Ed.16- Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre

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Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 8 • NÚMERO 16

PENA BRANCA & XAVANTINHO

A VIOLA CAIPIRA NA MPB

MARÇO • 2019


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Pra começar...

C

erta vez, ouvi de uma pessoa amiga de muita sabedoria que, quando a semente é boa, por vezes é jogada no asfalto, na pedra e, mesmo não sendo devidamente adubada, irrigada, acaba dando bons frutos. Me ocorre fazer esta analogia com o que vem acontecendo com os diferentes meios que temos lançado de cuidar de um grande patrimônio imaterial de nossa cidade, suas memórias. “Uberlândia de Ontem e Sempre” começou em maio de 2005 com o programa de tevê, que, atualmente, é exibido aos domingos, às 10h30 pela TV Paranaíba, rede Record. Em agosto de 2011, foi lançada sua versão impressa, o almanaque “Uberlândia de Ontem e Sempre”, com periodicidade semestral. A partir de 2016, acrescentou-se o museu virtual “Uberlândia de Ontem e Sempre”, plataforma digital que contém os acervos dos programas e outros preservados pela produtora Close Comunicação. Em 2018, passou também a produzir uma versão impressa anual focada na memória empresarial de Uberlândia. Neste primeiro trimestre estamos lançando o primeiro volume de um livro produzido a partir desse conteúdo focado em 20 personagens falecidos ligados à cultura, às mídias impressa e radiofônica e ao folclore uberlandenses. E já temos engatilhado um segundo volume, tendo como personagens professores e educadores. Quem diria que uma simples ideia gerasse tantos produtos. E mais do que uma iniciativa tendo se transformado numa causa. Obrigado a você por ser nosso parceiro nessa empreitada. O site www.uberlandiadeontemesempre.com.br disponibiliza o acesso a todos estes conteúdos.

CELSO MACHADO Engenheiro de Histórias


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Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 8 • NÚMERO 16

MARÇO • 2018

ISSN 2526-3129

8 PENA BRANCA & XAVANTINHO

A VIOLA CAIPIRA NA MPB NOSSA CAPA

DESENHO DE FERREIRA MARCOS

PROPONENTE

ROSILEI FERREIRA MACHADO

HISTORIADORES

Antônio Pereira Jane de Fátima S. Rodrigues Júlio Cesar de Oliveira Oscar Virgílio Pereira DIREÇÃO EDITORIAL

Celso Machado

Sumário TRADIÇÃO

FAMÍLIA CROSARA

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HISTÓRIA

QUEM FUNDOU UBERLÂNDIA?

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HOMENAGEM

DANTE E HUGSMAR, CRAQUES DIFERENCIADOS

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EDIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

Antonio Seara

PESQUISA E REPORTAGEM

Carlos Guimarães e Cristiane de Paula COLABORAÇÃO

Ademir Reis Adriana Souza Arquivo Público Municipal Carlos Magno d’Armada Edelweiss Teixeira Jr Evandro Guimarães de Souza Gilberto Gildo Moabe Esteves Pholyana Faria FOTOGRAFIAS

Acervos pessoais Arquivo Público Municipal Arquivos pessoais Acervo Antonio Pereira CDHIS (UFU) Clayton Mota Close Comunicação REVISÃO

Ilma de Moraes TRATAMENTO DE IMAGEM

José Ferreira Neto IMPRESSÃO

Gráfica Breda Finalização e ilustrações: José Ferreira Neto AGRADECIMENTOS

• Ady Torres • Ana Cristina Neves • Carlos Roberto Viola • Claudionor Coelho da Silva • Lucas Capra • Pedro Eduardo Machado • Ricardo Batista dos Santos • Rogério Crosara • Rosilei Ferreira Machado • Taísa Ferreira Machado

RECORDANDO

FLERTS, A CHOPERIA SEM PORTAS

24

ARTE

MARIA CÉLIA, AMOR A MÚSICA

30

MEMÓRIA

O UBERLANDENSE CHICO XAVIER

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ESPETÁCULO

DANÇANDO COM O PÉ NA ESTRADA

36

REGISTRO

OS 70 ANOS DA MATERNIDADE QUE VIROU HOSPITAL

41

PERSONAGEM

DR. MELICEGENES, 47 ANOS DE PEDIATRIA

46

CAPA

KIM FERNANDES, A ARTE REALISTA

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MÚSICA

PENA BRANCA E XAVANTINHO

60

PROJETO EDITORIAL

Nós Projetos de Conteúdo

(34) 3229-0641 Rua Eduardo de Oliveira, 175 384000-068 Uberlândia, MG

Patrocínio:

Apoio:

Produção:


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START


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FOLCLORE POLÍTICO

Um ou dois?

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á pelos anos 1970, ainda na época em que a Câmara de Vereadores funcionava no Palácio dos Leões, as reuniões eram na parte da tarde. Com uma curiosidade: eram assistidas por no máximo 5 pessoas. Uma delas nunca faltava, o Astolfo, figura folclórica da cidade. Sua assiduidade era recompensada com o direito de se manifestar no plenário. Certa vez, um vereador nada simpático usou da palavra, arrogante e pernóstico, para manifestar indignação pelo fato

de ter esbarrado num cavalo quando estava a caminho da sessão. Revoltado, dizia que era um absurdo topar com um animal no meio do passeio. Astolfo, que não era fã do vereador, pediu a palavra. Foi atendido pelo presidente, que já estava pra lá de aborrecido com a fala do orador. E soltou esta pérola: “O nobre vereador tem certeza que havia apenas um animal no passeio? Não seriam dois?“. Riso geral e a sessão foi encerrada sem que a dúvida tivesse sido esclarecida.

BOLÃO

A visita do rei

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m março de 1980, o New York Cosmos veio fazer um amistoso em Uberlândia, trazendo no elenco craques como Beckenbauer, Chinaglia, Oscar, Romerito e Carlos Alberto Torres. Na delegação, como grande “public relations”, o rei do futebol, nosso

querido Pelé. Convidado para conhecer o Estádio Parque do Sabiá que seria inaugurado dois anos depois, foi recebido pelos responsáveis pela obra, Cícero Diniz e Paulo Ferolla, da Futel. Na ocasião, Pelé autografou uma bola (foto), registro de sua passagem por nossa cidade.

ENGRAXATARIA DO BOLO

Resistindo ao tempo

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á quase 50 anos, uma engraxataria, bem no centro da cidade, resiste ao tempo, às modernidades e, até hoje, continua firme atendendo uma clientela fiel. Começou como fliperama em 1970 por iniciativa do emblemático mestre Bolo, já falecido. Jovair Machado Lemos, funcionário antigo, diz que a receita para ser um bom engraxate é simples: passar graxa com cuidado, escovar muito e bem e estar sempre de bom humor. Nunca deixar de limpar o solado, pois, do contrário, é como lavar o carro e deixar os pneus sujos. Difícil era no passado que existiam sapatos de duas cores. Cliente tradicionalíssimo, o ex-governador Rondon Pacheco dava uma verdadeira aula de política na engraxataria. Outro assíduo foi o prefeito Virgilio Galassi. Local de boas prosas, os assuntos predominantes são política e futebol, superados apenas pelo Carnaval. No auge do negócio, a engraxataria tinha 35, 40 pares para serem engraxados diariamente, mas os sapatenis e camurça fizeram o movimento cair. Hoje, a clientela feminina é bem maior que a dos homens. Desde que o mestre Bolo faleceu, a engraxataria, que já chegou a ter 10 funcionários, é tocada por seu filho Otávio Afonso e o Jovair, que tem muito orgulho de, engraxando sapatos, ter criado três filhos. Em 2020, a engraxataria do Bolo completa seu primeiro cinquentenário.


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Da esquerda para a direita: Osvaldo, Augusto, Cláudio e Aníbal; abaixo, Lucília, Elvira, Zenóbia, Edith e Primo Crosara

FAMÍLIA CROSARA

Da popular Pafi ao Grupo Castelli O empreendedorismo dos descendentes de Cesário Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

A

família Crosara, tradicional em Uberlândia, teve sua origem na vinda de um imigrante italiano, Cesário Crosara, nome que ficou bastante conhecido em nível nacional por ser o “criador” do canhão Emílio, arma que foi decisiva em uma das últimas batalhas da Revolução de 1930, na divisa entre Minas Gerais e Goiás, na antiga Ponte Afonso Pena. O canhão, produzido aqui, fazia parte do acervo do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, cujo prédio pegou fogo em setembro do ano passado. Em Uberlândia, Cesário Crosara vivia na antiga rua da Estação, hoje avenida João Pessoa. A família Crosara era dona de uma fundição construída na cidade

em 1927. Lá eram fabricadas usinas movidas a roda d’água a serem instaladas nas fazendas da região para geração de energia elétrica. A fundição também produzia peças de arado, ferramentas, maquinário agrícola e sinos. Os sinos das igrejas do município e da região eram todos fabricados pela família Crosara. Quando padres vinham a Uberlândia à procura de sinos, era monsenhor Eduardo, da igreja matriz, quem os levava até a fundição. E assim a amizade se fortaleceu e a família também começou a ajudar o padre a conseguir um de seus maiores objetivos que era construção da nova matriz. Entre os descendentes de Cesáreo Crosara, estava Primo Crosara, pai de

Claudio Ernesto Crosara, cuja esposa Maria José Saraiva Crosara, conhecida na cidade como Zezé Crosara, tem uma história de empreendedorismo, que merece ser destacada.

Pais e filhos na Pafi Zezé Crosara confeccionava anáguas, indumentária feminina muito utilizada, principalmente na primeira metade do século passado, como roupa íntima. Bastante empreendedora, Zezé trazia as anáguas de São Paulo, mas as incrementava com rendas e babados. A filha, Rosa Elvira Crosara, a terceira de oito irmãos, relembra a infância feliz, com a casa sempre cheia, fiel ao modelo ítalo-mineiro, sempre com muita gente e mesas fartas. E Rosa era aquele tipo de criança cheia de energia, que adorava brincar. Seu pai chegava a fechar a rua para que pudessem “bater carimbada”. Uma lembrança que ela traz da infância é de como gostava de andar de bicicleta em cima do muro, no melhor estilo equilibrista. Visionária, Zezé expandiu a confecção e conquistou o país. Para isso, uniu a família toda, filhos, genros e noras e criou a Pafi, sigla para Pais e Filhos. A Pafi foi uma das lojas mais famosas


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Claudio e Zezé Crosara

da região e vendia para todos os estados brasileiros, chegando a ter uma equipe de 250 costureiras. A popularidade da loja era tanta, que ela passou a ser a apresentadora oficial de todos os programas da TV Triângulo, atual TV Integração. Quem viveu em Uberlândia na década de 1970, lembra bem do chamado “Pafi informa: a seguir...”, antes do início de cada programa da emissora. Ogálvaro e Rosa Elvira, filha de Zezé, se colocaram à frente dos negócios, principalmente nos últimos anos da Pafi. Com o passar dos anos, a grande loja situada na avenida Brasil, no bairro Aparecida, foi perdendo o fôlego. Todos perceberam a necessidade de uma transformação para sair da crise. Decidiram mudar o foco dos negócios, optando por substituir a moda pela gastronomia. Para encerrar a loja Pafi, houve grande esforço da família. Ficaram sem bens materiais, mas orgulhosos por não deixarem nenhuma pendência com fornecedores ou funcionários, todos “pagos integralmente”.

Novos rumos Os filhos de Rosa assumiram a mudança no negócio familiar. Conheceram um pouco mais do negócio gastronômico e, em pouco tempo, o grande espaço onde funcionava a loja transformou-se na famosa cantina Castelli Romani. As mesas de corte de Zezé Crosara transformaram-se nas mesas do restaurante. Isso em 1988. No endereço, a cantina funcionou por cinco anos, transferindo-se depois para a praça Rui Barbosa, onde permaneceu até 1999. As mães Dora, Rose, Iara, Deise e Cláudia, com as crianças Ogálvaro Júnior, Marinéia, Rogério, Alexandre, Luiz Renato e Beto


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Cláudio Crosara, no século passado, em uma das frequentes gincanas da cidade

Ao centro, Rosa, ladeada por filhos e noras: Rogério, Cristiane, Sérgio Eduardo, Tatiane, Fabiana, Ogálvaro Júnior, Paula e Alexandre Os negócios prosperaram e, paralelamente, a família manteve outros negócios. Foram proprietários da Cucina Italia, segundo Rogério o primeiro restaurante a quilo na cidade, na praça Tubal Vilela, até 1998; do Buona Massa, na esquina da rua Santos Dumont com a avenida Floriano Peixoto, até 1993, e da Cantina Veneza, no extinto Ubershopping, o primeiro shopping da cidade, no Jardim Karaíba.

Eventos Em 1994, os filhos de Dona Rosa começaram a construir um restaurante na avenida Nicomedes Alves de Sousa.

A obra foi embargada, sob a alegação de que ali era área estritamente residencial. Os irmãos então permutaram a área por outra mais próxima ao Clube Caça e Pesca, onde hoje funcionam as duas casas de eventos da família, a Castelli Hall e a Castelli Master, a primeira inaugurada no ano de 2000, no começo como Castelli Buffet e a partir de 2002 como espaço de eventos. Em 2008 foi construído o Castelli Master. Em 1999, ano em que iniciou a expansão do ramo gastronômico também para a área de espaços de eventos, a empresa funcionou como Buffet Castelli, em imóvel de Sérgio Crosara, próximo ao antigo Ubershopping.

Hoje, com a eventual colaboração de Ogálvaro, de Rosa e dos irmãos Ogálvaro Júnior e Alexandre Crosara sócios do empreendimento, quem coordena todas as atividades são Rogério e Sérgio. Rogério se diz surpreso em olhar para trás e ver tudo o que percorreram para chegar onde estão, com agendas lotadas nos espaços de eventos em Uberlândia, além de outros espaços e representações em várias cidades do país. A família também abriu, em 2012, o restaurante Castelli Friends & Foods, no Uberlândia Shopping. Com 30 anos de mercado, celebrados em 2018, Rogério gosta de lembrar de quando não sabia diferenciar spaghetti de talharini. E de algumas dificuldades do percurso: conta, por exemplo, de quando a primeira cantina seria inaugurada e a chef e o maitre, de São Paulo, cancelaram a vinda a apenas três dias da inauguração. A família, em polvorosa, foi produzir as massas para a estreia, caseiras, como são até hoje. Agora, são abertas as portas de um novo empreendimento, Famiglia Crossara: uma cantina genuinamente italiana, com todas as suas características e ambientação típicas do país de onde um dia saiu o imigrante Cesário Crosara, instalada bem ao lado do seu restaurante Castelli Friends and Foods. Para Dona Rosa, tudo isso já estava desenhado. Segundo ela, foi resultado de uma promessa de Deus, feita a ela, nos anos tumultuados entre o fim da loja Pafi e o início da nova fase empresarial da família. Nesse período de intempéries, ela voltou-se para a religião cristã e, desde então, revela uma fé inabalável e justifica a prosperidade da família pela providência divina. A julgar pela evolução desde aqueles anos, ela pode estar certa.


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DISTRITO INDUSTRIAL

Barba feita

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jovem empresário de 24 anos, Luiz Massaro veio até Uberlândia para conhecer as condições que a cidade estava oferecendo para implantação de novas indústrias. Levado pelo amigo Oswaldo Castroviejo foi apresentado ao prefeito Raul Pereira de Rezende, que estava no gabinete fazendo a barba. De bate pronto, Rezende solicitou ao então vereador Virgilio Galassi e ao responsável pela implantação do distrito,

Adib Chueiri que levassem o visitante ao local e lhe dessem uma área de 10 mil metros quadrados. Lá foram os três numa velha perua Rural Wilys. Chegando ao local, com seu otimismo contagiante, Virgilio convenceu Massaro, que foi o segundo a implantar uma fábrica no Distrito Industrial, a da Pepsi Cola, que mais tarde seria mudada para Guaraná Mineiro. Algum tempo depois, lá estava o prefeito, de barba feita, discursando na inauguração.

Inauguração: fábrica da Pepsi foi a segunda do Distrito

Toninho Rezende ao lado de João Goulart

OUTROS TEMPOS

Adversário não é inimigo Toninho Rezende foi um dos políticos expressivos de Uberlândia. De família tradicional, foi também um fazendeiro de atuação destacada no nosso setor rural. Foi vereador, vice-prefeito sempre pelo antigo PSD-Partido Social Democrata e adversário ferrenho da antiga UDN-União Democrática Nacional. De princípios firmes, tinha um coração generoso sempre disposto a ajudar e colaborar. Correto, íntegro e firme no seu jeito de agir. Certa vez quando disputava eleição para prefeito um candidato a vereador pelo seu partido ofendeu o adversário no palanque. Ele apenas esperou terminar o comício para chamar o exaltado orador no canto e com voz calma, mas firme, foi avisando: “Olha, você está suspenso uma semana da campanha. Palanque em que estou, não aceito falar mal de ninguém”. Tempos em que as disputas (e principalmente as pessoas) eram bem diferentes!


