Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 10 • NÚMERO 19
10 ALMANAQUE
ANOS
ABRIL • 2021
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Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 10 • NÚMERO 19
ISSN 2526-3129
ABRIL • 2021
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ANOS
Sumário TRIBUTO
ALCIDES HELOU, UM PERSONAGEM DO BEM
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NOSSA CAPA
Obra da artista Rejane Paiva criada especialmente para esta edição de 10 anos HISTORIADORES
• Antonio Pereira • Jane de Fátima S. Rodrigues • Julio Cesar de Oliveira • Oscar Virgílio Pereira DIREÇÃO GERAL
Celso Machado PROJETO GRÁFICO
REGISTRO
10 ANOS DE ALMANAQUE
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CULTURA
70 ANOS DA BANDA MUNICIPAL
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Antonio Seara PESQUISA E REPORTAGEM
Carlos Guimarães Coelho e Celso Machado COLABORAÇÃO
• Ademir Reis • Antonio Hubaide • Cristiana Helluy • Carlos Magno • Carlos Roberto Viola • Gilberto Gildo
REGISTRO
SANATÓRIO MUNICIPAL
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ENTREVISTA
DR. WILSON, O HOMEM DOS 7 INSTRUMENTOS!
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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
• Durval Teixeira • Neivaldo Silva (Magoo) • Núbia Mota • Hugsmar Quintino • Toninho Hubaide FOTOGRAFIAS
• Acervos Arquivo Público • Clayton Mota • Close • Antonio Pereira • Oscar Virgilio Pereira • Jane de Fátima REVISÃO
Clarice Vitorino Finalização, ilustrações e tratamento de imagens José Ferreira Neto IMPRESSÃO
RB Digital AGRADECIMENTOS
• Ady Torres • José Geraldo • Maria Vidal • Pascoal Lorecchio • Pedro Eduardo • Rosilei Ferreira Machado • Taisa Ferreira Machado
PROJETO EDITORIAL
FOTOGRAFIA
LÉO FARIA, UM UBERLANDENSE NO MUNDO DA MODA
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Pra começar...
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osto sempre de analisar tudo relacionado comigo pelo lado positivo. Me faz bem ser otimista, porque acredito e percebo que isso produz uma fonte de energia capaz de contribuir para alcançar meus objetivos.
É o caso desta edição número 19 do Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre. Mesmo sem os incentivos da lei estadual e perdendo parceiros importantes, graças a chegada de novos está sendo possível viabilizar mais uma publicação. Esta, ainda tendo um significado especial por ser comemorativa aos dez anos de existência deste almanaque. Aprendi que quando uma porta se fecha, se olharmos com mais atenção vamos perceber que existem muitas outras que podemos abrir e entrar. Outra observação que gosto de compartilhar de quem tem a paciência, boa vontade e generosidade de participar dos meus projetos é que se não houvesse dificuldades qualquer um já teria feito. Todo desafio faz parte da luta pela conquista. Todo obstáculo é um estímulo para quem busca a superação. No final isso acaba tornando mais prazerosa a realização de uma iniciativa. Por isso a alegria enorme, verdadeira de conseguir produzir um novo número do almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre. E a gratidão para todos que ajudaram na sua realização: os anunciantes, os fornecedores, a equipe de colaboradores e especialmente a você, caro leitor cujo estímulo é a maior fonte de energia que nos move. Boa leitura e até a próxima, se Deus quiser. CELSO MACHADO Engenheiro de Histórias
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HOMENAGEM
Alcides Simão
Helou Por OSCAR VIRGÍLIO PEREIRA
“ As reivindicações do comércio miúdo e o potencial de Uberlândia eram divulgados com empenho por Helou à frente da associação varejista ”
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do Comércio Varejista e um de seus fundadores, foi Alcides Simão Helou, então proprietário do caprichoso magazine “O Mundo Elegante”, situado na Avenida Afonso Pena.
O Jornal “O Estado de Goyaz” noticiou em sua edição n° 880 de 1° de setembro de 1943 a criação da Associação Profissional dos Comerciantes Varejistas de Uberlândia, acontecimento muito bem recebido, tanto no âmbito local, pela Associação Comercial de Uberlândia, como pela Associação Comercial de Minas Gerais e pelo Palácio da Liberdade. O primeiro Presidente da Associação
O órgão dos varejistas de Uberlândia passou a manter contatos com órgãos estaduais e federais, para levar as reivindicações do comércio miúdo, sempre na linha desenvolvimentista então defendida pelo Presidente Alcides Helou. O potencial de Uberlândia daí por diante foi divulgado com empenho. Uma dessas manifestações foi a esmiuçada exposição feita à Federação do Comércio de Minas Gerais, compondo um estudo de grande qualidade técnica, inédito para a época, com informações, análises, conclusões e propostas objetivas viáveis para Uberlândia, que em 1946 tinha 782 estabelecimentos comerciais e 170 indústrias, todos de pequeno porte. Esse material se encontra hoje no Arquivo Público Mineiro, tendo
uando foi fundado o Aeroclube de Uberlândia, Alcides Helou foi um dos seus primeiros apoiadores e logo conseguiu o seu brevet, sendo por isto considerado reservista da FAB. Quando o Brasil declarou guerra à Alemanha e foram convocados os reservistas de Uberlândia para a Força Expedicionária Brasileira, Helou foi encarregado de lhes dirigir uma saudação, representando os pilotos, quando pronunciou belíssimo discurso.
impressionado a Polícia Política por seu forte conteúdo reivindicatório. Uma das preocupações do comércio local eram as estradas que levavam aos centros consumidores abastecidos por Uberlândia. Essas estradas eram verdadeiros atoleiros no tempo das chuvas e por isso o comércio era onerado com o preço dos fretes e com a irregularidade das entregas de encomendas. O Estado de Minas Gerais falhava na manutenção das estradas e as Prefeituras não dispunham de receita suficiente para mantê-las em boas condições de tráfego e nem podiam adquirir maquinaria importada para assumir o serviço. Em certa ocasião, o órgão dos varejistas tomou conhecimento de uma diretriz que fora adotada pelo Estado de Goiás e, prontamente, tratou de sugerir ao governo mineiro que adotasse igual providência. Para facilitar, Helou tomou a iniciativa de providenciar um plano semelhante ao goiano, intitulado Plano de
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“ Helou sempre manteve o entusiasmo pelas iniciativas nacionalistas ligadas ao desenvolvimento, como a mudança da capital do país para Brasília ”
Equipamento de Máquinas Para Construção de Rodovias. O Plano, em sua singeleza, foi assim exposto : “ 1 – O Estado compraria máquinas como caminhões, tratores, plantadeiras, destocadeiras, etc., diretamente da fábricas e obteria isenção de alfândega bem como abatimento nos preços. Não haveria intermediários. 2 – O Estado venderia essas máquinas aos municípios individualmente ou aos grupos, quando menos poderosos. Seria uma venda a longo prazo. 3 - O Estado obteria, para a transação, empréstimos bancários e seria o intermediário para os municípios. 4 – Os municípios teriam a vantagem de obter as máquinas mais baratas. Os menos poderosos teriam oportunidade, pela ação em conjunto, de adquirir máquinas. 5 – Construir-se-iam estradas que provocariam maior produção barateando o transporte e facilitando o escoamento. 6 – A resolução do problema do transporte abriria perspectivas novas de industrialização. 7 – Esse sistema verdadeiramente cooperativista teria o mérito de incentivar o espírito de cooperação para a resolução de muitos outros problemas, como o do reflorestamento, do ensino, da saúde, etc. 8 – O plano se baseia na nossa vasta extensão territorial, escassa densidade demográfica, grandes dificuldades de transporte, municípios de pequena renda e, portanto, impossibilitados de resolver individualmente seus problemas de rodovias.”
O operoso Presidente Alcides Helou alargava também a atuação de sua entidade para outros campos da política, inclusive da política internacional. Quando a França , em 1945, resolveu anular a independência conquistada pela Síria
Alcides Helou foi brevetado piloto em 1943. Ele é o último á direita.
O jornal “O Estado de Goyaz” registrou o texto da manifestação, assinada em primeiro lugar por Alcides Helou e por toda a colônia sírio-libanesa, que foi enviada ao Ministro das Relações Exteriores do Brasil, ao Embaixador americano Adolph Berle Junior e ao Embaixador de S. Majestade o Rei Jorge VI:
signatários do presente memorial, interpretando os verdadeiros sentimentos e anseios da Colônia Sírio-Libaneza, verdadeiramente consternados com os infaustos acontecimentos desenrolados contra o mundo Árabe na Síria e Líbano ,e ainda considerando que a Síria e Líbano foram reconhecidos como repúblicas independentes no ano de 1941, e considerando ainda que essa independência não é incompatível com os privilégios franceses naquela zona, e que nestes momentos em que todos os povos do mundo inteiro aspiram os princípios da liberdade e direitos humanos reclamam, como de direito, que Vossas Excelências se dignem, como até aqui têm feito, a fazerem valer esses princípios, para a bem fiel salvaguarda dos direitos dos povos sobre a terra em que nasceram”.
“Os abaixo assinados, sírios e descendentes, bem como os demais
Alcides Helou conservaria essa aproximação política com a colônia
e pelo Líbano, invadindo o território e bombardeando Damasco, foi Helou quem tomou as dores da colônia árabe de Uberlândia, encampando seus sentimentos e organizando um movimento de protesto, o único levantado no Brasil, através de uma comissão assim formada: Alcides Helou, Jorge Cahuy, Felício Yamin, Elias Jorge Nasser, Miguel João, Abdala Hadad, Salomão Attiê e Youssuf Andraus Gassani.
“ Em 1961 o jornal O REPORTER publica nota a seu respeito, sobre a comenda que lhe foi outorgada pela importante Ordem Beneficente Associação Brasileira de Amparo aos Leprosos, a Medalha da Ordem de Damião por relevantes serviços prestados à causa do hanseniano.”
sírio-libanesa por vários anos. Em 1958, o jornal “O Reporter” noticiava sua presença na Diretoria do Clube Sírio Libanês, ocupando o cargo de Primeiro Secretário. Depois dos efeitos do Relatório Kruschev de 1956 afastouse da militância socialista, conservando no entanto seu entusiasmo pelas iniciativas nacionalistas ligadas ao desenvolvimento, entre elas a mudança e consolidação da Capital do País. O Diário Oficial da União, em 23 de novembro de 1960, publica o estatuto do Minas Brasília Tênis Clube. Esta entidade era parte do equipamento social da nova Capital, Brasília, que estava sendo ainda construída e se destinava a congregar apoiadores importantes para a mudança da Capital do País.
Alcides Helou, já morando fora de Uberlândia, aparece como um dos sócios fundadores, ao lado das importantes figuras de Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro, Ministro Nelson Hungria, tendo sido eleito para ocupar o cargo de Diretor Social. Em 1961 o jornal “O Reporter” publica nota a seu respeito, sobre a comenda que lhe foi outorgada pela importante Ordem Beneficente Associação Brasileira de Amparo aos Leprosos, a Medalha da Ordem de Damião, por relevantes serviços prestados à causa do hanseniano. Foi com gestos de fraternidade que ele se tornou o Comendador Alcides Simão Helou, e se orgulhava de ter recebido esse título, pelo qual passou a ser chamado, por marcar sua adesão a uma
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boa causa bem a seu feitio humanista. No município de Serra, no Estado do Espírito Santo, foi dado o nome de Avenida Comendador Alcides Simão Helou a uma das principais via públicas do loteamento industrial CIVIT II. Alcides Helou faleceu em São Paulo em 15 de outubro de 1987. Seu último pedido foi que em seu caixão fosse colocado um punhado de terra de Uberlândia, cidade que tanto amou. Seu filho, o empresário Urubatan Helou, mandou um avião particular a Uberlândia especialmente para buscar a terra, que foi coletada no próprio aeroporto e levada para atender carinhosamente o desejo do pai.
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13 SORTE DO ARROZ VITÓRIA
UBERLANDICES
O NOME DA RUA
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em todo mundo tem a curiosidade de conhecer quem é o homenageado, qual o fato, que data é aquela ou que motivo originou o nome da rua onde nasce, mora ou ganha o pão do dia a dia. Talvez contaminado por uma bactéria ou vírus ainda não identificado, que poderia ser denominado “Kuriousus Sem Fim”, o jornalista Neivaldo Silva, mais conhecido como “Magoo”, sempre teve esta preocupação: saber a origem do que levou a denominação das vias públicas. Lá pelos anos 80, já militando na imprensa, deparou com um cidadão pacato, boa prosa, ar de tranquilidade que foi vereador em Araxá. Como teve problemas nos anos de chumbo para ganhar o pão do dia a dia, mudou-se para Uberlândia trazendo a esposa e os filhos Dayse, Eduardo e Odete. Seu nome era Arnolde de Almeida Castro, funcionário das secretarias de planejamento e serviços urbanos, isso de acordo com a designação do chefe do Executivo no momento. Magoo descobriu que era ele quem apresentava sugestões de nomes para vias públicas quando do lançamento de loteamentos na cidade, desde que os projetos não viessem nominados com sugestões dos loteadores ou do responsável pela área. Muitos bairros de Uberlândia têm ruas onde a amizade e o parentesco com o dono do loteamento garantiram a denominação da via, como é o caso do antigo Bairro Finotti. Mas o Arnold tinha uma preocupação especial: garantir que a via, ou as vias a serem nominadas, identificassem e
facilitassem rapidamente a localização do bairro. Assim, foi ele quem escolheu todas as profissões que denominam as ruas do Bairro Planalto, os ritmos musicais que fazem a trilha sonora do Guarani e ainda os instrumentos musicais do Bairro Taiaman. De forma espaçada, colocou moedas do mundo em trechos do São Jorge, onde ainda destacou o Parlamento, o Congresso e outros momentos políticos históricos do país e ainda emendou serras e mais serras no Seringueiras. Hoje seu nome, Arnolde de Almeida Castro também denomina uma rua de nossa cidade. Não é possível levantar quantas das ruas da cidade têm a denominação dada por ele, mas interessante saber que ele teve que ajudar a mudar o nome de ruas, por exemplo, como a das Pombas, no bairro Cidade Jardim, para Rua dos Pombos, diante da revolta feminina. Hoje ele é saudade para muitos e Magoo conta que um projeto de denominação que ele criou, pensou e depois cancelou foi termos um bairro em Uberlândia com os personagens de Walt Disney. Arnolde sonhou com a Rua do Mickey, a Rua da Minnie, a Travessa do Pluto, mas desistiu quando imaginou o Beco do João Bafo de Onça, a Ponte do Pateta, entre outros. Hoje a cidade tem um condomínio na Zona Rural denominado com os personagens do Chaves, com a rua do Senhor Madrugada, Rua do Kiko e etc, tudo por conta do loteador, que escolheu as denominações. Curiosidades de uma Uberlândia repleta de histórias fascinantes.
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o final dos anos 60, o empresário Messias Pedreiro decidiu levar o arroz Vitória para entrar no disputadíssimo mercado da maior cidade do Brasil, São Paulo. Foi bem-sucedido nessa iniciativa tanto que em meados de 1969 havia dois distribuidores e empacotadores de arroz que disputavam palmo a palmo o mercado paulista: o Arroz Vitória, ensacado e distribuído pelos produtos Vitória aqui de Uberlândia, e o arroz Brejeiro da cidade de Orlândia. O executivo Antônio Calil Cury, que na época cuidava da parte financeira da empresa, recorda que a disputa chegou à televisão, inicialmente por meio de uma campanha lançada pelo arroz Vitória que contratou, na época, a querida Hebe Camargo em pleno auge artístico. Sua imagem ilustrava as embalagens do produto com os dedos da mão cruzados, como fazendo uma “figa” com a frase: Sorte sua que tem arroz Vitória! Essa campanha foi lançada nos principais mercados brasileiros da região Sudeste onde havia os grandes supermercados. A campanha obteve os resultados esperados e o arroz Vitória chegou a ser líder em vendas por um bom período. No início dos anos 70 encerrou suas atividades e a Hebe ainda continuou fazendo sucesso até perto da sua morte em 2012, já com 83 anos.
