leva a rodovia a Monte Alegre e chega à ponte Afonso Pena

Uberabinha foi o Ford Doble Phaeton de Paes Leme em 1912. Suas rodas eram de ferro, com aros. Seus pneus não tinham câmaras. Era uma massa sólida de borracha. Sem um sistema amortecedor, andava aos pulos. O povo apelidou-o de “gafanhoto”. A pretensão de Vilela era levar sua estrada até Monte Alegre, Vila Platina (Ituiutaba), Abadia do Bom Sucesso (Tupaciguara) e ponte Afonso Pena. Mais tarde pretendia estendê-la a outras cidades. Paes Leme começou a visitar estes lugares já traçando o projeto da futura estrada. Os caminhos que existiam eram as trilhas dos carros de bois desniveladas e cheias de buracos. O “gafanhoto” se enfiava por essas trilhas e ia saltando até chegar às vilas. Em julho de 1914, Paes Leme entrou em Vila Platina dirigindo uma caminhonete Overland. Era o primeiro carro a chegar lá. O povo se assustou com a novidade, mas logo se aproximou. A tal ponto se entusiasmou a cidade que, à noite, Paes Leme dirigiu os trabalhos da Câmara Municipal. Dois meses depois, Paes Leme chegou a Santa Rita do Paranaíba (Itumbiara) onde foi recebido com surpresa e festas. Paes Leme, ainda visitou outras cidades goianas

e mineiras onde pretendia chegar com as estradas do Vilela. Segundo o dr. Sylvestre, filho do Paes Leme, a sua chegada a Monte Alegre foi pitoresca. Era dia santificado e o pároco, frei Osório Ferreira, conduzia a procissão. O povo da velha cidade seguia lentamente pelas ruas irregulares numa demonstração de convicta fé. Eis que, de repente, surgiu, numa das pontas da rua da procissão, o “gafanhoto”. Um monstrengo metálico, desajeitado, com uns olhões apagados saltados pra fora, estourando, urrando, aos pulos e numa velocidade dez vezes maior que a do mais veloz carro de bois do lugar. Parecia um demônio. Foi um Deus nos acuda. O povo largou os andores no chão e debandou. O sacerdote, dos poucos alfabetizados do lugar, sabia que estava diante de uma das grandes novidades técnicas do progresso humano: o automóvel. Acompanhado do motorista, o padre foi atrás dos fiéis e os convenceu de que aquilo não era arte do demônio, era o progresso que estava chegando. Os cristãos retornaram, refizeram a procissão e, depois da missa, deram voltinhas no “gafanhoto”. Em setembro foi inaugurado o primeiro trecho, de Uberabinha a Monte

Alegre, com 72 km. Os dois primeiros motoristas da Companhia foram: João Camilo (preto) e Abílio das Neves (branco). Aprenderam a dirigir com Paes Leme. Em 1917, a rodovia chegou à ponte Afonso Penna. Residindo em Uberabinha, Paes Leme foi eleito vereador por duas legislatura colaborando com a administração municipal de 1919 a 1925. O que se colhe nos jornais da época como informações históricas sobre a nossa estrada pioneira são textos do Paes Leme, ora expondo o desenvolvimento rodoviário regional, ora refutando acusações e queixas contra a Companhia Mineira. Raramente, Fernando Vilela ia aos jornais. Em 1924, Paes Leme deixa a Companhia, nomeado pelo presidente do Estado, Melo Vianna, prefeito de Araxá. Em 1928, volta para o Rio de Janeiro e casa-se com Maria Djalmira Paes Leme, sua prima. Após a revolução de 1930, o governador Olegário Maciel nomeia-o prefeito de Caxambu e ele volta a Minas Gerais. Paes Leme faleceu no Rio de Janeiro no dia 10 de junho de 1956. Em sua homenagem, nomeou-se uma avenida em Uberlândia. Quando o presidente Juscelino mandou asfaltar o trecho da BR-365, de Uberlândia ao Trevo de Monte Alegre, em 1958, projeto do deputado Rondon Pacheco, constatou-se que 70% do seu trajeto estava em cima da velha estrada do Fernando Vilela, construída pelo Ignácio Pinheiro Paes Leme. Fontes: Tito Teixeira, Brasilaves Borges, Jerônimo Arantes, Hélio Benício de Paiva, Waltercides Silva, Guido Bilharinho, Paes Leme, Sylvestre Paes Leme.