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UOS


UBERABINHA: “A fundação de uma cidade não é a simples presença ou a simples chegada de pessoas”

CARRIJO OU PEREIRA?

Quem foi mesmo que fundou Uberlândia? A resposta pode ser encontrada em papéis antigos e numa leitura mais rigorosa destes documentos Por OSCAR VIRGÍLIO PEREIRA

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e vez em quando ressurge a velha discussão que movimenta as tradicionais famílias Carrijo e Pereira: quem foi o fundador de Uberlândia? A resposta a tão importante questão pode ser encontrada em papéis antigos e no resgate de informações sobre o desenvolvimento econômico desta cidade. A conclusão a que cheguei é esta:

o feliz Município de Uberlândia pode se orgulhar de não ter um fundador, como tantos outros, porque o lugar que tem um único fundador, com certeza, não conseguiu passar de uma corrutela feudal, fechada e mirrada. Então, vamos ao que dizem os antigos documentos. Em 1822, já moravam por aqui uns cinco fazendeiros com suas famílias, entre eles João Pereira da

Rocha e vários parentes. Lentamente apareceram outros e correu a notícia de que havia muita labuta de formação de fazendas à espera de prestadores de serviços. Era labuta temporária, sem vínculo de emprego nem de moradia. Logo chegaram pessoas que montaram ranchos em um lugar de onde poderiam atender os fazendeiros. Quem olhar os mapas da fazendas antigas verá que qualquer uma delas ficava longe das outras, porém próximas do arraial. Esses prestadores de serviços, que não eram invasores, fincaram suas moradas em terras de João Pereira da Rocha, naturalmente com o consentimento do dono. Mas nem ele nem quaisquer outras pessoas pensavam em estar fundando coisa alguma: tudo o que nascia era espontâneo, para um fim imediato e particular, muito longe ainda do que se poderia chamar de uma comunidade. Depois de uns 15 ou 20 anos, já havia naquelas terras gente de toda espécie: fazendeiros, escravos , peões e profis-


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ARRAIAL: “Os ingredientes e materiais da construção já estavam todos ali: terras, gente de todo tipo, necessidades, até os bichos e criações, tudo e todos gemendo sob a tortura da precisão”

sionais de toda categoria. Assim foi se formando um pequeno arraial, que passou a ser chamado de São Pedro de Uberabinha, com poucos moradores, um pequeno comércio e alguns prestadores de serviços, que atendiam os fazendeiros. A vida era cheia de dificuldades e a formação daquele núcleo era igual à de milhares de outros surgidos pelo Brasil agrário afora, pobres vilarejos que não passavam de estruturas medíocres e atrasadas, pessoas asfixiadas pelo medo de punições infernais ou da repressão brutal por qualquer falta cometida. A maioria continua assim até hoje, não passando de aglomerados de fraquezas, acomodados na pequenez de vidas sem graça, na mesmice diária pequena e sem objetivos maiores. Uberabinha, tão isolada, não prometia destino melhor que isto. Quem morava aqui, na roça ou no arraial, se adoecia, ou se era mordido de cobra, tinha que ser levado para Uberaba para receber socorro, uma longa

viagem em carros de bois atravessando mais de cem quilômetros desertos. Muitos morriam no caminho. Para qualquer ato da vida civil ou religiosa, o morador tinha que ir até a sede, em Uberaba ou até Santana (hoje Indianópolis), que eram Paróquias, onde havia Cartório para lavrar escrituras de compra e venda de escravos ou bens imóveis e vigário para celebrar casamentos ou batizados. O padre só vinha ao arraial quando era chamado, para atender às encomendações de corpos. Nenhum serviço público existia, nem mesmo um cemitério. Os mortos eram enterrados nas fazendas. O que terá acontecido para fazer a diferença entre Uberabinha e outros lugarejos ? A fundação de uma cidade não é a simples presença, nem a simples chegada de pessoas. E não é serviço para uma só pessoa, nem mesmo para uma só família. Até hoje só existiu na História um fundador isolado, que fez tudo de uma só vez. Foi Aquele que fundou não

apenas uma cidade, mas o próprio mundo, dizendo apenas: Fiat lux! O que determinou a fundação tanto de Uberlândia, como de outro qualquer município foi a necessidade, a falta de recursos. Contudo, não bastaria, para melhorar aquelas condições, que os moradores do lugar tomassem coragem e se dispusessem a resolver suas carências do modo tentado pelos construtores da Torre de Babel. Uberlândia só começou a ser fundada a partir do momento em que se revelou com força entre aqueles seus primeiros moradores o espírito comunitário, o sentimento que pode transformar o querer, o precisar e o sonhar em realidade. Foi este acontecimento que fez a diferença entre Uberabinha e as outros povoados. Vejamos como foi que isto aconteceu, sem inventar nem interpretar nada, apenas observando rigorosamente o que dizem os documentos. Os ingredientes e materiais da construção já estavam todos ali: terras,


gente de todo tipo, necessidades, até os bichos e criações, tudo e todos gemendo sob a tortura da precisão. Mas faltava fazer a mistura, usando a argamassa de boa qualidade que se chama espírito comunitário, aquele ingrediente juntado aos pouquinhos, que agrega os materiais e lhes dá forma. A gente do arraial compreendeu isto e resolveu agir. Mas ninguém saiu correndo antes de ser marcado o rumo. Foram antes fixadas as etapas a vencer, pois a fundação de um município é composta de várias etapas, isto que hoje é chamado de planejamento, e somente se completa quando a última etapa é cumprida. Os fatos comprovam a aprovação geral do que foi sugerido pelos mais experientes, no sentido de ser o passo inicial a construção de uma capela. A capela Depois, cada morador foi trazendo a sua contribuição. João Pereira da Rocha já falecera em 1845; a viuva D. Francisca Alves Rabello honrou a promessa de cessão onerosa de terreno para o patrimônio da Igreja, pois, naquele tempo, tudo começava assim, e autorizou des-

de logo a ocupação. Seu filho Francisco Alves Pereira e o professor Felisberto Alves Carrejo, que era também ferreiro, foram encarregados de obter a aprovação das autoridades eclesiásticas. Por aí se vê como já estavam sendo formadas lideranças locais – Pereiras e Carrijos – cada um fazendo a sua parte, contribuindo com bens e prestígio, ou conhecimento e experiência. Eles cumpriram a missão com rapidez: redigiram a petição, que todos os moradores assinaram e a enviaram ao Visitador Ordinário da Prelazia de Uberaba. Aquele requerimento, pela sua importância, pode ser considerado um atestado de afirmação da vontade coletiva de iniciar a primeira etapa de uma difícil caminhada. Pouco tempo depois, em 30 de junho de 1846, os dois representantes trouxeram a licença, um documento chamado “Provisão”, assinado pelo Bispo, que dizia assim: “Concedemos e na verdade concedido temos, aos procuradores e mais cidadãos acima referidos, por esta nossa Provisão, a graça de levantarem uma Capela Curada entre os dois rios, com o título de Nossa Senhora do Carmo e São Sebastião, na cabeceira do ribeirão São Pedro,

afluente do Uberaba legítimo.” Logo correu a lista de contribuições para o pagamento do terreno (cem alqueires) e doação ou compra de materiais. Apareceram uns pedreiros entendidos em construção, uns carpinteiros que serraram as perobas enviadas pelos fazendeiros. A obra começou, andou devagar, de vez em quando parava, depois recomeçava, de conformidade com os recursos arrecadados. Quando chegou o ano de 1853 – sete anos depois – foi concluída a construção da capela e adquiridos os paramentos necessários, tudo com a contribuição do povo, os donativos em serviço que cada um pudera fazer ou dinheiro que cada um pudera dar. Que progresso enorme: tínhamos capela para receber o padre visitante! Já se podia ir à missa, casar, batizar, benzer defuntos, etc., sem ser preciso ir até Uberaba ou até Santana do Rio das Velhas! O distrito e a paróquia Já antes de ser terminada a construção da capela, as lideranças trabalharam politicamente para que fosse também criado o Distrito. Conseguiram o apoio


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União: Uberlândia na sua formação contou com uma legião de fazedores muitas vezes de posições partidárias divergentes

de Uberaba e o Deputado Provincial padre João Antunes Correa ( que nem era daqui) apresentou um projeto de lei que foi aprovado com rapidez, resultando na Lei n° 602, de 21 de maio de 1852. Criado no papel, mas não instalado. A etapa seguinte foi a instalação do Distrito, para resolver o problema das escrituras públicas e também para eleger e empossar um Juiz de Paz encarregado de resolver pequenas questões legais. Esta empreitada já não dependia apenas do interesse local. Não era possível instalar o Distrito, nem criar o Cartório nem eleger Juiz de Paz antes de se criar a Paróquia (porque a paróquia teria sua Igreja Matriz, que além das funções religiosas, era o local onde, segundo a lei civil, se reunia a Junta que qualificava os eleitores). As lideranças do arraial tiveram que fazer um grande esforço junto aos políticos de Uberaba, que passavam por uma fase de acirrada disputa entre liberais e conservadores, para demonstrar que Uberabinha tinha condições de sustentar uma Paróquia, construir uma Igreja Matriz e ampliar seu colégio eleitoral. E mais: como a criação da Paróquia dependia de lei da Assembléia Provincial, tinham de provar, para não haver empecilho político, que a criação da Paróquia era de interesse de ambas as correntes. Fazer essa prova não era tarefa simples. Então, os Pereiras e os Carrijos, mais uma vez, se valeram do espírito comunitário e do apoio de todos os homens moradores da zona rural e do arraial. Formou-se uma comissão, integrada pelo padre José Martins Carrejo, filho de Felisberto Alves Carrejo, Francisco Alves Pereira, João José Dias, Manoel Martins Cardozo e Elias Martins Carrejo. Eles redigiram com capricho um requerimento dirigido à Assembleia Provincial, pedindo a criação

da Paróquia. O notável documento passou de mão em mão, levado até os mais distantes locais por cavaleiros, correu de fazenda em fazenda, de casa por casa. Os que não sabiam ou não podiam assinar pediam a Felisberto que o fizesse por eles, “a rogo”. Um levantamento que acompanhou a peça informava que o Distrito contava com 4.341 habitantes, sendo 3.176 “homens e mulheres livres” e 1.165 “homens e mulheres cativos”. Só assinaram os cidadãos que preenchiam os requisitos para serem qualificados como eleitores, ou seja, os que tivessem acima de 25 anos e renda suficiente, superior a cem mil réis anuais. As mulheres, os escravos, os menores de idade e os que não tinham renda não assinaram, mas apoiaram. Foram colhidas 251 assinaturas; o documento, em papel de formato duplo, composto de sete folhas, faz parte do acervo do Arquivo Público Mineiro e serve para identificar os chefes das famílias que habitavam Uberabinha naquele ano de 1857. Aquelas assinaturas não significavam apenas um pedido: elas continham um forte compromisso de participação comunitária, de um povo que aprendera a se unir para realizar o bem comum. A relação dos signatários do abaixo-assinado foi transcrita em meu livro “Das Sesmarias ao Polo Urbano – Formação e Transformação de Uma Cidade”, páginas 108 a 110. O abaixo-assinado surtiu o efeito desejado: em 22 de junho foi apresentado na Assembleia Provincial o projeto de lei que dali a poucos dias estava aprovado, resultando na Lei n° 831 de 11 de julho de 1857: “Artigo único. Fica elevado à categoria de Freguesia o Distrito de São Pedro de Uberabinha do Termo da cidade de Uberaba, tendo por limites os mesmos do Distrito, revogadas as disposições

em contrário.” (Paróquia e Freguesia são termos sinônimos). Logo foi instalado o Distrito. Felisberto Alves Carrejo foi eleito Juiz de Paz em fevereiro de 1858 e passou a dar audiências de conciliação e qualificar os eleitores. No mesmo ano foi instalada a Paróquia e foi empossado o novo vigário, padre Antônio Joaquim de Azevedo. A emancipação do município Durante 30 anos, Uberabinha viveu na condição de Distrito pertencente ao Município de Uberaba. Faltava a última etapa. Então, sob novas lideranças, e depois das articulações políticas necessárias, o Deputado Provincial Augusto Cezar Ferreira e Souza, eleito pela Região do Triângulo, conseguiu aprovar projeto que resultou na Lei n° 3.643, de 31 de agosto de 1888, criando o Município de São Pedro de Uberabinha. As lideranças já não eram as antigas. A Comissão que cuidou das tratativas da emancipação era formada pelo padre João da Cruz Dantas Barbosa, Antônio Alves dos Santos, João Luiz Alves dos Santos e José Teófilo Carneiro, representando uma população com força política considerável. Na primeira eleição, em 1892, as duas facções políticas rivais adotaram candidato único a Agente Executivo, que foi o competente Augusto Cezar. Foi assim o processo de formação de Uberlândia, conduzido por uma legião de fazedores, integrada mais por trazedores que por buscadores, divergentes muitas vezes, mas entendendo o peso da união nos momentos de escolhas importantes. Custam elevado preço os momentos de vacilação em que o exemplo dos antigos é esquecido.


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“Dante e Hugsmar passaram a fazer parte da galeria dos homenageados no Racha, que conta com expoentes como Fazendeiro, Renato, Ferreira, Guegué, Neiriberto, Vilfredo e Estrangão”

RACHA DOS VELHOS MALANDROS

Homenagem a Dante e Hugsmar Dois ex-atletas recebem o reconhecimento do meio esportivo da cidade

O

Racha dos Velhos Malandros promovido, anualmente pela equipe do “Uberlândia de Ontem e Sempre”, está se firmando como uma das homenagens mais representativas do futebol uberlandense. Na sétima edição, realizada dia 6 de novembro no campo do Cajubá Country Clube, dois ex-atletas que fizeram história receberam este reconhecimento do meio esportivo de nossa cidade. Dante e Hugsmar vieram fazer parte da galeria que conta com expoen-

Por CELSO MACHADO

tes como os jogadores Fazendeiro, Renato, Ferreira, Guegué, Neiriberto, Vilfredo e Estrangão. Dante Começou jogando no time da sua cidade natal, Taquaritinga no interior de São Paulo. O futebol estiloso, que chegou a ser comparado ao de Ademir da Guia, o levou para o Guarani de Campinas ainda bem jovem. Suas atuações despertavam a atenção, mas as seguidas contusões eram obstáculo

para a sequência da carreira. Chegou a pensar em parar quando surgiu o convite do Internacional de Porto Alegre. Nessa época, jogou ao lado de grandes craques do futebol brasileiro. Depois foi jogar no Operário de Mato Grosso, antes da divisão do estado. Lá se consagrou, tendo sido pentacampeão estadual. Até hoje é referenciado como um dos maiores craques que atuaram naquele estado. Em 1979 veio para o Uberlândia Esporte Clube e atuou numa equipe notável que tinha jogadores como Fernando (zagueiro que veio do Vasco), Dirceu Lopes (no finalzinho da carreira), Mairon Cezar dentre outros. Naquele ano, a campanha realizada pelo “Verdão” o levou a disputar a Taça de Prata, que seria hoje equivalente à série B do Brasileirão. As constantes lesões o levaram a encerrar a carreira no início da década de 1980. Ainda assim, por insistência dos amigos da Universidade Federal de Uberlândia onde passou a trabalhar, voltou a atuar pelo XV de Novembro, outra equipe profissional da cidade, onde contribuiu para seu acesso à elite do futebol mineiro. “Fiquei muito feliz em receber esta homenagem do Racha, feita pelo Celso Machado, pois é o reconhecimento de um período do qual tentei fazer o melhor pelo Uberlândia Esporte Clube”, afirmou Dante. Dante e Hugsmar: Dois craques diferenciados


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Hugsmar Poucos atletas da cidade desfrutam do prestígio e respeito que Hugsmar conquistou no meio desportivo. Não só nos gramados como também nas quadras de futsal e de voleibol. Versátil e talentoso, sempre se destacou nessas três modalidades. Mas, sem dúvida, no futebol, foi a área onde poderia ter ido bem mais longe, se tivesse optado por seguir a carreira profissional. No pequeno período em que atuou pela equipe do Uberlândia Esporte Clube, chamou a atenção de grandes clubes pela forma refinada e pela inteligência de suas jogadas. Era um verdadeiro craque na mais pura definição da palavra. Os times da capital, Belo Horizonte, e até mesmo o Vasco da Gama insistiram na sua contratação. Como seu talento não se limitava apenas ao esporte, também era excelente músico e radialista, por isso não se interessou em deixar a sua tão querida Uberlândia. O futebol nacional perdeu um jogador que, com toda certeza, teria conquistado muito prestígio, mas Uberlândia ganhou o maior campeão amador e salonista da cidade. Um boa praça amigo e generoso com seus colegas, que até hoje mantêm um dos mais tradicionais rachas de futsal no Praia Clube. Emocionado e feliz, Hugsmar falou sobre a honraria: “Tive a honra de participar de outras edições do Racha, mas, agora, ser homenageado tem um gosto muito especial, ainda mais sendo ao lado deste grande nome do nosso futebol que é o Dante. Agradeço ao Celso e espero estar presente pelos próximos anos”. Mais uma noite memorável para o futebol uberlandense.

