Ed. 20 - Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre

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Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 10 • NÚMERO 20

A arte das fiandeiras uberlandenses

SETEMBRO • 2021




Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 10 • NÚMERO 20

ISSN 2526-3129

AGOSTO• 2021 AGOSTO

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A arte das fiandeiras uberlandenses

Sumário ESPORTE NOSSA CAPA

Obra do artista uberlandense Henrique Lemes, radicado há 29 anos na Alemanha HISTORIADORES

• Antônio Pereira da Silva • Jane de Fátima Souza Rodrigues • Júlio Cesar de Oliveira • Oscar Virgílio Pereira

UTC O BERÇO DO ESPORTE UBERLANDENSE

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MODA DANI ROTELLI, TOP MODEL COM PEGADA ECOLÓGICA

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DIREÇÃO GERAL

Celso Machado

CULTURA

PROJETO GRÁFICO

CREUSA RESENDE, SUA TRAJETÓRIA

Antônio Seara

PELA EDUCAÇÃO, CULTURA, CAUSAS

PESQUISA E REPORTAGEM

SOCIAIS E ESPIRITUALIDADE

COLABORAÇÃO

ARTE

Carlos Guimarães Coelho e Celso Machado • Ademir Reis • Ademir Reis • Cristiana Heluy • Carlos Magno D’Armada • Carlos Roberto Viola • Gilberto Gildo de Oliveira AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

• Camila Araújo • dr. José Humberto Afonso • Márden Balduino Silva • Núbia Mota • Orley Moreira • Odival Ferreira • Patrícia Silva de Sá • Paulo Henrique Petri • dr. Ricardo Lourenço • Simone Siquierolli FOTOGRAFIAS

• Acervos Arquivo Público • Acervos pessoais • Grupo Fotografia de rua • Jane de Fátima Barbosa • Oscar Virgilio Pereira REVISÃO

Clarice Vitorino Finalização, ilustrações e tratamento de imagens José Ferreira Neto IMPRESSÃO

RB Digital AGRADECIMENTOS

• Ady Torres • José Geraldo Gomes • Maria Eduarda Esteves • Pascoal Lorecchio • Pedro Eduardo Machado • Rosilei Ferreira Machado • Taisa Ferreira Machado

PROJETO EDITORIAL

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HENRIQUE LEMES, O ARTISTA UBERLANDENSE RADICADO NA

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ALEMANHA PERSONAGEM

DANTAS RUAS, EU DESTACO VOCÊ!

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SAÚDE

DR HENRIQUE GARCIA, 50 ANOS DEDICADOS A MEDICINA

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MEMÓRIA

O CENTRO DE TECELAGEM E SUAS MEMÓRIAS

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O ponto vencedor vem com a precisão da batida.

E isso depende de uma boa visão. ISO Olhos.

Tecnologia e cuidado garantindo a saúde da sua visão.

Matriz Uberlândia: Rua Eduardo Marquez, 50 (34) 3230-5050 | (34) 9 9668-9654 Jardim Patrícia: José Fonseca e Silva, 1333 (34) 3230-5000 | (34) 9 9668-9654


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Pra começar...

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sta vigésima edição do Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre inicia uma nova década na existência desta publicação. Importante registrar a sua relevância, prestígio e aceitação, tanto na versão impressa quanto na virtual, a quantidade, diversidade e riqueza dos conteúdos levantados e publicados. A colaboração dos parceiros historiadores, dos artistas que produziram ou cederam obras para as capas, de órgãos ligados à cultura e memória da cidade, aqueles tantos que contribuem com fotos e registros de seus acervos particulares. Todos aqueles que nos estimulam a dar sequência a este trabalho no qual, muitas vezes, a paixão fala mais alto do que o apoio para sustentar os custos de sua produção. Faz parte, costumo dizer que se fosse fácil, não precisaria de estarmos fazendo, já estaria pronto. Outra questão muito gratificante desses 10 primeiros anos de existência foi podermos homenagear, em vida, personagens tão relevantes da história de Uberlândia. Muitos já se foram, mas receberam presencialmente o carinho e admiração de toda cidade pelo que contribuíram com ela. Interessante relembrar que no lançamento da primeira edição, não foram poucos os que nos provocaram comentando que Uberlândia era uma cidade que pouco valor dava a sua história. Engano. Todos aqueles que a amam, nascidos aqui ou não, são fascinados pelos aspectos de sua trajetória, de seus personagens, curiosidades e registros. Agora o que mais nos motiva é que o Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre não é uma revista factual, que registra o momento, mas uma publicação atemporal que não perde sua atratividade. Não envelhece, nem fica ultrapassado. Pelo contrário, com o passar dos anos ganha em relevância e valor. Precisa de estímulo maior para lhe dar continuidade? Obrigado a você, que de uma forma ou de outra, é um coautor desta publicação. Até a próxima. E que em 2031 estejamos completando mais uma década de vida. CELSO MACHADO Engenheiro de Histórias


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8 UBERLANDICES

PASTEL SEXAGENÁRIO Craque do Barcelona e Real Madrid foi técnico do UEC Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

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Cruzeirinho Pastéis, que já foi o Armazém Cruzeirinho, guarda as histórias de várias gerações em manhãs e tardes com clientes de todas as idades, dos que frequentam desde anos atrás a jovens estudantes das escolas dos arredores, todos para degustar a variedade de recheios da massa e os salgadinhos para festa, preferencialmente acompanhados do guaraná Mineiro. Coisa boa é a cidade crescer e manter essas tradições, esses espaços que, embora renovados, são mantidos no calor da amizade e não perdem a essência acolhedora do tempero com afeto. O Armazém Cruzeirinho foi fundado por Valter Thiago de Sá em 1957, mudando-se para o endereço atual na avenida Floriano Peixoto, 3252 em 1962. Desde sempre é um negócio familiar. Valter aposentou-se no início dos anos de 1990. A filha mais nova, Valéria, assumiu o negócio, transformando-o gradualmente em lanchonete, mas ainda mantendo alguns secos e molhados. A partir de 2001, o comando passou para a irmã Walquíria, transformando o espaço exclusivamente em lanchonete, tendo os pastéis como principal produto. E cada nova geração finca raízes nas suas origens, no desejo de perpetuá-lo mantendo o charme de balcão de seus tempos de mercearia. Hoje, ela e o sócio, Carlos Ronan, conduzem o estabelecimento, que não fechou um dia sequer nesses mais de 60 anos de atividades. Mesmo no contexto da pandemia, seguindo os protocolos legais de segurança, não deixaram de trabalhar. Comer um pastel no Cruzeirinho não é apenas fazer um lanche. É ter uma experiência gastronômica extraída de um momento simples, em um espaço sem grandes luxos, onde, a cada mordida, saboreiam-se as histórias que por ali circularam. É como parar no tempo pra ver a vida passar. E isso alimenta não só o estômago, também gostosas recordações!

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varisto de Macedo, excepcional jogador que atuou pelo Flamengo e conseguiu a proeza de ser idolatrado pelas torcidas de dois adversários espanhóis ferrenhos, Barcelona e Real Madrid, quem diria foi técnico do nosso querido “furacão verde da Mogiana”. Isso foi no ano de 1970, bem no início de sua carreira como treinador. O presidente do Verdão, Sincero Borges da Silva, era um dos grandes entusiastas do nosso futebol. Em outubro de 70, Evaristo deixou o comando do time para ir dirigir o Bahia. Em 1985, foi o treinador da nossa seleção brasileira de futebol. Foi também técnico das principais equipes brasileiras, como Flamengo, Fluminense, Vasco, Grêmio, Corinthians, Cruzeiro, etc.

Acervo museu Barcelona F.C.


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QUEM PERDEU,

PERDEU!

Por MARDEN BALDUINO SILVA

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om certeza, muita gente que teve a oportunidade de adquirir um terreno do senhor Napoleão Carneiro e não o fez deve estar lamentando e muito. Para entender isso, é bom relembrar a narrativa a respeito dessa figura enigmática. A história é verídica e aconteceu no Campus Santa Mônica nos anos finais da década de 1970. O Senhor Napoleão Carneiro estava sempre com uma pasta debaixo do braço a percorrer as repartições da Universidade Federal de Uberlândia. Dentro dessa pasta havia alguns pacotes de notas promissórias que eram utilizadas para a vendas dos terrenos de sua propriedade. Mas o que fazia o distinto cavalheiro nos diversos departamentos da UFU? Estava oferecendo à venda lotes limítrofes à rinha de galo de sua propriedade, que ficava logo depois do antigo córrego - que mais tarde se transformou na avenida Rondon Pacheco no cruzamento com a avenida João Naves de Ávila, onde na época passavam os trilhos da estrada de ferro Mogiana. Muitos servidores (técnicos e docentes) compraram terrenos que se localizavam ali, mas a maioria não acreditou na valorização de uma área alagada e distante. Anos mais tarde, o crescimento da cidade transformou o local numa região das mais importantes e valorizadas que é onde hoje está localizado o Center Shopping. Além do bom investimento para quem comprou os terrenos oferecidos pelo senhor Napoleão e da frustração para quem não aproveitou a oportunidade, ficaram as recordações das suas visitas, das amizades que construiu, de histórias para contar como esta!