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“O Almanaque traz histórias que permanecem para sempre na memória afetiva das pessoas da cidade. ”
ALMANAQUE 10 ANOS
CIDADE VISTA E REVISTA
Histórias, pessoas e espaços de Uberlândia em perspectiva descontraída
Por CARLOS GUIMARÃES COELHO
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nspirado no Almanaque Brasil, de Elifas Andreato, o engenheiro de histórias Celso Machado edita há 10 anos o Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre (UOS). Mas, como faz em todas as suas iniciativas, criou uma publicação com identidade, personalidade, formato e estilo próprios, que teve a primeira edição lançada em agosto de 2011. Na ideia inicial o Almanaque teria periodicidade anual, mas a repercussão foi tamanha que ele se tornou semestral. A publicação tem como enfoque histórias, pessoas, acontecimentos e espaços de Uberlândia em uma perspectiva descontraída, dos tempos embrionários à atualidade da cidade e já se tornou para muitos um item de coleção. O Almanaque foi criado também como complemento ao programa de televisão que leva o mesmo nome e existia havia cinco anos quando a publicação começou. Uma equipe altamente respeitável veio se somar à iniciativa. Historiadores como Antônio Pereira, Jane de Fátima, Julio Cesar de Oliveira e dr. Oscar Virgílio. Os jornalistas Carlos Guimarães Coelho, Cristiane de Paula, Nubia Mota, assim como o ilustrador José Ferreira Neto. As artes ficam por conta de Gilberto Gildo. A publicação conta ainda com os colaboradores Ademir Reis,
Rosilei Machado recebendo o casal Ophélia-Luiz Alberto Garcia presença de prestígio em todos os lançamentos
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Ady Torres, Adriana Faria, Carlos Magno, Carlos Roberto Viola, Cristiane Helluy, Pascoal Lorechio, Ricardo Alves Pereira, Rosilei Ferreira Machado e Taisa Ferreira Machado, além daqueles que contribuíram nos bastidores. A maioria participou de todas as 19 edições. Celso faz questão de registrar e reconhecer a extraordinária contribuição do designer gráfico e editor Antonio Seara, a quem credita o estilo leve e atraente, que torna o Almanaque uma peça agradável de ser lida e colecionada.
Obras de arte nas capas Entre tantas qualidades, um diferencial do Almanaque são os trabalhos artísticos em suas capas. Celso, desde o início, quis que a capa tivesse a produção de um artista visual da cidade, de tal forma que a revista, quando estivesse exposta, fosse um elemento decorativo de muito bom gosto. Por sugestão do jornalista e produtor cultural Carlos Guimarães Coelho, que integrou a equipe jornalística a partir da edição número 3, estabeleceu-se que o artista da capa teria também um perfil publicado no interior do Almanaque. O artesanato de Denise Degani, com um belo “patchwork” do coreto da praça Clarimundo Carneiro, inaugurou a galeria de artistas do Almanaque. Entre as ações comemorativas da primeira década está a exposição em formatos presencial e virtual de todas as capas e matérias dos artistas convidados (veja quadro na página seguinte). O Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre, pioneiro na cidade, tornou-se também importante fonte de pesquisas e um espaço de resgate da história local, não apenas das celebridades que imprimiram seus nomes nessa história, mas também de anônimos que contribuiram para o desenvolvimento da cidade ou alguém que permanece na memória afetiva dos habitantes.
João Naves (Cuanga), a esposa Hebe com o pai Hermilon Correa, Celso com seus “pais adotivos” Celina e Hélio
O Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre também tem abraçado causas de apoio a iniciativas humanitárias
10 anos com artistas
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Almanaque UBERLÂNDIA DE ONTEM & SEMPRE
FEVEREIRO DE 2015
NÓS PROJETOS DE COMUNICAÇÃO • ANO 4 • NÚMERO 8
da cidade nas capas
Muitos desenhos foram produzidos especialmente para as capas do Almanaque, como estas todas que apresentamos aqui • Almanaque 1 (Agosto 2011)
Coreto da praça Clarimundo Carneiro por Denise Degani
• Almanaque 2 (Abril de 2012) Igrejinha do Rosário por Assis Guimarães
• Almanaque 3 (Agosto 2012) Ex-prefeito Renato de Freitas por José Ferreira Neto
• Almanaque 4 (Fevereiro 2013) Palácio dos Leões e o Congado por Hélvio de Lima
PRATA DA CASA
GRANDE OTELO
• Almanaque 8 (Março 2015) Grande Otelo por André Maurício
• Almanaque 16 (Março 2019)
• Almanaque 9 (Agosto 2015) A energia elétrica por José Ferreira Neto
• Almanaque 10 (Março 2016)
Pena Branca e Xavantinho por Kim Fernandes
Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 9 • NÚMERO 17
AGOSTO • 2019
Paisagem do cerrado por Geraldo Queiróz
• Almanaque 11 (Setembro 2016) Estação Mogiana por Alexandre França
• Almanaque 12 (Março 2017) Public Bar por Elaine Corsi
• Almanaque 13 (Agosto 2017) O Palácio dos Leões por Hélcio Laranjo
• Almanaque 14 (Abril 2018) A obra de Babinski por Babinski
Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 8 • NÚMERO 15
AGOSTO • 2018
TEATRO MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA
TUDO PARA TODOS
• Almanaque 17 (Agosto 2019)
Teatro Municipal de Uberlândia por Valtênio
Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 9 • NÚMERO 18
MARÇO • 2020
• Almanaque 5 (Agosto 2013) Ex-prefeito Virgílio Galassi por Charles Chaim
ANTIGO FORUM
CENTRO MUNICIPAL DE CULTURA
• Almanaque 6 (Fevereiro 2014) A primeira Igreja Matriz por Ido Finotti
• Almanaque 7 (Agosto 2014) Mercado Municipal por Lilian Tibery
• Almanaque 15 (Agosto 2018) Igreja do Rosário por Hélio de Lima
• Almanaque 18 (Março 2020) Centro Municipal de Cultura por Dequete
José Espíndola que tanto contribuiu para Uberlândia recebendo sua última homenagem em vida
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E mais ainda por saber que ele contribui com a perpetuação da memória histórica da cidade”, afirma o “pai da criança”, Celso Machado.
Relações muito afetivas
Dr. Oscar, Rosilei, Taisa, Celso, Carlos Magno e Pascoal Lorecchio É inegável a importância que a publicação alcançou para Uberlândia. Basta um passeio pelas 1.162 páginas publicadas em 18 volumes para entender a relevância de cada assunto, cada espaço e cada personagem. São histórias que permanecem para sempre na memória das pessoas. Algumas delas talvez até fossem esquecidas, não houvesse o esforço da equipe em (re)contá-las. A busca pelo conteúdo das reportagens se dá por meio de visitas ao acervo da Close Comunicação, acervos pessoais e idas e vindas ao Arquivo Público Municipal ou ainda através de testemunhos. É um trabalho de garimpagem que resulta em verdadeiras joias de informação. Em meio aos produtos culturais oferecidos pela Close e pela Nós Projetos, o Almanaque se destaca. É motivo de orgulho para todos quando leitores correm às bancas para não perder um número em sua coleção. “Estamos felizes pelo resultado alcançado.
Para o publicitário Carlo Magno, responsável pela comunicação de marcas como Guaraná Mineiro e Café Cajubá, frequentemente parceiras do Almanaque, “associar produtos a um veículo de comunicação que conta a história de Uberlândia é a oportunidade para evidenciar que marcas possuem relações com nossas vidas e nossas boas lembranças, como uma xícara de café servida na cozinha da casa da vovó ou um guaraná com aquele furo na tampinha da festa de sete anos. O Almanaque mostra também que o impresso e a mídia tradicional estão resistindo ao avanço do digital, com conteúdos que tocam mais que a superficialidade de um post em redes sociais”.
Celso Machado, ao lado dos grandes colaboradores do Almanaque, Antonio Pereira, Carlos Guimaraes e Oscar Virgilio
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O time da família Machado, Rosilei, Pedro, Celso e Taisa responsáveis pela existência do almanaque
Celso, ao lado da turma dos veteranos Paulo Henrique, Orley Moreira, Maurilio Catito, Carlos Roberto Viola, Odival Ferreira, Carlyle Garcia e José Ferreira Neto
A secretária municipal de Cultura, Mônica Debs, é outra pessoa que não esconde o entusiasmo com o Almanaque. “Leitora assídua, posso afirmar que ele é um importante veículo de resgate da memória cultural e afetiva da nossa cidade. Em cada edição, traz fatos e acontecimentos relevantes da história uberlandense, de forma lúdica e prazerosa. Sua leitura é obrigatória para quem quer conhecer um pouco da história de Uberlândia”. A executiva da Algar Telecom, Cristiane Heluy, conta que como não é de Uberlândia, admira a iniciativa de uma publicação que resgata histórias da cidade que ela aprendeu a amar. “Quando recebo o Almanaque, fico muito feliz por, através dele, entender um pouco mais da história da cidade que abracei como minha e pela qual tenho muito, muito amor. Há exatos 10 anos, eu já conhecia o Celso e sabia de sua paixão e comprometimento com as coisas da cidade e meu filho Lucas, na época com oito anos, estava fazendo um trabalho de escola sobre o aniversário de Uberlândia, com muitas dificuldades para encontrar registros e imagens. Foi quando recorri ao Celso e acabamos incentivando a iniciativa da publicação. Também por isso, tanto eu como Lucas temos um carinho tão grande pelo Almanaque que é até difícil de expressar”. Quando o Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre completa 10 anos é oportuno lembrar o que Celso Machado costuma garantir no lançamento de cada nova edição: “esta é a melhor de todas; só não é melhor do que a próxima”. Nestes primeiros 10 anos ele tem conseguido manter a promessa.
Celso ladeado pelos companheiros Ricardo e Núbia
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Banda Municipal de Uberlândia teve início em 1951, inicialmente com o propósito de formar músicos na cidade
MUSICA
Sete décadas de encantamento
Originada como escola de música, há 70 anos população assiste à banda passar Por CARLOS GUIMARÃES COELHO
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le veio a Uberlândia apenas para uma apresentação com o seu conjunto musical e seguir viagem, mas quis o destino que por aqui ficasse, tornando-se parte importante da história de Uberlândia e um dos responsáveis pela Banda Municipal de Uberlândia. Isso aconteceu há exatos 70 anos e essa pessoa era o baiano Antônio Melo. O maestro estava percorrendo várias cidades brasileiras até integrar uma companhia de teatro-circo em Belo Horizonte, a causadora de sua vinda para Uberlândia. O grupo percorria o país via terrestre, o que era comum na época, em estradas bastante
precárias. Eram 13 veículos viajando. Diante de um contrato mal formulado em Tupaciguara e cansado das dificuldades das turnês, ele acabou permanecendo na cidade. Por aqui, Melo conheceu os irmãos Alirio França e Remi França, que possuíam uma orquestra e estavam em cartaz com o espetáculo musical Isto É Uberlândia. Passou a tocar com eles e, posteriormente, também no Cassino Oriental. A cidade ainda não possuía uma banda oficial. Houve um grupo antes, coordenado por Victor Melazo, mas já extinto naquele momento. Quando se necessitava de uma banda na cidade, era preciso buscá-la em Monte Alegre.
O prefeito na época, Tubal Vilela, também músico, decidiu formar então a escola pública de música que se tornaria a Banda Municipal de Uberlândia, da qual Antônio Melo foi um dos primeiros integrantes, convidado pelo maestro Tenente Costini, já conhecido de Belo Horizonte. Entrou inicialmente como músico, mas logo foi galgado ao posto de contra-mestre. 1951. Este foi o ano em que a música passou a ter essa ressonância oficial na cidade. Foi criada a escola pública exclusivamente de música, com o propósito de formar instrumentistas para a criação da Banda Municipal. A escola funcionaria no Mercado Municipal. Assim foi feito, surgiu a escola e dela, como previsto, originou-se a banda, na época com cerca de 30 integrantes. Dentre eles, o multi-instrumentista Francisco de Assis Fernandes, o Seu Chico da Tuba. “Estudar um instrumento mantém a mente sempre ativa, além de também exercitar o corpo”, afirmava. A estreia da banda foi em 1º de maio de 1952, quando se apresentou pela primeira vez para o público, na praça da República, praça esta que recebeu, seis anos depois, o
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nome do criador da banda e ex-prefeito de Uberlândia. “Saímos da Praça Tubal Vilela e marchamos pelas avenidas Afonso Pena e Floriano Peixoto. Depois ganhamos um almoço no bar da Mineira, que ficava ali na Afonso Pena. Fiquei tão eufórico em me apresentar em uma cidade como Uberlândia. Ainda mais eu, vindo do interior”, disse Chico. No fim de sua vida, após ficar viúvo, Chico foi morar em Belo Horizonte. Mesmo com a idade avançada, ele retornou à cidade algumas vezes e chegou a visitar a banda que ajudou a criar e nela permaneceu por 40 anos. Das lembranças da banda que Chico ajudou a fundar, ele citou a alegria com a qual viajavam pelas cidades da região para levar a música. “Quando viajávamos, a gente se desdobrava para poder tocar melhor. E éramos muito bem recebidos, sempre bastante aplaudidos, então a gente tocava com bastante alegria”, lembrou Chico da Tuba. Ele contou que a banda costumava sair da sede no Mercado e ir até a praça Tubal Vilela, atual Ismene Mendes. Segundo ele, naquele tempo não tinha televisão e esse era um excelente programa para as famílias. As pessoas ficavam lá esperando a apresentação. Muitas delas acompanhavam a banda. Literalmente, “desciam atrás da banda, pra para ver a banda tocar.” Da composição atual da banda, o integrante mais antigo é Johebert Silva, com 37 anos de atividade, seguido de Abrahão Oliveira, trombonista no grupo há 35 anos. Johebert começou como trompetista, passou a regente e também foi diretor. O pai dele, Bento Silva, também foi integrante, logo após a sua fundação, tendo sido trombonista e regente.
Desde os primórdios, o grupo de músicos é presença constante nos eventos oficiais da cidade e em praças públicas Mais da metade dos 70 anos da banda foi tendo o músico Johebert ali dentro. Ele começou a aprender música aos 10 anos e ingressou na banda aos 15, quando a maioridade ainda não era requisito para esse ingresso. De uma família de músicos, com pai e avô maestros, Johebert sente desconforto ao imaginar a sua aposentadoria que se aproxima, tendo dificuldades em se ver longe dessa rotina que já soma quatro décadas. Mas entende que nessa viagem é passageiro. “Nós passamos pela banda. Ela continua. Outras gerações verão a banda passar”, disse o músico. Johebert considera que a cidade dê grande valor a esse bem público, embora avalie que a banda possa tornar-se mais conhecida, já que que uma grande parcela da população sequer sabe de sua existência, mesmo com tanta estrada percorrida e centenas, quiçá milhares, de eventos realizados. Mas se dá por satisfeito pela grande visibilidade que ela possui e pelo reconhecimento de quem a conhece. E enfatiza que “a banda é do povo” e pode ser requisitada para apresentações,
desde que dentro das normas que a regem. Para isso, basta solicitar ao órgão gestor responsável pela sua manutenção, a Secretaria Municipal de Cultura. Com tanto tempo percorrendo as estradas da banda, Johebert viu várias transformações. Destaca, como exemplo, o fato de antes ela ser composta só por homens e hoje já ter cerca de seis integrantes mulheres. Aposta no aumento desse número com o novo concurso. E acha interessante também o aumento crescente do interesse de jovens em integrar o grupo, mesmo sendo ele um exemplo de como isso sempre aconteceu. Lembrou também dos músicos que passaram por lá e se tornaram-se mais conhecidos em outros percursos musicais, mencionando, dentre outros, o saxofonista Hamilton Faria, que passou a compor o famoso grupo Só Pra Contrariar. O atual diretor da banda é Samuel Borges dos Santos. Ele tem 10 anos de atuação no coletivo, sempre como músico e há três anos também como diretor de seus 55 integrantes. Com
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Em eventos de gala ou populares, comprometidos músicos se dedicaram à banda o novo concurso, em breve chegará a 70 integrantes. Ele contou que ao longo de 2021, várias ações serão executadas como celebração a essas sete décadas de atuação da Banda Municipal, que além de sua formação completa, possui quatro sub-grupos, o Udi Jazz Big Band, com 12 integrantes, o Grupo de Metais, com seis, o Clariarts, com seis clarinestistas, e o Intervalo, com seis flautistas. Grupo e sub grupos se apresentam -se em eventos gerais da prefeitura e atendem também a alguma demanda da população, com algumas restrições nesse atendimento. Há 18 anos, o regente da Banda é Ricardo Santos Carrijo, graduado como violonista. Ricardo explicou que, apesar dos horários flexíveis da banda, vários dos músicos não têm dedicação exclusiva. Todos os integrantes são efetivos e alguns mantêm atividades paralelas, a maioria como musicista ou como professor de música. Do ano de 1951 até a década de 1990, a Banda teve como sede uma sala no Mercado Municipal. Com o local já
Johebert Silva, com 37 anos de atividade, regendo a Banda Municipal
pequeno para abrigar a sua formação, foi transferida para um espaço maior em uma casa ao lado do viaduto da rua Duque de Caxias com a avenida Rondon Pacheco. Em 2018, foi convidada para um espaço melhor estruturado dentro do Centro Municipal de Cultura, inaugurado ano passado. A pianista uberlandense Nininha Rocha , falecida em 2018, realizou, em 2015, um sonho antigo. No mês de aniversário da cidade, ela gravou, como solista, o Hino de Uberlândia ao lado da banda municipal, tendo ela como solista.. A gravação, viabilizada pela Secretaria Municipal de Cultura, aconteceu no Teatro Municipal e foi transformada em DVD. Para Nininha, este era um sonho acalentado há anos e que provocava nela uma inquietude enorme, com medo de que ele não se realizasse. “Fiquei muito emocionada com essa realização. A gente sonha sempre, né? E esse era um sonho antigo. Queria deixar para a cidade o hino gravado por mim, ao lado da banda municipal, cuja história conheço bem”, afirmou a pianista.