Sede atual do Conservatório Cora Caparelli inaugurada em 1977

Racha: as duas equipes preparadas para o jogo no campo do Cajubá

Homenagens Dante, Bodim, Edgar Maia, Hugsmar e Celso


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A briga entre jovens da sociedade foi manchete da primeira página do jornal de Uberlândia

DEMONSTRAÇÃO DE VALENTIA

Sururu em Araguari Falta do que fazer gera conflito em baile de clube

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a primeira metade da década de 1970, Uberlândia não oferecia tantas opções de lazer para os jovens. Especialmente para os mais exaltados e fulientos. Em razão disso, qualquer motivo, por mais insignificante que fosse, com frequência virava demonstração de valentia. Como as épocas eram outras, as consequências não iam muito além de um olho roxo, um braço destroncado, pequenos cortes etc. Nada que deixasse marcas nem sequelas mais sérias. Foi o que aconteceu num sábado em que não havia na cidade nada capaz de acalmar o ímpeto de uma turma de jovens da “alta” sociedade. Bastou um

deles falar que tinha sido agredido por um rapaz da vizinha cidade de Araguari num bar da cidade e pronto, estava aceso o estopim para uma jornada incrível: liderados por uns 4 ou 5 mais explosivos formou-se uma turma de mais ou menos 40 com a missão de “acertar as contas” durante um baile que estava acontecendo no clube da cidade vizinha. Logo alguém arrumou um caminhão que alojou a “camarilha” na carroceria e lá foram. Antes da partida, discursos e até uma espécie de bênção, ministrada por uma irreverente figuraça local, o Brizola. Quando a turma chegou ao clube araguarino, um deles tomou o microfone

da banda que estava se apresentando e avisou: ”Acabou a festa, vai começar a pancaria!” Dito e feito, “o pau comeu feio, num confronto de grandes proporções”. Quando a polícia interveio, foi um tal de gente pulando a janela, fugindo por onde desce. Muitos vieram a pé pela estrada de ferro, outros conseguiram montar na carroceria do caminhão e voltar. Uns poucos foram presos. O assunto tomou conta das duas cidades. Foi matéria na primeira página na edição do jornal Correio de Uberlândia. Mas não durou muito porque felizmente as relações de cordialidade entre as duas cidades eram mais fortes. Os briguentos presos ganharam a liberdade depois de uns 2 ou 3 dias na cadeia, sem maiores punições. E ficou para a história, o dia em que a moçada de Uberlândia provocou um “sururu em Araguari”. Quem quiser saber mais detalhes é só perguntar para figuras conhecidas da cidade. Hoje bem mais velhas e, principalmente, menos agressivas.


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IVAN


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“O Flerts do Shopping funcionava 24 horas de domingo a domingo. Quando garçons e cozinha iam embora, entrava a turma da limpeza e reposição de estoque. A loja não tinha portas, era toda aberta”

FLERTS

A choperia que marcou gerações O Só pra Contrariar e Lísias com a Mesa de Boteco eram atrações permanentes

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ois amigos, um recémformado em Medicina aqui em Uberlândia que não quis seguir a carreira, o outro cuja experiência profissional era gerenciar posto de combustível, resolveram criar um bar para servir exclusivamente chope. Surgiu assim o Flerts, que marcou gerações e ainda é lembrado com muito carinho. Nos dias de hoje pode parecer meio óbvio montar uma choperia numa cidade do porte de Uberlândia, mas em 1992 foi uma decisão bastante ousada. Bar que quisesse tinha que ter cerveja e de preferência das duas principais marcas que existiam na época, Brahma e Antarctica. Natural de Ribeirão Preto, José Flávio, o médico, como já havia montado lá uma choperia, convenceu o amigo Claudionor Coelho da Silva, o conhecido Pestil, a montar uma filial aqui.

Por CELSO MACHADO

Convenceu talvez não seja o termo correto: intimou. Fez o convite e não deu tempo do parceiro avaliar. A choperia começou em frente ao Mercado Municipal, na esquina da Getulio Vargas com a rua Rodrigues da Cunha, onde hoje está o Akkar Restaurante. O nome Flerts, o cardápio e o chope da Antarctica eram os mesmos de Ribeirão Preto. O movimento atendeu a expectativa, a casa agradou, a iniciativa deu certo. Viria então outra decisão ousada, abrir uma filial no Shopping Center que estava sendo construído numa região bem distante do centro da cidade, onde tudo acontecia. “O convite partiu de outro amigo de longa data, colega do colégio Estadual, o Écio, um dos criadores do Center Shopping. O convite foi para sermos uma das âncoras, ocupando em torno de 900 metros quadrados de área”,

lembrou Pestil. No shopping o Flerts teve que criar outras atrações, entre elas a música ao vivo, responsável por promover muitos artistas locais e artistas famosos como Fred Rovella, além de uma feijoada anual, que era superdisputada. “O Só Pra Contrariar era a atração de todas as quartas e agradava muito. Isso antes da projeção nacional que alcançou. O Alexandre Pires, mesmo depois disso, ia lá sempre dar uma canja. Tornou-se um grande amigo”, relembrou Pestil que acrescentou: “Foi lá que o Lísias, ainda na época do grupo Boca a Boca, criou o que se tornou referência e que até hoje comanda, a Mesa de Boteco”. Dentre tantas e tão boas recordações, a que mais lhe toca é quando alguém comenta que foi lá que conheceu a namorada, que agora é sua esposa. Durante dois anos, as duas choperias


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funcionaram, mas quando o gerente do estabelecimento da Getúlio Vargas faleceu, ela foi fechada e ficou apenas a do Shopping. Isso não diminuiu o trabalho, pelo contrário: “Como o movimento era muito grande, de domingo a domingo, o Flerts do Shopping operava 24 horas. Abria às 10h ia até por volta das 2h da manhã. Quando os garçons e o pessoal da cozinha iam embora, entrava a turma da limpeza, da reposição de estoque, etc. Uma loucura, muita gente talvez não lembre, mas o Flerts não tinha porta. Era todo aberto”. Era muito cansativo e sacrificante: “Praticamente não vi meus filhos crescerem. Quando chegava em casa, eles estavam dormindo. Quando saíam pela manhã, quem estava na cama era eu”.

Pestil: “tenho boas lembranças, mas o sacrifício era muito grande”

Da Roça Até que foi chegando o momento que julgaram ser adequado para parar. Nesta ocasião já havia também um Flerts em Uberaba, no conjunto Urbano Salomão. Em novembro de 2005 Pestil e o sócio José Flávio tomaram a decisão. No dia 1º de julho de 2006 as atividades foram encerradas e a marca Flerts, guardada pelo seu valor, pode vir a ser usada no futuro. “Descansei, viajei, me dediquei mais à família e dei um tempo para as coisas que havia deixado de lado. Depois disso, como sempre gostei de carros, pensei até em montar uma loja de acessórios. Mas, como tínhamos um sítio e vínhamos regularmente nos fins de semana, um dia minha esposa sugeriu que mudássemos para cá para abrirmos um pequeno restaurante, que servisse o almoço apenas aos sábados e domingos. Em novembro de 2009, surgiu o Da Roça com este objetivo, mas que hoje está bem maior do que a ideia inicial”, afirmou Pestil.

Sede atual do Conservatório Cora Caparelli inaugurada em 1977

Lísias: o Mesa de Boteco foi criado no Flerts do Center Shopping

No Center Shopping, Flerts era uma das âncoras, com 900 m2 de área


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“ O primeiro avião a pousar no aeroporto foi um Waco monomotor biplano de dois lugares, conduzido pelo aviador Doorgal Borges, acompanhado pelo deputado estadual Fábio Andrade. Houve festa popular” Por ANTÔNIO PEREIRA DA SILVA

DÉCADA DE 1940

Uberlândia ganha um aeroporto Vários campos de pouso haviam sido construídos na cidade na década de 1930

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á registro da existência de um campo de pouso nos fundos da Vila Martins (hoje, bairro Oswaldo Rezende), talvez, o primeiro da cidade. O jornal O Triângulo, de 26 de abril de 1971, relembra que um avião Curtiss, prefixo K-272, do Correio Aéreo Nacional, pousou lá, em 1931, conduzido pelos tenentes Araripe Macedo e Lavanére-Wanderley. Em 1934, a VASP entrou em contato com a Associação Comercial, Industrial e Agro Pecuária de Uberlândia procurando saber o que o município poderia oferecer para que seus aviões fizessem escala aqui. O diretor Roberto Valda visitou a cidade, mas

não aprovou o campo da Vila Martins sugerindo outra área na Vila Santa Terezinha, nos altos da Vila Operária. O proprietário, José Alves, doou a área para a prefeitura que construiu o campo de pouso em 1936. A VASP, no entanto, só veio em 1938 quando estendeu a linha São Paulo a Ribeirão Preto até Goiânia, com várias escalas, incluindo Uberlândia. Vários campos de pouso se construíram na cidade. Na Vila Saraiva, na Vila Martins, aproximadamente onde está o Hospital Santa Genoveva, na fazenda do dr. Laerte Vieira Gonçalves, nas fazendas Pirapitinga (de Carlos Vilela) e Palmeiras (de Galileu Vilela), além dos já citados.

Registro fotográfico, do primeiro aeroporto que Uberlândia teve

A história do Aeroporto Tenente Coronel Aviador César Bombonatto começou em 1935, quando o empresário Antônio Maria Pereira de Rezende, presidente da Associação Comercial, Industrial e Agro Pecuária de Uberlândia, e o dr. Kendall, piloto da RAF (Royal Air Force), gerente do Frigorífico Anglo, com apoio do prefeito Vasco Giffoni, construíram um campo de pouso na cidade, denominado “Campo de Aviação Eduardo Gomes”. O major Eduardo Gomes era o fundador do Correio Aéreo Militar e foi o primeiro piloto deste Correio a descer em nossa cidade. Veio num Waco Cabina. Em 21 de julho de 1935, Vasco Giffoni inaugurou o “Campo


1945: Aeroporto de Uberlândia foi inaugurado com o nome de Eduardo Gomes

de Aviação Eduardo Gomes”. O primeiro avião a pousar nele, foi um Waco, monomotor biplano de dois lugares, conduzido pelo aviador Doorgal Borges, que veio acompanhado do deputado estadual Fábio Andrada para a inauguração. Houve uma festa popular. Nove anos depois, em 1944, foi assentada a pedra fundamental do Aeroporto Eduardo Gomes. Era prefeito Vasconcelos Costa. A inauguração do novo aeroporto deu-se no dia 25 de janeiro de 1945. Na década de 1951, o transporte aéreo de Uberlândia atingiu seu ápice com mais de dez empresas operando entre 40 e 50 pousos e decolagens diários segundo o dr. Durval Teixeira, ex-piloto, e o empresário Moacir Marques do Prado, ex-representante da VASP. É preciso destacar que algumas empresas possuíam apenas um avião, um DC3 para 18 passageiros e 1.800 kgs. Até 1980, o aeroporto foi administrado pelo Departamento de Aviação Civil do Ministério da Aeronáutica. A partir daí, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – Infraero assumiu a responsabilidade. A Infraero tem investido, nestes anos, recursos próprios em construções, reformas, manutenção, infraestrutura, contratação e treinamento de pessoal, além de tornar a estada do usuário no aeroporto mais confortável. O nome do aeroporto foi mudado em agosto de 2001. A justificativa para a mudança é que Manaus possuía um Aeroporto Internacional com o mesmo nome. O critério certamente não foi o da antecedência, eis que o primeiro campo de pouso de Manaus é de 1954, quando em 1945 já inaugurávamos o nosso Aeroporto Eduardo Gomes. A construção do Aeroporto Internacional de Manaus deu-se em 1976. O nosso já existia há mais de 30 anos. Foi a oportunidade para prestigiarmos a prata da casa. Quando soube que o aeroporto deveria mudar de nome, dona Neuza Bombonatto contatou o deputado federal Odelmo Leão

Campo de pouso: biplano em Uberlândia na década de 1930


28 O Aeroporto de Uberlândia tem o nome do Tenente Coronel Aviador César Bombonatto

Carneiro Sobrinho e sugeriu-lhe o nome de seu filho César Bombonatto. César trazia no nome sua origem familiar: Bombonatto do lado paterno, filho que era do advogado Mário Bombonatto; César do lado materno, nome do seu avô César Mugnatto. Quem era César Bombonatto? Nasceu em Uberlândia, em 3 de agosto de 1955. Entusiasmado com a aviação, entrou para a Aeronáutica e recebeu seu espadim aos 20 anos. Era também excelente fotógrafo, desenhista e profundo conhecedor da história da aeronáutica militar. Incorporado ao Segundo Esquadrão do Quinto Grupo de Aviação sediado na Base Aérea de Natal, RN, teve vida militar intensa com muitas atividades no país e fora dele. Em Fortaleza, CE, casou-se com Solange, que lhe deu dois filhos: Vítor e Artur. Em 1993, foi admitido na Força de Paz da ONU como Observador Militar em Missão de Paz na Iugoslávia logo após o grave e sangrento conflito lá deflagrado. Lá

foi designado chefe dos Observadores Militares para a zona de Bihac, região muçulmana, cercada por forças sérvias – onde as atividades bélicas foram das mais intensas. Comandou três equipes compostas por 28 oficiais de diversas nacionalidades e mais 14 intérpretes. Com o efetivo reduzido à metade, seu grupo era incumbido das mais variadas ações como o levantamento das ações militares na área, negociar a passagem para os comboios humanitários e o provimento de condições para a troca de prisioneiros feridos e mortos na luta entre as facções. Em novembro de 1994, a região de Bihac teve suas fronteiras fechadas e todo o grupo do major Bombonatto ficou retido no seu interior como refém. No inverno, tudo piorou com os meios de comunicação degradados e a falta de combustível. Só no final de janeiro, o major Bombonatto pôde entregar seu cargo, dois meses após o término previsto para a sua missão.

Em 1995, o tenente coronel aviador César Bombonatto e outros oficiais brasileiros feitos reféns na ex-Iugoslávia receberam do presidente da República a condecoração da Ordem de Rio Branco. Por seu desempenho no comando da missão da ONU, Bombonatto recebeu Medalha da ONU e a Comenda do Comando da ONU na UNPROFOR (Força de Proteção das Nações Unidas). Foi o único brasileiro, até o seu falecimento, a receber aquelas atribuições da ONU. Serviu, após seu regresso, em diversas instituições militares. O tenente coronel César Bombonatto morreu no dia 24 de julho de 1998 quando seu avião caiu no mar. Era meio-dia. Recebeu vários títulos e homenagens post mortem. O Chefe do Estado Maior da Aeronáutica na ocasião, Tenente Brigadeiro do Ar Jaeckel, escreveu, a seu respeito: “A Caça perdeu um “Príncipe dos Ares”; as Belas Artes perderam um artista; eu, infelizmente, perdi um amigo”.


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DESDE SEMPRE

AMOR À MÚSICA A pianista Maria Célia Vieira transforma a cena musical de Ubrlândia

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Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

oi na infância que Maria Célia Vieira conheceu o piano, companheiro de toda a vida. Seu pai, fotógrafo profissional e violinista nas horas vagas, comprou o piano para que os irmãos mais velhos aprendessem a tocar. Ela, apesar de muito pequena, foi a que mais se interessou pelo aprendizado do instrumento e estreou nos palcos ainda pré-adolescente em 1962. Única menina entre sete irmãos, Maria Célia teve referências fortes na própria família. A mãe, Célia de Sousa Vieira, sempre foi uma mulher independente. Foi a primeira a jogar vôlei em uniformes confortáveis e modernos e a dirigir um automóvel em Araguari, onde era professora. O pai, Geraldo Vieira, de Estrela do Sul, além de músico, era fotógrafo em Araguari e Uberlândia. O avô paterno também era músico, compositor e maestro da banda de Estrela do Sul. Mesmo sabendo dedilhar com desenvoltura as teclas do piano de casa, só conseguiu frequentar aulas a partir dos 7 anos. Sua primeira professora foi a exímia pianista de Araguari, Odete Machado Alamy, amiga e contemporânea de Cora Pavan Capparelli, com a qual realizava intercâmbios de apresentações de jovens alunos entre as duas cidades.