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Frida: “Quando ganhei o primeiro trofeuzinho, comecei a gostar”

tÊnis senior

Frida: número 1 do ranking mundial Tenista, líder do ranking brasileiro, coloca o nome do Praia e de Uberlândia no mais alto posto da modalidade Por hélcio laranjo

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ma tenista sul-americana permanecer entre as dez melhores atletas no ranking mundial já não é nada fácil, mas o mais difícil ainda é assumir a liderança e se manter entre as três melhores do mundo. Mesmo sabendo que a disputa não é nada igual, já que, na Europa, existem muito mais torneios de tênis do que na América do Sul, com muitos mais pontos em jogo, a tenista do Praia Clube Christa Alice Coelho, mais conhecida como Frida, não se intimidou. Em junho de 2016, ela venceu o Torneio Senior de Terrazas, no Peru, superou a alemã Nanda Fischer e se tornou a tenista número um do mundo na categoria acima de 75 anos, totalizando 780 pontos.

A atleta que coloca o nome do Praia Clube e de Uberlândia no mais alto posto do mundo do tênis senior não tinha nenhuma familiaridade com o tênis na adolescência. Natação e atletismo eram as modalidades preferidas por Frida, ainda jovem em Blumenau (SC), sua cidade natal. Ganhou três medalhas de honra ao mérito e, por três vezes, foi ao interior de São Paulo para disputar os jogos abertos e conquistou o recorde sul-americano no lançamento de dardos. Só conseguiu se apaixonar pelo tênis por causa de uma outra paixão, seu falecido esposo, o bancário Geraldo Plínio de Souza Coelho, que praticava tênis quando eles se conheceram. Ele a incentivou quando se mudaram para Porto Alegre e encontraram um

bom professor. Não foi um começo fácil. “Muita bola fora, acho que não vou dar pra isso, não. Parece jogo de fresco”, ela reclamou com o marido. Ele insistiu e Frida não apenas continuou a praticar o esporte como foi melhorando gradativamente. Um ano depois, ela conquistou seu primeiro título. Aí, sim, tomou gosto pelo tênis. “Quando ganhei o primeiro trofeuzinho comecei a gostar”, recordou. Foi assim que ela, Frida, foi conquistando troféus e medalhas, graças a muito treino, preparação física e seu rígido modo de ser. “Sou perfeccionista, rígida comigo mesmo e sempre quis ser a primeira. Desde os 50 anos Frida é líder do ranking brasileiro e há mais de dez anos está entre as 10 melhores atletas do mundo. No sobe-e-desce do ranking mundial, Frida sabe que disputando menos pontos não pode desperdiçar nenhuma chance. Em 2016, Frida venceu em simples e duplas e ainda foi considerada a melhor tenista do ano. Ela ainda tem muito tempo para continuar participando de disputas e para ficar no lugar que merecidamente conquistou: o primeiro no ranking mundial de sua categoria.


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Finalmentes...

Dr. Hermilon Correa, médico com mais de 20 mil partos, recebe o quadro homenagem. Ele foi entregue pelo presidente do Conselho do Cajubá, Antonio Dela Torre, e pela musicista Cora Pavan Capparelli. Os lançamentos de edições do Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre têm se transformado em momentos de raro congraçamento dos mais diferentes segmentos da nossa sociedade. Artistas, empresários, publicitários, jornalistas sempre se fazem presente, prestigiando estes eventos. Duas homenagens marcaram a noite de 21 de março na entrega da edição número 12 nas instalações do Cajubá Country Clube. “Cumprimento o jornalista Celso Machado, que teve a iniciativa genial de homenagear o idealizador do Cajubá, Aloysio Moreira da Costa, que deu vida a este clube. Quanto à minha, tenho recebido inúmeras homenagens pela generosidade de amigos. Mas, esta aqui considero especial. E marcou um dos momentos mais felizes que tive”, disse o homenageado Hermilon Correa, fundador do clube e um dos mais expressivos médicos uberlandenses. “Quero agradecer esta homenagem que hoje recebo. Vou guardá-la com muito carinho e respeito”, afirmou o idealizador e responsável pela construção do Cajubá, Aloysio Moreira da Costa.

Pedro Eduardo e Taisa ferreira Machado foram ótimos anfitriões na noite de lançamento da edição número 12.

Aloysio Moreira da Costa, criador do Cajubá, recebendo a homenagem. Ao seu lado direito, um dos companheiros nesta missão Ricardo Santos e, à esquerda, dr. Luiz Alberto Garcia e o presidente Paulo Roberto Franco. Premiação, Rosilei Ferreira Machado, diretora da Close, recebendo das mãos do vice-reitor da UFU, Orlando César Mantese, o diploma da premiação “Mulheres que fazem história promovido pela Aciub Mulher. Ela foi o destaque em 2017 na categoria “História”.


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