A musicista regente do saudoso Coro Municipal de Uberlândia também teve seus vários momentos de compartilhamento artístico com a banda. Por ambos os grupos terem vínculos com o poder público municipal, um de maneira oficial e outro oficiosa, era natural que se apresentassem juntos. Além de o coro ter feito vocal para a banda na gravação do Hino da Cidade, em celebração aos 100 anos de Uberlândia, faziam várias apresentações natalinas em conjunto, inaugurações, eventos, etc. São muitas histórias entrelaçadas em momentos históricos, alguns de grande relevância artística outros de mero entretenimento, mas todos de excelência em qualidade musical e permeados pelo compromisso de levar a diversidade e riqueza artística para todos os cantos possíveis. Se já é admirável que a cidade possua um grupo de instrumentistas em nível profissional, melhor ainda é sabermos deque sua existência se dá ao longo de 70 anos. São muitas histórias impressas nesses acordes musicais.
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Família de ex-moradores relembra histórias de local mantido por instituição espírita no século passado
O sanatório dos alienados Por CARLOS GUIMARÃES COELHO
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e já é difícil compreender a linha tênue que separa a sanidade mental da realidade tal qual a conhecemos, mais complicado ainda é alcançar as subjetividades permeadas no conceito de loucura. A não ser que passemos a infância entre os “doidinhos”, para compreendê-los além da ciência médica e nesse olhar humanizado percebermos a sensibilidade e inteligência por trás de cada um deles. Assim foi com os filhos de Bittencourt Martins da Costa, que foi durante mais de duas décadas o gerente do Sanatório Espírita de Uberlândia, existente na cidade na segunda metade do século passado.
Os filhos de Bittencourt cresceram e dois deles nasceram ali dentro. O local, conhecido também como sanatórios dos alienados, foi fundado em 1942 e desativado em meados dos anos de 1990. Sua origem, contudo, é anterior à década de 1940, remonta ao ano de 1932, quando foi criado esse tipo de atendimento pelo Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade. Com a experiência bem-sucedida e a cidade crescendo assim como era também crescente o número de casos, a iniciativa tomou vulto ao ponto de transferir-se para um espaço mais adequado, aos moldes de um hospital psiquiátrico. Bittencourt era filho de um médico
por formação, mesmo não a tendo formalizada. O pai, Joaquim Martins da Costa, cursou Medicina no Rio de Janeiro, mas a faculdade não foi reconhecida e, portanto, o seu título não valia nada. Tornou-se farmacêutico por profissão e possuía uma farmácia na avenida Floriano Peixoto, próximo à praça Tubal Vilela. Bittencourt trabalhou ali com o pai até ser convidado para a gestão do sanatório espírita, para onde se mudou com a esposa, Celina Ferreira Martins, e com três dos cinco filhos que o casal teria. O pai de Bittencourt, que também era médium espírita, manteve sua farmácia, sobretudo com foco na homeopatia.
Amplo espaço do sanatório era dirigido por grupo espírita e voluntários colaboravam com o seu funcionamento e manutenção
O administrador do sanatório, Bittencourt Martins da Costa
A casa destinada a eles, embora integrada a todo o complexo, tinha entrada independente pela avenida Belo Horizonte. Por dentro, havia acesso a todas as alas do sanatório. O espaço tinha tudo duplicado para contemplar ambos os gêneros: dois setores de quartos individuais, dois pátios, dois espaços de isolamento, tudo dividido entre masculino e feminino, sendo apenas a horta um lugar comum, mas com horários alternados de trabalho. O casal Bittencourt e Celina se mudou para lá na década de 1960. Os filhos Alberto, Sônia e Iara foram com eles. Lá nasceram Jussara e Cymara. O primogênito Alberto tinha seis anos quando foi morar ali e conta que eram mais de cinquenta internos, entre homens e mulheres, e diz lembrar com carinho de vários usuários residentes, especialmente um de nome Joaquim, que era quem o levava diariamente para a escola. Segundo ele, era uma pessoa dócil e que tinha um ritmo acelerado, o que lhe valeu o apelido de Joaquim 120. Na longa caminhada do sanatório, que ficava no bairro Martins, até a escola, na rua Machado de Assis, da região central e também gerida pelo centro espírita, o pequeno Alberto custava a acompanhar os passos largos e ágeis de Joaquim. Além de Joaquim, outros internos permaneceram na memória afetiva dos irmãos. Todos mencionam Haroldo, um engenheiro que se tornou tão próximo da família que com ela foi morar após o fechamento do sanatório. Eles lembram que muitos brinquedos que possuíam eram feitos por Haroldo. Ali também havia um outro engenheiro, de nome Tufi, que chegava a receber visitas de estudantes e professores para debates acadêmicos. Segundo Alberto, a maioria dos casos registrados no sanatório era de esquizofrenia e de delírios graves em decorrência do excesso de bebidas alcóolicas. Nem ele e nem as irmãs se lembram de presenciar cenas traumáticas, maus-tratos ou agressividade dos pacientes.
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Farmácia onde Bittencourt trabalhou, no centro da cidade, com o pai Joaquim Martins da Costa
Cymara, Jusssara, Iara e Sônia, as duas menores nasceram no local
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As filhas de Bittencourt brincavam com os internos do sanatório
De todos os internos, Joaquim e Haroldo parecem ser os que mais despertam a memória da família
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egundo eles, nunca houve agressão, mesmo com ou entre os isolados. Mesmo os tratamentos de choque, comuns na época, existiram lá durante muito pouco tempo. Até aqueles que chegavam em estado de agressividade e eram conduzidos para a ala de isolamento, pouco tempo depois já estavam mais acessíveis e de fácil convivência. Isso, segundo Sônia, talvez se explique pelo fato de, além do tratamento médico oferecido, existir também o tratamento espiritual, este último o determinante para a alta do paciente. O sanatório foi fundado por um homem espírita, de grande tradição na cidade, com cinco membros de sua família ali internados, apenas um deles sem formação escolar em nível superior. Dentre eles, o engenheiro Haroldo. O irmão de Haroldo, Aécio, também interno, era médico. No meio dos demais, Alarico, Arru e Ari, havia um dentista e um advogado. A direção geral do lugar era feita pelo médico José Gonzaga de Freitas, que tinha um programa na TV Triângulo, emissora Globo e atual TV Integração, chamado Espiritismo no Lar. O médico coordenador era Lázaro Salul. Além de Bittencourt e sua família, existiam dois ou três funcionários no local. A grande maioria dos serviços era prestada por voluntários. Segundo Cymara, as clínicas médica e odontológica do local eram de excelente qualidade técnica. Voluntários se revezavam em outras funções, como um abastado lanche semanal para os internos. Sônia lembra que Dona Mariinha, uma interna em quadro de esquizofrenia, tinha tanto amor pelos filhos que recolhia quitutes desse lanche e os guardava em seu quarto para quando eles fossem visitá-
la. A matriarca da família, Celina, que completou seus 83 anos em fevereiro último, lembra com carinho de Dona Mariinha, mencionando que ela se apegou de tal modo a uma de suas filhas, Jussara, que se tornou sua babá. Dona Mariinha era mãe de uma conhecida professora da cidade que também foi vereadora. Sônia conta que a instituição gestora do sanatório, além da escola fundamental que mantinha e onde estudou o irmão Alberto, criou também a Divulgação Espírita Cristã, da qual ela hoje é presidente. Do local, que ela saiba, permaneceu o prédio, onde funciona atualmente o centro espírita, com o foco prioritário nas pessoas em situação de rua. Nas lembranças de Alberto, Sônia e Cymara estão personagens que tinham o afeto de toda a vizinhança. Alguns deles apenas moravam ali e tinham liberdade de transitar pela cidade. Era o caso de Amélio, Haroldo, Aécio e Joaquim. Amélio, uma ocasião, perdeuse nessas saídas e quase se tornou um andarilho. Ficou dias sumido, muito provavelmente por não saber o caminho de volta. Joaquim era tão conhecido nos arredores que quando faleceu, ali mesmo dentro da instituição, toda a vizinhança compareceu ao seu velório. Alberto se lembra bem desse momento. Conta que o pai sempre era muito brincalhão com o interno. Uma ocasião pegou o microfone que comunicava com os quartos e fez uma brincadeira com Joaquim. Quando foi até lá para ver sua reação, já o encontrou desfalecido, com um sorriso no rosto. Ele morrera poucos minutos antes. De todos os internos, Joaquim e Haroldo parecem ser os que mais despertam a
memória da família. Sobre Joaquim, Sônia lembra do pavor que ele tinha de chuvas, relâmpagos e trovões, ao ponto de sair de seu quarto individual e ir dormir na casa da família, em uma “cama de campanha”, cama dobrável de molas bastante comum antigamente. Alberto recorda de como ele gostava de acompanhar enterros. Dava notícias de todas as mortes e ia aos funerais, já que estava próximo ao principal cemitério existente na época. Os irmãos lembram também de uma mulher que chegou em estado de muita agressividade e, por isso, foi levada para a ala de isolamento. Como era uma senhora obesa, ninguém percebeu que ela estava grávida. Nem mesmo os filhos sabiam disso. Uma noite, dona Mariinha gritou por Bittencourt dizendo ouvir um choro de bebê vindo do isolamento. Lá estava a interna, no pós-parto, segurando o cordão umbilical ainda não cortado. Bittencourt acionou a Santa Casa de Misericórdia para os cuidados necessários. Dali em diante, segundo os irmãos, ela não ficou mais agressiva. Cymara, que há décadas dá aulas de natação no Uberlândia Tênis Clube, conta que, anos mais tarde, deu aulas para a adolescente que tinha nascido naquele dia. O Sr. Afonso foi outra figura lembrada pelos filhos. Era o “dono da horta”, responsável por todo o plantio e cuidado das hortaliças que até mesmo as crianças ajudavam a vender, após a retirada do que fosse para consumo próprio. Afonso, diferentemente dos outros internos, não ficava na ala dos quartos. Morava em um quartinho construído ao lado da horta. Haroldo foi o último morador do local. Quando a família de Bittencourt se mudou para a rua Santa Helena, no bairro Tabajaras, uma casa que ele próprio sendo engenheiro ajudou a construir, também se transferiu para lá. O sanatório fechou logo após a saída da família de Bittencourt, no final da década de 1970. Haroldo faleceu em 1985, aos 57 anos, vítima de um câncer na garganta.
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30 ENTREVISTA
DR.WILSON RIBEIRO,
O HOMEM DOS 7 INSTRUMENTOS Por CELSO MACHADO Colaborou CARLOS GUIMARÃES COELHO
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ertas pessoas marcam tanto em múltiplas trajetórias que se torna até difícil definilas em uma característica única de empreendedorismo. Wilson Ribeiro da Silva é uma dessas pessoas. O seu pai dá nome a uma rua da cidade, Tenente Virmondes. E entre seus descendentes há a conhecida apresentadora de televisão, a neta Cecília Ribeiro. Ela, aliás, carrega o brilho no olhar e suspira de orgulho ao referir-se ao avô, pelo qual tem grande admiração e respeito, sobretudo na alegria e apreço à vida em pequenos gestos e momentos, como apreciar o convívio com a família – filhos, netos, bisnetos, noras e genros – e gostar de dançar com a esposa, Onília. Cecília se orgulha também do legado que ele deixará não só para a família, mas também para a cidade. “Quando penso na trajetória do meu avô vejo o quanto ele transformou esse lugar. Esteve presente em tantas iniciativas determinantes pra história dessa cidade... Quantas famílias ele impactou? O nome disso é legado e eu, como cidadã, sei o valor dele. Mas acho que sou egoísta e prefiro exaltar meu vô que comandava o comboio de carros para as férias na praia uma vez por ano, único momento que ele se permitia usar bermudas com estampas de gosto duvidoso. A minha infância foi muito feliz por causa disso. Não preciso muito descrever quem é o meu avô. É aquele ali usando um pin do Lions na lapela pra passear no Praia. enquanto fala com alguém sobre a Unimed”, relatou
Cecília.
Para referendar as palavras da neta, é preciso saber quem é Wilson Ribeiro. Um contabilista e advogado que trilhou pelos caminhos da Medicina, da Comunicação e das Artes. Implantou cursos superiores de Medicina Veterinária, Educação Física e Odontologia em
Wilson Ribeiro quando foi diretor da Faculdade de Artes saudando o maestro Camargo Guarnieri Uberlândia. Ajudou a fundar a TV Triângulo, atual TV Integração, o Lions Clube Uberlândia Centro. Foi diretor e conselheiro em várias gestões no Praia e no Uberlândia Clube. Participou também em várias outras entidades. Católico, sempre foi um dos dedicados colaboradores da Diocese local. Teve longa e marcante atuação na Unimed-Uberlândia. E não para por aí. Poucos participaram de tantas iniciativas em prol do desenvolvimento de Uberlândia como ele. Acima de tudo, Wilson Ribeiro sempre fez questão de destacar o que considera que deva ser o mote da existência humana: colaborar sempre com as pessoas. Foi esse espírito colaborativo que o transformou em uma pessoa de grande expressão na cidade, em áreas diversas. Celso Machado: Wilson, qual o seu nome completo e sua ligação com a cidade? Wilson Ribeiro: Meu nome é Wilson Ribeiro da Silva. Não usava o nome completo. Passei a usar por questão legal. O imperador D. Pedro I, em17 de agosto de 1827, outorgou o título de doutor ao advogado. Daí, o advogado é doutor por disposição legal. Sou filho de Uberlândia. Há uma rua bem conhecida aqui com o nome de meu pai, Tenente Virmondes, o primeiro herói uberlandense que morreu em batalha. Nasci aqui em 1927 e nunca saí da cidade. Sempre estive envolvido com as coisas de Uberlândia. Fui diretor do Praia Clube, diretor do Uberlândia Clube, Diretor da Associação Comercial, fundador do Sindicato dos Contabilistas de Uberlândia e participante ativo da OAB. Uma vida inteira envolvido com as causas de Uberlândia.