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“ Trabalha intensamente no desenvolvimento cultural e artístico da cidade e da região ” Itamar Medeiros, produtor

Odete Alamy tinha sólida formação como musicista. Havia estudado com o célebre José Kliass e incentivou Maria Célia a viajar a São Paulo para assistir aos recitais no Teatro Municipal. Maria Célia jamais esqueceu um concerto de Jacques Klein, no qual ele tocou “Pour Elise”, de Bethoven, que conhecia e tocava com alguma habilidade, assim como as apresentações de Magda Tagliaferro, com quem, mais tarde, faria apresentações e workshops de música. Odete Alamy era casada com um advogado que ganhou notoriedade a partir de sua atuação no caso dos irmâos Naves, um dos maiores erros judiciais do Brasil transformado em filme, peça teatral e livros. Com a repercussão do caso, Odete e o marido transferiram-se para Belo Horizonte. O afinador de piano Mário Chileno indicou à família o pianista Sylvio Robazzi que vivia em Ituiutaba e Maria Célia passou a ter aulas com ele. O pai a levava quinzenalmente a Ituiutaba até Robazzi transferir-se para Uberaba, para atuar no Conservatório. Em Uberaba, Maria Célia formou-se como musicista aos 16 anos, mas teve que aguardar a conclusão do segundo grau para receber sua certificação. As duas melhores escolas de ensino superior em música no Brasil estavam no Rio de Janeiro e em Goiânia. Pela proximidade, Maria Célia

optou por Goiânia, onde viveu durante cinco anos, graduando-se em licenciatura em Música e bacharelado em Piano. Ao término do curso, foi indicada para ser uma das primeiras professoras do curso superior de Música, criado por Cora Pavan Capparelli, na Faculdade de Artes da Universidade de Uberlândia.

Uberlândia Maria Célia tinha então 22 anos. Durante cinco anos, foi professora visitante. No princípio ainda morava em Goiânia, onde lecionava piano. Vinha semanalmente a Uberlândia, mas não queria perder seu vínculo com a capital goiana, que tinha cena musical mais efervescente. Em Goiânia, Glacy Antunes de Oliveira foi uma das professoras que mais a influenciaram. Lá também teve aulas com Camargo Guarnieri, depois seu colega como docente na Universidade Federal de Uberlândia. Quando terminou os cursos na capital goiana, Maria Célia havia participado de apresentações em Brasília, Curitiba e São Paulo, onde passou a ter aulas com Sebastian Benda, professor suíço com o qual estudou durante três anos. Para fazer pós-graduação, Maria Célia foi efetivada na UFU, deixou Goiânia e iniciou sua trajetória em Uberlândia. Em 1982, foi para a Eastman School of Music, na Rochester

1962 Primeiro recital Abaixo: com Victor, seu único filho


33 “ Grande empreendedora e incentivadora dos que estão no início do fazer artístico” Poliana Alves, cantora

Com Odete Alamy, primeira professora

Única menina entre seis irmãos

University of New York. Lá permaneceu dois anos, tendo aulas com a italiana Maria Luisa Faini. Retornou ao Brasil em 1984.Em 1986, conheceu o empresário Victorio Abritta Netto, com o qual teve um casamento de cinco anos, e seu único filho, Victor Vieira Abritta. Em Uberlândia, Maria Célia teve longa trajetória como camerista, apresentando-se em inúmeros eventos. Atuou também em óperas, em praticamente toda a brilhante série histórica de montagens coordenadas por Edmar Ferretti, outra celebridade da área, regente do Coral da UFU. Após a aposentadoria como docente, intensificou ainda mais suas apresentações em eventos e saraus. Em duos, trios, quartetos e quintetos, realizou diversas apresentações na cidade e região. Formou o grupo Amacordes, com os cantores líricos Flávio Arciole, Sandra Zumpano, Poliana Alves e o violinista Marcos Petrônio.

InCantos

Parceiros frequentes: o ator e cantor lírico Flávio Arciole e o produtor do InCantus, Itamar Medeiros

Desde sua estreia nos palcos, aos 9 anos, Maria Célia nunca se separou do piano. De acordo com ela, foram milhares de récitas, saraus, eventos culturais e sociais, feiras, congressos e programas de rádio e televisão, desde os primórdios, época em que toda a programação era executada ao vivo.

Entre os vários projetos culturais elaborados e executados por Maria Célia, o de maior destaque hoje é o In Cantus, surgido há oito anos na Casa da Cultura de Uberlândia. Ela relembra que o convite surgiu a partir do músico e artista visual Rossane Rossi, que a convidou para apresentar uma récita de canções natalinas na noite de abertura do presépio, criado por ele para a Prefeitura Municipal de Uberlândia. O sucesso foi tão grande, que foram necessárias duas apresentações na mesma noite. Em conversa com a coordenadora da Casa na época, Juraciara Rezende Oliveira, decidiu criar um projeto permanente para ocupar o salão principal da Casa da Cultura, sempre na primeira terça-feira do mês, com vistas à priorização de artistas locais. O projeto sobreviveu alguns anos sem recursos e, a partir de 2011, começou a contar com aportes do Programa Municipal de Incentivo à Cultura, no momento interrompido pela limitação de ser permitido por três anos consecutivos. Maria Célia lamenta, pois acredita que “o projeto dá um salto qualitativo quando há incentivo, possibilitando, inclusive, a visibilidade em nível nacional e ,até mesmo, a participação de músicos internacionais”.


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Chico Xavier, em 1972, durante a cerimônia de entrega do título de cidadão uberlandense pela Câmara

MEMÓRIA

Chico Xavier, cidadão uberlandense “Tantas gentilezas recebi do povo de Uberlândia, que voltei impressionado para minha terra”

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m 2 de setembro de 1972 um dos mais notáveis médiuns brasileiros, Francisco Candido Xavier – Chico Xavier – tornou-se cidadão de Uberlândia. O autor da proposição foi o vereador Antônio Queiroz Barreto, sendo presidente da Câmara Airton Borges da Silva e prefeito Virgilio Galassi. A solenidade aconteceu no ginásio “Homero Santos” do Uberlândia Tênis Clube. Na ocasião, o jornalista, radialista e escritor (então vereador) Dantas Ruas foi o orador principal. A seguir, um trecho da saudação: “Chico Xavier, você não construiu um império material que fizesse com que os homens tremessem ou se curvassem ante o seu poderio.

Não. Você não exerce nem mesmo influência nas decisões políticas em que muitas vezes as vaidades são postas a nu. Condutor de homens no sentido mais belo do vocábulo, sua influência se faz para que se consolide a fraternidade entre as criaturas. E isto é superior a tudo aquilo que possamos imaginar, porque se não estabelece um reino na terra, consolida com a força da espiritualidade, o reino de Deus. Felizes estamos por recebê-lo entre nós. Mais uma estrela de primeira grandeza que penduramos no céu de nossas aspirações mais caras. Uberlândia agradecida, escreve neste instante seu nome no pedestal do monumento erigido em honra de seus maiores filhos.”

Depois de saudar as autoridades, Chico Xavier fez brilhante pronunciamento do qual extraímos algumas passagens: “Vim, pela primeira vez a Uberlândia no ano de 1943, na condição de modesto servidor do Ministério da Agricultura compartilhando as atividades da primeira exposição regional de animais da cidade. E tantas gentilezas recebi do povo uberlandense que voltei para nossa terra de Pedro Leopoldo profundamente impressionado.” Continua comentando sobre esse impacto na fala que teve com seu amigo, senador Camilo Chaves. Por seu intermédio ficou sabendo de uma passagem ocorrida aqui com a passagem da bandeira organizada por Bartolo-


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Panfleto popular, de 1972, em comemoração à entrega do título de cidadão de Uberlândia ao médium Chico Xavier

meu Bueno da Silva, o Anhanguera, que transmitiu aos presentes. “Nesta região, o Frei Luiz de Santana que acompanhava a expedição foi flechado pelos índios Caiapós. Os agressores foram presos e a autoridade dominante determinou que fossem enforcados. Levantado o instrumento de tortura, com o primeiro condenado esperando a execução, Frei Luiz de Santana rogou em lágrimas para que a forca fosse destruída e que, em lugar dela, fosse levantada a cruz do Cristo.

Cordialidade Todos atenderam à solicitação e ali ficou a chamada cruz do Anhanguera que hoje se encontra guardada por ser monumento histórico na antiga capital de Goiás. A caravana atravessou o Paranaíba em festa de fraternidade e paz. Os agressores perdoados se incorporaram à pequena bandeira.” Ele atribuiu essa passagem à cordialidade dos uberlandenses. “Natural que, com semelhante benção, Uberlândia se levantasse na condição da urbe maravilhosa que conhecemos, não pela cultura, pelo progresso industrial, por todas as suas realizações e por todos os seus ideais, mas também como sendo a cidade notável tocada pelo amor de Jesus, repleta de compreensão humana. Da compreensão humana com que Uberlândia recebe este vosso pequenino servidor.”

E finalizou: “Pedimos permissão para terminar agradecendo mais uma vez a toda Uberlândia pela grandeza de coração com que nos recebe e para declarar que esta não é uma reunião festiva de Chico Xavier. É uma reunião da fé cristã, da nossa fé íntegra, alicerçada em nossa união em Jesus. Termino por fim agradecendo e dizendo de coração: Uberlândia, Deus vos abençoe.

Uberlândia, Deus vos engradeça. Uberlândia, muito obrigado!” Em seu discurso, Chico fez questão de enaltecer não só a comunidade espírita como também a católica e evangélica local. Comportamento que reflete a grandeza de alma de um ser humano que extrapolou o limite de seus colegas de fé para conquistar o respeito de todas as religiões. Um senhor uberlandense.


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ESPETÁCULOS

Dançando com o pé na estrada Entre altos e baixos, a Companhia de Dança Balé de Rua continua impressionando o mundo com o vigor de sua arte Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

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uando um coletivo de artistas galga os degraus da fama, a tendência de quem o observa é imaginar que tudo é glória e paraíso para os que obtêm reconhecimento. Ledo engano. Alguns conseguem manter a dignidade artís-

tica, mas pagam o preço do aprendizado, disciplina, dedicação e desapego. Assim é a trajetória da Companhia de Dança Balé de Rua, uma das expressões culturais mais fortes da cidade que, apesar da visibilidade em palcos do mundo inteiro, ainda vive percalços

que só seriam naturais aos que estão iniciando sua trajetória. O Balé de Rua é um grupo do qual a cidade tem todos os motivos para se orgulhar. Surgiu das ruas e teve impressionante percurso. A visibilidade da companhia veio, sobretudo, dos tempos do Festival de Dança do Triângulo, quando críticos especializados tornaram-se admiradores e abriram as portas de alguns dos principais veículos de comunicação do país. A história da companhia é singular. Deve ser única no contexto da dança brasileira. Não nasceu em corredores acadêmicos e nem sequer nas salas de escolas de dança criadas quase exclusivamente para atender à classe média brasileira. O grupo surgiu das ruas e praças. Encontrou nesse ambiente a expressão popular da dança, para depois aprofundá-la em uma genial fusão de todas as outras modalidades. E assim


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Balé de Rua: expressão popular da dança brasileira tem história singular de superação e sucesso, apesar de todas as dificuldades se consagrou no país e no planeta. Seus integrantes, antes operários, mecânicos ou padeiros, tornaram-se, orgulhosamente, bailarinos profissionais. E hoje vivem exclusivamente da dança. Em 2008, quando estiveram em Edimburgo, Escócia, foram convidados para dançar para o príncipe Philip, Duque de Edimburgo, marido da rainha Elizabeth II. Para a ocasião, foi montada uma estrutura de palco, som e luz nos jardins do Palácio de Holyroodhouse. Ao fim da apresentação, o príncipe aproximou-se do palco e agradeceu a todos por estarem aquecendo a noite fria da cidade com o calor da cultura brasileira. A isso dá-se o nome de representatividade. O Balé de Rua nos representa. O espetáculo mais recente do grupo foi realizado, sob encomenda, para o produtor francês Pierre Morand e apresentado em vários países com todos os ingressos esgotados, como em Sidney,

na Austrália. Com peças do seu repertório, o grupo já passou pela Europa, Oriente Médio, Ásia, América do Norte e América do Sul. Embora seja uma história de grande sucesso, ainda há dificuldades e o grupo nem sequer tem sede própria. A sobrevivência até agora se deu como resultado de muito trabalho.

Sede própria e exclusividade Com 26 anos de estrada, o Balé de Rua se manteve, até 2007, por meio de leis de incentivo, tendo aportes de empresas como Algar Telecom e Usiminas. Depois, garantiram a manutenção com recursos próprios, oriundos de cachês e turnês, para pagamentos de aluguel da antiga sede, despesas de manutenção, salários de bailarinos e funcionários, entre outros custos em uma logística bastante onerosa. Em 2013, com a notí-

cia de um aumento em 35% do aluguel do espaço, que já não era barato, o grupo viu-se obrigado a fechá-lo. Com o fechamento, os bailarinos também deixaram de ser exclusivos da companhia e buscaram empregos fixos, a maioria como professores de dança. Durante 13 anos, de 2000 a 2013, o grupo oferecia aulas gratuitamente na periferia da cidade, com o projeto “Novos Talentos”, do qual saiu boa parte dos integrantes atuais. A ausência de uma sede própria e de dedicação exclusiva dos bailarinos, segundo um dos diretores da campanhia, Fernando Narduchi, compromete o processo de criação, pois antes havia rotina de convívio de oito horas diárias e um espaço para trabalhar a inspiração do coreógrafo Marco Antônio Garcia, o outro diretor do grupo. “Até hoje, ainda não me recuperei dessa perda de nosso espaço. É como se faltasse a cozinha da casa, onde todas as refeições são preparadas. Como perder o chão. Apesar desse sentimento, continuamos com o mesmo espírito de luta do início de nossa caminhada, com mais dificuldades por não termos um local para trabalhar, mais ainda bastante otimistas de que voltaremos a ter a estrutura de antes”, disse Narduchi. Ele relata que há muitos projetos a serem realizados, mas um aprofundamento na pesquisa em dança requer dedicação exclusiva e espaço fixo para que os processos criativos se consolidem. Segundo o diretor, as perspectivas de hoje são como anteriormente a 2007, quando o grupo sonhava em ter a sede própria. “O complicado é tê-la, perdê-la e recuperá-la depois de tanta evolução e aprendizados”, explicou. “As pessoas conhecem o grupo pelas notícias de jornais, mas há um desconhecimento de tudo que existe por trás dele.” Para Fernando, todas essas


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turnês trouxeram amadurecimento e aprendizados ao ponto de hoje não ser possível trabalhar em espaços improvisados e/ou temporários. Ele conta que, nas turnês europeias, o grupo era cobrado ao máximo e tudo tinha de estar perfeito. Segundo Narduchi, entre os aprendizados da companhia, está o hábito pouco comum no Brasil, ao menos para a maior parte dos grupos de dança, de realizar temporadas. Em Paris, por exemplo, o Balé de Rua permaneceu em cartaz por três meses ininterruptos, sempre de quinta a domingo. “A gente tinha de fazer todos os dias como se fosse a estreia, sem titubear. Ao fim de cada apresentação, sempre existia um ‘feed-back’. E isso, muitas vezes, era um processo doloroso, desgastante física e psicologicamente”, contou o diretor.

Na estrada Mesmo com o grande obstáculo de não ter a sede própria, principalmente para que os encontros deixem de ser esporádicos e voltem a ser diários como antes, Fernando e Marco estão bastante otimistas. O grupo já fez outra turnê internacional e apresentou-se na Inglaterra, Suíça e Israel. Hoje composto por 15 integrantes, sendo 13 bailarinos e dois diretores, o Balé de Rua ainda tem a atmosfera da conexão e da criatividade. Mesmo sem chão, o brilho dos olhos salta quando falam de novos projetos. Não perderam a sinergia. Continuam os mesmos, dispostos e dedicados, mas sem a estrutura necessária para fazer escoar toda essa disposição. Garantem que vão consegui-la novamente. Não sabem como e nem quando. Só não desistem. Enquanto isso, o destino deve continuar sendo sempre a estrada.

Diálogo entre o popular e o erudito, a tradição e a inovação

Arte como coragem e resistência

F

undada em 1992, a Cia de Dança Balé de Rua é um caso raro na história da dança brasileira na medida em que, partindo da periferia de uma cidade do interior de Minas Gerais, tem conseguido sobreviver de forma produtiva há 26 anos. A Companhia se orgulha de ter matérias publicadas em alguns dos jornais

mais importantes do mundo pela originalidade de seu trabalho e a força de seu elenco. Com suas raízes na dança de rua e fortes influências da herança afro-brasileira, a Companhia estabelece conexões e diálogos entre o popular e o erudito, a tradição e a contemporaneidade construindo uma estética muito particular.


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Santa Clara no início: em 1949, na casa adaptada para atendimento médico na avenida João Pinheiro

SANTA CLARA

O mais tradicional hospital da cidade chega aos 70 anos Modesto centro de saúde é hoje referência em qualidade

T

oda empresa nasce pela visão e iniciativa do seu fundador. É a forma que tem daquela pessoa extravasar seus seus sonhos, ambições e propósitos. Com o Hospital Santa Clara não foi diferente. Surgiu pela vontade de um médico humanista, sensível e generoso oferecer bons serviços de saúde à cidade de Uberlândia. Seu nome dr. Ruy Cotta Pacheco. Como sua especialidade era parto e obstetrícia priorizou o serviço de maternidade, qualificação que diferenciou o Santa Clara em relação aos concorrentes. No ano de 1949, decidiu adquirir e reabrir o modesto centro de saúde que ocupava uma casa residencial na av.