Fernando de Oliveira arquiteto modernista

O ARQUITETO QUE PROJETOU A RODOVIÁRIA E O CAJUBÁ

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ERNANDO DE OLIVEIRA GRAÇA, natural de Carangola/MG, é considerado um arquiteto completo. Graduou-se em Arquitetura, em 1959, na UFMG – à época, UMG. Sua obra, realizada ao longo dos últimos 45 anos de intenso trabalho, contempla todas as tipologias e usos que constituem a arquitetura das cidades brasileiras Seguidor da trilha traçada pelos modernistas da primeira geração – como Lúcio Costa, Reidy e Niemeyer –, assinalou, com sua criatividade, talento, capacidade de compreender os anseios da sociedade, da cultura e da atualidade, a presença de Minas no cenário arquitetônico nacional. Aqui em Uberlândia, ele não só desenvolveu belos e marcantes projetos como também constituiu boas e sólidas amizades. Na sede da Algar, em várias instalações comerciais e residenciais está presente a marca de sua criatividade e talento. Mas dois projetos se destacam porque se transformaram em verdadeiros ícones arquitetônicos da cidade, a estação rodoviária e o Cajubá Country Clube. Mesmo com mais de meio século, continuam despertando o encanto pela forma, beleza e funcionalidade. Fernando Graça faleceu em Belo Horizonte no dia 11 de junho de 2021.


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A primeira piscina e os eventos históricos

As famosas Olímpiadas Universitárias que proporcionavam disputas aguerridas principalmente entre alunos da Medicina e da Engenharia tinha o ginásio do UTC como palco

Região central mantém clube de grandes atletas, hoje municipalizado, com 78 anos de atividades ininterruptas Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

A piscina semiolímpica com seu trampolim recebia adeptos da natação de todas as idades e faixas sociais


O profissional de Educação Física, Edson Eduardo Rodrigues de Oliveira, mais conhecido como Edson Ratinho, carrega uma das inúmeras histórias que se confundem com a do próprio clube

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os anos de 1940, Uberlândia era localidade de clima ameno e estações bem definidas. Um empresário da cidade, Custódio Pereira, construiu aquela que ficou conhecida como a “piscina do Custódio”, aberta à comunidade. Muito provavelmente, ele doou o imóvel ao governo, pois pouco tempo depois seria anunciada a criação de uma praça de esportes para o município, existente há 78 anos e já há algumas décadas conhecida como Uberlândia Tênis Clube, o UTC. Durante muitos anos, a população se referia ao clube apenas como “piscina”. A Praça de Esportes Minas Gerais era como tantas outras existentes em vários municípios mineiros, e aqui teve início em 15 de abril de 1943. Desde então, foi sede de inúmeros eventos esportivos, sociais, culturais, entre outros. Foi palco, por exemplo, de diversos jogos decisivos de competições nacionais e internacionais em várias modalidades esportivas, abrigou jogos de olimpíadas estudantis, secundaristas e universitárias durante muitos anos e recebeu grupos e artistas como Gal Costa, Caetano Veloso, Mercedes Sosa, Zizi Possi, Lulu Santos, Roupa Nova,

Os Incríveis, Moraes Moreira, Alceu Valença, além de espetáculos teatrais e de dança, como Grupo Corpo, várias edições do lendário Festival de Danças do Triângulo, entre outros eventos artístico-culturais. O UTC foi pioneiro no incentivo à prática e profissionalização de quase todas as modalidades de esporte, uma vez que era o único clube existente na cidade. Times da casa obtiveram títulos em níveis estadual e nacional, inclusive alcançando recordes sulamericanos. O atual gerente do clube, Gilvan Guimarães Fernandes, orgulha-se de sua ligação afetiva com o local. Ali foi aluno na década de 1980 e posteriormente professor e diretor de esportes. Em novembro passado, assumiu a gerência. Gilvan é servidor público efetivo desde 2011 e já passou por vários setores da prefeitura, principalmente na Fundação de Turismo, Esporte e Lazer, Futel, onde atuou como professor e supervisor em várias unidades públicas esportivas. O gerente disse que o UTC faz parte da vida de muita gente que conhece. Da sua, em especial, não só pela formação que teve ali, como atleta e

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como diretor, mas também por ver seus filhos crescerem praticando esporte e fazendo amigos no clube. “Amo esse lugar e agradeço a oportunidade de trabalhar aqui”, afirmou Gilvan. O profissional de Educação Física, Edson Eduardo Rodrigues de Oliveira, mais conhecido como Edson Ratinho, carrega uma das inúmeras histórias que se confundem com a do próprio clube. Ele contou que era um adolescente pobre, que morava na periferia da cidade (numa época em que essa periferia era logo ali na região do bairro Lídice, que depois também atingiu um status de área nobre), e estudava na Escola Estadual Bueno Brandão. Suas aulas da disciplina Educação Física eram na praça de esportes. Lá, após uma aula de basquete, pediu a um funcionário de nome Joaquim que lhe permitisse nadar um pouco na famosa piscina. Joaquim sugeriu que ele procurasse Mário Godoy, um grande benfeitor da modalidade de natação em Uberlândia, pedindo para fazer aulas e aprender a nadar. Acatou a sugestão, frustrando-se por obter a informação de que deveria ser menor de 12 anos para isso. E ele já estava com 13. Perguntou se poderia levar os irmãos menores, o que foi autorizado.

Professor Tales de Assis, personagem dos mais importantes na vida do UTC e na valorização do profissional de educação física em nossa cidade


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o entanto, o seu desejo em também aprender a nadar e o fato de estar observando as aulas o tempo todo chamou a atenção de Godoy, que também ficou sensibilizado ao saber que ele era sobrinho do primeiro campeão brasileiro de natação na virada das décadas de 1930 e 1940, Albertino Rodrigues de Oliveira. Isso fez com que fosse dada ao garoto uma única chance para aprender a nadar. E o garoto soube aproveitar a oportunidade. Não só aprendeu a nadar como se tornou aos 14 anos o salva-vidas da piscina. Ratinho contou que, nessa época, ela era aberta à população aos fins de semana e, por ter 3m de profundidade e trampolim de saltos, era preciso alguém exercendo essa função. Como ele era pobre e sem trabalho, o diretor Sérgio Santos o convidou para desempenhá-la. Passados alguns meses, o professor Leandro, com quem aprendera a nadar, estava indo embora de Uberlândia. Ele foi substituí-lo e, aos 15 anos, já era um professor de natação. Por conta disso, aos 16 anos, foi destaque em matéria no jornal local. Como o esporte era evidente em seu DNA, Edson foi fazer o curso de Educação Física, mesmo em tempos quando a profissão ainda não era regulamentada, o que aconteceu somente em meados da década de 1990. Da adolescência no clube até a idade adulta, Ratinho sempre manteve o seu vínculo com o clube, existindo apenas um hiato, quando deslocou o seu foco para as necessidades esportivas do campus de Educação Física, onde já ingressara como estudante. Apenas neste período distanciou-se, mas não muito, do seu amado UTC. Um hiato de apenas em torno de cinco anos distante de suas origens esportivas.

Depois de formado, foi trabalhar na Prefeitura, inicialmente na Secretaria Municipal de Educação, em 1983, logo sendo transferido para a Futel, o que gerou a reaproximação com o UTC, para onde também retornou como diretor de natação. Em 1985, aconteciam em Uberlândia os Jogos do Interior de Minas, Jimi, dos quais foi o organizador. E assim, por várias gestões consecutivas, compôs a diretoria do clube, um trabalho, como faz questão de enfatizar, em função não remunerada, às vezes acumulando outras, como a ocasião em que foi diretor geral e diretor de natação e de vôlei. É, portanto, uma história de vida toda. Edson Ratinho permaneceu ali até a última gestão de Odival Caetano Ferreira, jornalista esportivo e uma das figuras também protagonistas na história do clube, seu presidente por várias vezes. Desde então, Ratinho não teve mais vínculos tão diretos com o clube. Mesmo à distância, acompanhava os seus passos e, junto a outros, buscava as oportunidades

de consolidar o local em sua vocação primeira, a de ser um centro de formação de atletas. A soma de seus e de vários outros esforços fez chegar onde todos queriam, no formato de uma escola pública de esportes. De resto, ele se orgulha de ter contribuído para devolver ao clube um pouco do muito que recebeu desde o início de sua formação esportiva e profissional. O jogador Fernandinho Vidal, que já integrou a seleção mineira de basquete, é outro entre as pessoas cujas histórias se confundem com a do clube. Ele conta que começou por lá na escolinha de basquete e se tornou atleta do clube, do time infantil ao adulto. E foi campeão brasileiro em 1977, quando foi considerado também o melhor armador ala do campeonato. A seleção mineira tinha cinco jogadores que eram do UTC. Fernandinho se destacou tanto em sua atuação profissional que começou a receber convites diversos para atuar fora, mas, segundo ele, o amor à cidade e ao clube acabou falando

Dr. Rogério Pimentel Arantes, Natal Jairo, Abílio Salum, Paulinho Constantino, Walter Alvares (Pico) e Marco Antônio Guilherme, esportistas que tiveram papel excepcional na existência do UTC