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Wilson é filho do tenente Virmondes, primeiro herói uberlandense morto em combate. Registro do seu enterro
CM: O senhor também foi radioamador, não? Fale um pouco disso. WR: Sim. Fui também radioamador durante muitos anos. Fundei um clube de radioamador de Uberlândia. Prestei muitos serviços como radioamador, pois naquela época não existia a comunicação que temos hoje, nem mesmo telefone. As comunicações a distância eram todas feitas via radioamador. Eu fazia isso voluntariamente, de boa vontade. E assim transmiti muitas mensagens e muitas notícias para o Brasil inteiro e até para fora do País. Outros colegas também faziam isso. O radioamador era muito importante nessa época. Hoje as comunicações são feitas por telefone, na rua com telefone na mão, dentro do carro. Acabou a festa!com o PDT, o partido do Brizola. No período, partidos da esquerda ainda estavam na ilegalidade. CM: Sim, mas, nesse espírito colaborador o senhor acabou também ajudando a fundar o Lions em Uberlândia. Conte um pouco dessa história. WR: O Lions de Uberlândia foi fundado de uma maneira muito interessante. Os companheiros do Lions Clube de Anápolis fretaram um avião e vieram a Uberlândia fundar o nosso Clube, no dia 06 de Junho de 1959. Nosso clube foi fundado assim, em um evento extraordinário na cidade. Até então só existia o Rotary. CM: E em que circunstância isso aconteceu?
WR: O Lions é um clube de serviço que reúne cidadãos dispostos a colaborar com a comunidade sem nenhum interesse pessoal. E essa foi a convocação feita pelos companheiros de Anápolis. E o nosso Clube, além de fundar vários outros, fez inúmeras campanhas em Uberlândia, em benefício da sociedade, fosse para angariar fundos para construir o banco de sangue da Santa Casa ou para adquirir e doar cadeiras de rodas. Uma ocasião, adquirimos 120 cadeiras de roda e doamos. Naquele tempo, tinha pouquíssimas na cidade. Muitas campanhas bonitas, para atender as pessoas com necessidade. A prestação de serviço do Lions sempre foi muito grande. Considero uma honra ser leão, exatamente por ser essa disposição voluntária de prestar serviços à comunidade. CM: Nos fale de sua participação na saúde de Uberlândia, que começou na Santa Casa. WR: A Santa Casa era uma entidade beneficente, da Sociedade São Vicente de Paula. Nós tínhamos médicos dentro do clube. Os companheiros médicos leões perceberam que a Santa Casa tinha não tinha um banco de sangue. Nessa época ainda nem existia universidade por aqui. Então, foi proposto no clube que fizéssemos a campanha. Fizemos, arrecadamos os fundos necessários, mandamos construir e instalamos o banco de sangue e o doamos para a Santa Casa, hoje o Hospital Santa Genoveva.
CM: O senhor já é quase centenário. Qual a receita dessa vitalidade? WR: A receita disso digo para alguns amigos: é saber conciliar o trabalhar e o viver. O trabalho é uma necessidade do ser humano. Precisamos trabalhar não só para produzir recurso, mas também para contribuir com a sociedade. E o viver é desfrutar da vida toda vida. Vou a bailes, gosto de dançar, passeio muito, dirijo para todo o lado. Então, essa é a receita: trabalhar e viver. Dançar é muito bom para a saúde, é bom para a mente. Conheci minha esposa em um baile. E estamos dançando até hoje, já há mais de sete décadas. CM: Há algo mais que o senhor considere relevante? WR: A minha atividade, ao longo dos anos, tem sido servir a sociedade, servir Uberlândia que é a minha cidade, a cidade que amo demais e é para mim a melhor do mundo. Esse espírito de servir veio do Lions e me levou a contribuir com outras instituições. Por exemplo: o Uberlândia Clube, onde fui diretor por vários anos, também o Praia Clube, diretor durante seis anos, a Aciub, da qual fui segundo secretário, secretário e vice presidente, além de todas as atividades dentro do clube. Penso que o ser humano tem de contribuir com a sociedade. Não pode trabalhar só pra si, tem que trabalhar para a comunidade da qual faz parte. Também participei da universidade,
Aqui ao lado do dr. Laerte, na época da criação da Faculdade de Odontologia
ajudando a fundar três faculdades, a de Odontologia, de Medicina Veterinária e a Escola Superior de Educação Física. Aquela praça de esporte do curso de Educação Física da UFU era do Napoleão Carneiro. Eu comprei para fundar a escola de Educação Física. Quando a universidade encampou a instituição, eu exercia a função de prefeito do campus da universidade e ajudei a legalizar as propriedades da universidade. Daí, fui convocado pelo reitor para ser diretor da Faculdade de Artes, onde fiquei cinco anos. No início, a Faculdade de Artes era ali na rua Benjamim Constant. Lembro que quando Dona Cora foi me entregar as chaves da Faculdade de Artes, estava chovendo dentro da escola. Triste e preocupado, fui à prefeitura conversar com o prefeito Renato de Freitas. Ele tinha reformado um prédio na avenida Fernando Vilela e o cedeu para a Faculdade de Artes. Transferi para lá e foi tudo lindo. Muita gente ajudou, pois não fazemos nada sozinhos, ninguém faz nada sozinho. Fizemos eventos maravilhosos em Uberlândia na Faculdade de Artes. Depois terminou o meu mandato e eu fui professor de Direito em duas faculdades da universidade. Um dia o reitor da época, Gladstone, me chamou na casa dele e me convidou para ser interventor federal na Faculdade de Medicina da Universidade de São José do Rio Preto. Liguei para minha esposa Onília, pois isso afetaria a vida pessoal e familiar. Ela me apoiou e no dia seguinte fui para Brasília com o reitor e tomei posse no gabinete do ministro de Educação da época, Eduardo Portela. De lá fui direto para São José do Rio Preto assumir a direção da faculdade, onde fiquei por um ano. Foi uma missão difícil. Médico não aceita com facilidade um advogado dirigindo uma Faculdade de Medicina, além de
33 “ A minha atividade, ao longo dos anos, tem sido servir a sociedade”
ser um mineiro interventor em São Paulo. Tive de ter jogo de cintura. Mas, graças a Deus, eu tive muito apoio, principalmente dos estudantes. Toda madrugada de segunda-feira, um carro me pegava em casa, levava pra São José do Rio Preto. Eu ficava lá quatro dias e retornava na quinta, pois tinha função aqui também na universidade. CM: De todas essas histórias em sua trajetória, por qual o senhor tem maior carinho, por ter sido mais desafiador ou por ter tido grande repercussão? Qual te toca mais o coração? WR: Sinceramente, acho que todas essas histórias estão no meu coração. Quando fui nomeado diretor da autarquia educacional de Uberlândia, o deputado Homero Santos foi quem me indicou. E o governador Israel Pinheiro me nomeou. Esta autarquia foi criada por lei com o objetivo de fundar as faculdades de Odontologia e Medicina Veterinária. A primeira escola a ser fundada deveria ser a Faculdade de Odontologia. Eu estava numa reunião do Lions na residência do companheiro Newton Vilela de Andrade e pedi ajuda para cumprir essa missão. Expliquei a situação e o médico Arnaldo Godoy de Souza sugeriu que eu procurasse José Olimpio, diretor da Faculdade de Medicina na época. Assim fiz. Fizemos um acordo e assinamos um contrato para a Faculdade de Medicina me assegurar o curso básico da Odontologia, que era o mesmo curso básico da Medicina. No primeiro vestibular, preenchemos todas as vagas da Faculdade de Odontologia e começamos a funcionar com a ajuda da Faculdade de Medicina. Fomos crescendo e eu aluguei o prédio lá do colégio Salesiano, na avenida Fernando Vilela e implantei a
Faculdade de Odontologia, até ela ser incorporada à Universidade. As faculdades eram escolas independentes e eu tinha fundado dentro da autarquia, que tinha patrimônio, também incorporado à Universidade. Daí, eu comecei a trabalhar na Universidade como prefeito do campus, depois professor, depois diretor da Faculdade de Artes. Durante toda a vida tive relação íntima com escola, desde mocinho. Então não há uma coisa específica. Fundar uma escola é muito importante, talvez das coisas mais importantes que eu tenha feito, mas salvar uma escola, como salvei a Faculdade de Artes e como salvei a Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto são coisas também importantes na minha vida. Esta vida intensa em Uberlândia, ajudando aqui e ajudando ali, participando das coisas de nossa cidade, tudo isso é um conjunto de coisas. Tudo um conjunto em prol da minha cidade. Não fiz muito, mas fiz alguma coisa. E tenho essa sensação tranquila de não ter feito nada sozinho.
TV Triangulo, Faculdades de Artes, Educação Fïsica, Odontologia, Veterinário, clubes, entidades de classe, nos mais diferentes segmentos tem a contribuição dele. Aqui ao lado da esposa Ontilia paixão de mais de 60 anos de casados.
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O médico pneumologista Valdo Gonçalves Borges, de um tempo quando a prática do ofício era um ato de bravura e generosidade
MEDICINA
Amor pela medicina
HOUVE ÉPOCA EM QUE O EXERCÍCIO DA MEDICINA ERA UM ATO DE BRAVURA, EM MUITOS CASOS, DE ABNEGAÇÃO Por CARLOS GUIMARÃES COELHO COM ENTREVISTA DE CELSO MACHADO
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alvez seja preciso recuar algumas décadas para compreender a relevância de alguns profissionais para o desenvolvimento de Uberlândia, sobretudo em se tratando de profissionais da saúde, vindos de um tempo quando o pioneirismo,
a filantropia e o amor ao ofício os transformavam em verdadeiros heróis. Não que que esses atributos deixem de existir nos dias de hoje, mas, houve época em que o exercício da Medicina era um ato de bravura, em muitos casos, de abnegação. E médicos como Valdo Gonçalves abriram esse caminho,
inovando e trazendo novos rumos para a área da saúde em Uberlândia. Valdo, depois de passar pela Escola Dr Duarte e pelo Colégio Liceu, foi estudar em São Paulo, no Instituto Mackenzie, e depois no Rio de Janeiro, onde cursou Medicina. Filho de um comerciante e de uma dona de casa, não soube localizar o momento em que foi “chamado” para a profissão. Quando percebeu, o sonho já estava posto, ainda na adolescência, e se viu prestando vestibular para o curso. Quando retornou à terra natal, em 1970, recém-formado, com 29 anos de idade, havia um único médico na sua especialidade, Pneumologia. Ingressou no Hospital São Francisco, onde permaneceu por cinco anos. Paralelamente, nesse período, realizava atendimentos gratuitos na Santa Casa, onde também foi diretor clínico. Valdo recorda que tinha grande amizade com os padres vicentinos, mantenedores da Santa Casa. Os vicentinos eram uma sociedade de vida apostólica masculina católica fundada em Paris, no século 16, por São Vicente de Paulo, com o preceito de prestar assistência aos pobres. Um dia, um dos vicentinos propôs ao médico que ele comprasse a Santa Casa. Com a intenção de viabilizar a
“De vez em quando a gente improvisava uma UTI”
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Valdo graduou-se no Rio de Janeiro, depois de cursos preparatórios em São Paulo resposta positiva à proposta, Gonçalves recorreu aos colegas que, como ele, não tinham consultório e ao Hospital Santo Agostinho. E compraram a Santa Casa, dando início ao que hoje é o Complexo Hospitalar Santa Genoveva, referência regional em saúde. O médico contou que a Santa Casa era muito bem cuidada pelas freiras e pelos padres vicentinos. “Era um hospital agradável de trabalhar, muito limpo. Naquela época não tinha muito aparelho, muita sofisticação. Era mesmo um aparelho de Raios X simples, um laboratório simples, o doente e a medicação”, relatou Valdo. Segundo ele, houve muito trabalho na transição da Santa Casa para o Hospital Santa Genoveva. “A Santa Casa tinha poucos médicos. Vieram alguns médicos do Hospital Santo Agostinho. A cidade era carente de plantão, plantão noturno e plantão de fim de semana. E inovamos com o plantão permanente. Cada médico ficava um dia no plantão, a cada quinze dias. E funcionou. A cidade logo ficou sabendo que ali, no Hospital Santa Genoveva, tinha um médico, a qualquer hora que fosse”, relata o pneumologista, dizendo-se também orgulhoso de ver o local transformado em um centro de grande complexidade. O médico participou também da história da formação da cooperativa médica Unimed. Ele contou que, naquela época, a ideia do cooperativismo era apenas poética. A Unimed, segundo ele, foi criada para ser uma empresa de médicos, para competir com as empresas mercantilistas. “Nós tínhamos que enfrentar a onda do mercantilismo e assegurar alguma coisa para a classe, então nos encantamos com a ideia e começamos a desenvolvê-la. Participei das reuniões, mas só entrei para a Unimed um ano depois. Posteriormente,
fui eleito Presidente da Unimed, que na época funcionava no porão da Sociedade Médica, muito improvisada. Os planos de saúde eram de custo operacional, as pessoas pagavam quando usavam. Não dava uma solidez para a Unimed, a gente estava tentando fazer outro tipo de plano, que seria o pré-pagamento, uma maneira de a Unimed ter um dinheiro e oferecer o atendimento à saúde com aquela base de recursos”, explicou. Ele lembrou quando assumiu a presidência da Unimed, com poucos médicos associados. Segundo ele, era uma Unimed fraca, que começou a crescer a partir dos planos de saúde com pré-pagamento, que gerou fluxo de caixa e permitiu que ela se tornasse a empresa sólida de hoje, com milhares de médicos associados. Foi também, por duas vezes, chefe do serviço de Medicina Social do INAMPS. “Eu era funcionário público, do INAMPS, naquela época INPS, e como auditor, supervisor, então corria os hospitais. O pessoal tinha até certo respeito, porque eu ia lá corrigir as contas, não ia deixar passar nada de exagero. As pessoas me respeitavam como alguém com um cargo importante”, disse ele. Valdo revelou-se feliz e surpreso com o advento tecnológico na área da Medicina. “A Pneumologia até que cresceu pouco. Ela cresceu mais em imagem, o que já valeu muito. Por exemplo, antes era um Raio X simples de tórax, uma Abreugrafia, uma chapa pequenininha. O Raio X, mesmo, de perfil, a gente tinha que resolver com aquilo. Aí veio a tomografia, a endoscopia, a fibrobroncoscopia para fazer biópsias. Esse foi o salto maior na minha especialidade. Enquanto que, na Cardiologia, foi aquele mundo de exames e de aparelhos”, opinou.