João Pinheiro, adaptada para o atendimento médico. Convidou para essa empreitada um colega de turma e amigo de todas as horas, dr. Celso Neves. Naquela época, lembra o historiador Oscar Vírgilio Pereira, “o antigo INPS, a Previdência Social cuidava também da saúde. Alguns estabelecimentos da cidade conviviam com essa realidade: atender o pessoal que não era filiado à Previdência oficial. Essas pessoas, como todo mundo sabe, eram duas categorias, quem podia pagar e quem não podia”. E acrescenta: “A Casa de Saúde e Maternidade Santa Clara quando surgiu passou a ser uma referência interessan-

te. O pessoal lutava com muita dificuldade e atendia muita gente que não podia pagar, porque essa era a filosofia do dr. Ruy, um médico muito humano e caridoso”. O dr. Celso ficou pouco tempo no hospital porque logo mudou-se para Tupaciguara, sua terra natal. Com a clientela aumentando e como precisava de um auxiliar, o dr. Ruy recorreu a outro médico amigo, dr. Oscar Moreira que o apresentou a um jovem recém-formado vindo do Rio de Janeiro, Hermilon Correa. Fez uma proposta de pai para filho: como não tinha como empregá-lo propôs que passasse a atender no Santa Clara e ficasse com toda receita dos seus serviços. Começava assim a jornada do dr. Hermilon Correa, um dos médicos que mais partos fez em todo Brasil. E uma ligação com o Santa Clara que perdura até hoje. Os dois trabalharam juntos uns 10 anos. Aí vieram se juntar a eles o dr. José Olimpio, o dr. Ismael e o dr. José Bonifácio. Depois de algum tempo como o dr. Ruy resolveu cuidar da sua fazenda, os quatro compraram a então Casa de Saúde e Maternidade Santa Clara.. E assim se passaram todos esses anos. De muita luta, muita dedicação, crescimento e inovação na área da saúde.


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FUNDADOR

Dr. Ruy, um médico amigo e solidário

O

fundador dr Ruy Cotta Pacheco faleceu em 20 de abril de 2000. Mas a obra que criou mantêm o espírito e propósito de quando surgiu: ser referência no atendimento médico agora não só em Uberlândia como em toda região. Atualmente oferece pronto-atendimento 24 horas (clínica médica, cardiologia, ortopedia, ginecologia/ obstetrícia e pediatria), completa e exclusiva ala de maternidade, clínica de diagnóstico por imagem, de imagem de exames cardiológicos e alta complexidade com centro cirúrgico, hemodinâmica, e UTIS: geral, coronariana, pediátrica e o neo natal. Conta com 720 funcionários, corpo clínico de mais de 460 médicos, 210 leitos sendo 59 de UTIs .

“ O Santa Clara é o primeiro hospital da região a receber a certificação “Canadian Council Health Services Accreditation”, que credencia seus serviços com as melhores práticas reconhecidas internacionalmente”

A segunda reforma alterou a estética da Maternidade Santa Clara

Dr. Hermílon , dr. Ruy e dr. Elieser na inauguração da UTI Neo Natal

Dr. José Bonifácio, dr. Ruy e Sebastião Lintz


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Dr. Ruy com o dr. José Olimpio de Freitas e sua esposa Linea Azevedo

O

fundador do Santa Clara foi um médico diferenciado. Solidário e amigo, não foram poucas as vezes em que, para garantir que os pacientes carentes que operava gratuitamente voltassem para os curativos, lhes dava dinheiro para a charrete ou carro de aluguel (conduções da época), relata seu contemporâneo, dr. Hermilon Corrêa. Ruy Cotta Pacheco nasceu em Uberlândia em 1910. Filho de Francisco Cotta Pacheco e Gabriela das Dores Pacheco. Casou-se com Adélia Alves com quem teve dois filhos: Adalgisa e Hugo. Formou em medicina em 1936 na Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, atual UFRJ. Voltou para Uberlândia nesse mesmo ano para trabalhar com o dr. Laerte Vieira Gonçalves. Posteriormente, com seu colega Celso Neves, adquiriu a Casa de Saúde e Maternidade Santa Clara do dr. Emanuel Xavier Ribeiro, na época desativada. Com muita luta e garra a transformou numa referencia médica, especialmente no segmento maternidade. Nunca condicionou o atendimento dos pacientes à remuneração financeira. A filha Adalgisa conta: “ele adorava crianças. Elas faziam o que queriam com ele.Como na época era muito comum as mães as proibirem de comer muita coisa apelavam para o Tio Ruy que liberava

tudo. Certa vez, uma mãe não queria que o filho tomasse sorvete porque estava queixando de dor de garganta e foi falar com o papai, que respondeu prontamente: ”deixava ele tomar, se der problema quem vai tratar sou eu mesmo”. Adalgisa lembra também que no inicio a família morava nas instalações da maternidade, num apartamento que o pai construiu nos fundos. A mãe Adélia é quem cuidava das finanças e recrutava aquelas que viriam a ser as enfermeiras. Começavam na limpeza, depois iam ajudando nas outras atividades até estarem qualificadas para cuidar dos pacientes. O pai não tinha hora de chegar em casa. Muitas vezes, acabava de entrar e já tinha que voltar para prestar atendimento a qualquer hora do dia ou da noite. Ele também era desligado das questões financeiras para desespero da mãe. “Adélia você cobrou do fulano? Como você fez isso? Ele é meu amigo” dizia. No que a mãe retrucava: “Ruy, todo mundo que vem consultar com você é seu amigo. Inimigo seu, além de não ter, nunca viria aqui te procurar”. Adalgisa recorda com saudade das conversas alegres dos médicos tomando refeições no Santa Clara preparadas por sua mãe. E também da quantidade de amigos que o pai tinha em todas as camadas sociais. Quando resolveu se dedicar à atividade agropecuária, outra de suas paixões, transferiu o Santa Clara

para os drs. José Bonifácio Ribeiro, Hermilon Correa, José Olimpio de Freitas Azevedo e Ismael Ferreira de Rezende. Trabalhou por mais de 30 anos, notabilizando-se como excelente profissional pelo humanismo, ética, simplicidade, caráter, despojamento de vaidade, grandeza de comportamento ao abrigar em seu Hospital vários médicos, transmitindo-lhes suas experiências médica e de vida. Foi um dos fundadores da Escola de Medicina para a qual doou sua biblioteca. Gostava muito de esporte e de atividades sociais. Foi sócio-fundador do Praia Clube, do Caça e Pesca, do Uberlândia Clube, presidente da Sociedade Médica e participou como conferencista em vários congressos e reuniões científicas. Faleceu em 20 de abril de 2000.

Adalgisa Pacheco, filha do dr. Ruy


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Dr. Ruy trabalhou por mais de 30 anos e nunca condicionou o atendimento dos pacientes à remuneração financeira

O

s quatro médicos que sucederam dr. Ruy no comando da Santa Casa, José Bonifácio Ribeiro, Ismael Rezende, José Olympio de Freitas e Hermilon Correa, a exemplo dele são todos fundadores da Faculdade de Medicina. Sendo que o dr. José Olympio teve uma participação decisiva nessa conquista. Também como o dr. Ruy, eles são e foram referência como médicos idôneos, éticos. Com suas jornadas marcadas por retidão de caráter e lisura no comportamento. Com isso asseguraram para o Santa Clara a continuidade do espírito do seu fundador. O próprio dr. Ismael em entrevista para o programa Uberlândia de Ontem e Sempre relembrou isso: “Os pacientes nos tratavam com todo amor e respeito. Chegávamos a ficar constrangidos, para muitos era como se fossemos nós na terra e Deus no céu”.

Pioneiros: dr. Ruy e dr. Celso, o Santa Clara começou com eles

“Vinte mil partos. Vinte mil não, quarenta!”

O

Dr. Ismael Ferreira de Resende

s números de partos realizados no Santa Clara pelos médicos Ismael e Hermilon chegam a parecer absurdos, mas são verdadeiros. “ Muitos não acreditam quando falo que fiz mais de 20 mil partos, mas tenho prova disso. Não só eu como o dr. Hermilon também. Quantas vezes dormíamos num beliche no hospital por semanas realizando partos. Lembro de ter feito uns dois ou três partos no táxi porque não deu tempo da paciente chegar ao hospital.

Eu e o Hermilon fizemos tantos partos que chegamos a colocar pacientes nas macas dentro dos consultórios. Chegava de manhã, nem tinha como fazer consulta”, explicou o dr. Ismael No que é endossado pelo dr. Hermilon: “Em um ano , fiz quase 800 partos só pelo INPS. Trabalhei 60 anos. Então, 20 mil partos é um número até modesto para mim”. Os dois lembram que ainda tinham como colega o dr. Norival, também um campeão em número de partos no hospital.


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Da esquerda para a direita: a filha Cristiane, a esposa Lucielena, a filha Eliana, o filho Daniel e o neto Eric com o dr. Melicégenes. Ficou faltando o filho Leandro, que mora no EUA

DR. MELICÉGENES AMBRÓSIO

“ Às vezes, vale mais uma palavra do que muita medicação” Pediatra fala de sua ligação com o hospital em que nasceu e trabalha há 46 anos

A

imagem de todo profissional, e com o médico não é diferente, é construída pela maneira como seu comportamento, procedimento e postura são percebidos pelos pacientes. Essa impressão o diferencia e qualifica. É isso que o torna, além de respeitado, solicitado, benquisto. Reputação de verdade entretanto, é quando, além disso, ele faz por merecer o respeito de seus pares. Independentemente de fazer parte do seu staff ou, até mesmo, atuarem em instituições concorrentes. O pediatra dr. Melicégenes Ribeiro Ambrósio, por sua conduta, caráter,

competência e dedicação merecidamente conquistou isso. É unanimidade no meio médico. Sua ligação com o Hospital Santa Clara vem desde o nascimento, em 27 de setembro de 1945, que aconteceu pelas mãos do fundador, dr. Ruy Cotta Pacheco. Fortaleceu-se ainda mais quando, há 46 anos, em 1973, começou a trabalhar no Hospital Ele mesmo nos relata sua trajetória pessoal e profissional.

O nome “Esse meu nome é realmente diferente. Ele é de origem grega. Meu

pai, Domingos Ambrósio lia muito e segundo ele, adaptou de Melisígenes que ele viu num livro de Homero para Melicégenes, cujo significado é rio da vida. Hoje aqui em Uberlândia já existem vários Melicégenes. Acredito que são de crianças que nasceram comigo e que as mães puseram esse nome, porque todos Melicégenes que conheço nasceram bem depois de mim.”

A Medicina “Sempre quis fazer Medicina, desde criança. Tinha dois tios médicos, dr. Olavo Ribeiro, que foi um dos primeiros médicos de Uberlândia e o dr. José Bonifácio com quem tive uma ligação muito grande, meu segundo pai. Sou filho único e meu pai sempre me apoiou. Ele tinha uma frase que gravei: “Todas as profissões são úteis, desde que exercidas com ciência e consciência”. Isso marcou minha vida. Formei na USP em Ribeirão Preto em 1970. Fiz Medicina Preventiva e Social, especialidade que lecionei por 38 anos na Universidade de Uberlândia e pediatria que era muito forte lá em Ribeirão Preto. Fui me identificando, gostando de trabalhar com crianças e me dediquei à Pediatria.”


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Dr. Melicégenes: “O maior orgulho que tenho é da família que criei”

O Santa Clara “Quem me trouxe para o Hospital Santa Clara foi meu tio José Bonifácio Ribeiro, com pleno apoio do dr. Hermilon, do dr. Ismael e do dr. José Olímpio, que eram os quatro sócios aqui na época. Isso em 1973. Inclusive eles esperaram algum tempo eu fazer a especialidade para vir para cá. Todos eles tiveram um papel muito importante na minha carreira. Não só meu tio José Bonifácio, que foi fantástico, mas também o dr. José Olímpio, dr. Ismael e o dr. Hermilon, todos além de competentes, muito éticos.”

Exemplos inspiradores “Aprendi desde cedo a admirar neles a dedicação ao paciente, o compromisso com o doente, o estar à disposição sempre que chamado. Saber ouvi-lo e dedicar muita atenção. Quantas vezes, isso eu presenciei, o dr. Hermilon e o dr. Ismael chegavam no hospital vestidos com roupa de festa, até mesmo de smoking para atender um chamado. O tio José Bonifácio e o José Olimpio também. Hoje, as coisas mudaram muito, mas esses exemplos marcaram minha vida.”

Faculdade de Medicina “Peguei a faculdade muito no início. Era ainda uma escola particular. Comecei em 1973 e ela foi federalizada em 1978. Quando comecei a lecionar Medicina Preventiva era sozinho. Dei o curso inteiro, todo. Um curso que hoje é dado por uns 15 docentes. Era um desafio muito grande preparar todas as aulas, dividir as turmas, repetir as aulas. O Hospital das Clínicas estava engatinhando, tinha só um pavilhão com uns 36 leitos, se não estiver enganado.”

Unimed “Entrei como cooperado na Unimed no fim de 1973. Já fiz parte de várias diretorias tanto efetivas como do Conselho Fiscal. Na diretoria, comecei também bem novo, em 1975. Participei de outra gestão com o dr. Elias, depois várias vezes no conselho Fiscal e Conselho Consultivo onde estou atualmente.”

Aprendizados “A Medicina ensinou para mim que o principal, com toda tecnologia e recursos que existem é fundamental a relação médico e paciente.”

O médico tem que conversar, ser um cuidador do paciente. Às vezes vale muito mais uma palavra que muita medicação. Toda pessoa que está doente precisa de um apoio, de carinho, de atenção. Acredito que o médico tem que ter vocação, precisa gostar do doente, porque, se ele não gostar, vai ser um fardo muito grande passar noites, levantar no meio delas para cumprir sua obrigação. Aqui tem enfermeiros que me dizem quando venho de madrugada: “o senhor chega aqui sorrindo, cumprimenta a todos sorrindo, nunca vimos o senhor de cara feia”. Não mesmo, porque foi opção minha. Eu gosto da Medicina e gosto do Santa Clara.”

Fé ajuda “A fé ajuda muito. Têm surgido trabalhos que mostram que a pessoa que tem fé, que acredita, que reza, tem, às vezes, em uma mesma doença, uma sobrevida maior do que aqueles que se entregam. A vida é um mistério.”

Orgulho “O maior orgulho que tenho é da família que criei. Da minha esposa, que é uma grande companheira, de ter quatro filhos, de ter um neto. De ter amigos, alguns que preservo há mais de 50 anos. São valores perenes. O Santa Clara também significa muito para mim. Não só porque nasci aqui. Estou trabalhando aqui há 46 anos. Sinto-me muito bem com os médicos, muitos deles foram meus alunos e todos me tratam muito bem. Aqui é minha casa. Tenho muito orgulho de continuar trabalhando aqui, como também da universidade que a gente ajudou um pouquinho.”