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O jogador Fernandinho Vidal, que já integrou a seleção mineira de basquete, é outro entre as pessoas cujas histórias se confundem com a do clube mais forte. Foi quando Sérgio Santos o convidou para assumir a supervisão do clube, convite prontamente aceito, sem deixar o time que o consagrou. Em 2001, foi convidado para trabalhar no Praia Clube, como coordenador de esportes. E por lá está até hoje. O ex-presidente do UTC, Odival Ferreira, na infância, enchia os olhos de cobiça sobre a grande piscina do UTC. Mas só foi dar o seu primeiro mergulho quando já era presidente. Ele frequentava o local quando era criança, mais para assistir aos jogos no complexo esportivo, que, neste período, era composto apenas por duas piscinas, uma adulta e uma infantil, duas quadras descobertas e um campo de futebol, segundo ele, sem as dimensões oficiais, mas um bom campo. Não imaginava que, a partir dos meados da década de 1980, ele atuaria como diretor no clube e se tornaria presidente por três gestões consecutivas, entre 1989 e 1997. Explicou que o presidente era nomeado pelo governo estadual e a direção composta pelo presidente nomeado. Ferreira contou que o ginásio Homero Santos, construído nos anos de 1960, além de receber jogos amadores, estudantis e profissionais, foi também o principal espaço de eventos sociais e esportivos da cidade, como olimpíadas, shows, festivais e bailes de Carnaval, esclarecendo que os jogos estudantis secundaristas já eram realizados ali antes mesmo da construção do ginásio, na quadra descoberta. Sobre esse tempo que passou à frente do espaço, conclui que houve realizações interessantes. O esporte, por exemplo, considera que foi a partir dos anos de 1980 que começou a alcançar a sua profissionalização. Para ele, o nome UTC é hoje apenas um nome fantasia. Embora teça elogios ao atual formato, ressalta que o existente hoje é muito diferente da tradição esportiva, social e recreativa das décadas anteriores, mesmo admirando

a perspectiva atual do lugar como um centro de formação e “polimento de atletas”. Entre os grandes feitos do esporte do UTC, ele destacou a conquista da vaga nacional do basquete, que gerou a visibilidade em nível nacional por meio do time da Unit, atual Unitri. Mas também mencionou outras grandes conquistas, como o título de campeão mineiro (adulto) em 1962, o brilho da jogadora Norma Vaz, no vôlei, tanto aqui quanto em clubes do Rio de Janeiro e até a seleção brasileira. “Entre os homens, tivemos vários, Ezinho - que brilhou até dia desses em times de primeiro nível. Na Natação, houve tantos. O Ivo Lani, Vicente de Paula Lima, campeão sul-americano nos anos 1950, Alberto Martins Costa, campeão brasileiro nos 100 metros/ peito na Olimpíada do Exército em 1969, César Lourenço, campeão mineiro, brasileiro e sul-americano e integrante da seleção brasileira, na Olimpíada de Munique, em

1972, entre tantos outros”, lembrou o ex-diretor. Da primeira piscina, nos anos de 1940, pouco tempo depois se tornando complexo esportivo apenas com quadras e campo de futebol, o clube saltou para excelente estrutura, com o Ginásio Homero Santos, duas quadras de vôlei cobertas anexas ao Ginásio, duas quadras externas, o Ginásio Dr. Eugênio Pimentel Arantes (utilizado para a prática de ginástica artística), duas piscinas de 25 metros cada, uma piscina olímpica semi-aquecida, academia de ginástica para servidores municipais e academia para atletas do halterofilismo (paratletas), uma sala para aulas de artes marciais, uma sauna seca a vapor com toda estrutura para atender ao público, espaço administrativo e sala médica (fisioterapia). Uma estrutura desde sempre pronta para formar e lançar atletas brasileiros em várias modalidades.

O ginásio do UTC também recebeu importantes eventos sociais como este da outorga da cidadania uberlandense ao ícone da doutrina espírita, Chico Xavier


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Dani Rotelli

PERSONAGEM

Top model com pegada ecológica Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

A modelo Dani Rotelli, que já trabalhou com os principais estilistas do mundo, fala de sua história e de sua militância pelo meio ambiente

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la era apenas uma adolescente como tantas outras na ainda não tão grande cidade de Uberlândia. Quis o acaso que ela se tornasse uma estrela do mundo da moda. E foi o acaso mesmo. A garota Daniela Rotelli, em 1991, à época com 16 anos, estava na sala de aula quando o colunista social Hugueney Bisneto alertou os alunos sobre a possibilidade de uma escalada para a fama. Ele disse que “olheiros” de uma grande agência de modelos de São Paulo, com atuação em nível internacional, estariam observando os frequentadores do Ubershopping, o primeiro shopping da cidade - onde hoje funciona um centro hospitalar - para descobrir talentos. A garota magrela de olhos arregalados não esperava por isso. Nem foi ao shopping com essa pretensão. Era só por curiosidade e divertimento. Mas, o seu visual diferenciado e a beleza impactante, fugidia dos padrões, a lançaram, naquele momento mesmo, para uma carreira de sucesso que perdura até hoje.


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Visual diferenciado e a beleza impactante, fugidia dos padrões, que a lançaram para o mundo da Moda Dali em diante, a vida mudou para a estudante. Teve um destino meio “cigano”, morando em vários continentes. Depois de uma estada em São Paulo, morou dois anos no Japão, um ano em Milão, seguindo para Paris, depois Nova Iorque, Londres e Paris novamente. Nesse percurso, ela estampou capas das principais revistas de moda do mundo, brilhou em passarelas e ensaios fotográficos e se tornou a modelo predileta de vários estilistas reconhecidos na esfera mundial. A menina se tornou mulher. Hoje, vive na Holanda. É mãe de três filhos, já adultos, Kin, de 15 anos, Lis, com 11, e Jun, com 11. Daniela Rotelli se tornou Dani Rotelli. Após anos prosperados em um sucesso percorrido nos quatro cantos do mundo, Dani retornou para Uberlândia, 14 anos atrás, aqui permanecendo por dez anos.

Nos últimos quatro, vive na Holanda. Por aqui abriu um espaço cultural, o ArmaZen Ateliê Café, em um antigo casarão na praça Adolfo Fonseca, região central da cidade, e também se enveredou pelos caminhos da militância em prol do meio ambiente, tornandose parceira do Instituto Ipê e propagadora dos conceitos de moda sustentável, até então pouco difundidos no Brasil. Foi a maneira encontrada por ela para também contribuir com a sustentabilidade do planeta. O retorno à Holanda se deu por razões pessoais. Decidiu morar em Rotterdam para aproximar os filhos à cultura do pai, Luchino Vicente Mandias, também modelo. Aproveitou ela própria para estudar sobre botânica, já que os holandeses são ótimos com plantas. Juntou as duas coisas, os filhos estão sendo educados lá e ela se capacita em uma área que também lhe desperta grande paixão. Dani segue também no exercício da profissão de modelo, que já está batendo na marca dos 30 anos. Vai com frequência realizar trabalhos em países vizinhos, principalmente na França, em Paris. De longe, também mantém a sua parceria com o Instituto Ipê, com o foco em moda sustentável. Nas andanças pelo mundo, ela considera que o Brasil, apesar dos

pesares, é um dos melhores lugares do mundo para se viver e um país maravilhoso. Por isso acalenta o sonho de voltar a morar em Uberlândia. Ela trabalhou com quase todos os estilistas famosos, como Alexander McQueen, Dolce e Gabanna, Giorgio Armani, Vivianne Westwood, Yves Saint Laurent, Sonia Rykiel, Thierry Mugler, entre outros, sendo a predileta de vários, principalmente de Thierry Mugler, quem reencontrou recentemente na Holanda mesmo, em uma exposição mundial que lhe homenageava. Dani contou que, principalmente pelo perfil de modelo esguia, modelou bastante para a alta costura. Alguns estilistas criavam as peças especialmente para ela. Depois do desfile, a roupa não era vendida e sim levada para um museu. Dani Rotelli não esconde a predileção pelos estilistas japoneses e belgas, como os nipônicos Comme de Garçon, Junya Watanabe, Yohji Yamamoto e Issey Miyake, e os da Bélgica Martin Margiela, Ann Demeulemeester, A.F Vandervoorst e Dries van Noten. A modelo também participou de vários livros, no Brasil e no exterior. Recentemente, houve o lançamento de uma obra do fotógrafo francês Andrea Carraro, de 85 anos, com a retrospectiva de sua carreira. Dani está nele em vários momentos.