O médico recordou quando veio para Uberlândia e trouxe um aparelho respirador chamado Bird, desconhecido em uma cidade que ainda não tinha respirador e nem UTI. Contou que se um paciente passasse mal e entrasse em coma, para deixá-lo respirando tinha que usar o Takaoka, um aparelhinho simples que possibilitava à pessoa respirar na anestesia. “De vez em quando a gente improvisava uma UTI. O paciente precisava e, no quarto mesmo, colocava o respirador, já colocava o Eletro para ir vendo o coração. Até surgirem as UTIs de fato, onde se reservou um cômodo para respiradores mais sofisticados, eletro e outras aparelhagens para melhorar as condições do paciente”, citou Dr. Valdo, não deixando de reconhecer seu pioneirismo ao trazer para a cidade o primeiro respirador, em 1970, Valdo Gonçalves também foi plantonista na Medicina, no início do Pronto Socorro. E lembrou quando lá só tinha um prédio para o Pronto Socorro e um para o Hospital. “Com o tempo, foram montando UTIs na Medicina, foi crescendo, nos outros hospitais também”, recordou. Para ele, o futuro da saúde pública no Brasil estará sempre refém das políticas governamentais. E mais recursos para o setor é o único caminho para desenvolvê-la. “Depende sempre do Governo, dos recursos. Eu vivi muito isso no que é o SUS hoje. A gente fazia o orçamento para o próximo ano e levava a Belo Horizonte. INPS, INAMPS, fiz tudo. Eu levava lá e falavam que estava tudo bem. O recurso, em setembro, acabava, e tinha que ir lá pedir, atrasava. E até hoje o que falta é dinheiro. Você pode fazer mil planos. Vivi muito isso, chegava um partido, ganhava, ficavam falando que ia ser
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assim, assim, assim, faziam aquele plano, soltavam, e o dinheiro não dava, não adiantava. Então, a primeira coisa é ter dinheiro, muito dinheiro para a Saúde Pública. Aí qualquer plano dá certo. Não adianta plano mirabolante sem dinheiro. É o que eu vejo há cinquenta anos”, testemunhou. Ainda assim, com todos os percalços e adversidades, na saúde pública ou privada, o médico Valdo Gonçalves, destacou as alegrias da profissão. “A minha vida me proporciona alegrias diárias, quando eu faço um diagnóstico, quando atendo bem a pessoa e ela fica satisfeita. Todos os dias eu tenho essa satisfação. Quando para um ou outro paciente, às vezes, não pega bem, aí é a frustração. A gente está sempre sendo frustrado e sempre tendo alegrias. Um diagnóstico bem feito, que livra a pessoa daquele mal, isso é a glória. É o gol”, orgulhou-se o médico, ressaltando a qualidade que enxerga na medicina em Uberlândia. “Os hospitais públicos são excelentes. Vi poucos iguais ao Hospital Municipal, por exemplo. Além das UAIs, que servem muito bem. Obviamente, faltam recursos. Falta dinheiro, mas se tiver um pouco, já se faz muito. A Medicina da UFU serve muito, é excelente, faz anos que vem servindo, mas também esbarra na falta de recursos. Não fosse isso, estaria pronta para ser destaque no mundo, pode estar certo disso. Tem médicos, tem qualidade, tem estrutura, tem tudo. E Uberlândia está na frente, bem na frente, de muitas cidades e até mesmo de muitas capitais”, concluiu o médico. Sua esposa há 33 anos, Cristina Maria Gomes, o conheceu no Hospital Santa Genoveva, quando ela trabalhava lá. Ela diz ter muito orgulho da trajetória de Valdo. “Adoramos ouvir suas histórias sobre a Unimed, sobre seus tempos como chefe de Medicina Social do
Dr. Valdo e a esposa Cristina Maria Gomes, uma grande admiradora INPS, hoje SUS, de quando foi parte da equipe de plantonistas do Pronto Socorro da UFU na sua implantação, do Santa Genoveva. A verdade é esta: o hospital é o filho mais velho dele. Dele e de todos os outros médicos que embarcaram com ele nesse grande empreendimento. Quando ele conta as histórias da época da fundação do hospital, entendemos perfeitamente o porquê de ele ser referência em Uberlândia e região. Tanto trabalho, tanta dedicação, tanto esforço”, disse Cristina. Ela considera o esposo uma fonte de inspiração. Exatamente por seu lado humanitário. ”A trajetória do Valdo é algo que nos orgulha muito. Quando ele encontra os pacientes fora do hospital você percebe o tamanho do respeito e gratidão que eles têm por ele... é emocionante! Este lado do Valdo é motivo de muito orgulho. Conviver com ele e presenciar isso nos traz também muito aprendizado”, afirmou. Sobre o exercício da profissão, Cristina considera que o marido tem o dom para exercer a Medicina e não estabelece comparações favoráveis ou não à atual geração de médicos. “Sabemos que não somos imparciais para falar isso, mas nossa opinião é a mesma que a dos pacientes. Não dá pra comparar a geração atual com a dele. Seria injusto. Hoje, os médicos têm uma medicina muito aliada às tecnologias
de ponta. Antigamente, a Medicina contava com uma certa tecnologia, mas tudo era mais na cara e na coragem. Ambas as épocas são muito importantes para a evolução da medicina. Sem uma não haveria a outra”, opinou a esposa. A companheira de Valdo faz questão também de enfatizar sua erudição, o que, na sua opinião, justifica todo o sucesso da trajetória profissional. “Eu vejo o Valdo trabalhando de segunda a segunda, se atualizando, estudando e aperfeiçoando diariamente seu ofício. Ele é incansável. Seu hobby é a leitura. Conhece obras de vários escritores famosos. Já leu toda a Bíblia, o velho e novo testamento, quase todos livros de Machado de Assis, Os Sertões de Euclides da Cunha, Guerra e Paz de Tolstoi, Dom Quixote, de Cervantes, entre dezenas de outros clássicos da literatura universal. E também adora e acompanha todos os tipos de esporte, seu passatempo predileto. Por isso, existe lógica, pra mim, no fato de o hospital Santa Genoveva ser essa grande referência. É o resultado de total dedicação e trabalho árduo! Todo corpo clínico do Hospital Santa Genoveva também é responsável por isso. O sistema, como um todo, funciona muito bem”, disse ela. Cristina e Valdo têm dois filhos, Andressa e a Gabrielly. Valdo também é pai de Vandré e Vanessa, de seu casamento anterior.
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Artista múltipla dedica-se às atividades como coralista e produz artes visuais em linguagens diversas
PERFIL
Aquarelas musicais e música com plasticidade
A regente e artista visual Rejane Paiva, hoje na Suíça, relembra seus caminhos artísticos e sua vida em Uberlândia Por CARLOS GUIMARÃES COELHO
O
s anos de 1990 não seriam os mesmos sem a presença da artista visual e musicista Rejane Paiva em Uberlândia. Além de aquarelista em nível de excelência, ela foi uma das grandes “agitadoras” culturais da cidade e provocou catarses diversas com suas exposições e o seu Coro Cênico Municipal. Rejane, autora da capa criada exclusivamente para essa edição comemorativa aos 10 anos deste Almanaque, vive há décadas no continente europeu, antes em Portugal e atualmente na Suíça.
Sua passagem por Uberlândia, sem nenhum exagero, foi fenomenal, não somente pela qualidade de suas obras, mas também por criar e reger o hoje extinto Coro Municipal de Uberlândia em uma perspectiva diferenciada, dandolhe impressionante visibilidade e caráter mais popular ao levá-lo para espaços como praças, ruas, bares e restaurantes em criativas releituras e/ou apresentações temáticas, como “Carmina Burana”, de Carl Orff, no London Pub, cabarés irreverentes no Public Bar, pautados pelos repertórios de Tom
Jobim, Noel Rosa, Elis Regina, Astor Piazzolla, entre outros, homenagem ao grupo dos anos de 1970, Secos e Molhados, com o espetáculo “Secos, Líquidos, Sólidos e Molhados”, também no Public Bar, ou a “Noite Medieval”, o “Cores, Bagagens e Viagens” e “A Festa Babette”, os três no Pacco Restaurante, além das operetas natalinas, dos “flashes mobs”, das participações em eventos e em óperas junto com o Coral da UFU e com o Conservatório Estadual de Música. Foram dezenas de espetáculos em apenas dez anos de existência, além de viagens para apresentações em Uberaba, Ouro Preto, entre outras. Embora carregasse na nomenclatura a marca da Prefeitura de Uberlândia, o Coro Municipal era uma associação independente, apenas apoiado pela Secretaria Municipal de Cultura. E havia uma ajuda de custo aos cantores do Coro, atribuindo, deste modo, um caráter semiprofissional ao coletivo.
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Dos tempos em que viveu em Uberlândia, Rejane reproduziu espaços como o Public Bar em suas aquarelas Segundo Rejane, a experiência do Coro Cênico Municipal foi bem sucedida exatamente por trazer algo que ainda não era muito comum, embora já existisse em alguns pontos do país. “A gente vem de uma tradição do teatro de revista, da chanchada, isso é muito forte na linguagem brasileira. A gente se permite. Pra mim, essa é a veia mais forte no Brasil. O povo brasileiro é um povo criativo e vai trazendo generosamente um pouco do conhecimento adquirido em todas as áreas. Isso é o melhor do Brasil”, explicou Rejane em comparação aos países europeus onde, de um modo geral, as pessoas mergulham apenas com pleno domínio técnico e não sem antes estudar bastante e investir na tradição. “O brasileiro, quando busca a tradição, é para fazer o novo. E aqui, eu sinto que não se arriscam tanto como a gente arriscava. A nossa ousadia vem de a gente ser livre. Nós somos mais livres e a liberdade faz um bem enorme para a criatividade, para a arte”, ponderou a regente. Rejane não consegue dissociar essas duas linguagens artísticas que permeiam sua trajetória. Em sua memória afetiva, carrega lembranças com desenhos e com música desde a tenra idade de seis anos. Filha de um bancário que era sempre transferido para cidades onde a empresa estatal abriria agências, ela passou sua infância por
vários lugares. Nasceu em Uberaba (MG), cresceu em Ituverava (SP) e teve sua formação acadêmica em Uberlândia. Ela contou que a sua iniciação musical em Ituverava foi por intermédio de uma equipe do Rio de Janeiro que ia pra lá. E ali, ainda criancinha, já teria o contato com as famosas bancas de avaliação, que se tornariam comuns em sua trajetória acadêmica. Era prática dos conservatórias da época. Ela, obviamente, não achava a menor graça, mas acabou tendo efeitos positivos em seu futuro, pois isso lhe tirou o medo, o medo das bancas, das avaliações e, sobretudo, do palco. Paralelamente, ainda em Ituverava, na mesma época, quando cursava a segunda série, uma professora reconheceu o seu talento com os desenhos, conquistou-a com uma caixa de lápis de 36 cores, um sonho para as crianças da época que gostavam de desenhar, e convidou-a a participar como desenhista de um trabalho que ela estava realizando sobre desenho infantil para o curso de Pedagogia. Mesmo sem compreender todo o contexto, Rejane prontamente se entregou à infante aventura artística. “Aquilo, para mim, era como me jogar na Disneylândia, pois eu só tinha acesso à caixa de 12 cores. Uma de 36 era um luxo. Daí, eu saía do grupo escolar, fazia as lições de casa e ia para o conservatório estudar. Nunca consegui separar
a Rejane artista visual da Rejane musicista. Em alguns momentos, a escola tradicional tentava fazer isso, mas eu não”, relatou a artista, contando que os professores de música tentavam convencê-la a investir somente na música e os de desenho a estimulavam a focar somente nas artes visuais. “Eu fui aprendendo que não tinha de escolher uma das duas linguagens. Seria desastroso retirar de mim qualquer uma delas. Fui mantendo as duas. E nunca fiz essa escolha”, contou Rejane. Em 1982, ao ingressar no curso de Música, Rejane se mudou para Uberlândia. Nos quatro anos anteriores ela morou em Uberaba, onde, segundo ela própria, já estava “desembestada” com a música e mesmo no Conservatório de lá tinha aulas de artes plásticas com o consagrado artista uberabense Hélio Siqueira. Ela e o professor tinham por hábito saírem pela cidade desenhando os lugares. Esse hábito Rejane mantém até hoje. Boa parte de seus desenhos e aquarelas retratam Lisboa, Zurique e todas as cidades por onde passa. “Isso nunca saiu da minha vida. Isso sou eu vivendo naturalmente. Na universidade, o curso básico trazia junto a música e as artes plásticas. Pra mim era um privilégio fazer matérias da música e das artes visuais e cênicas. Aquilo pra mim foi um paraíso. Fui estudar com Edmar Ferretti, da música, novamente Hélio Siqueira e Babinski, das plásticas, Zeca Ligiéro nas Cênicas, entre outros, e conhecer meus contemporâneos, como Alexandre França. Fizemos nossa primeira exposição juntos”, disse a artista, contando também sobre o momento de fazer a sua opção, ao menos em nível acadêmico. Muito embora tenha ingressado no Ensino Superior com o intuito de aprofundar o conhecimento em Música, acabou optando, no momento oportuno, pelo curso de
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Artes Plásticas. E também, pela sua proximidade e trabalho no Coral da UFU, foi fazer aulas de canto. “Costumo dizer que até hoje não saí da Universidade. Na nossa área é extremamente importante nos atualizarmos sempre sobre novas técnicas, novos temas, as grandes questões da universidade. As artes são vanguarda sempre. E vanguarda você tem de saber do que estão falando”, afirmou. Para Rejane, o seu desenvolvimento artístico passava necessariamente pela somatória de todas as linguagens artísticas. Sua experiência com as montagens de óperas da universidade, somada à busca por novos elementos que ela não sabia exatamente quais eram, a levou a buscar expressões mais populares e genuinamente brasileiras para a sua expressão artística. Nessa época, fundou o grupo Tainacanto, ancorado na cultura indígena, e mesmo amando cantar no Coral da UFU, queria ir além. Passou a frequentar cursos de regência nos quatro cantos do país e a pesquisar os temas que lhe interessassem. Foi quando o Coro Municipal entrou em sua vida. O Liderou o Coro por um período de 10 anos. Ao longo dessa década, o grupo era meio “camaleão” e os espetáculos se configuravam sempre de acordo com a formação desse coletivo, priorizando as raízes e preferências musicais dos integrantes do grupo. Para Rejane, suas aquarelas são musicais. Ela disse que não coloca música quando vai desenhar, pois o seu cérebro está funcionando em outro setor, mas ela sente no desenho o ritmo, o equilíbrio e a composição, percepções que considera ter em decorrência da música. Ela contou que quando
As apresentações do Coral, todas bastante cênicas, lançaram músicos e intérpretes para a cena cultural de Uberlândia morava em Portugal foi trabalhar com restauro de óperas do século XVII, na cidade de Lisboa, onde estudava Musicologia. Ela fazia muito bem edição de música. “Pra mim, uma partitura é um gráfico. Está lá tudo o que precisa. Esse equilíbrio, essa introdução do tema, sem saber musicalmente o que é um tema na música, eu percebo isso graficamente. Mas, na Europa, é diferente. A falta de constância no ensino de música no Brasil me fez demorar a aprender o solfejo. Buscando esse aprendizado, descobri que já solfejava de maneira muito intuitiva. Eu não leio música contando de maneira matemática. O meu sistema de pensamento traz a música de uma maneira visual. Leio partituras plasticamente”, explicou Rejane. Na Suíça, Rejane segue cantando e aquarelando paisagens. Já acumulou inúmeras obras de surpreendente estética e cantou em espaços nobres como um coro com 280 anos de existência. Quando foi para Europa, a ida se deu como um curso natural da vida. Foi movida pela paixão. Para casar e constituir família. Mas, também em busca de novos aprendizados na área artística. Tinha um mundo para conhecer. Por aqui ela já se interessava por Musicologia. Ela já vinha constituindo um repertório do período colonial brasileiro. Mas,
por aqui ainda era uma área muito incipiente. Foi sua oportunidade de ter todo o conhecimento estruturado. Paralelamente, estava com exposições em cartaz. Participou também do Coro Lisboa Canta, de altíssimo padrão, com mais de 120 vozes, tocando frequentemente com orquestras e grandes nomes da área artística popular e erudita, para públicos de até milhares de pessoas. Foram dez anos lusitanos de grandes acontecimentos para Rejane Paiva. Além do curso de mestrado em Musicologia Histórica, veio a gestação de sua única filha, Carolina, com o marido português, Jorge. Carolina, é hoje uma jovem de 17 anos prestes a ingressar na Faculdade. O casal Rejane e Jorge decidiu migrar para outro país da Europa. Jorge era empresário em Portugal e foi atuar como bancário na Suíça. Chegando ali, foi um novo recomeço. RejaneN não dominava a língua alemã, predominante para onde foram. Aprender a língua, fazer novos amigos, cuidar da vida familiar e escolar da filha, todo um processo de readaptação. Somente agora, 12 anos depois, as coisas começam a acontecer. Depois de 30 anos, Rejane Paiva voltou também a estudar piano, já que agora tem novamente o instrumento, reencontrando, desse modo, com a Rejane dos tempos de início da trajetória artística.
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Dona Chiquinha começou a se dedicar ao teatro após os 60 anos de idade Por ANTÔNIO PEREIRA
FRANCISCA GARCIA DE SOUZA
DONA CHIQUINHA A DAMA DO TEATRO
A
li, numa roça perto de Xapetuba, em 1916, nasceu dona Chiquinha, Francisca Garcia de Souza, numa família humilde, com pequena lavoura de arroz e um gadinho. Arteira e curiosa, foi conhecendo a vida. Seu Crispiniano e dona Eliza tiveram onze filhos, Chiquinha, a do meio. Criança ainda veio para Uberabinha. Graciosa e gentil, colhia flores silvestres que oferecia à mãe do José Peppe, gerente do cine Avenida, dona Josefina, que era sua vizinha. Era uma coisinha desassossegada que via tudo com uns olhos pra lá da realidade humana, lá no mundo dos sonhos. Predisposta a uma atividade artística.