Lola de Oliveira: escritora e pintora esteve em Uberabinha em 1923

1900-1930

VISITAS ILUSTRES Mulheres em Uberabinha: um olhar jornalístico Por JANE DE FÁTIMA SILVA RODRIGUES

R

esgatar a memória das mulheres na cidade de Uberabinha tem sido uma árdua tarefa. Faz-se necessário escutar os imensos vazios da documentação oficial e, sobretudo, a privação de fontes. De que modo as mulheres participaram da construção do município? Que influências as primeiras-damas exerceram nas decisões políticas de seus maridos? Como se desenvolveu uma rede de sociabilidade entre amigas, parentes e vizinhas? Quais foram os anseios e desejos de inúmeras mulheres uberlandenses? São questões que pouco perpassam pela documentação oficial gerada pelo município – jornais de época, atas da Câmara Municipal e de diversas entidades de classe e organizações. Buscar, muitas vezes, no silêncio dessas mulheres é reconstruir uma história de gestos, murmúrios e pequenas

confissões, o que tem sido possibilitado por outros suportes documentais, como fotos, iconografia e a história oral. A historiadora francesa, Michelle Perrot, em seus diversos estudos sobre o assunto, revela a grande dificuldade de se trabalhar a memória feminina. Para ela,“ no teatro da memória, as mulheres são sombras tênues”. Nesse sentido, através da atividade jornalística que floresceu na pequena Uberabinha, ainda na primeira década do século XX, nos deparamos com as incipientes notícias sobre o mundo feminino, muitas vezes fragmentadas e descontínuas, mas que apontam para uma inserção da mulher na esfera pública. As lacunas sobre a memória feminina impossibilitam um reconhecimento de sua participação no cotidiano da cidade e a torna invisível e silenciosa na reconstituição

de sua trajetória histórica e,que foi, até o momento, também incapaz de ser preenchida por diários, cartas ou mesmo entrevistas, em decorrência do recorte histórico. O jornal A Nova Era de 16/3/1907, nº 11, noticia a visita da Sra. Camilla Jeudy, “digníssima consorte do Sr. Ramiro Jeudy”, gerente da sucursal da Empresa Sul América Seguros, situada em Uberaba, vinda de Araguary onde estava a trabalho e, em Uberabinha, permaneceria para oferecer seguros. Apesar de uma nota breve, o jornal fez questão de noticiar essa visita, uma vez que a Sra. Jeudy de posse de um cartão do jornalista Tobias Antônio Rosa, visitara as dependências do periódico. Teria ela vendido algumas apólices de seguro na pequena Uberabinha? Como foi recebida como mulher e profissional? Viajava sozinha? Infelizmente são perguntas sem respostas. Pesquisas nos levaram ao Annuário de Minas Geraes: Estatística, História, Chrografia, Finanças, Variedades, Biografia, Literatura e Indicações, de 1906, p. 439***, com título Pseudonymos de Escriptores e Jornalistas Mineiros, o nome de Camilla Jeudy que usava o pseudônimo de Ridelina Ferrera e Illa (www.memoria.bn.br/ hdb/periódico). Infelizmente não localizamos nada sobre ela. Em 7/12/1912, o jornal O Progresso, nº 268, registra a presença da poetisa e professora goiana Leodegária de Jesus que, a convite de Honório Guimarães, viera participar da turma de diplomados da 1ª cadeira masculina de sua escola. O jornal escreveu: “ouvimos a sua vibrante palavra por espaço de uma hora mais ou menos, dominando o auditório”. Mais do que uma visitante, a família de Leodegária fixou residência em Uberabinha no ano de 1918, depois de ter passado por Jataí, Catalão e Araguari. Nascida em Caldas Novas,


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Leodegária de Jesus publicou Orchideas em 1928, quando vivia em Uberabinha

no dia 8 de agosto de 1889, faleceu em Belo Horizonte, no dia 12 de julho de 1978. Leodegária, com a mãe e as irmãs, fundaram o Colégio São José. Também ministrou aulas no Grupo Escolar Júlio Bueno Brandão, sob a direção de Lycídio Paes. Em 1928, publicou seu segundo livro, Orchídeas, quando ainda vivia em Uberabinha. Em 1924, o jornalista e diretor de A Reacção, Lycidio Paes, a convidou juntamente com Antonieta Villela a escreverem no jornal. Sendo o referido jornal de oposição ao governo estadual, a poetisa e professora foi desencorajada a publicar seus poemas, já que era funcionária pública e vinculada ao Estado. No quarto número do jornal A Reacção de 17/4/1924, encontramos um artigo de Antonieta Villela com o título “Dialogando...****”, onde simula uma conversa com Rosa (seria Leodegária?) sobre os meandros da política local. Em um dado trecho, Antonieta diz que a edição nº 3 do jornal publicou texto sobre a incoerência de um funcionário público escrever em um veículo de oposição ao governo do Estado. “Imagina Rosa – se eu fosse professora pública! Ai! Que medo eu teria de ser demittida, não?” Não localizamos nenhum poema de Leodegária de Jesus nos jornais de Uberabinha. Quando a poetisa e professora teria deixado Uberlândia? Qual foi o impacto de suas aulas no corpo discente? Quais foram as suas lembranças ao deixar a cidade? Perguntas sem respostas. O jornal A Notícia de 4/8/1918, nº 10, informa sobre a presença de Mme. Vachod, “que desde Barra do Piray vem em humanitária peregrinação promovendo festivaes em todas as importantes cidades em benefício da Cruz Vermelha Brasileira e dos órfãos da guerra”. Quanto teria Vachod arrecadado na cidade? Quais pessoas doaram? Perguntas sem respostas.

Após uma exaustiva pesquisa, localizamos no jornal Correio Paulistano (SP) de 4/4/1918 (https://100anosatras. wordpress.com/.../telegrammas-do-interior-taubate-queluz-e-cruz.), a seguinte notícia: “Solange Vachod, viúva de Louis Vachod, encontra-se nessa cidade [Guaratinguetá], e coadjuvada por diversas senhoritas da nossa sociedade, promoverá, na próxima quinta-feira, no Parque, um grande festival, em benefício da Cruz Vermelha Brasileira e dos órfãos francezes da guerra”. O jornal noticia Mme. Vachod em outras cidades, como Queluz e Taubaté. O jornal Correio da Manhã (RJ) de 30/8/1918, nº 7.125, traz a seguinte nota: “Cruz Vermelha do Brasil... de mme. Vachod, producto de festival realizado em Catalão Goyaz, 200$000”. (www.memoria.bn.br/ pdf089842/per/). Localizamos também que Solange e o marido foram proprietários da Fazenda Espuma em Vargem Alegre, Barra do Piraí no Rio de Janeiro. “Solange viveu até 1947 na Fazenda da Espuma quando faleceu. Metade da fazenda coube a seu filho Luis Henrique Vachod, que se formou pela Faculdade Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro, vindo a falecer em 1997”. (www.institutocidadeviva. org.br/inventarios/sistema/wpcontent/.../27_espuma.pdf.) Em 26/6/1921, o jornal A Tribuna, nº 94, comenta o falecimento de Josephina Panico que por dois anos aqui esteve como professora no Colégio Nossa Senhora da Conceição, ao qual “dava brilho do seu talento artístico imprimindo na alma de suas

alunnas os dotes atractivos da sua”. A nota expressava ainda que a morte da professora consternou em muito o círculo de sua amizade, descrevendo-a como “meiga, de uma afabilidade inexplicável, de um carinho próprio de educadora, reunindo à sua inteligência um preparo não comum ...”. Evidenciava também as exposições de trabalhos manuais e pinturas que fez na cidade. O que fez o círculo de amizade da referida professora em sua homenagem? Como suas alunas reagiram à notícia de sua morte? Perguntas sem respostas. As poetisas Lola de Oliveira e Andradina de Oliveira, sua mãe, aportaram em Uberabinha em 1923. O jornalista Lycidio Paes, dedica uma página inteira do jornal A Tribuna (7/1/1923, nº 173) a elas, sobretudo à recente obra lançada por Lola, “Amethystas”. “O livro é uma exaltação patriótica com que canta belezas naturaes da nossa terra”, escreve Paes, em meio a algumas críticas à métrica dos sonetos. Entretanto, ressalta o mérito da poetisa riograndense, pois exalta o heroísmo dos pampas na “colaboração preciosa da mulher na vida intelectual e política do paiz, alicerce à futura grandeza nacional”. Ao que nos parece, Lola e sua mãe ficaram em Uberabinha por alguns dias, pois A Tribuna de 14/1/1923, nº 174, veicula uma conferência a ser proferida por Andradina de Oliveira, com o tema “A mulher não é inferior ao homem”. Assim se refere a nota: “A brilhante intelectual, que goza de grande conceito na literatura nacional, dedica o seu trabalho às senhoras e senhoritas de Uberabinha, sendo de esperar que a nossa sociedade acorra com interesse para ouvir a sua palavra“. O que teria dito Andradina sobre um tema tão polêmico para a época? Como teria reagido o público feminino? Os homens participaram? As obras de


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mãe e filha foram lidas em Uberabinha? Perguntas sem respostas. No dia 29/1/1923, o jornal A Tribuna, nº 176, publica um artigo de Andradina de Oliveira intitulado “Atravez do Brasil – Impressões de Viagens”, contando sobre a criação do jornal literário Escrínio, que fundara em Bagé (RS) em 1898, que “vieram a colaborar as mais luminosas penas de norte a sul do Brasil”. Escreveu também que “nele iniciou-se a mais bella campanha feminista ao erguer um grandioso monumento em uma das praças de Porto Alegre à Annita Garibaldi, a denodada guerreira brasileira. Nas salas de sua redação criou-se também a Academia de Letras Riograndense”. Neste mesmo artigo, Andradina de Oliveira faz um manifesto de apreço à Leodegária de Jesus, poetisa de Goiás, elogiando o seu livro “Coroa de Lyrios”. Para termos uma noção sobre a época em que as duas escritoras estiveram em Uberabinha, que pelo censo de 1920 contava com 23 mil habitantes e, provavelmente o impacto de suas obras no cenário nacional, recorremos ligeiramente a algumas informações. Andradina América de Andrade e Oliveira (Porto Alegre, 12/6/1864 – São Paulo, 19/6/1935) foi uma jornalista, escritora, atriz, dramaturga e líder feminista. A maior parte da sua produção literária e jornalística foi dedicada aos direitos da mulher, com destaque para a coletânea de ensaios “Divórcio”, (1912?), na qual defende o divórcio “pleno”, para dar uma nova chance às mulheres subjugadas por casamentos infelizes. A obra lhe custou a perseguição da igreja Católica e dos positivistas. A discriminação que sofreu, a levou a sair de Porto Alegre com a filha, a pintora e poeta Lola de Oliveira, passando por Montevidéu, Buenos Aires, Assunção, Cáceres (MT) e Cuiabá. Nesse período, dava palestras remuneradas e vendia seus livros,

Leodegária de Jesus Sem poemas publicados nos jornais de Uberabinha

enquanto Lola ensinava pintura e comercializava suas telas. Lola de Oliveira (Porto Alegre 14/10/1889 – Rio de Janeiro 19/4/1965), filha da escritora Andradina de Oliveira, além de poeta, era romancista, memorialista, pintora e ativista cultural. Publicou mais de 30 livros, entre eles: “Saudades do Pampa”, “Alma Branca” e o romance “Passadismo e Modernismo”. Seu livro de estreia em 1918, foi “Minha Mãe – Memórias”. Em março de 1926, o jornal A Tribuna, nº 322, noticiou que a dra. Rachel Winitskowsky, passara por Uberabinha com destino à Morrinhos e Caldas Novas para fixar residência. No nº 326, do jornal, de 12/4/1926, a nota diz que era provável que a médica ginecologista fixasse residência por aqui, “pelas comodidades que a cidade oferece entre todas as localidades do Triângulo. Se tal acontecer desde já apresentamos parabéns a Uberabinha”. Ainda trouxe um currículo da médica: formada pela Faculdade do Rio de Janeiro com especialização em partos e ginecologia em Londres e pediatria, tendo ali permanecido por quatro anos. Na Alemanha fez vários cursos e, ao voltar para o Brasil, “priva com as mais altas sumidades médicas não só pela sua cultura profissional como pela inteligência robusta que possue”. Apenas estas duas reportagens sobre o assunto. Teria a dra. Rachel clinicado em Uberabinha? Para onde foi? Qual a repercussão de sua vinda à cidade? Perguntas sem resposta. Nossa insistência em localizar algo mais sobre o assunto nos levou ao jornal Correio da Manhã (RJ) de 8/12/1920, nº 7.952 (www.memoria. bn.br/), com a notícia da sua formatura: “mlle. Winitskowsky, revelou no seu tirocínio acadêmico, excelentes aptidões para a nobre carreira que abraçou. Tendo servido como

assistente do Instituto de Protecção à Infância, passou depois a ocupar idêntico posto no hospital Pró-Matre. Ambos esses cargos desempenhou com proficiência e zelo, obtendo dos mestres, sob cuja orientação trabalhou, merecidos e justos elogios”. Nenhuma notícia mais Em que pese, não termos encontrado notícias sobre a visita da poetisa mineira Julinda Alvim, o jornal A Tribuna, de 7/1/1937, nº 1.067, anuncia seu falecimento em Belo Horizonte, dizendo que ela deixara na cidade um grande número de amigas. O jornal menciona também que ela escrevera várias poesias, datadas de 1920, quando aqui esteve, dentre elas ‘Da Ponte’; ‘Ao Rio Uberabinha’ - soneto dedicado à Carmelita Cunha - e ‘Luar de Uberabinha’. A matéria afirma que Julinda morou em Uberabinha em uma chácara junto à ponte Arthur Bernardes e às tardes saía a percorrer as suas ribanceiras, ainda incultas. Não havia o Praia Club, conforme o autor do artigo. “Não existe, hoje, (1937) mais ali, ao pé da ponte, a grande Copahiba recurva, cantada por Julinda, mas foi dalli, daquela árvore que nasceram os pulos da rapaziada ao rio. Tantas vezes e tão sentimentalmente cantado por Julinda Alvim”. O jornal mencionou o livro escrito por Julinda, em 1917, “Saudades”, onde canta as belezas de Minas. O que veio fazer Julinda em Uberabinha? Quem foram suas amigas? Quais lembranças ela deixou, além dos poemas? A cidade preparou alguma homenagem a ela quando soube do seu falecimento? Perguntas sem respostas. Ao pesquisarmos um pouco mais sobre a vida da poetisa Julinda Alvim deparamo-nos com fragmentos sobre sua trajetória poética. O jornal Zaz


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Traz (Queluz de Minas), 14/10/1917, n. 1, (memoria.bn.br/pdf/848069/ per848069_1917_00001.pd),veicula uma nota sobre o livro “Saudades”, assinada por Félix D’Arruda. Diz ele: “Já li Saudades, o bello livro de Julinda Alvim. Como será este livro recebido pela verdadeira critica? Por emquanto, em rodas, sò tenho ouvido apreciações tolas sobre elle. - Estes idiotas ..., Esta poetiza tem um coração que pode ser visto por todo mundo: — nâo faz corar a ninguém, muito, ao contrário, deslumbra. Nâo guarda dentro delle desejos indomáveis e outras coisas — predilecções pelo coração das mulheres, a julgar pelos versos de certas poetizas”. Em seguida, o autor tece comentários sobre as partes do livro. No jornal Correio da Manhã (RJ) de 15/9/1925, nº 9.397, em entrevista o dr. Carlos Goés, presidente da Academia Mineira de Letras, disse: “há uma nova geração litterária em Minas, talentos promissores como: Baptista Santiago, Uriel Tavares, Julinda Alvim, Pedro Saturnino, Carlos Drumond, Lycidio Paes, dentre outros”. (www.memoria. bn.br/DocReader/holpage). Dois anos mais tarde, Julinda é consagrada a princesa das poetisas mineiras, conforme veiculado pelo jornal A Noite (RJ), 17/03/1927, p. 2, que trouxe a seguinte manchete: Minas elege os príncipes de sua poesia: “O jornal O Estado de Minas Geraes, realizou um concurso para escolher o príncipe dos

poetas das alterosas. O vitorioso foi Honório Armond, prof. do Gymnasio de Barbacena com 12.763 votos. O diadema de ‘Princeza das poetisas mineiras’, coube à srtª. Julinda Alvim, com 9.311, que reside em Belo Horizonte. O seu primeiro livro ‘Saudades’ recebeu os maiores louvores da crítica”. (www. memoria.bn.br/pdf/348970). Uma pequena biografia de Julinda Alvim pode ser encontrada no Dicionário Biobliográfico de Escritores Mineiros (Ed. Autêntica, 2010, 376 p.), organizado pela profª Constância Lima Duarte. Nasceu em Palmas, em fins do século XIX (não há data) e faleceu em Belo Horizonte no início de 1937. Jornalista, prosadora e poeta, seu livro “Saudades”, publicado em 1917 é uma obra romântica com temas sentimentais e religiosos, onde louva a natureza, a família, o amor, além de descrições campestres. Cândida de Brito, autora de “Antologia Feminina” (RJ, Tipografia Póllux, 1928, p. 94) declara que a arte de Julinda Alvim é “despida de roupagens requintadas. Entretanto, nos seus versos de encantadora simplicidade, sente-se a exuberância de um temperamento artístico.” Encontramos também uma poesia de Julinda Alvim em uma publicação espanhola, na Biblioteca Virtual de Andaluzia, “Traducciones poéticas: versiones de poetas brasileños (192-?)”, por Francisco Villaespesa, denominada “Sol”. A poesia está

datilografada(www.bibliotecavirtualdeandalucia.es/catalogo/.../registro. cmd?id). O livro “Astronautas do Além”, (www. files.comunudades.bet/portaldoespirito/09) psicografado por Chico Xavier, reproduz vários versos de Julinda Alvim. O que teria acontecido com a sua trajetória poética? O escritor Humberto Werneck, em “O Destino da Rapaziada. Jornalistas e escritores de Minas Gerais (1920-1970)”, Companhia da Letras, 2012, p. 27-28, assim se refere a ela “... de quem o tempo apagaria os versos e até mesmo o nome”. Assustador! O que aconteceu com as mulheres descritas pelos jornais de Uberabinha? Como viveram após as suas estadas na pequena cidade das décadas de 1910 e 1920? Por onde andaram? O que fizeram de suas vidas? Restaram apenas fragmentos, reminiscências. Que pena! Tomo aqui as palavras marcantes do poeta português Mia Couto para externar o meu sentimento como pesquisadora: “É o esquecimento e não a morte que nos faz ficar fora da vida”. Camilla Jeudy, Leodegária de Jesus, SolandeVachod, Josephina Panico, Lola de Oliveira, Andradina de Oliveira, Rachel Winitskowsky e Julinda Alvim, minhas homenagens.