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Nunca aceitou desfilar, por exemplo, com casacos de pele, por mais que o cachê fosse alto

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tualmente ela não se dedica ao trabalho 24 horas por dia, como já fez durante muitos anos. Realiza trabalhos pontuais e se dá ao luxo de escolhê-los. Dedica seu tempo à maternidade, aos estudos e às consultorias que realiza na Holanda sobre plantas de interiores. Para elas, Dani fez um estágio em um grande viveiro de lá. Sobre a militância pelo meio ambiente, ela lembrou que esse olhar preocupante existe desde a infância, pois ainda muito criança ressentia-se pelos cortes de plantas e maus-tratos aos animais. Quando começou a trabalhar como modelo, percebeu que a moda era um dos grandes vilões para o meio ambiente. Chocada com essa realidade, se interessou pelo assunto e mergulhou no conceito e prática de moda ecológica. Ela recordou também que desde o início da carreira nunca aceitou desfilar, por exemplo, com casacos de pele, por mais que o cachê fosse alto, como geralmente são nesses casos. “Como modelo, a gente vende a roupa. Eu nunca quis ser responsável por essa venda. Não conseguiria dormir tranquila com esse peso na consciência”, relatou. Ela lamentou que quase todas as grifes não sejam ambientalmente corretas, a começar pela utilização dos tecidos, cuja produção é nociva ao meio ambiente. Ainda assim, aposta nas novas gerações, acredita que os mais jovens estão vindo ecologicamente mais responsáveis. “O mundo não vai suportar tantas roupas, tanto desgaste. Mesmo as grandes grifes já começam a perceber isso e se adequarem a uma moda mais sustentável. Hoje já é comum nos grandes magazines existirem araras com moda ecológica. Aos poucos, o mundo da moda está mudando.

Estão sendo pressionados a isso. Há 20 anos não existia a moda ecológica. Hoje em dia, as grandes lojas possuem um setor de roupas ecológicas, com algodão e poliéster reciclados, orgânicos etc.”, explicou.


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Antigo prédio da Câmara Municipal: poucos sabem que lá antes havia sido um cemitério

Coisas de um velho Por ANTÔNIO PEREIRA DA SILVA

Quando começaram a escavar, no interior do prédio, encontraram uma ossada e o pessoal se assustou

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uem teve a ideia de transformar o antigo prédio da Câmara Municipal, no centro da praça Clarimundo Carneiro, em museu foi a Secretária de Cultura, professora Creusa Resende. Levada a proposta ao Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Cultural de Uberlândia, Comphac, o presidente, que era o Reynaldo Cazabona, se opôs veementemente, mas o órgão, em assembleia, derrubou o seu veto, o que deixou o “italianinho” furioso. Quem fez a transformação foi o dr. Paulo Ochiucci, engenheiro da

Prefeitura. No projeto, uma escavação colocaria um porão no prédio que aumentaria o seu espaço sem lhe modificar o aspecto externo. Nem ele nem qualquer dos operários sabia que ali já tinha sido cemitério, desativado logo nos comecinhos do século XX. Quando começaram a escavar, no interior do prédio, encontraram uma ossada e o pessoal se assustou. Esperaram o engenheiro e o levaram para ver o macabro achado. Preocupado, o dr. Ochiucci mandou parar a obra e pensou em chamar a Polícia. Sorte dele que, antes de qualquer


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providência, um morador mais antigo, que conhecia o passado da cidade, despreocupou-o: – Não se preocupe, não, doutor. Ali já foi cemitério. O senhor ainda vai achar mais ossadas por lá...

cemitério

Retomaram as obras. De vez em quando, novas ossadas. Mas a preocupação maior do dr. Ochiuccci agora não eram mais os ossos, porém as sepulturas. Cada cova aberta era um bolsão de terra fofa que poderia prejudicar a estrutura do prédio. A escavação estava ficando perigosa. Mandou parar de novo o serviço, estaqueou por dentro as paredes para não caírem e foi atrás do prefeito Virgílio Galassi. Contou-lhe o perigo que corriam. O prefeito, quando percebeu o tamanho do problema, nem quis entrar no prédio. Só comentou com o seu engenheiro: – Se isso aqui cair, nós te matamos.

A edição do jornal “O Progresso” de 3 de novembro de 1907, ainda nos tempos de Uberabinha publicou matéria criticando o estado de abandono das ruínas do velho cemitério

Ochiucci procurou o engenheiro Guerrinha, da Sondotec, que foi lá, olhou e disse: – Isso não é pra mim, não. Isso é pro Luiz Carlos Árabe, professor lá em Uberaba. E o engenheiro foi atrás do dr. Árabe que o atendeu e sugeriu que fizesse infiltrações de concreto nas paredes, com estacas fincadas, por dentro delas e no solo. Foi feita uma estaca para cada metro. Firmadas as paredes, pôde-se concluir a transformação do prédio, sem problemas. As velhas ossadas voltaram a descansar pela eternidade. A transformação foi até premiada, posteriormente. (Fontes: Ochicci e Creusa Rezende).


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CREUSA

RESENDE

Da sala de aula à gestão cultural Por CARLOS GUIMARÃES COELHO


25 Creusa com os pais Toninho Rezende e Maria Pacheco Rezende

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la é quase a caçula de uma família de 12 irmãos, 11 consanguíneos e uma “de coração”. Seu sobrenome é o único que, por um erro de cartório, foi grafado com s. Menina esperta, lembra da infância como o tempo de acolhimento na casa grande onde moravam, que depois se tornaria o famoso Clube Português, e da vizinhança da avenida Floriano entre as ruas Quintino Bocaiúva e Coronel Antônio Alves. Creusa Resende afirma ter sido privilegiada por uma família unida e um lar onde as portas estavam sempre abertas. Desta, sobretudo dos pais, ela herdou o espírito guerreiro e a vontade de trabalhar sempre pelo bem social. Na escadinha dos filhos existiam a “do coração”, Diná Sanches, e, na sequência, Antônio Thomaz, Solange, Walkyria, Maria Lúcia, Ismael, Leocádio, Alfredo, Línia, Adriel, ela, Creusa, e André Luiz. Todos, exceto ela, Rezende com z. Para Creusa, a infância foi uma festa. Limitada aos arredores da sua casa, mas uma festa! Lembra que, por ser uma das menores na numerosa família, os irmãos tinham sempre grande zelo por ela. Recorda-se desse tempo de uma cidade aberta, livre, como ela própria, e de uma casa que recebia todos e era o ponto de encontro entre os amigos. A primeira fase escolar ela viveu entre o famoso Externato Rio Branco e uma pequena escola próximo à sua residência, que se chamava Escola Machado de Assis, de propriedade de Antonia Tomé. Depois ela foi para o lendário Liceu, onde fez o ginásio, seguindo para o colégio Museu, para o chamado ensino clássico. Sua graduação no ensino superior foi na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que depois se tornaria a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no curso de Letras, com habilitação em língua portuguesa

e língua francesa, instituição onde depois se tornaria professora. Antes disso, ainda cursando Letras, Creusa já começou a lecionar em escolas públicas da cidade. Ela, na verdade, começou a trabalhar muito cedo. Aos 14 anos já era caixa na loja de aviamentos do irmão Adriel, a Sadilã. Antes desse trabalho, já atuava voluntariamente em projetos sociais, tendo como inspiração não somente seus pais, que eram espíritas e portanto praticantes da caridade, mas também as professoras Leuza e Neide Martins da Costa, que a influenciaram no exercício de trabalhos sociais. Creusa se formou em 1964. Casouse em 1967, com o colega de classe e futuro reitor da UFU, Ataulfo Martins Marques da Costa. Com ele teve três filhos, Flávia, Maria Rita e Antônio Augusto. No período de seu casamento, ela lecionava na Escola Estadual Renée Gianetti. Como a escola tinha um caráter profissionalizante, em uma das suas idas à prefeitura, em busca de apoio aos alunos e às mudanças pretendidas pela escola, ela foi convidada pelo então prefeito Virgílio Galassi para ser diretora do Departamento de Educação e Cultura na prefeitura da época, o que seria a sua primeira atuação como agente público municipal. Como o ambiente político era algo que ela desconhecia, foi pedir o

conselho do pai, Antônio Thomaz Ferreira de Rezende, que era militante político pelo PSD (chegou a ser vice-prefeito da cidade), partido adversário da UDN de Virgílio Galassi. A resposta do pai foi que ela deveria sempre servir ao povo e não a partidos políticos. A professora aceitou o desafio. E lembra com orgulho que foram tempos de grandes realizações, entre elas a implantação da Escola Helena Antipoff, que mais tarde se tornaria a Apae, criada a pedido de Hugo Bertolucci, cuja filha necessitava de uma escola especial. Sua desenvoltura para o cargo fez com que Virgílio insistisse em sua entrada oficial para a vida política, proposta que ela jamais pensou em abraçar. Relatou também que, nesse período, conseguiu saltar de 14 para 41 escolas rurais em Uberlândia, no curto período de dois anos. Concluído o período como diretora de educação, Creusa retorna à sala de aula, mas logo tira licença pelo nascimento de seu filho Antônio Augusto, período em que se dedica à moda, comercializando roupas trazidas pela cunhada do Rio de Janeiro. Em 1976, ela ingressa na Faculdade como professora de EPB - Estudos de Problemas Brasileiros - no curso de Educação Física. Por pouco tempo. Logo, o marido Ataulfo seria convidado a trabalhar no Rio de Janeiro, para onde a família se mudou, seguindo de lá para Brasília, onde residiu nos anos de 1978 e 1979. No Rio, estudou Inglês e na Universidade de Brasília, Literatura. Em 1980, o marido foi nomeado reitor da UFU e eles retornaram para Uberlândia. Creusa também voltou à vida acadêmica, mas não à sala de aula. Na mesma universidade, ela foi ser