Ainda nesse tempo em que girava pelas ruas tranquilas da cidade, catou latas de soda cáustica vazias, como outras crianças, que levava à gente da revolução getulista para enchelas de rebarbas de ferro, cacos de vidro, pregos e parafusos e serem transformadas pelos Crosara em petardos para o seu artefato de guerra, o canhão “Emílio”, usado contra os goianos na ponte Afonso Pena, impedindo-os de avançar sobre o território mineiro. Ficou moça bonita, alinhada, que fazia seus próprios modelitos e fascinava nos footings e nas festinhas da moçada. Desde esse tempo já arriscava umas crônicas e uns poemas que
ficavam dormentes nas gavetas. Casou-se aos 17 anos com o músico Alair José de Souza e logo teve sua primeira filha, a hoje advogada dra. Yvonne de Sousa. Com essa filha e apenas 18 anos de idade, viveu uma estonteante aventura em São Paulo. Yvonne nascera com problemas nos pés e como não havia recursos em Uberlândia, Chiquinha a levou para São Paulo para trata-la com conhecido ortopedista. Tudo ia dando certo quando irrompeu a Intentona Comunista, uma revolução políticomilitar que pretendia derrubar o governo autoritário de Getúlio Vargas. Como a pensão onde se hospedara ficava em zona infestada de comunistas, foram presas a dona da pensão e todos os pensionistas. Chiquinha e Yvonne ficaram reclusas no quarto de onde ela saia para fazer uma sopinha pra criança com ordem de um oficial que mandava um soldado acompanha-la até a cozinha. Alair ficou sabendo e, preocupado, levou a notícia à família da esposa, em Monte Alegre, causando um grande susto em d. Eliza, sua mãe, que viveu momento aflitivos até a liberação da filha. De volta, nos sábados, que eram dias de trabalho pesado para o marido, para distrair-se da solidão, Chiquinha montou um cirquinho dos fundos do seu quintal, onde fazia tudo. No início, para os filhos, em seguida para os meninos da vizinhança. E mais meninos se chegaram. Ela montava e desmontava o circo. Era a apresentadora dos números, a protagonista de todos os quadros, contava historinhas, representava pequenos dramas infantis, cantava etc. Já era um prenúncio de sua escolha artística. Suas atividades poéticas começam depois do casamento. Faz trovas e poemas de 3 e 4 estrofes.
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A atriz viveu a “louca” Josefa na icônica montagem local de A Casa de Bernarda Alba, dirigida por Guilherme Abrahão Faz trovas e poemas de 3 e 4 estrofes. Por ficar muito tempo sozinha, o Alair ensaiava de dia e se apresentava de noite com a banda, Chiquinha se entregou à produção poética. Com o passar do tempo, jogou grande parte do que fez fora. Guardou umas poucas poesias e aquela que achava a melhor, “Rodoviária Castelo Branco”. Era uma homenagem ao terminal central rodoviário de Uberlândia, construído pelo prefeito Renato de Freitas. Lá, um dia, as coisas não deram certo entre Chiquinha e Alair e se separaram. Uma separação sem rompimento afetivo, continuaram amigos e nenhum dos dois voltou a ter outra companhia. Tempos difíceis que venceram com a ajuda da família. Mas Chiquinha não
queria ser dependente e não deixaria seus filhos desamparados. Resolveu ser cabelereira. No começo, atendia em casa e ia também à casa das clientes. Era só chamar. Muito bonita, foi modelo fotográfico para publicidade de uma loja da cidade, participou de um concurso local de beleza com classificação por segmentos e ela venceu o da beleza. Dona Chiquinha Garcia ia levando tranquilamente sua vidinha de dona de casa, escrevendo crônicas e poesias, cabelereira sempre, os filhos já adultos, quando foi convidada para participar de uma reunião com o artista Lauro Góes, no Sítio do Picapau Amarelo (escola pré-primária da rua México). Lauro Góes vinha a Uberlândia a convite da professora Regina, diretora do Colégio
São Judas Tadeu. Lauro perguntou-lhe se fazia poesias. - Faço. - Pois me faça uma e me traga amanhã. - Ah, não dá. Mas eu posso mostrar uma já feita. E declamou “Estação Rodoviária Castelo Branco”. Alguns dias depois, recebeu telefonema de d. Rosália convidando-a para participar de uma peça que o grupo Cinterartes pretendia montar. Cinterartes era um grupo do Conservatório Musical. Dona Chiquinha, já com mais de sessenta anos de idade, estranhou o convite. Mas Rosália explicou: - Vi a senhora declamando lá no Picapau
Quando ela entrou no palco, viu que a plateia estava cheia. Tremeu. Pensou consigo mesma: “Agora eu tenho que fazer o melhor que eu posso!”
Amarelo. Muito ressabiada, desconfiada de sua competência, foi e se encontrou com o diretor Guilherme Abrão que a apresentou ao grupo. Todos, ou quase todos, estudantes universitários principalmente de medicina e engenharia. Dona Chiquinha arrepiou. - Quê que eu vou fazer aqui, no meio dessa gente toda estudada? - Nós queremos é a senhora mesmo. - Ah... mas não vou dar conta não. O Guilherme deixou o texto com ela, apesar da recusa. Dona Chiquinha foi-se embora muito preocupada com a obrigação e começou a estudar. Quando os atores se encontraram de novo, ela já sabia todo o texto. - Uai, mas a senhora já sabe o texto todo? - Já. Mas se você tiver alguém aí pra pôr no meu lugar, pode pôr. - Não. Vai ser a senhora mesmo. Ensaiaram por três meses. Dona Chiquinha contava que o Guilherme lhe corrigia a postura em cena, a marcação, e que tinha que lhe corrigir também o português. Em casa, consultava a filha advogada. Depois, foram concluir os ensaios no Teatro Rondon Pacheco. Lá, um dia, todos no camarim, Guilherme disse a dona Chiquinha: - A senhora vai lá no palco representar a sua parte para um pouco de gente que está aí. Quando ela entrou no palco, viu que a plateia estava cheia. Tremeu. Pensou consigo mesma: “Agora eu tenho que fazer o melhor que eu posso!” E fez. Voltou para casa crente de que tinha dado conta do recado. Eram princípios de 1978. A peça foi para o palco. Ficou três meses em cartaz. Ao fim das apresentações,
diziam para ela que ela tinha sido aplaudida em cena aberta. Estava lançada, em Uberlândia, a personagem Maria Josefa, a louca da peça “A Casa de Bernarda Alba”, de Federico Garcia Lorca. Enquanto viveu, dona Chiquinha Garcia se orgulhou da personagem e a representava isoladamente para quem quisesse vê-la em seu trabalho. Depois desse sucesso, que se repetiu em Uberaba (onde ganhou prêmio) e Ituiutaba, dona Chiquinha continuou lutando com o seu teatro, agora, ela mesma produzindo e dirigindo. Eram peças de homenagens. Uma delas que ficou conhecida foi “La Cumparsita”, festejando o sucesso de Roldolfo Valentino. Nessa área de homenagens, também reverenciou Elvis Presley, quando chamou o Carlinhos
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Guimarães Coelho para interpretar a versão brasileira de Love me tender. Fez também, por sugestão do Carlinhos, uma montagem de Haroldo e Maude, Ensina-me a viver. E o grupo Ciranda, sob a direção de Roberto Rezende, montou a peça com Carlinhos fazendo o Harold e dona Chiquinha fazendo a Maude. Seu trabalho pessoal não teve o sucesso do Bernarda Alba, mas nem por isso dona Chiquinha deixou o palco vazio. Pouco antes de falecer, quis montar de novo essa peça. Enfrentou o público, com sucesso ou não, até o fim. Faleceu no dia 24 de abril de 1999, em sua casa. Fontes: Francisca Garcia de Souza, Pedro Popó e Carlos Guimarães Coelho.
O extinto Teatro Grande Otelo onde dona Chiquinha apresentou as peças: A casa de Bernarda Alba, Ensina-me a viver, La Cumparsita dentre outras.
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Pilotos ao extremo
E
ainda sobre aviação, Uberlândia tem uma história muito bonita ligada a formação de pilotos. Curiosamente, segundo registro do livro “Asas, risos e lágrimas” de autoria de Durval Teixeira, a cidade em 1938 formou o piloto mais novo e também o mais velho do Brasil. O mais novo com 14 anos de idade foi Hélio Marincek filho do fundador e instrutor da escola de aviação e o mais velho, Tito Teixeira que tinha na época, 53 anos.
Um cliente quadrúpede
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écada de 1980. O circo anunciava sua chegada à cidade desfilando pelas principais avenidas. O empresário Toninho Hubaide, nessa época à frente de sua tradicionalíssima loja Casa Feliz, a mais antiga em funcionamento na cidade, tinha acabado de concluir uma reforma. E para tornar a fachada da loja mais aconchegante resolveu fazer um plantio de quatro jerivás que hoje estão gigantescos na porta da loja. E foi pego de surpresa por uma situação inusitada. Difícil até de acreditar para quem conta. Quando o semáforo da avenida Floriano Peixoto fechou, a carreta que desfilava com os animais do circo que ia se apresentar na cidade, ficou parada exatamente em frente à loja. Nela, um simpaticíssimo e
enorme elefante, sem nenhuma cerimônia, aproveitou a pausa para lançar a tromba e levar consigo a apetitosa árvore. Obviamente, com todo o cuidado tido no plantio, Hubaide ficou irritadíssimo com a situação, mas depois já a considerou até mesmo divertida, até porque o elefante não conseguiu arrancar o tenro jerivá do local. Para o empresário, ficou como uma lição sobre os imprevistos da vida. Por mais esdrúxulo que pareça, ele sempre lança essa pergunta a quem esteja planejando algo: “e se aparecer um elefante no meio do caminho”? Boa pergunta, por mais inverossímil que pareça. No caso dele apareceu. E com fome!
AVIÃO AV-101-ASTRO
Avião made in Uberlândia
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uita gente não lembra e outra grande maioria nem sabe, mas Uberlândia já teve uma fábrica de aviões. Ela começou a funcionar em 1986 fundada pelos irmãos Dorivaldo e Dremeval Nascimento produzindo aviões de pequeno porte para atividades de lazer e para o trabalho no campo. O motor utilizado era da marca Volkswagen, adaptado pela própria montadora alemã. A Asa, nome dessa empresa uberlandense fez adaptações e ajustes até chegar ao modelo Astro com motor de 1.8 mil cilindradas. No final da década de 80 a fábrica contava com cerca de 40 colaboradores que produziram entre 1986 e 1988 cerca de 120 unidades do avião AV-101-Astro, que foi considerado um dos ultraleves mais respeitados do Brasil. As dificuldades financeiras, a falta de apoio dos governos estadual e federal fizeram com que essa ousadia de dois irmãos uberlandenses tivesse vida curta.
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A presença e a participação feminina foram fundamentais no processo de construção da cidade de Uberlândia.
Espaço de sociabilidade em Uberabinha (1923-1928)
O GRÊMIO RECREATIVO E LITERÁRIO FEMININO Por JANE DE FÁTIMA SILVA RODRIGUES
É
inegável a presença feminina na construção do município de Uberlândia. Tivemos a oportunidade de historiar o movimento feminino e feminista em Uberlândia ao longo de vários artigos publicados nesse veículo de comunicação, que é imprescindível para o resgate da memória local. Destacamos nomes importantíssimos de mulheres que atuaram em várias áreas da atividade humana e que deixaram um legado a ser seguido por gerações. Ainda como Uberabinha, a movimentação de mulheres no espaço público se fez uma constante a despeito de uma sociedade de padrões rígidos e fortemente patriarcal. Alguns espaços de sociabilidade feminina foram ‘permitidos’ na sociedade uberabinhense, desde os fins do século XIX, como a profissão de
professora. É possível verificar pela fonte jornalística outros espaços, como as sessões de cinema e reuniões entre famílias. O Jornal A Tribuna** de 11/11/1923, nº 217, anunciou a criação do Grêmio Recreativo e Literário Feminino “onde se reúnam as famílias desta cidade”. Dois dias depois desta notícia, o Jornal O Reflexo, nº 1, veicula: “Por iniciativa das senhorias Aurora Chaves, Maria Carneiro, Maria Altina Jardim e Cecy Cardoso, fundou-se domingo último o Grêmio Recreativo que tem por fim a realização de diversões e o desenvolvimento físico e intellectual*** da nossa juventude”.
pelo jornalista Lycídio Paes, redator do Jornal O Reflexo, sendo a mesa dos trabalhos presidida pelo advogado Dr. Augusto Coimbra da Luz, o capitão Pantaleão Nery Tolentino, o ex-juiz da Comarca e no momento vereador da Câmara Municipal, Dr. Abelardo Penna e o jornalista e escritor Agenor Paes. A primeira diretoria do Grêmio**** foi assim composta: presidente: Aurora Chaves; vice-presidente: Cecy Cardoso; tesoureira: Maria Carneiro; secretárias: Maria Altina Jardim e Dolores Schwindt; oradora: Maria Aurora de Jesus; bibliotecária: Leodegária de Jesus; diretora esportiva: Alfredina Rezende; procuradora: Leonyra Saraiva; conselho fiscal: Orlantina Penna, Esther de Souza Castro, Orestina Rezende Barros, Aristotelina Magalhães, Alice Paes e Amanda Carneiro Teixeira.
Esse Jornal dedicou meia página para abordar o assunto detalhando a reunião que “teve concorrência apreciável, o que denota o interesse que despertou”. A sessão foi presidida Nessa mesma reunião, vários assunto
“Era uma pessoa que lutava para vencer naquela época que a mulher era só do lar... Queria evoluir, porque lia muito. Sabia que, na Europa, a mulher tinha liberdade e aqui não...”
foram tratados, como a confecção do estatuto e o valor da mensalidade. Ficou deliberado que sóciosfundadores seriam isentos da joia no valor de 5$000 para o sexo feminino e 10$000 para o masculino. A mensalidade estipulada em 3$000 para mulheres e 5$000 para homens. Um ponto extremamente interessante é que, mesmo sem a elaboração do estatuto, foi vedada a participação do sexo masculino na diretoria do Grêmio. No findar da reunião, inscreveram-se como sócias(os)-fundadoras(es) 69 pessoas. O Jornal A Tribuna de 18/11/1923, nº 218, também veiculou matéria sobre a fundação do Grêmio, enfatizando que “o escol da nossa sociedade ocorreu à sala do Grupo Escolar, onde se efetuou a reunião, a qual ficou repleta”. Conseguimos relacionar alguns nomes***** que compuseram as diretorias do Grêmio pelo grau de parentesco que tiveram com o ‘escol da sociedade’, mencionado pelo Jornal, por exemplo: Maria Fonseca Carneiro, casada com José Joaquim da Fonseca, filho de José da Fonseca e Silva, conhecido por “Bem das Aroeiras”; Orlantina Penna era esposa do Dr. Abelardo Penna, vereador de 1923-1927; Maria da Fonseca Carneiro, filha de Clarimundo Carneiro e casada com Lauro Teixeira; Lola e Dolores Schwindt, filhas de Pedro Schwindt; Alice Paes, irmã do jornalista Agenor Paes; Lydia e Lygia Resende, filhas do comerciante Tonico Rezende e vereador de 1919-1922; Amélia Teixeira Costa, filha de Arlindo Teixeira, comerciante e irmã de
Tito Teixeira; Benedicta Ulhôa, filha do juiz Dr. Duarte Pimentel de Ulhôa; Aurora Chaves, irmã de Camilo Chaves; Adolphina Santos, filha do comerciante e juiz de paz, Sebastião dos Santos, conhecido como Nenê Buta; Olga e Ignez Del Fávero, filhas do arquiteto Cypriano Del Fávero; Maria de Lourdes Porto, casada com o advogado e professor Mário de Magalhães Porto; Amanda Carneiro Teixeira, casada com Arlindo Teixeira Jr., Brasílica Pacheco de Freitas, neta de José Cota Pacheco e casada com Hermógenes de Freitas; Esther de Souza Castro, filha de Tobias Inácio de Souza, membro da 1ª Intendência Municipal, em 1891.****** Outros nomes que participaram das diversas diretorias do Grêmio eram à época professoras e algumas delas têm seus nomes nas escolas municipais de Uberlândia: Olga Del Fávero; Cecy Cardoso; Alice Paes; Maria Altina Jardim; Alfredina Rezende; Marcilieta Campos; Leodegária de Jesus, famosa poetisa goiana; Amanda Carneiro, dentre outras. O Estatuto do Grêmio foi aprovado (mais infelizmente não conseguimos localizá-lo no decorrer da pesquisa) e noticiado pelo Jornal A Tribuna de 25/11/1923, nº 219. Em um de seus artigos institui “a classe de sócios beneméritos para as pessoas que prestarem serviços considerados relevantes ao Grêmio, ou offerecem ao mesmo objetos valiosos, a juízo da Directoria, ou a quantia superior a 100$00”. A lista iniciada pelo Agente Executivo, o Cel. Eduardo Marquez, que “com toda a galhardia”, foi seguida pelo engenheiro Dr.