*Pela Lei Estadual de 19/10/1929, passa-se a chamar Uberlândia. **Doutora em História pela Universidade de São Paulo e bacharel em Direito. ***Algumas transcrições estão no português da época e, por isso foram preservadas. ****Este foi o penúltimo artigo que encontramos de Antonieta Villela. Em uma carta à Lycidio Paes, data de 12/01/1924, ela desabafa ao “amigo” sobre as duras críticas que vinha recebendo de um advogado de Uberabinha, por isso deixaria de contribuir com o Jornal. (Inventário Lycidio Paes, CDHIS/UFU).


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Luiz Alberto Garcia e o pai e fundador da Algar Telecom, Alexandrino Garcia

Por ANTÔNIO PEREIRA

Alô, alô Uberabinha

A

telefonia chegou a Uberabinha em abril de 1911 por intermédio de, Lázaro Ferreira, que começou a fazer as instalações dos primeiros telefones. Seus postes eram tirados de árvores do cerrado, muito tortos e baixinhos. O jornal O Progresso criticou essas instalações dizendo que os postes eram risíveis e os fios serviam para as lavadeiras pendurarem as roupas para secar. Em julho de 1911, Ferreira inaugurou os serviços telefônicos que atenderiam no máximo a uns 30 assinantes. No mês seguinte, ele vendeu a concessão para uma firma de Araguari, Oliveira & Cia, que prometeu fazer ligações com Araguari. Seriam as primeiras linhas interurbanas da cidade. Em 1917, Oliveira passou a concessão para o português José Monteiro da Silva que só ficou dois anos com o negócio e passou-o para a firma Irmãos Teixeira, que era do Arlindo Teixeira Jr. e do Tito Teixeira. Nessa época, 1919, só havia cinquenta assinantes. Em 1932, Arlindo vendeu sua parte para o Tito Teixeira que montou a Empresa Telefônica Teixeirinha, individual. Essas concessões feitas pela Câmara Municipal tinham um prazo que, vencido, permitia nova concorrência. Até 1938, não houve concorrentes. Nesse ano, houve e quem ganhou foi a Cia Prada de Eletricidade, mas, como a lei permitia, Tito Teixeira refez sua proposta e permaneceu. Foi a Teixeirinha que instalou os primeiros telefones automáticos em Uberlândia e foi a pioneira em ter

esse serviço no Brasil Central. Foi ela também que conseguiu que a Companhia Telefônica Brasileira inaugurasse linhas telefônicas aqui em Uberlândia e conjugou-as com as suas. Então, pudemos falar com todo o Brasil, só que as ligações demoravam dias pra sair. A crise na Teixeirinha começa em 1949, quando Tito Teixeira pretendendo ampliar a rede conforme exigia o contrato de concessão, pediu um orçamento à Ericsson e à Câmara autorização para fazer uma nova tabela de preços. No fim de 1951 a Câmara autorizou a mudança na tabela, mas aí os preços dos materiais já eram outros e o aumento não resolveria. Começou um desentendimento entre a Câmara e a Teixeirinha. Sem saída, Tito tentou montar uma sociedade anônima e pensou em vender a empresa. Comunicou isso à Associação Comercial e Industrial, na época presidida por Alexandrino Garcia que iniciou um processo de formação de uma sociedade anônima para essa finalidade. Em janeiro de 1954, a nova sociedade anônima denominada Companhia de Telefones do Brasil Central, adquiriu a Empresa Telefônica Teixeirinha e no mês seguinte, fevereiro começou a era da CTBC. A empresa era presidida por Alexandrino Garcia e contava com mais 3 diretores, Elpidio Aristides de Freitas, Francisco Capparelli e Hélvio Cardoso. Em 1957, houve uma concorrida eleição na Aciub em que Alexandrino e Hélvio disputaram o controle da empresa. Alexandrino saiu vencedor e Hélvio

Cardoso decidiu lhe vender as ações que possuía. A nova diretoria continuou com Alexandrino na presidência, que chamou seu filho Walter Garcia para diretor financeiro e tinha Boulanger Fonseca e Silva como vice-presidente. Em 1960, o filho mais novo de Alexandrino, Luiz Alberto Garcia passou a fazer parte da diretoria, tendo sido o primeiro engenheiro da empresa. Alexandrino lutou contra todas as dificuldades, até mesmo superar a política estatizante do regime militar que queria encampar a empresa. Sua paixão era tão grande que, em depoimento em 1986, ele dizia: “Tinha vontade de parar de trabalhar aos 47 anos e aí surgiu a CTBC e nunca mais parei. Considero a empresa como se fosse minha e de minha não tem nada. Amanhã, vou embora e ela vai continuar aqui. Mas a trato como se fosse minha, parece que é um micróbio que entrou dentro do meu sangue e não quer sair”. A CTBC, hoje Algar Telecom, tem atuação nacional e graças à determinação, capacidade e visão de seu fundador, tornou-se a célula-máter do Grupo Algar. E foi responsável por dotar nossa cidade dos mais modernos serviços de telecomunicações, sendo Uberlândia berço de iniciativas, como o serviço celular pré-pago, redes de fibra óticas, telemedicina dentre outros. Em fevereiro deste ano, completou 65 anos de existência. Fontes: Atas da Câmara, jornais da época, acervo da Close.


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Temas sociais: para Kim Fernandes, “é importante passar uma mensagem, algo além da apreciação estética”

ARTISTA DA CAPA

Nas ruas da cidade Muralista e grafiteiro, Kim Fernandes conquista o público com pinturas realistas em vários bairros de Uberlândia Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

N

a década de 1990, o adolescente Marcos Ferreira da Silva era louco por desenho. Para ajudar a sustentar a casa, dedicou-se a trabalhos comerciais como letreiros, fachadas de lojas e desenhos. Dividia seu tempo entre o ensino regular na escola pública e as atividades profissionais, acalentando o sonho de crescer como artista. A partir do ingresso no curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Uberlândia surgiu Kim Fernandes, artista em busca de novas linguagens e experimentações. Kim descobriu-se muralista, técnica que fez com que se tornasse bastante conhecido em Uberlândia. São dele várias imagens realistas pintadas pelos muros da cidade. Kim faz questão de afirmar a diferença entre muralista e grafiteiro, embora se orgulhe de ser também confundido como expressão da segunda linguagem e tenha como meta a fusão das duas. A busca pela identidade artística,

segundo ele, veio da adolescência, com algumas boas referências obtidas na universidade, mas tem sido consolidada por meio de sua experiência como artista de rua, como prefere ser reconhecido. Para ele, o primordial foi o aprendizado técnico conseguido com os trabalhos comerciais que realizou. Nos tempos de estudante universitário, agregou o conhecimento de várias técnicas, mas considera que as descobertas artísticas vieram, de fato, de sua experiência prática. Depois de formado, Kim tentou unir sua ambição artística com alguma profissão rentável. Investiu em uma loja de decorações e festas infantis, onde criava e produzia ambientações temáticas. Durante um período, segundo ele, foi um grande sucesso e chegou a fornecer seus produtos para o país inteiro. Mas, como ele relata, a derrocada do negócio veio quando este tipo de mercado foi invadido por séries impressas, que,

pela lógica, tinham um custo inferior. Mas, ele não chega a lamentar o golpe do mercado, que considerou mais um golpe de sorte para lhe abrir o caminho para a realização artística. Kim Ferreira começou a “arte de rua” com o grafite, no sentido popular que se resume no emprego de tinta spray, e com a aerografia, que utiliza aerógrafo e compressor de ar. Ele tinha vontade de desenvolver um trabalho autoral, mas se sentia “escravizado” pela tendências do mercado. A partir de 2014, com o fechamento da loja, dedicou-se a isso. Percebeu a linguagem do grafite crescendo na cidade e viu ali a possibilidade de ter o seu diferencial. Foi quando fez o seu primeiro mural, no bairro Saraiva, com o tema “abandono de cães”. Bem próximo a este muro, ele fez outro com o tema “Vitiligo”, que muitos confundiram com racismo. Os trabalhos são bastante realistas, algumas pessoas pensam que a técnica utilizada foi a aerografia. Acabaram tendo muita visibilidade e reverberando bastante nas sociais. Coincidentemente, no mesmo período, aconteceu o lamentável episódio de uma mulher ter sido humilhada, vítima de preconceito racial, em uma festa de formatura por estar utilizando um turbante. Uma jornalista relacionou o mural ao acontecimento e o seu trabalho tornou-se ainda mais conhecido. E assim as portas se abriram, não


56 1º tema: mural contra o abandono de animais

Trabalhos na cidade •B airro Saraiva – Rua São Francisco de Assis [Cachorro, Mulher com Vitiligo] •B airro Saraiva – Escola Joaquim, Saraiva [Ghandi] •B airro Brasil – Avenida Cesário Alvim-Rua São Paulo [Cachorro] •B airro Granada – Rua Geraldo Abrahão com Alípio Abrahão [Morador de Rua] •B airro Custódio Pereira – Escola João Resende [Santos Dumont] •B airro Tibery – Avenida Uai Tibery [Raul Seixas] Kim Fernandes: “É maravilhoso ter a arte nas ruas, acessível a todos” apenas para o mercado, mas também para o intercâmbio com outros artistas que usam a mesma linguagem. Em meados de 2016, participou de uma “batalha de grafite” na cidade, começou a pintar com outros artistas e aprendeu bastante sobre a linguagem e seus desdobramentos, como hip hop, break, MCs e batalhas de rima. À medida que foi conhecendo o universo, viu o seu trabalho sendo transformado. Destes trabalhos, surgiram propostas com perspectivas de retorno financeiro, como uma série contratada por um advogado, como o tema “abandono de animais”, além de painéis em escolas com a imagem de figuras representativas da educação, como a menina Malala. A partir destes trabalhos, o artista viu crescer a necessidade de trabalhar as temáticas sociais. “É maravilhoso ter a arte nas ruas, acessível a todos que queiram apreciá-la. Mas, é importante também passar uma mensagem para as pessoas que a veem. Algo além da mera

apreciação estética”, explicou Kim. Apesar de a guinada na carreira ser relativamente recente, Kim já tem experiências expressivas na área. No meio deste ano, participou de um evento no Espírito Santo, onde fez um muro em homenagem a Nelson Mandela. No ano passado, foi um dos quatro artistas selecionados no concurso “Vivência em Pintura”, promovido pelo 36º BIMtz de Uberlândia, com trabalhos expostos na galeria de arte Ido Finotti. No mês passado, estava na exposição coletiva “Somos”, que reuniu 20 artistas grafiteiros na galeria de arte do espaço cultural do Mercado Municipal de Uberlândia. Kim Ferreira almeja crescer bastante em sua arte e não descarta a possibilidade de incursões internacionais. A julgar pelos espaços e reconhecimento conquistados em curto espaço de tempo, isso não será muito difícil. “Ainda não tive essa experiência, mas quero que meu trabalho cresça e, se possível, alcance também proporções internacionais”, disse o artista.

•B airro Roosevelt - Escola Polivalente, Grande Otelo •B airro Planalto - Escola Teotônio Vilela [Questão indígena] •B airro Shopping Park – CEU Shopping Park [Crianças] •B airro Pampulha - Escola Hercília Martins Resende [Origami] • Bairro Morumbi – Escola Morumbi [Racismo] •B airro Martha Helena – Escola Presidente Tancredo Neves, [Racismo]

Trabalhos Comerciais • Cães – Agrofaro • Malala – Colégio Nacional-Unidade Rondon • Martin Luther King – Colégio Nacional-Unidade México • Papa - Paróquia Santa Mônica


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PETRA


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Colégio Brasil Central, referência do ensino em Uberlândia, por décadas

COLÉGIO BRASIL CENTRAL

Meus professores em Uberlândia As boas recordações de um aluno de muitos anos Por EVANDRO GUIMARÃES DE SOUSA

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studei no Colégio Brasil Central de Uberlândia do primeiro ano Primário ao terceiro Científico há muitos anos. Interessante é que ainda me lembro dos professores que tive e das características de cada um deles, como também de alguns personagens que trabalhavam na administração da escola. Meus tios Lia e Manoel Thomaz eram os diretores do colégio e dedicavam grande entusiasmo à sua administração. Tia Lia estava sempre presente, desde a abertura do portão de entrada, pela manhã, até a saída do último alu-

no dos cursos noturnos. Será que algum colega daquele tempo ainda se recorda do Tenente “Cobra”? Sempre de terno jaquetão e gravata e com sua costumeira cara fechada, era responsável pela manutenção da ordem entre os alunos. O Tio Hamilton, que trabalhava na secretaria do colégio, estava sempre sisudo também com seu terno jaquetão e um prendedor de gravata em forma de chicote de jóquei com uma ferradura fixada no centro. Imaginem que ele era tão sério que, mesmo sendo meu tio, me tratava de maneira muito

formal como fazia com todas as outras pessoas. Minha primeira professora foi a Lelena que, preocupada com meu desempenho durante as aulas, verificou que eu só conseguia enxergar o quadro negro quando estava com o nariz quase colado nele. E aí, descobriu que eu era míope. E a pobre Dona Alfredina, professora de Canto Orfeônico, que era atormentada por nossas vozes desafinadas. Fazíamos assim só para não participar das apresentações anuais promovidas por ela no colégio. E o Padre Antônio? Aliás, já era expadre naquele tempo. Chamava nossa atenção duas de suas características: o uso do terno escuro sem gravata e o quanto fumava durante todas as aulas que ministrava de Português e Latim. Pois é, naquela época não era proibido o tabagismo em público. Já a Dona Lolita, professora de Francês, era muito alegre e comunicativa e morava em frente à antiga rodoviária, que ficava bem próxima do colégio. Lembro-me da Dona Ione, professora de Inglês, que estava sempre vestida com muita elegância e do Marcel


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Galeria dos renomados professores do Colégio Brasil Central Capiberibe, grande conhecedor da língua portuguesa, de quem guardo esta frase pronunciada em uma de suas aulas: “A mim não me faz mossa que claudique o muar, o que me apraz é acicatar-lhe as ilhargas.” E o que significa numa linguagem mais popular? Eu explico: não me importa que a mula manque, o que eu quero é rosetar! O Célio Gontijo, professor de Matemática, era um engenheiro que veio de Belo Horizonte. Lembro-me dele almoçando no Bar Brasil e tomando uma cervejinha durante a refeição. Nós fomos lá discutir sobre algumas questões de prova e, pela primeira vez, vi alguém fechando a boca da garrafa com a tampinha, já que havia mosquitos à beça sobrevoando a mesa do bar! O prof. José Melgaço, de História, tornou-se inesquecível pois sempre começava as suas aulas da seguinte maneira: “Os índios viviam da caça e da pesca...” Como me lembro da prof. Cecília, sempre caminhando apressada com passinhos miúdos para o início das aulas de Geografia, ajustando os seus

óculos de grau! E como esquecer do prof. Thales, que ministrava aulas de Educação Física no Uberlândia Tênis Clube, pedalando a sua bicicleta pelas ruas da cidade? E o prof. Paulo Lisboa, de Química, tão temido pela sua exigência e pelas notas baixas conferidas a vários alunos durante o ano letivo? Por inúmeras vezes, os estudantes revoltados esvaziaram os pneus do seu carro e ele sempre levava na esportiva, sem se estressar com estes episódios. Lembro-me, ainda, do prof. Chafi que escrevia equações intermináveis no quadro-negro e nos cobrava a tábua de logaritmos que ele sabia de cor e sapateado! Muito interessante foi um episódio nosso com o Kazuto Kavamoto, professor de Biologia. No último ano do Científico, comandados por este professor, fomos à noite apanhar sapos na chácara do Sr. José Cunha, para aulas de dissecção e experiências em Fisiologia. O dono da chácara só permitiu a caçada, por ser amigo e vizinho dos meus pais e com a nossa promessa solene de não pisar nos canteiros de verduras! Foi muito interessante todos

nós com lanternas nas mãos, pegando os sapinhos e colocando-os num saco de aniagem. Quando fomos conferir o resultado da aventura, verificamos que havia mais rãs do que sapos, o que rendeu um belo jantar na casa do colega Cabral, um verdadeiro banquete preparado por sua mãe. Lembro-me com saudades do Wilton Jorge, professor de Física, que se tornou um grande amigo e me preparou para o vestibular. Graças a ele fui aprovado para o curso de Medicina da Faculdade de Ciências de Minas Gerais. Com uma menção especial, destaco a Dona Clara Faria, professora de Inglês, cuja escolinha era localizada na Av. João Pinheiro, em Uberlândia. Recordo-me de suas aulas, dos cartazes em cartolinas, das músicas que cantávamos: “Mary has a little lamb. One little, two/Three little Indians...” Durante as aulas só podíamos conversar em inglês: “Miss Clara, please. May I drink some water?” Por ser uma pessoa muito especial, Dona Clarinha nos ensinou muito mais do que o Inglês: foram verdadeiras aulas de cidadania que recebemos naqueles bons tempos. Atualmente, não mais existe a casa onde funcionava a escola da Dona Clarinha, que foi substituída por um grande prédio. Da mesma forma, não há mais o Colégio Brasil Central. Entretanto, passar em frente a estes locais me traz recordações alegres dos anos que vivi com meus colegas e professores. Infelizmente, vários já não se encontram mais entre nós. Quem sabe possamos, um dia, nos reunir para lembrar daqueles anos dourados de nossas vidas! Quem acreditar, com certeza, participará!