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Creusa Resende com seus familiares: encontros de muita alegria e confraternização

diretora do Ensino de 1º e 2º graus, o Dieps, cargo em que permaneceu até 1986. Desse tempo, ela recorda com carinho de pessoas especiais que compunham a equipe, fazendo questão, mesmo com o risco de esquecer alguns, de nomeá-los: Maria Teonília Faria Alvim, Raimundo Menezes, Osvaldo de Freitas e Maria Helena Crosara. Ela diz que houve no período trabalhos muito interessantes, como publicação de livros importantes e ações em prol da capacitação de professores da rede pública de ensino com vistas à melhoria no aprendizado da língua portuguesa. Creusa relata que deu aulas, principalmente de produção de textos, em vários cursos da UFU, mas gostava mesmo é de trabalhar com a prática de ensino. Em 1985, ela assumiu a direção da Eseba, começando ali um processo de abertura para a comunidade no acesso à unidade de educação básica da UFU. No ano seguinte, ela passaria o bastão para Ana Ferolla. Esse período coincide com dias meio tumultuados nas questões pessoais

da professora. Ela acabara de dissolver o casamento com Ataulfo. Sua mãe a convidou para uma viagem. Foram para Cabo Frio e Rio de Janeiro. O motorista deveria buscá-las, mas, por alguma razão desconhecida, isso não aconteceu. Voltar para Uberlândia era sempre muito difícil para ela. O irmão Tomaz veio dirigindo até Campinas, no estado de São Paulo, e de lá Creusa assumiu o volante. O carro estava pesado com malas e compras e os pneus um pouco baixos. Próximo à cidade de Orlândia, o veículo capotou. O filho Guto machucou-se bastante e todas as atenções se voltaram para ele. A mãe teve uma hemorragia interna que demorou a ser percebida e acabou falecendo. O filho ficou 78 horas inconsciente e os médicos não deram esperança nenhuma que ele sobrevivesse. Apenas aguardavam a chegada de Ataulfo, que estava fora do país, para que os aparelhos fossem desligados. Erraram a previsão. Guto passou quatro meses internado, mas sobreviveu a essa intempérie e hoje é um homem forte e saudável. Antes desse recorte trágico na vida de Creusa, no ano anterior, ela havia passado para um

curso de mestrado na capital gaúcha. Com o acidente, não foi para Porto Alegre. Retornou para Uberlândia e foi morar no apartamento da falecida mãe, pois sua casa estava alugada. Depois desses momentos difíceis, ela recebeu a visita de um funcionário do Ministério da Educação, o MEC, com um convite para um emprego no órgão, em Brasília, o que facilitaria bastante a continuidade do tratamento do filho. Foi para a capital federal, mas a prometida colocação no ministério não aconteceu. Foi quando ela se tornou assessora parlamentar do então deputado federal Virgílio Galassi. Nessa função permaneceu por quase dois anos, retornando então a Uberlândia e à UFU, até 1992. Nesse ano, a convite do mesmo Virgílio, agora novamente prefeito da cidade, do secretário Paulo Ferolla e da secretária Niza Luz, ela foi fazer o que mais gostava, trabalhar com projetos sociais como coordenadora do centro social do bairro Planalto. Logo em seguida, a professora recebeu o convite para ser secretária de Habitação e Meio Ambiente. Nessa função, afirma ter se empenhado em desafios e abraçar ações


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Creusa com a extraordinária Fernanda Montenegro e ao lado com a primeira secretária de cultura de Uberlândia, Yolanda Magalhães. sociais de grande impacto, como o assentamento da população flutuante no hoje bairro Dom Almir, nome dado em sua gestão, arborização nos bairros Guarani e Morumbi, entre outras, até o secretário Paulo Ferolla vencer as eleições para prefeito e lhe oferecer a pasta da Secretaria Municipal de Cultura, na qual, entre os anos de 1993 e 1996, teria expressiva gestão. Foi sob o comando de Creusa que, por exemplo, o Festival de Danças do Triângulo teve uma grande expressão em nível nacional, movimentando a arte e a economia da cidade. Houve uma edição em que o evento foi considerado maior e mais “importante” do que o gigante do país, o Festival de Joinville, com a participação de 2800 bailarinos. Pelo seu trabalho árduo em fazer crescer o importante evento, Creusa recebeu várias e relevantes premiações. Um acontecimento que ficou marcado na gestão de Creusa foi a grande restauração pela qual passou o admirado Palácio dos Leões, que já foi prefeitura, Câmara dos Vereadores e há vários anos abriga o Museu Municipal. A reforma, assinada pelo arquiteto Alessandro Rende, de Uberlândia, com a vinda também do especialista em patrimônios históricos Rodrigo Meniconi, foi surpreendente, com soluções criativas para promover a acessibilidade e acabou também recebendo premiações. Outro grande feito sob sua gestão surgiu de um feliz encontro dela com a jornalista Ana dos Guaranys.

Nele, Creusa soube que o prédio onde funcionava a Cemig seria vendido. Correu atrás de viabilizar a aquisição pela prefeitura e reformou o local em tempo recorde, transformando-o na Oficina Cultural de Uberlândia. Logo no primeiro ano de funcionamento, a Secretaria Municipal de Cultura ofereceu ali 156 cursos. Um dos cursos que aconteceu na Oficina, anos depois, mas ainda em sua gestão, foi o projeto Escola de Teatro, quando a secretária trouxe a Uberlândia grandes nomes das artes cênicas teatrais, em todos os setores de sua criação (dramaturgia, cenografia, figurinos, sonoplastia, produção, direção, interpretação etc.), capacitando pessoas da área e culminando em uma montagem teatral. Na mesma linguagem artística, Creusa trouxe à cidade a grande dama do teatro brasileiro, Fernanda Montenegro, ao lado do marido, Fernando Torres, e da diretora Jacqueline Lawrence, para uma oficina gratuita e a apresentação do espetáculo Dias Felizes, de Samuel Backett. Os três permaneceram na cidade por dez dias. A mesma atenção foi dada para a cultura popular, resultando em bons momentos para o carnaval de rua, a congada e a folia de reis. A secretária também respondeu pela reforma do Teatro Vera Cruz e a sua mudança de nome para Teatro Grande Otelo, em homenagem ao uberlandense mais ilustre de todos os tempos. Seria um momento glorioso, com a presença do próprio

ator, mas ele faleceu às vésperas da reinauguração. Creusa Resende, a partir de sua experiência como gestora da cultura em Uberlândia, encontrou na área artística o seu propósito de servir à cidade e provocar o desenvolvimento social que brota a partir da arte. Continuou trabalhando com conteúdos culturais, formatando e inscrevendo projetos em leis de incentivo, para si e para terceiros, publicando livros e contribuindo com ações e artistas que lhe despertassem a sensibilidade. Ainda faz isso. Atualmente, dedica-se também à continuidade de seu trabalho de 35 anos como coordenadora das vindas do médium Divaldo Franco a Uberlândia. Ela assumiu esse compromisso a partir do acidente, já que sua mãe era uma fervorosa militante da religiosidade espírita. Para essa empreitada, que considera uma missão, foi criado o Grupo dos Amigos do Divaldo, de onde surgem colaboradores de todas as faixas etárias, que vieram somar à iniciativa e a ajudam na realização do evento. Olhando para trás, Creusa Resende se sente orgulhosa de um passado perpetuando os valores, religiosos inclusive, que os pais lhe deixaram como legado. Tem um pouco de modéstia, como ao se revelar surpresa com a solicitação de uma entrevista e considerar que sua trajetória talvez não seja tão importante assim. Aqui está uma parte dela. De resto, a própria história se encarrega de revelar o caminho percorrido.


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O PATRIOTISMO EM FOCO

Curso de Política e Estratégia da Escola Superior de Guerra completa 50 anos em Uberlândia Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

É

comum ouvir algumas pessoas dizerem com satisfação que são adesguianas. Essa alcunha se refere a quem tenha feito o curso da Adesg, a Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra. Os primórdios da chegada do órgão a Uberlândia remontam a cinquenta anos atrás, quando, em 1971, foi oferecido na cidade o 1º ciclo de estudos pela Escola Superior de Guerra (ESG). Os ciclos foram chamados de CEPE – Cursos de Estudos de Política e Estratégica, o embrião para a instalação da Adesg na cidade. Nesta primeira turma, estavam nomes de personalidades empresariais e políticas da cidade, como Alair Martins do Nascimento, Aldorando Dias de Souza, Altamirando Dantas Ruas, Araimitan Paes Leme, Ataulfo Marques da Costa, José Migliorini, Juarez Altafin, Oswaldo de Oliveira, Renato de Freitas, Tubal de Siqueira Silva, Virgílio Galassi, entre outros. Apenas três mulheres figuravam na lista: Cora Pavan Caparelli, Elizabeth Maria C. B. Nascimento e Mirian de Lourdes Andraus. A partir daquele início da década de 1970, vários outros ciclos estariam por vir, sempre com o amplo e irrestrito apoio do 36º Batalhão de Infantaria Mecanizada. O 36º abriga hoje a Adesg, que já teve sede na Sociedade Médica de Uberlândia, segundo a delegada representante do órgão, Eleusa Oliveira na Universidade Federal de Uberlândia.