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Agostinho Azelli, o capitalista Carmo Prudente, dentre outros. Notícias esparsas veiculadas pelos jornais locais evidenciaram alguns eventos do Grêmio ao longo do ano de 1924, como a palestra do artista Reis Júnior sobre A Mulher, realizada no Cinema Central, assim como um festival artístico sob a direção do ator Adalberto Pajuaba com peças encenadas por moças da sociedade: “Angústia de um coração materno”; “Tribunal das moças”, dentre outras. Neste mesmo ano, em abril, estabeleceu-se a sede do Grêmio Recreativo Feminino, à praça da Liberdade (hoje Clarimundo Carneiro) assim descrita pelo Jornal A Reacção de 03/04/1924, nº 2: “É um vasto salão, colocado em magnífico ponto, dispondo de luz e ar em abundância ... possui alguns armários com livros, diversos aparelhos de jogos, mesas, cadeiras, etc., podendo tornar-se um ponto de atração para os elementos femininos”.
Senhorita Aurora Chaves (1924)
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A inauguração contou com a presença da sociedade uberabinhense, como: o Agente Executivo, Cel. Eduardo Marquez; o juiz de Direito Duarte Pimentel de Ulhôa e o promotor de Justiça, Dr. Augusto Coimbra da Luz, que ocuparam a mesa de trabalho. A oradora do Grêmio Maria Aurora de Jesus fez um discurso sobre a finalidade da instituição. Em seguida, o advogado Francisco Elias Barbosa dissertou sobre a mulher e, durante a festa, a Corporação Musical 7 de Setembro, “executou belos trechos de seu repertório”, conforme publicação do Jornal A Reacção de 10/04/1924, nº 2. Em 7 setembro de 1924, o Grêmio Recreativo e Literário Feminino inaugurou em sua sede o quadro de honra dos sócios-beneméritos. “Estiveram presentes muitas famílias e distinctos cavalheiros, além das associadas”, noticiou o Jornal A Tribuna de 21/09/1924, nº 261. Além da colocação dos retratos, várias poesias foram declamadas e foi realizada uma partida de pingpong. A equipe das moças era formada por Nenê, Milica Ribeiro, Maria e Carmita Chaves; a dos rapazes, composta por Milton Villela, Oswaldo Vieira, Sóstenes Guimarães e Oswaldo Resende. Arbitrou a partida Pedro Machado, sendo o resultado 200 para a equipe masculina e 180 para a feminina. “Terminada a partida foi servido licores, vinho e finos sequilhos. O baile animado foi regado ao som da Banda 7 de Setembro que durou até uma hora da madrugada”. No dia 11 de novembro de 1924, o
Com o Grêmio a mulher passou a ter um espaço de sociabilidade que transcendia a esfera doméstica
Grêmio completou hum ano de existência e foi constituída uma nova diretoria, encabeçada por Marcilieta Campos, sendo os demais cargos preenchidos por novatas e outros pela diretoria passada. A professora. Alice Paes, oradora do Grêmio, fez o discurso enaltecendo a ex-diretoria e os desafios enfrentados pela associação. Ao finalizar, concitou as associadas: “sejamos unidas para que seja grande a nossa glória e poderosa a nossa força” (Jornal A Tribuna, 07/12/1924, nº 270). Ano após ano, elegia-se nova diretoria do Grêmio, o que era destaque na imprensa local e prestigiado pelas lideranças políticas com a representação dos três poderes que compunham a mesa de trabalhos. As palestras, recitais e bailes compunham a nova sociabilidade que se inaugurara com a criação do Grêmio Recreativo e Literário Feminino, para além do espaço das sessões cinematográficas. O Jornal A Tribuna de 1º/06/1924, nº 246, afirmava que o “uberabinhense vive isolado e o que o Grêmio Feminino veio demonstrar que é possível organizar-se aqui uma sociedade comum de dois”. A afirmação do articulista (que não assinou o artigo) alega que a política e o partidarismo impediam a sociabilidade entre as famílias e aludia a um dos artigos do Estatuto do Grêmio que proibia discutir sobre política em seu recinto. Neste sentido, faz-se necessário relembrar que a cidade a partir dos anos de 1910, com as candidaturas à presidência da república de
Hermes da Fonseca e Rui Barbosa, polarizou-se em torno de dois partidos políticos: os Coiós e os Cocão. O primeiro, capitaneado pelas famílias Carneiro, Alves Pereira, Freitas Costa, Chaves, liderava o Partido Republicano Mineiro e, o segundo, pelas famílias Rodrigues da Cunha, Tomás de Rezende, Saturnino de Ávila, através do Partido Republicano Municipal. Para corroborar a acirrada disputa política existente na cidade, o articulista confirma que: “em muitas reuniões desta cidade em que não é permitido falar-se em política, consegue-se a presença de ambos os partidos, embora os mais rancorosos e extremados ahi não compareçam”, conforme artigo citado acima. O Jornal A Tribuna, nº 240 de 20/04/1924, teceu o seguinte comentário: “Quando os homens se dividem em luctas estéreis e extenuantes as mulheres tudo conseguem pela cooperação e solidariedade”. Essa confirmação pode ser vista também no Jornal A Reacção de 08/11/1925, nº 43, elogiando o espírito associativo do Grêmio, que se colocava acima de partidarismos: “E em Uberabinha, foram as mulheres, accusadas de irritantes em matéria política, que nos deram essa licção salutar”. Talvez seja pela questão políticopartidária tão presente na sociedade uberabinhense que Gil Neto, no Jornal A Tribuna de 21/09/1924, nº 261, no artigo Ideas Curtas, escreveu: “fundada que foi (o Grêmio), um formidável ‘chute’ expeliu da agremiação os homens ... quem quiser saber o que lá se passa
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veiculado pela imprensa local sobre o Grêmio Recreativo e Literário Feminino ao anunciar a posse de Conceição Carneiro à presidência do clube, embora ele apareça no rol de associações de Uberlândia no Almanak Laemmert, de 1931, à página 466, do volume IV, dedicado ao Estado de Minas Gerais (https:// memoria.bn.br).
é preciso ser especialista em causas transcendentes ou então recorrer à analyse espectral”. A despeito da política local, o Grêmio agitava a vida social da ‘pacata e ordeira cidade’, com seus festivais, bailes, conferências e sessões cinematográficas. Em 05/09/1925, no Cinema Central, foi realizada a conferência de Reis Jr., intitulada A Dúvida e exibida a ‘fita’ George Washington Jr. Em julho de 1926, o Grêmio realizou um chá dançante com direito a correio elegante, a cujo entretenimento entregaram-se diversas pessoas que ali se encontravam. Em reportagem do Jornal Triângulo Mineiro de 25/07/1926, nº 7, o acontecimento foi assim descrito: “... ora no salão, ora nas mesas que se distribuíam entre um roseiral, passaram todos alli uns momentos de immorredoura recordação. E a festa prolongouse pela noite, até quase uma hora da manhã, constituindo-se, incontestavelmente, mais uma grande victória para o Grêmio
Feminino”. O Grêmio inaugurou um bar em sua sede em agosto de 1927, durante a comemoração de seu quarto aniversário. Amanda Carneiro Teixeira e Donatella Machado executaram ao piano um repertório variado. Em outubro desse ano, o presidente do Estado de Mineiro, Antônio Carlos de Andrada, visitava o Grêmio, em meio a flores, perfumes ao som de Luz à Giorno. Foi nesse ambiente que Alice Paes saudou o digníssimo visitante, dizendo: “... nenhuma visita poderia comover mais os corações de suas colegas do que a do Presidente de Minas” (Jornal A Tribuna de 18/11/1927). Um ano após essa visita, o Jornal A Tribuna de 23/09/1928, nº 427, se reportava a ela, quando da eleição da quinta diretoria do Grêmio: “... onde o presidente Antônio Carlos esteve e disse, comovido (e é tão raro s. exa. commover-se!) que a alma feminina da mulher brasileira em Uberabinha distinguia-se pelo seu espírito de solidariedade”. Infelizmente este foi o último artigo
Fora as sessões cinematográficas e as retretas aos domingos, o Grêmio Recreativo e Literário Feminino de Uberabinha possibilitou a criação de um espaço social, no qual a mulher, através dos vários festivais e eventos realizados, pôde criar um espaço de sociabilidade que transcendia a esfera doméstica, colocando-se acima das filiações partidárias e apontando para novas formas de convívio. * Doutora em História pela Universidade de São Paulo e bacharel em Direito. ** Os Jornais aqui citados: A Tribuna, O Reflexo, A Reacção e o Triângulo Mineiro foram publicados em Uberabinha. *** Algumas transcrições estão no português da época e, por isso, foram preservadas. **** Infelizmente, em decorrência do espaço disponibilizado, não nos foi possível listar todas as diretorias com seus respectivos nomes. ***** Para tanto, recorremos à TEIXEIRA, Tito. Bandeirantes e Pioneiros do Brasil Central. Uberlândia Gráfica, 1970, v. 1. ****** Infelizmente não conseguimos localizar outras relações de parentesco.
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Léo, de campanhas publicitárias em Uberlândia às passarelas dos desfiles internacionais
O universo da moda
aos seus pés Fotógrafo uberlandense, Léo Faria, conquista espaço e visibilidade em nível (inter)nacional Por CARLOS GUIMARÃES COELHO
D
e longe, ele revive a cidade por meios virtuais. E, com uma periodicidade em média de dois meses, retorna a ela para rever familiares e amigos e se abastecer de tudo aquilo que gosta por aqui, como o céu aberto do cerrado, os abraços familiares e as comidas típicas da região. Para o fotógrafo Léo Faria é impossível viver sem essas vindas bimestrais à cidade, o que lhe dá
força, inspiração e energia para prosseguir no trabalho. Esse ritmo Léo adotou há 14 anos, quando saiu da cidade para tentar a sorte grande em São Paulo. Essa sorte, na verdade, ele já tivera ao encontrar o mercado paulistano receptivo ao seu trabalho e com janelas que se abriram para levá-lo às fronteiras internacionais. Quando vivia em Uberlândia, ele começou a carreira de fotógrafo de
modo quase automático. Era dono de uma agência de publicidade, à frente da qual permaneceu por sete anos, ali fazendo muitos editoriais de moda. Diante da alta demanda por fotografias, começou ele próprio a produzi-las. Os resultados surpreenderam os clientes, que começaram a solicitar que assinasse sempre as imagens das campanhas. Autodidata, caminhou pela intuição e pelo seu senso estético. E acertou em cheio. Ainda em Uberlândia, começou a experimentar São Paulo, para onde ia frequentemente visitar clientes. Logo nas primeiras viagens, conquistou vários outros deles. Estes o indicavam a outros e mais outros, até ele se dar conta que era necessário se transferir para a maior cidade do país para atender à alta demanda por seus serviços. Segundo ele, foi tudo muito rápido.
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Logo de cara, em 2007, teve a sorte de estar no lugar certo e na hora certa. Ao fotografar uma celebridade, logo o seu nome começou a correr no meio, alavancando vários trabalhos, inicialmente em formatos menores, como as revistas de bairro, até abrir espaços nas publicações em nível nacional. Dessa experiência começaram a surgir as viagens internacionais. A primeira delas foi por conta própria. Para cobrir a semana de moda em Nova Iorque. Ali, era um ilustre anônimo no meio de grandes celebridades do mundo da moda. Assim como ninguém o conhecia: ele também não sabia, naquele momento, identificar as personagens expressivas do meio. As pessoas gostaram dos resultados daquele desconhecido e começaram a postar e repostar as imagens feitas por ele. E Léo Faria começou a se consagrar como um grande fotógrafo da street style, linguagem do universo fashion para definir o movimento da moda surgido de modo espontâneo, fora dos grandes ateliês. Léo ressalta que não foi nada planejado. Simplesmente aconteceu. Ele passou a ser convidado para fotografar nos principais eventos de moda do mundo, em lugares como Milão, Paris, Nova Iorque, Hong Kong, entre outros. Isso fez com que a moda nacional também o adotasse para: assinar importantes editoriais no Brasil. O primeiro deles, também divisor de águas em sua carreira, foi em 2016, para a revista Elle: com locação em Hong Kong, ao lado do consagrado Bob Wolfenson. Esse trabalho lhe garantiu o prêmio de Melhor Fotografia de Moda daquele ano.
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le conta que durante esses anos todos, em suas viagens, sempre olhava para os lados, observando as pessoas nos arredores. Passou a clicar estes momentos do entorno, o que acabou resultando em sua mostra individual Ao Encontro De, que teve sua estreia nacional em Uberlândia. A exposição assumiu um formato itinerante para percorrer outras cidades brasileiras. Para realizar Ao Encontro De, o fotógrafo reuniu um acervo de cerca de 10 mil imagens captadas ao longo de uma década. Recorreu à curadoria de Josué Matos para a seleção final. O resultado foi surpreendente. Talvez pelo fato de o fotógrafo ter se esmerado nessa produção. Ele conta que até nas impressões das fotos procurou oferecer excelência. Elas foram impressas com a melhor qualidade possível, com o mesmo requinte das melhores exposições do mundo. Léo quis honrar nessa mostra suas origens e oferecer à cidade algo nunca visto antes. Esse desejo, segundo ele, foi por lembrar de sua infância e adolescência em uma cidade desprovida de espaços culturais. Em sua memória afetiva, carrega os momentos de visitações ao Museu do Índio, mas não se lembra de outros espaços expositivos em Uberlândia. Em suas andanças pelo mundo, ao visitar museus e galerias, sobretudo ao se deparar com os textos curatoriais de cada exposição, alimentava a vontade de fazer algo assim por sua terra natal. E não poupou esforços para viabilizar uma mostra que fosse em altíssimo padrão para a cidade. A exposição em Uberlândia, inclusive, foi mapeada em 360 graus, possibilitando que o tour virtual tivesse a mesma carga emotiva de uma visita presencial, além, obviamente, de divulgar o nome da cidade para o país e o mundo. Houve outra exposição que também marcou a trajetória do fotógrafo. Em 2018,
logo na entrada do São Paulo Fashion Week (SPFW), talvez o mais importante evento de moda do país, havia uma exposição de Leo Faria. Eram 22 imagens, de 1,5m X 1m, em uma extensão de 50m, no saguão principal do SPFW. Léo Faria cada vez mais se destaca como fotógrafo de moda e leva para o mundo todo, a arte, talento e sensibilidade de mais um notável artista uberlandense.
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A chegada do trem era o encontro de uma multidão que vinha com a que ia viajar
O trem do progresso Por JULIO CESAR DE OLIVEIRA
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Os trens da Mogiana tiveram importante papel no transporte de passageiros e de cargas
mA Companhia Mogyana de Estradas de Ferro e Navegação foi fundada em 1872 com o objetivo de construir uma linha férrea entre as cidades de Campinas e Mogi-Mirim. A partir de 1880, os trilhos da Companhia se expandiram para o interior de São Paulo e Minas Gerais. Em 1889, foram inauguradas no Triângulo Mineiro as estações de Conquista, Sacramento e Uberaba. Em 1895, foi construída a estação de São Pedro de Uberabinha e, em 1896, a de Araguari. A instalação da Mogyana na região corroborou para a melhoria do transporte de passageiros, escoamento de produtos agrícolas/pecuários para o estado de São Paulo e ampliação do intercâmbio comercial com Goiás e Mato Grosso.