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Júlio César de Oliveira entre colegas e livros na Livraria Cultura, que fechou as portas na década de 1980

DEU NO JORNAL

Livrarias fecham suas portas Triste, autor recorda da loja que marcou sua “insignificante existência” Por JÚLIO CÉSAR DE OLIVEIRA

A

pós uma noite extenuante de trabalho, cheguei ao meu apartamento trazendo os raros jornais impressos que ainda circulam e que poucas pessoas conhecem ou ainda leem. Ao lê-los, fiquei sabendo que o número de livrarias e papelarias no país encolheu 29% nos últimos dez anos. Dos 52.572 estabelecimentos existentes no período, 21.083 encerraram suas atividades. Livrarias tradicionais como a Saraiva e a Cultura, fundadas respectivamente em 1914 e 1947, fecharam lojas e demitiram funcionários. Para os especialistas, diversos fatores explicam a crise do setor, entre eles, a recessão econômica do país, o baixo índice de leitura dos brasileiros e o

crescimento da leitura em dispositivos digitais. Triste com as notícias, lembro dos empregos que tive nas três livrarias existentes na cidade na década de 1980: Cultura, Fimac e Pró-Século XXI. Recordo com carinho da primeira. Localizada na avenida Afonso Pena, 31, a Cultura foi fundada por Gabor nos anos 1970 e vendida ao estudante de Psicologia Manoel Couto em 1980. Os livros eram comprados por telefone ou através de representantes que, com suas malas repletas de catálogos, visitavam esporadicamente a cidade. A livraria comercializava obras proscritas pela Ditadura Civil-Militar de 1964, como romances, livros técnicos de engenharia e discos (LPs) de compo-

sitores independentes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Cida Moreira e Elomar. No seu pequeno espaço frequentado por estudantes, professores, artistas e intelectuais, eram realizadas discussões políticas sobre o processo de redemocratização e a necessidade de políticas públicas na cidade voltadas para a arte e a cultura. No final dos anos 1980, a livraria fechou as portas. Como disse, anteriormente, dela recordo-me com carinho. Nela tive, pela primeira vez, minha carteira de trabalho assinada. Na Cultura estabeleci contato com os livros, com discos e pessoas que transformaram para sempre minha insignificante existência.


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OPEN


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Xavantinho e Pena Branca: dois uberlandenses de raiz, que cantaram a cultura da cidade em todo o Brasil

PENA BRANCA E XAVANTINHO

A fusão entre a viola caipira e a música popular Dupla de Uberlândia faz o casamento perfeito entre a cultura caipira e música popular de alta qualidade Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

É

uma história de arrepiar. Dois irmãos e a viola caipira. Do trabalho de boia fria à fama internacional e a consagração de um deles com o prêmio Grammy. Um duo que cantava as Folias de Reis levou cantos sagrados da cultura popular para os palcos globais. Depois de Grande Otelo e antes de Alexandre Pires, Pena Branca e Xavantinho representam o patrimônio cultural de Uberlândia, conterrâneos inestimáveis que levam o nome da cultura da cidade

para os quatro cantos do país. Os irmãos José Ramiro Sobrinho, na verdade natural de Igarapava, e Ranulfo Ramiro da Silva, uberlandense, antes de serem respectivamente Pena Branca e Xavantinho, foram “Peroba e Jatobá”, “Barcelo e Barcelinho” e “Xavante e Xavantinho”, no início de carreira no final dos anos 1950 e ao longo de 1960, antes de irem tentar a sorte em São Paulo. A sorte chegou para valer apenas nos anos 1980, quando uma das vozes mais cristalinas do Brasil de um dos

melhores compositores do País tornou a dupla conhecida em todo Brasil. Ao lado de Milton Nascimento, Pena Branca e Xavantinho gravaram a canção “Cio da Terra”, parceria dele com Chico Buarque de Holanda.

Do campo à cidade José Ramiro e Ranulfo vieram de uma família simples, de sete irmãos, que batalhavam seu sustento como serventes ou pedreiros, em Uberlândia, e o trabalho nas fazendas da região. O trabalho se dividia em temporadas nas obras da construção civil, nos campos e na Charqueada (ou Frigorífico) Ômega. Mas a dupla, além de trabalhar, também sabia cantar e sentia grande prazer na cantoria. Em um domingo de 1958, (Pena Branca tocava mal o violão e Xavantinho nem sabia tocar), cantaram no programa de auditório da Rádio Educadora de Uberlândia, grande celeiro de talentos da cidade. Causaram boa impressão no apresentador do programa, que os convidou para retornar no domingo seguinte. Saíram de lá batizados pelo radialista como “Peroba e Jatobá” e retornaram uma semana depois como “Barcelo e Barcelinho”. Na década que se seguiu, passaram a cantar com mais frequência em apresentações públicas. Em 1968


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Pena Branca com Tarcísio Mano Véio no Bem Brasil da TV Cultura de São Paulo conhecidos em Uberlândia, como Luiz Salgado e Tarcísio Mano Véio, que tornou-se uma espécie de produtor de Pena Branca em sua carreira-solo, até ele falecer em 2010, aos 70 anos. Como cantor-solo, Pena Branca também se destacou, mas nunca escondeu a saudade e a falta que lhe fazia a parceria com o irmão mais velho. mudaram-se para São Paulo com o objetivo de se fazerem mais conhecidos no meio musical. Pena Branca lembra que foi uma ilusão imaginar que a carreira seria fácil. Não bastava chegar a São Paulo para que a carreira decolasse. O sucesso só chegou mesmo a partir dos anos 1980, com a classificação da música “Que terreiro é esse?”, de Xavantinho, para as finais do “Festival MPB Shell”, na Globo. No mesmo ano, depois de mais de uma década de espera, a Warner lançou o primeiro LP da dupla, “Velha morada”. Nele, “Cio da terra”, de Chico Buarque e Milton Nascimento, um clássico da música brasileira. No ano seguinte, a dupla participou do programa Som Brasil, na TV Globo, apresentado por Rolando Boldrin, que produziria o segundo LP, “Uma dupla brasileira”, e que atuaria com eles em shows pelo país inteiro. No final da década, em 1987, já como dupla respeitada como representantes da chamada “música caipira de raiz”, Pena Branca e Xavantinho lançaram o LP “O cio da terra” (Continental), com participação de Milton Nascimento, Marcus Viana e Tavinho Moura, destacando-se “Vaca Estrela e boi Fubá” (Patativa de Assaré) e “Cuitelinho” (folclore recolhido por Paulo Vanzolini). Em 1988, lançaram o LP “Canto vio-

leiro” (Continental), com participação de Fagner, Tião Carreiro e Almir Sater, com “Mulheres da terra” (Xavantinho e Moniz). Estava consolidada no trabalho de Pena Branca e Xavantinho a fusão entre a viola caipira e outras correntes da música popular. Mas, se a década de 1980 foi decisiva para a conquista do público e do mercado fonográfico, o melhor ainda estava por vir. Em 1990, ganharam o Prêmio Sharp de melhor música (Casa de barro, de Xavantinho e Moniz) e melhor disco (“Cantado do mundo afora”). Em 1992, os CDs “Renato Teixeira e Pena Branca e Xavantinho ao vivo em Tatuí” (Kuarup) recebeu o Prêmio Sharp de melhor disco e o Prêmio APCA. Ainda na década de 1990, gravaram outros quatro LPs,conquistando fãs em todo o país com músicas como “Viola quebrada”, de Mário de Andrade, “Luar do sertão”, de João Pernambuco e Catullo da Paixão Cearense, “Tristeza do jeca”, de Angelino de Oliveira e “Flor do cafezal”, de Luís Carlos Paraná. Foi quando fizeram as primeiras incursões internacionais, como uma série de shows nos Estados Unidos. O fim da década de 1990 marcou, porém, o desfecho da bela história da dupla, quando Xavantinho morreu em 1999. Pena Branca viveu mais 11 anos, tocando com músicos bastante

Dupla de raiz Pena Branca e Xavantinho eram muito espontâneos. A dupla ficou cinco anos sem gravar, nos anos 1980, quando começava a tornar-se famosa no país inteiro, porque não aceitou o pedido da gravadora por mudanças para se adequar ao mercado sertanejo que começava a crescer. Quando Pena Branca, em 2001, ganhou o Grammy Latino com o álbum “Semente caipira” (o primeiro gravado depois da morte do irmão) ligou para Sérgio Reis, contando que tinha recebido uma carta dizendo que ele tinha “ganhado um tal de Grammy”. Pena Branca e Xavantinho eram autênticos em sua expressão pessoal e musical. Com simplicidade caipira imortalizaram também interpretações de canções como “Cálix Bento”, “Cuitelinho” e “Chuá, Chuá”, que até hoje comovem e alegram a vida de todos os brasileiros. Pena Branca Com a morte de Xavantinho, Pena Branca passou a ter contatos mais frequentes com músicos de Uberlândia. Tarcísio Mano Véio produzia o show Trem Caipira, no


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Pena Branca com Gilberto Gil e Tarcísio Mano Véio. Abaixo em show com Luiz Dillah ArmaZen Cultural, quando soube da morte de Xavantinho. Fez um tributo ao músico no espetáculo. Na ocasião, Pena Branca estava produzindo o CD “Semente Caipira” e sugeriu que o lançamento do CD fosse em Uberlândia. Tarcísio recrutou os músicos do tributo para o show de lançamento no Teatro Grande Otelo. Pena Branca passou a ter contato com músicos de outras gerações, como Luiz Dillah, Naldo Luiz, Hamilton Farias, Rogério Motta, Márcio Fernandes e o percussionista Alegria. A partir do show, Tarcísio começou a ser uma espécie de produtor musical de Pena Branca. Ele lembra dos bons projetos do período, como a circulação do show “Semente Caipira” por várias regiões do país. “A gente deve ter ido em pelo menos metade dos 853 municípios de Minas Gerais, ao longo de dez anos”, disse Tarcísio. “Sempre me marcou muito a simplicidade de Pena Branca. Ele parecia não ter noção da grandiosidade e do quanto era conhecido e respeitado no país. Era comovente.” Nos últimos três anos da vida de Pena Branca, Tarcísio, por outros compromissos profissionais, não esteve em todos os shows do cantor. “Mas, o último show que ele fez, foi conosco, na Universidade de Catalão, no final de dezembro de 2009. Em seguida, tirou um tempo para descansar e morreu no início de fevereiro”. Tarcísio Mano Véio adquiriu um terreno no distrito de Cruzeiro dos Peixotos para instalar o Memorial Pena Branca e Xavantinho. Diante de dificuldades burocráticas e financei-

ras, decidiu adiar o projeto. Tarcísio, entretanto, continua na torcida para que a cidade faça alguma coisa para apoiar a preservação da memória de uma dupla que merece reconhecimento. Em Uberlândia, no bairro Patrimônio, o músico foi homenageado com a “Folia de Reis Pena Branca”. “Ele era um tipo de padrinho da Folia. Antes de morar em São Paulo, Pena Branca vivia no Patrimônio e ali manteve muitas relações de amizade e afeto. Para homenageá-lo, deram seu nome a um terno de Folia”. Para o músico Luiz Salgado, Pena Branca e Xavantinho representam o que de melhor poderia surgir na música caipira. “Acho a dupla genial, e entre muitos aspectos dessa genialidade, destaco um: eles inovaram e gravaram compositores, que não eram conhecidos no universo da música caipira. Cito Milton Nascimento, Chico Buarque, Djavan, Caetano Veloso, Guilherme Arantes, Tom Jobim, Paulinho Pedra Azul, entre tantos outros”, diz Luiz. Ele lembra também como

ficou impressionado com Pena Branca interpretando uma uma versão de “What a Wonderful World”, imortalizada por Louis Armstrong. “Tive a honra de assistir a um show da dupla, talvez o último, com Saulo Laranjeira, ainda no ano em que Xavantinho faleceu. Eu estava iniciando na música, e ver a dupla que sempre admirei, bem de perto, foi algo que jamais esqueci”, disse Luiz. Luiz Salgado, a convite de Tarcísio Mano Véio, participou de um show com Pena Branca para comemorar a entrega do prêmio Grammy Latino. “Foi no começo de 2002 e tive a hora de participar do espetáculo, já que fazia parte do grupo do Mano Véio, que posteriormente passou a se chamar “Grupo Viola de Nóis”. Luiz também produziu um show com Pena Branca em sua cidade, Patos de Minas, “Na época desse show em Patos, convidei Pena Branca para participar do meu primeiro CD, “Trem Bão” (2003), e ele aceitou de prontidão”, lembrou Salgado.


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Bistrô da Praça: com todo carinho de Andréia Bernades e Robson Souza Borges

ARQUITETURA

Beleza d’além mar Casa vira bistrô e preserva painel sobre tradição lusitana Por MOABE ESTEVES

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ma residência, projetada por um dos mais renomados arquitetos de nossa cidade, preserva todo seu charme e beleza, recebendo agora destinação com nova finalidade. Sua construção segue a linguagem moderna na região, influenciada principalmente pela construção de Brasília. O arquiteto responsável pelo projeto, João Jorge Cury, é reconhecido como arquiteto-mestre por ter fundado a primeira escola de arte de Uberlândia.

A casa foi construída por um empresário pioneiro na comercialização de veículos, Oswaldo Garcia. Membro de uma família portuguesa herdou a paixão pela cultura lusitana e pediu que o projeto contemplasse um painel que retratasse suas origens. Trabalho feito e assinado pelo artista Geraldo Queiroz, que, pacientemente desenhou um quadro, transferiu-o para mosaico e colou peça por peça. Realizada em 1956, a pintura ilustra e evidencia a ascendência europeia no Brasil.

A obra apresenta figuras vestidas com trajes típicos da região dos pais de Oswaldo Garcia em movimentos de dança. Arcos fazem alusão a um teatro existente em Lisboa e a edificação ao fundo tem estilo clássico. A figura central retrata um vendedor, que remete para a importância do comércio para os negócios familiares. Para preservar e por reconhecer seu valor cultural, o painel é tombado como patrimônio histórico pelo Comphac – Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Cultural desde 2011. Com todo carinho, respeito e admiração a designer de interiores Andréia Bernardes cuidou dos detalhes para ajustar o imóvel à sua nova destinação, o “Bistrô da Praça”. Tanto ela quanto os proprietários do estabelecimento se sentem honrados em poder ajudar a preservar e fazer parte deste importante capítulo da história arquitetônica de Uberlândia.


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Finalmentes... UMA NOITE COM MUITAS HOMENAGENS

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o evento de lançamento da edição número 15 do Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre, dia 23 de agosto no Centro Cultural Fogão de Minas, aconteceram novas homenagens. Como sempre muito simples, despojadas de formalidades, mas autênticas e merecidas. *** O médico Norival Gomes Rodrigues, referência da Medicina em Uberlândia, foi um dos agracia-

dos com um autodesenho, criação do artista José Ferreira Neto.

Acima: homenagem ao dr. Norival Gomes Rodrigues. Abaixo: homenagem ao historiador Antônio Pereira da Silva

*** Outro foi o historiador e grande colaborador do Almanaque e do programa de TV Uberlândia de Ontem e Sempre, Antônio Pereira da Silva. Duas personalidades de grande contribuição nas suas respectivas áreas, que são fonte de inspiração para quem reverencia o valor da nossa gente.

“BODIM” HOMENAGEADO NO RACHA DOS VELHOS MALANDROS

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a edição 7 do Racha dos Velhos Malandros, realizada no dia 6 de novembro no clube Cajubá, além dos craques Dante e Hugsmar, fizemos uma homenagem surpresa a um dos mais assíduos desportistas do clube, Eduardo Jorge Hubaide, o conhecido Bodim. Hubaide tem sua história ligada ao Cajubá, onde já foi presidente e diretor social. Apesar da pequena estatura, ele joga

e é o responsável pelo racha de basquete que existe no clube há 22 anos. Nossa homenagem foi por Bodim ser uma das principais referências de ”conduta esportiva e social” de nossa cidade, como destacou Celso Machado durante o evento. O quadro com sua caricatura (foto) foi entregue pelo atual e pelo ex-presidente do Cajubá, Fernando Antonio e Paulo Roberto, respectivamente.


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