A Associação já realizou alguns desses ciclos do CEPE em instituições e empresas da cidade, como Algar, Sesi e Aciub. O Comandante do Batalhão, tenentecoronel Regis Ribeiro Andrade, explicou que nesse início de CEPE, 50 anos atrás, os cursos eram esporádicos, tornando-se mais regulares a partir de 1995. O curso é aberto a qualquer cidadão, desde que graduado. Em alguns momentos dessas cinco décadas de história os cursos não exigiam a formação superior completa para os inscritos, mas voltaram a ter essa exigência a partir deste ano. O coronel explicou que a Adesg é uma entidade autônoma, apenas vinculada pedagogicamente à Escola Superior de Guerra. Segundo ele, os cursos não são para militares, mas com o apoio do Exército, em se tratando de temas em comum, com vistas à paz e ao desenvolvimento do País. Para ele, o CEPE e a Adesg são também formas de interação do 36º BIM com a sociedade. “Isso acaba rompendo com barreiras imaginadas pela população, de que o Exército é inacessível e fechado em seus muros. Ele existe não somente para servir à Pátria, mas também à população”, explicou Ribeiro. Para o tenente-coronel, o mais interessante do CEPE é o fato de atrair tantas pessoas ilustres, formadoras de opinião, que repassam para as suas redes de convívio e ambiente de trabalho os

valores apreendidos no curso. “O curso dissemina valores importantes, seja em nível pessoal ou para a sociedade, o que acaba por criar o que chamo de identidade adesgniana. As pessoas se sentem contempladas com os aprendizados. E a Adesg é parte disso”, disse ele. O corpo docente do CEPE não é composto de militares, como ele explicou. Além dos cursos, outros eventos, como palestras, também são oferecidos. O mais recente deles, por exemplo, teve a participação do general Antonio Hamilton Mourão, vicepresidente da República, como orador da aula inaugural do 21º CEPE em maio de 2018. Durante a pandemia, optou-se por não haver a versão do curso em formato hibrido. Segundo a delegada Eleusa Oliveira, representante da Adesg em Uberlândia, perderia-se muito nesse modelo. “O CEPE é sobre agregar e congregar. Não faria sentido, ao menos para Uberlândia, se não fosse presencial. É preferível aguardar para retomarmos com as condições ideais”, opinou ela. Eleusa explicou que para participar do curso não há nenhum processo seletivo, sendo realizada apenas análise de currículo e a apresentação do candidato por um adesguiano. Durante o curso, com carga de 360 horas aula, há atividades teóricas e trabalhos de campo, com viagens, inclusive, e visitas a empresas e instituições. Ela citou momentos como idas à Casa da Moeda,


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Representantes da ADESG em homenagem recebida na Câmara Municipal

ao Projac da Rede Globo, à Academia Militar das Agulhas Negras (Anan), entre outros destinos. O propósito dessas visitas? Uma demonstração prática de como se dão as organizações sociais e empresariais. Ela afirmou que o conhecimento que se ganha é grande e não poderia ser adquirido em qualquer outro tipo de curso, acentuando-o como um divisor de águas na vida de quem faz o curso. “É até difícil de explicar, pois é tudo muito subjetivo. Há um alinhamento da mente. A gente adquire novos paradigmas. Não é apenas sobre visualizar mundos diferentes, incluindo aí o militar, mas também o conhecimento e o aprimoramento da vida pessoal”, relatou ela, dizendo haver no perfil de público do curso uma gama eclética de participantes, como jornalistas, advogados, empresários, executivos, profissionais liberais e da saúde. O CEPE em Uberlândia já diplomou cerca de 1000 pessoas. Destas, em torno de 100 contribuem com a anuidade.

Ele se mantém com elas e com as taxas do curso, o suficiente para cobrir os seus custos operacionais. Segundo o coronel Ribeiro, o objetivo não é o lucro. “O principal investimento é no conhecimento. O mais importante é o debate”, ressaltou. O vice-delegado da Adesg em Uberlândia, Luiz Marques de Barros Filho, participou da organização do 3º e 4º CEPEs, nos anos de 1993 e 1994, junto de seu pai, o coronel. Luiz Marques de Barros. Segundo ele, a missão era trazer os conteúdos organizados da ESG, principalmente sobre os problemas de Segurança, Defesa e Desenvolvimento, assim como o seu Método de Planejamento Estratégico. Ele contou que a participação de lideranças intelectuais da cidade naqueles ciclos foi de fundamental importância para que a Delegacia Uberlândia se consolidasse como uma das mais atuantes do país. Para a diretora pedagógica da Adesg Uberlândia, Mirian Mendes Alves, o CEPE tem como objetivo promover

ensinamentos da ESG, com estudos sobre o Brasil, com foco em política, defesa e estratégia. Segundo ela, a ação tem função acadêmica, democrática e é aberta à sociedade. Como ela explicou, durante o curso são desenvolvidos planejamentos, projetos, pesquisas e um trabalho final, referentes às aulas oferecidas com objetivo de aplicação. Este material é encaminhado como sugestão às esferas regional, estadual e federal, com liberdade para colocá-los em prática.


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Renato, Paulo, Neiriberto, Dunga, Carlinhos e Jorge (em pé) – Quinzito, Hamilton, Ferreira, Santana e Reis (agachados), a escalação do time do verdão que encantava os torcedores

O time dos sonhos

N

ão resta a menor dúvida que a conquista da Taça de Prata em 1984, que equivaleria hoje à série B do campeonato brasileiro, foi o maior feito do futebol uberlandense. A equipe era formada por jogadores excepcionais, começando pelo goleiro Moacir, os laterais Luizinho e Carlos Alberto Batata, os centrais Batista e Zecão, meio campistas Chiquinho e Carlos Roberto e no ataque Geraldo Touro, Eduardo,

Vivinho, Zé Carlos. Revezando com eles tinha ainda o talento de Maurinho. O técnico foi Vicente Lage, o popular 109. Alguns deles seguiram carreira em grandes times do futebol brasileiro, sendo que dois chegaram, inclusive, a integrar a seleção brasileira: Batista e Vivinho. Mas tem uma formação, principalmente para quem vivenciou o futebol de nossa cidade antes dessa conquista, que ficou na lembrança como o time dos sonhos, pelo talento,

versatilidade e garra de seus integrantes. Foi o Verdão que disputou o campeonato mineiro de 1968 e ficou com a terceira colocação. Isso numa época em que a Federação Mineira de Futebol fez a aberração de criar a “tabela dirigida” em que Atlético e Cruzeiro não vinham jogar no interior. A campanha do Uberlândia Esporte Clube naquele campeonato foi memorável: 10 vitórias, 7 empates e apenas 5 derrotas. Ferreira, o centroavante da equipe foi o vice-artilheiro do campeonato, ficando atrás apenas do extraordinário craque Tostão. O radialista esportivo e autor do livro “Uberlândia Esporte Clube: A história e seus personagens”, Odival Ferreira relembra: “entre as boas formações que o UEC teve ao longo dos seus quase cem anos, não consigo esconder minha preferência pelo que costumamos chamar de time de 1968 e que os que conheceram sabem a escalação de cor: Renato, Paulo, Dunga , Neiriberto e Carlinhos; Jorge e Hamilton; Quinzito, Ferreira, Santana e Reis.” Esse time ainda contava com os reforços do zagueiro Jair, do meio-campista Alemão,


“ O Verdão disputou o

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campeonato mineiro de 1968 e ficou com a terceira colocação”

Além dos titulares a equipe de 1968 ainda tinha outros craques como o centro-avante Edgar Maia e o legendário Fazendeiro, um dos jogadores mais marcantes da história do Uberlândia Esporte Clube

do atacante Edgar Maia e do inesquecível Fazendeiro, que começava a despontar no futebol mineiro. Paulo Henrique Petri, também radialista que comandou as principais equipes de esporte de nossas emissoras acrescenta, “o UEC ganhou a Taça de Prata, o melhor time, no entanto, foi o de 1968. Como equipes, estas duas foram as que marcaram, fora delas alguns nomes que não podem ser esquecidos como: Zinho, Barbosinha, Ponce, Barizon, Gil, Zé Borges, Edmar, Dimas. A gente esquece de muitos, mas desses a gente sempre lembra”. Em 1968, o estádio Juca Ribeiro, onde o UEC mandava seus jogos, era acanhado, com arquibancadas de cimento e pouco conforto para os torcedores, mas a alegria de ver o time jogar compensava. As defesas seguras do arqueiro Renato, o “aranha negra”, a classe da dupla de zaga Dunga e Neiriberto, o talento do meia Hamilton, as cabeçadas e chutes violentos do atacante Ferreira e principalmente os dribles desconcertantes do ponta esquerda Reis, quem presenciou nunca vai esquecer. Durante os jogos acontecia sempre um ritual interessante: a torcida ia em peso para a arquibancada que ficava próximo ao ponteiro Reis e, no intervalo, como os times mudavam de lado, mudava junto com ele. Reis foi uma figura folclórica, boêmio inveterado, passava a noite na “gandaia” e muitas

vezes chegava no estádio na hora do jogo, sem condições físicas para atuar. Só que isso não era determinante para que não fizesse boas exibições. E a torcida não queria nem saber, queria assistí-lo em campo. O ex-presidente Aldorando Dias de Souza, em entrevista que concedeu ao programa Uberlândia de Ontem e Sempre, contou que várias vezes pediu para a polícia prendê-lo no sábado à noite e só liberá-lo momentos antes do jogo. Ou seja, ficar concentrado na prisão... Reis, quando deixou o Uberlândia Esporte Clube, foi jogar em Goiânia onde também aprontou, mas deixou boas recordações. Renato foi vendido para o Atlético Mineiro, tendo sido o goleiro do time que conquistou o primeiro campeonato brasileiro. Mais tarde, foi recontratado pelo Flamengo, atuou também no Fluminense e no Bahia e fez parte da Seleção Brasileira que disputou a Copa do Mundo na Alemanha em 1974. Ferreira foi o único que, fazendo parte do plantel do nosso periquito, fez parte de uma seleção brasileira. Depois do Uberlândia, teve rápidas passagens pelo Flamengo e América Mineiro. Fica o registro de dois times, o de 1968 e o de 1984, que nos deram muita satisfação e que marcaram momentos maravilhosos do futebol uberlandense. E a gente fica torcendo para que isso venha a se repetir.