55 A Mogyana foi responsável pela construção das primeiras vilas operárias em Uberlândia.
Em Uberabinha, a estação foi erguida a “léguas de distância” do seu centro comercial, naquele período, localizado no atual bairro Fundinho: “A primeira estação construída em Uberabinha ficava, mais ou menos, ao fim da hoje João Pinheiro. Na época, entretanto, a via férrea passava pelo meio do cerrado e os caminhos que ligavam à cidade eram conhecidos por ‘estradas’. A avenida João Pinheiro era a Estrada da Estação, a Avenida Afonso Pena era a estrada Sobradinho e a Avenida Floriano Peixoto era o ‘picadão’. A Avenida Princesa Isabel e a Avenida Cypriano Del Fávero eram trilheiros barrentos” (Edição Extra da Revista da Associação Industrial e Comercial de Uberlândia, 1983). A edificação da estação em um local sem infraestrutura (rede de água, esgoto sanitário e energia elétrica) contribuiu para que a área rural do Arraial fosse incorporada ao seu espaço urbano e, por extensão, para a criação de novos bairros: vila Operária (1925), Martins (1925), Santa Teresinha (1936), Brasil (1936), Osvaldo (1938), Carneiro
(1938), dentre outros. Ao lado das charqueadas e da fábrica de tecidos, a Mogyana foi responsável pela construção das primeiras vilas operárias em Uberlândia. O conjunto habitacional da Companhia, cujas casas eram alugadas aos seus trabalhadores, foi popularmente denominado de “colônia da Mogiana”. Nessa vila ou se preferir colônia, nasci e vivi minha infância A partir dos anos 1940, o complexo da Mogyana (estação, pátio e casas de seus trabalhadores) se tornou um “obstáculo” à expansão urbana da cidade para o setor Norte. Segundo os jornais, ele interceptava o prolongamento das avenidas Afonso Pena, João Pinheiro e Cipriano Del Fávero. Além disso, as manobras realizadas pelos trens nas avenidas Floriano Peixoto e Cesário Alvim prejudicavam a fluidez do tráfego. Em julho de 1969, o então prefeito Renato de Freitas (1967/70) comunicou a imprensa que os imóveis pertencentes a Mogyana foram por ela doados ao munícipio e a transferência da estação ferroviária para o bairro Custódio Pereira. Na
edição de 24 de março de 1970, o Jornal Correio de Uberlândia comemorou o seguinte fato: “De uma vez por todas, os trilhos que cortam a cidade em pleno centro serão retirados [...], permitindo a Uberlândia o avanço de crescimento em direção ao caminho da BR - 050. Sem os trilhos da ferrovia no centro, conheceremos uma Uberlândia nova, enorme, espetacular em progresso”. No dia 14 de abril de 1970, a estação e a colônia de seus trabalhadores foram demolidas. Segundo a impressa, um número expressivo de pessoas compareceu ao evento, entretanto, nenhuma delas protestou ou procurou impedir tal acontecimento. Da demolição, relembro o barulho dos tratores e o som opaco das paredes da estação e da minha casa caindo no chão. Em meio aos escombros silenciosos da antiga Mogyana, construída a “léguas de distância” do centro comercial de Uberabinha, restou-me apenas recordar o apito, o sino e o lento resfolegar das rodas da MariaFumaça sobre os trilhos.
Alô Brasil,
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Ao lado, seu Nendo, criador da empresa e os caminhões do Alô Brasil. Aqui, Joaquim Vital gerente das Casas Alô Brasil, Antônio Carlos de Oliveira (CAU), gerente dos Supermercados Alô Brasil e Mário Andrade, gerente das Casas Uberlândia
Um nome que marcou o atacado e o varejo de Uberlândia Por CARLOS GUIMARÃES COELHO
A
s Casas Alô Brasil, imprimiram nas páginas da história o pioneirismo no setor, inovando o comércio local, ao oferecer o “atacado de balcão”, com o lendário Boca Quente e ao abrir o primeiro supermercado de Uberlândia. Na verdade, não apenas o primeiro da cidade mas sim de toda a região. A história das Casas Alô Brasil teve início ainda na década de 1960. O empreendedor foi ogoiano José Alves, cujo apelido era Seu Nendo. Aqui na cidade inaugurou, em 2 de outubro de 1962, as Casas Alô Brasil, origem do Grupo José Alves, rede atacadista que ganhou filiais em Goiânia, Anápolis, Ribeirão Preto e São Paulo. Em apenas cinco anos, a empresa Casas Alô Brasil já era um dos grandes expoentes no segmento
atacadista distribuidor do país. Em 1969, Seu Nendo lançou uma segunda marca, a Casas Uberlândia, com o mesmo perfil da primeira empresa. E em 1972 trouxe ares modernos à cidade e causou “frisson” na população ao voltar-se também para o varejo e implantar na av. Afonso Pena no fundo do estádio Juca Ribeiro o Supermercado Alô Brasil, pioneiro na cidade. Uma loja moderna, com letreiros em neon e fachada de vidro. Tempos depois, abriu uma filial do supermercado próximo ao Colégio Estadual conhecido como Museu, cuja lanchonete virou um ponto de encontro da juventude local. Em 1974 outra novidade, o atacado de balcão batizado de Boca Quente, hoje bastante comum em todo o país. Lamentavelmente, Seu Nendo, teve
uma morte precoce, aos 53 anos, em decorrência de um acidente automobilístico, no estado de Goiás, em setembro de 1976. A visionária proposta de expansão do grupo foi assumida pela matriarca da família, Maria Dilda Alves, conhecida como Dona Lia. Na década seguinte, o Grupo José Alves era considerado uma das maiores organizações empresariais do País, com 3,8 mil colaboradores, e diversificou suas atividades, atuando, em outras frentes, também no ramo industrial com a produção de refrigerantes e no segmento de educação em nível superior. Em 1973, Luiz Humberto Vilar trabalhava como faturista no Grupo José Alves. Ele lembra que era a maior empresa da cidade e trabalhar no Grupo promovia status.
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Recorda das pessoas que trabalhavam na empresa, em suas diversas seções, como Rui Brasil, no departamento de vendas, Amador Paulino, na tesouraria, Hélio Rodrigues, nos recursos humanos, João Diniz, no armazém e expedição, todos sob a gerência de Joaquim Vital. Vilar afirmou que era uma empresa que valorizava os seus colaboradores e concedia muitos benefícios além dos salários. Em entrevista de arquivo da Close Comunicação, o diretor Joaquim Vital Ribeiro, falecido em 29 de janeiro de 1994, reconstituiu a origem do grupo José Alves. Contou que a empresa, antes de se enveredar pelos caminhos do Atacado era um moinho de sal. Diante do custo operacional para a distribuição, com frota própria, e do baixo valor do produto para o consumidor final, decidiram investir na compra de outras mercadorias para minimizar os custos da logística. Inicialmente eram poucos itens, como pimentas, condimentos, etc., e na mesma medida em que ia aumentando o número de itens a ser distribuído, automaticamente ia se diminuindo a presença do sal, até brotar a natureza exclusivamente atacadista da atividade. Em sua entrevista, Joaquim lembrou a vocação da cidade para a logística, citando grupos empresariais que haviam encerrado as atividades, mas vieram antes das Casas Alô Brasil, como as empresas J Alves Veríssimo, Casas Capparelli, João Calixto, Serralha, entre outras, e mesmo contemporâneas às Casas Alô Brasil, como Martins, Armazém do Comércio, Peixoto, etc., cujas atuações já configuravam a cidade como polo atacadista. Remi Manoel Silva atuou nas Casas Alô Brasil durante 13 anos.
A inauguração do supermercado Alô Brasil no alto da av. Afonso Pena foi um acontecimento marcante que mudou completamente o segmento de comercialização do varejo de Uberlândia
Ele entrou três anos antes de o grupo expandir suas atividades também para o varejo. Sua experiência comercial no atacado o levou à linha de frente do primeiro supermercado da cidade. Segundo ele, apesar da receptividade dos uberlandenses e do sucesso do empreendimento, havia muitas oscilações nas políticas econômicas do governo, o que acabou desencadeando no encerramento das atividades. O Alô Brasil também inovou no apoio ao futebol amador, no futsal e estruturou uma área de lazer e convivência tão qualificada para
seus funcionários que foi, inclusive, utilizada para treinamentos pela Seleção Brasileira quando de sua vinda para jogar em nossa cidade. Apesar de meio distante no tempo, a marca Alô Brasil ficou presente na memória afetiva da cidade, seja por meio das Casas Alô Brasil, dos supermercados ou do atacadão Boca Quente, permanecendo até hoje na lembrança dos consumidores uberlandenses. O Alô Brasil foi um dos investidores e loja âncora do primeiro shopping da cidade, o Ubershopping que não vingou.
59 Fachada do segundo endereço do Jo & Jack em Uberlândia, na esquina da avenida Floriano Peixoto com rua Santos Dumont
chegara pouco tempo antes ao Brasil. Mas, a rede decidira expandir para cidades que não fossem capitais após 10 anos de atividades no país. Sem titubear, os irmãos optaram por criar a própria marca e nasceu o nome Jo & Jack, que se configurou como um enorme sucesso na época.
O HAMBURGER DO CERRADO
Jo & Jack
Marco Antonio, Paulo Henrique e Douglas contam sobre a lendária sanduicheria Jo & Jack, a primeira no modelo “fast food”em Uberlândia Por CARLOS GUIMARÃES COELHO
N
o início dos anos de 1980, não eram muitas as opções de entretenimento na vida noturna em Uberlândia. Praticamente não existiam bares com música ao vivo e as lanchonetes quase todas ofereciam sanduíches caseiros e vitaminas de frutas aos clientes. Era esse o cenário bucólico de uma cidade ainda provinciana que não conhecia a praticidade “fast food”. Há quem sinta saudades dos formatos anteriores, mas
é preciso considerar que a evolução de uma urbe passa também pelos seus hábitos de consumo. Foi exatamente neste contexto, de uma cidade em expansão sem uma efervescente vida noturna, que os irmãos Paulo Henrique e Marco Antônio criaram a marca Jo & Jack a primeira sanduicheria nesse modelo em Uberlândia. O projeto inicial, na verdade, era trazer para cá a marca Mc Donalds, que
Paulo Henrique, popularmente conhecido como Masmorra, apelido herdado dos tempos adolescentes no Colégio Polivalente, lembra que a inauguração causou um verdadeiro “frisson” na cidade, com consumidores dando a volta no quarteirão para experimentar o novo sanduiche semelhante aos que só eram encontrados nas capitais. Foi preciso fretar um caminhão para trazer mais batatas ao estabelecimento - as batatas fritas, carro chefe da casa que não eram industrializadas. As instalações, além de serem as primeiras neste formato, inovou ao colocar no segundo piso um “snack bar” com música ao vivo.. Desse modo, segundo ele, inaugurou essa prática na cidade, abrindo frente de trabalho para os músicos locais. O conhecido violonista Arnaldo Terra é um dos que começaram a se apresentar publicamente a partir do Jo & Jack. Para a empreitada, os irmãos tiveram o apoio do pai, o empresário Paulo Régis Silva, falecido há poucos meses. Em entrevista a Celso Machado, no programa Uberlândia de Ontem e Sempre, o pai relembrou do pioneirismo do filho. “A ideia foi do Marco Antônio, acompanhado pelo Paulo Henrique, o Masmorra. Eles tiveram a ideia e fizeram. E foi uma inovação”, orgulhou-se Paulo Régis. O primeiro Jo & Jack ficava na avenida Afonso Pena, esquina com à rua Quintino Bocaiúva. Embora esse tipo de negócio fosse uma novidade
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também para os proprietários, Masmorra não era inexperiente na área. Ele havia sido sócio no famoso London Bar. O empresário contou que nesse primeiro endereço da lanchonete era comum receber artistas famosos que vinham se apresentar na cidade, sendo o cantor Alceu Valença o mais assíduo deles. Na época, os shows aconteciam no ginásio do UTC e os artistas costumavam se hospedar no Hotel Presidente. Sendo curta a distância, muitos faziam a pé o trecho entre o ginásio e o hotel. E no meio do caminho estava o Jo & Jack. Marco Antônio disse que o investimento na primeira unidade foi muito alto e havia muita insegurança quanto ao prazo do seu retorno. Quis o destino que ela procurasse a agência ABC Propaganda, também a primeira da cidade, e ali encontrasse um publicitário recém-chegado do Rio de Janeiro e com ampla experiência em comunicação. De cara, foi orientado a criar um novo produto, o Uber King, que, graças à campanha de divulgação criada, viu novamente enormes filas na porta da loja. Também um famoso
grupo musical da época, “O Espírito da Coisa”, gravou para ele um jingle parodiando o seu principal sucesso, “Ligeiramente grávida” . Segundo Paulo Henrique, as vendas foram tão acentuadas que em um prazo de seis meses ele e o irmão Masmorra haviam recuperado todo o investimento. Outro artista, hoje famoso, que contribuiu com dois jingles para a empresa foi o músico local Cláudio Paladini, naquele tempo em início de carreira e atualmente produtor musical da dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó. Depois de cerca de cinco anos em sua primeira localização, o Jo & Jack mudou-se para a avenida Floriano Peixoto, na esquina com a rua Santos Dumont. Ali já não existia mais o bar com a música ao vivo e o foco central era mesmo o sanduíche. Vizinho do seu London Bar e da boite Poison, Masmorra fazia parcerias com os dois empreendimentos. Existiu também uma versão meio salão de festas infantis no primeiro shopping de Uberlândia, o Uber Shopping, onde hoje é um grande centro médico, e, posteriormente, no Center Shopping.
Como Marco Antônio afastou-se das atividades, Paulo Henrique se sentiu compelido a fazer o mesmo. Ambos foram trabalhar com o pai em agronegócios e também em uma retífica de auto peças de propriedade da família. A bola foi passada para Douglas Duarte, militante rock´n roll que mantinha uma loja de discos chamada Sebo CDs, existente até hoje e na época sediada ao lado da lanchonete. De porteira fechada, incluindo a criativa marca, Masmorra vendeu a Douglas a propriedade do Jo & Jack. O roqueiro, então, assumiu o segundo endereço da empresa. Era a segunda metade dos anos de 1990 e o Jo & Jack já não tinha aquele sabor de novidade. A cidade crescia em ritmo vertiginoso e o modelo de negócio no qual o Jo & Jack foi pioneiro já existia em vários pontos da cidade, incluindo unidades da rede Mc Donalds, uma delas bem próxima do local. Quando Douglas adquiriu o Jo & Jack, a loja já estava há algum tempo no local e por ali permaneceu por mais cerca de cinco anos. Por razões pessoais, mudanças de foco em sua linha de atuação e a concorrência decidiu encerrar as atividades em meados da década de 2000.
Paulo Regis foi o patrono dos filhos Marco Antonio e Paulo Henrique na lanchonete que marcou a sociedade uberlandense pelo que trouxe de inovação. Neste registro, recebendo a homenagem do almanaque e de Paulo Roberto (Puaia) dirigente do Cajubá, clube do qual foi um dos fundadores e presidentes
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Finalmentes...
M
uito triste usar este espaço que dedicamos para reproduzir registros do evento de lançamento da edição anterior para abordar perdas irreparáveis que tivemos. Este momento atípico, inimaginável que estamos passando não nos permitiu fazer o lançamento e as homenagens presenciais que fazem parte de cada novo número do almanaque. Pior ainda é não termos mais a presença de quem sempre esteve conosco, apoiando e contribuindo para alcançar objetivos maiores.
Que triste não ter mais os queridos Breda, dona Cora e Edelweiss como fontes permanentes de estímulo para nosso trabalho. Sim, tivemos outras partidas também muito sentidas, mas esses 3 marcaram e marcam muito esta publicação. Como gosto de olhar o lado positivo, que bom foi tê-los conosco. Desfrutar de suas generosidades e companheirismo. E poder continuar tendo neles fonte permanente de inspiração. Muito obrigado pelo tanto que fizeram e deixaram de bom aqui.
Edelweiss no dia da gravação com o médico Norival Gomes Rodrigues
Breda e Rosali, presenças queridas em todos os eventos da Nós Projetos
A inesquecível d.Cora Pavan Caparelli aqui ao lado da amiga, Mônica Debs, secretária municipal de cultura
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66 QUALIDADE | INFRAESTRUTURA | SEGURANÇA
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A sua transportadora de encomendas em todo o Brasil