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O artista visual Henrique Lemes é o xilogravurista uberlandense mais cultuado na cidade

ARTISTA DA CAPA

Um gravurista inovador UBERLANDENSE, RADICADO HÁ 29 ANOS NA ALEMANHA, HENRIQUE LEMES RECORDA SUA TRAJETÓRIA ARTÍSTICA ATÉ SE TORNAR EXPOENTE DA XILOGRAVURA Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

E

le quase foi um economista. Mas, definitivamente, essa área não o interessou. O que queria mesmo era ser artista, paixão que alimentava desde a mais tenra infância. Lembra de, aos cinco anos, já ser fascinado pelo desenho. E dele nunca mais conseguiu se desvencilhar. Há 39 anos se dedica profissionalmente a ele, como exímio e inovador xilogravurista. Sua história começou no Rio de Janeiro, onde foi estudar Economia. Quis o destino que ele se aproximasse de celebridades artísticas que lhe abririam a mente e os caminhos para a arte. O primeiro, um dos maiores gravuristas do país, Ciro Fernandes, que o incentivou a

descobrir o ofício. Quem o indicou para o ateliê do Ciro foi o poeta Thiago de Melo. Ciro iria ilustrar um livro de Melo e a função de Henrique seria auxiliar na impressão dessas gravuras ilustrativas. Ciro o introduziu ao processo da xilogravura, inclusive lhe presenteando com algumas ferramentas. E esse foi o início de tudo. Lemes tinha apenas 21 anos. Foi quando também conheceu o artista José Saboya, integrante do movimento Arte Naif, estilo de arte autodidata geralmente associado à ideia de ingenuidade e primitivismo, que o incentivou a retornar para Uberlândia e

se dedicar plena e totalmente à arte. E assim ele fez. Sua primeira exposição em Uberlândia foi em 1982. Ainda não existiam por aqui espaços públicos expositivos e ele estreou em uma galeria particular, mantida pelo arquiteto Paulo Carrara. Para produzir suas obras, ele foi autorizado a utilizar a oficina do curso de Artes Plásticas da Universidade Federal de Uberlândia. Ali conheceu artistas e acadêmicos que também o influenciariam em sua jornada, como Babinski, Darli de Oliveira, Lucimar Bello, entre outros. Foi o primeiro artista independente a obter essa autorização. Ali imprimiu os convites para a sua primeira exposição e também as gravuras que faziam parte dela, sendo incentivado por Babinski a abandonar a prensa e realizar impressões manuais de seus trabalhos, garantindo mais qualidade à obra. Sua primeira mostra foi um grande sucesso, reverberou pela cidade, teve visibilidade na imprensa e as obras foram todas vendidas. Para ele, foi a confirmação que precisava de que estava no caminho certo. Foi a partir desse início de carreira que ele também teve um mergulho ainda mais intenso no campo das artes. Outras exposições surgiram nesse período,


33 Sua obra é marcada pela profusão de cores em temas criativos

entre elas uma em Brasília, que teve repercussão em nível nacional, saindo inclusive matéria no telejornal da Rede Globo para todo o país. Em uma nova mostra de seu trabalho para um instituto franco-brasileiro, ele conheceu a professora Iolanda de Lima, que viria a ser a primeira secretária de Cultura de Uberlândia, na pasta que estava sendo criada pelo então prefeito Zaire Rezende. Com este reconhecimento todo que o artista estava tendo, Iolanda o convidou para compor a primeira equipe da Secretaria Municipal de Cultura. Ele aceitou o convite e assumiu o desafio de ser o primeiro coordenador do setor de Artes Plásticas da pasta, com atribuições de implantar projetos para galerias, oferecer cursos na área, cuidar do cine Vera Cruz, constituir acervo próprio, entre outras. Veio dele, por exemplo, a proposta de que a cada exposição realizada em espaço público da cidade, o artista em cartaz deveria doar uma obra à prefeitura, de modo a construir um acervo permanente para a cidade. Isso persiste até hoje e o acervo é simplesmente fantástico. Nessa função de servidor público, Henrique Lemes permaneceu durante toda aquela gestão, de 1984 a 1988. Viuse novamente na posição de escolher

entre uma carreira consolidada ou perseguir a sua própria caminhada artística. Não teve dúvida, pediu a exoneração e prosseguiu em seu caminhar por meio da arte. Logo em seguida, mesmo não estando mais a serviço da Prefeitura de Uberlândia, foi contratado para criar os painéis do novo Centro de Fiação e Tecelagem da cidade. Inspirou-se na urdidura e tramas das tecelãs para compor os três painéis e elas também lhe seriam, anos mais tarde, fonte de inspiração para uma série de gravuras encomendada na Alemanha. Para a Alemanha, Lemes foi em 1992. Ele foi convidado a realizar lá uma exposição. Deveria apenas enviá-la, mas decidiu ele próprio levar as obras e realizar pessoalmente a montagem. E por lá acabou ficando. A exposição, que previa uma integração entre música erudita e artes visuais, inclusive, foi intermediada por dois artistas uberlandenses à época residentes na Alemanha, o pianista Maxmiliano Brito e o cantor lírico Renato Mismeti. Outras exposições surgiram e o artista acabou construindo conexões que o mantiveram por lá. Desde então, tem produzido muito na Alemanha. Chegou a ter suas obras

servindo de design para indústrias de café, cacau e algodão. Daí, a série inspirada nas tecedeiras de Uberlândia. Em sua última vinda ao Brasil, há 11 anos, esteve no Centro de Tecelagem e as desenhou. Ficou feliz por elas se reconhecerem na imagem. Essa gravura compôs a série para uma indústria de Brehmen, quando em cada imagem inseriu um animal em alusão à famosa obra Os Músicos de Brehmen, de Jacob Grimm e Wilhelm Grimm (que, por sua vez, deu origem ao nosso brasileiríssimo Os Saltimbancos). No caso da gravura alusiva ao Centro de Tecelagem, há a figura de um gato. Essas empresas da Alemanha começaram a colecionar o trabalho do artista, tanto para compor acervo próprio como para reproduzi-las em latas, embalagens, etc. Mesmo de longe, Henrique Lemes não perdeu o vínculo com o Brasil. Aqui é representado pela marchand Beth Nasser, que promoveu para ele algumas exposições no Brasil. A relação com Beth, Lemes começou há décadas, quando sua tia, Lourdes Saraiva, era sua mecenas. Henrique Lemes também dá nome a uma sala da Casa da Cultura, onde algumas de suas obras pertencentes à Prefeitura estão expostas. Sua marchand, para além da admiração à pessoa extraordinária que considera Henrique Lemes, orgulha-se da relação de confiança estabelecida entre ambos. Esse vínculo é o que ela considera mais importante na relação marchand/artista. Beth Nasser diz ter contatos semanais com Lemes. “Falar de Henrique Lemes é falar daquele jovem inquieto, curioso e sedento de saber, que descobriu o mundo por meio de sua arte. Henrique é reconhecido pela crítica Lehmann como um grande representante da inovação na técnica da xilogravura contemporânea e é com muito orgulho que eu o represento no Brasil. Admiro muito esse


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Mesmo de longe, Henrique Lemes não perdeu o vínculo com o Brasil. Aqui é representado pela marchand Beth Nasser, que promoveu para ele algumas exposições no Brasil

jovem talentoso, corajoso, batalhador e vencedor”, diz Elizabeth Nasser. O artista considera o mercado alemão em nível de excelência, pelo próprio hábito de os europeus permanecerem mais em casa, até pela questão climática. Isso faz com que haja mais afinidade com a arte e com o aconchego que ela traz para os interiores das casas e empresas. Portanto, o clima e o poder aquisitivo, além da

A técnica usada por Lemes requer várias impressões de uma mesma imagem

própria formação cultural e das políticas públicas, acabam colaborando com um maior consumo de arte. Lamenta um pouco que no Brasil não seja assim, mas é otimista em relação a isso, considerando inclusive que já se avançou bastante nesse sentido. Como artista, ele procura transparecer uma linguagem universal. Não se deixa incluir no olhar exótico no qual às vezes é lançada à arte brasileira.

Henrique deixou várias obras em espaços públicos e privados da cidade. E ao lado: Artista assina painel do Centro Municipal de Tecelagem

Sempre tentou produzir um trabalho com caráter personalizado, com técnica própria desenvolvida ao ponto de sua xilogravura ter semelhança com a pintura. Não acredita que a profusão de cores impressa em suas obras conduza a essa estigmatização. Preocupa-se apenas em seguir o seu caminho com a brasilidade, que lhe é inerente, sem contudo deixar que ela se sobreponha ao seu trabalho.


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O histórico prédio da Câmara Municipal na praça Clarimundo Carneiro foi palco de inusitados acontecimentos e histórias

MEMÓRIA POLÍTICA

AMENOS E PITORESCOS CASOS NA UBERLÂNDIA MONUMENTAL Por OSCAR VIRGÍLIO PEREIRA

O

exercício do Poder, para atender a enormidade dos interesses coletivos, pode ser praticado sem se mostrar vestido de cores autoritárias ou dentro de rígidos ritos formais. O trato direto e discreto com os problemas individuais dos humildes ou com sonhos de visionários também pode às vezes conduzir a resultados exemplares e de grande conteúdo humanitário. Em Uberlândia, já ficou provado que em casas onde se exercitam pensamento e razão para formular altas políticas, cabem também amenidades ditadas pelo coração;

estas, apesar de seus contornos às vezes pitorescos, não deixam de ser inspiradoras. Eis alguns episódios: Quando Antônio Jorge Neto, que era Diretor do Patronato de Menores, mantido pelo Rotary Club, se elegeu Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Uberlândia, (1985/1986), projetos de lei importantes foram submetidos ao Poder Legislativo; mas as questões menores não deixaram de ter espaço garantido em seu Gabinete. O Presidente costumava atender diretamente as partes, dando solução positiva ou negativa aos pleitos apresentados.

Em um de seus expedientes, Toninho Jorge recebeu a visita de uma senhora humilde, modestamente vestida, que pedia vagas no Patronato de Menores para seus três filhos menores, que ela, viúva e sem emprego, não tinha condições de criar e educar. Toninho pediu a ela que esperasse enquanto pensava no assunto. Na mesma semana, veio outro visitante, um quarentão, e lhe disse que, tendo ficado viúvo, não tinha tempo para cuidar dos três filhos, porque tinha de trabalhar para sustentá-los. Queria também colocar os meninos no Patronato. Diante daquela situação jurídica e social, mas antes de tudo humana, Toninho, antes de conciliar a ação de uma instituição privada (Rotary) com a do Poder Público (Câmara), quís estimular as próprias forças daquelas pessoas. Pensou um pouco, mandou chamar a mãe dos três meninos e lhe fez uma descrição elogiosa, tanto da aparência como do caráter do outro pleiteante de vaga no Patronato e lhe perguntou, de sopetão, o que achava de uma pessoa daquele tipo. A mulher, surpresa, disse que um cidadão assim lhe parecia ser uma boa pessoa. A seguir, o Presidente fez o mesmo com o outro, que também aprovou a condição da colega. Toninho então apresentou


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Oscar Virgílio, Toninho Jorge e o ex-deputado federal e senador, Ronan Tito de Almeida

os dois e lhes fez uma sugestão: que conversassem, conhecessem um ao outro por alguns dias e quem sabe, começassem uma nova união, apoiando-se mutuamente. Foi assim que eles descobriram serem almas gêmeas, com as mesmas esperanças, necessidades e possibilidades; passaram a viver juntos, dividindo com sucesso as tarefas de manter uma casa e cuidar dos filhos, que ganharam pai, mãe e mais irmãos. Certamente não faltou a eles o apoio financeiro particular do austero Toninho, que jamais aplicou recursos públicos para fins particulares, mas era um conhecedor da natureza humana, portador tanto de sabedoria como de altruísmo. Um outro de muitos casos resolvidos na Câmara Municipal foi o da pedinte, pobre e sozinha na vida. Indiscretamente e de modo direto, como era de seu estilo, Toninho Jorge criticou-lhe a condição de solteira e desempregada, naquela idade: seria por feiúra, preguiça ou mal arranjo? Ela respondeu que não, e afirmou que, bem aprontada, com um “banho de loja”, poderia encontrar trabalho e até quem a amasse; mas não tinha como fazer isto, por falta da menor condição financeira. Toninho chamou uma auxiliar e mandou que ela conduzisse a suplicante pelas melhores lojas e salões de beleza da cidade,

providenciando, sem economia, por conta dele, tudo para que a cidadã passasse pela metamorfose tão desejada. E não é que deu certo? A pessoa que apareceu em casa do Toninho à noite, fazendo questão de mostrar o resultado, causando admiração a ele e sua esposa, foi uma beldade, “produzida” com muito luxo e sem economia e agora portadora de enorme provisão de roupas e apetrechos femininos, que agradeceu e, com a autoestima em elevadas alturas, partiu irradiando beleza e alegria, em busca de sua afirmação pessoal. Astolfo Carlos da Silva, modesto cidadão autodidata, era portador de uma ideia fixa que defendia sem parar: sustentava que Uberlândia precisava contar com um teatro, para estimular o aprimoramento cultural de sua população, cuja maioria nunca presenciara apresentações artísticas em ambiente aprimorado nem assistira à representação de uma obra clássica. Ele não foi o primeiro a defender esta conquista cultural; mas foi o primeiro a dedicar-lhe sua vida por inteiro. Astolfo não perdia ocasião de defender a sua tese, às vezes com grande veemência , sem economizar agressividade quando era contrariado. Chegou a fundar a Empresa Teatral

Uberlandense, da qual era Presidente, de onde partiam incessantes apelos às autoridades. Certa vez, na década de 50, após uma conferência do Deputado Federal José de Carvalho Sobrinho sobre o tema “O Monopólio Estatal do Petróleo”, assim que o conferencista abriu espaço à enorme platéia para indagações apropriadas, Astolfo introduziu sua revindicação, perguntando ao Deputado: - O que o senhor aconselha a fazer quando um Prefeito incompetente deixa de cumprir a obrigação de prestigiar a construção de um Teatro na Cidade? O Prefeito, Afrânio Rodrigues da Cunha, que estava presente, só conseguiu evitar, com muito esforço, que a reunião fosse tumultuada prometendo que o caso do teatro seria discutido em situação mais apropriada. Com Astolfo era assim: não havia reunião pública em que ele deixasse de apresentar a questão do Teatro para Uberlândia. Astolfo não perdia nenhuma sessão da Câmara Municipal. Suas frequentes intervenções verbais, ora de modo irreverente, ora agressivo, sobre o Teatro e também sobre outros assuntos do momento causaram muitos tumultos.


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tarde pelo Prefeito Odelmo Leão Carneiro, com grande apoio de empresários e da comunidade, na competente gestão da Secretária de Cultura Mônica Debs. A inauguração aconteceu em 20 de dezembro de 2012 e o Teatro Municipal se mantém desde então em constante funcionamento. Astolfo não assistiu à realização de seu sonho, maior, muito maior do que ele imaginara, porque já morrera, há quase vinte anos. Registro do encontro do então presidente da Câmara, Toninho Jorge com o ex-presidente Tancredo Neves e o ex-governador Hélio Garcia Só passou a haver paz na gestão de Antônio Jorge Neto. Este se entendeu com o defensor do Teatro, regulamentou a sua frequência no uso da palavra, que lhe concedia de vez em quando, por tempo muitíssimo curto, mas garantido. Quando o argumento era longo, Astolfo se manifestava por escrito. O “Vereador Honorário” sempre respeitou o acordo, e a rotina passou a ser seguida pelos vários Presidentes da Câmara municipal sucessores de Antônio Jorge Neto. O visionário Astolfo era provavelmente uma daquelas linhas tortas que alguns dizem usadas às vezes por Deus para escrever certo. Seu patético e insistente apelo acabou sendo transformado em aspiração da cidade e do meio cultural-artístico: por meio de iniciativas de outros, menos agressivas e mais agregadoras, surgiram o Teatro Rondon Pacheco e o Teatro Grande Otelo, ainda que com dimensões acanhadas. O Prefeito

Virgílio Galassi, assessorado pela Secretária de Cultura Terezinha Magalhães, aperfeiçoou a ideia, dando início a um extraordinário projeto arquitetônico elaborado e doado, vejam só, pelo grande arquiteto Oscar Niemeyer. Uberlândia tem hoje o seu Teatro Municipal, uma das melhores casas de espetáculos do País, edificada segundo o melhor figurino e equipada com todos os requisitos modernos, em extensa área pertencente ao Município, recuperada pela Procuradoria Geral do Município em ação judicial da qual este memorialista teve a honra de participar. O acompanhamento legal dos processos licitatórios das fases de acabamento, instalação e complementares contou com o trabalho idealista e exaustivo do então Diretor de Contratos do Município, Dr. Heli Alberto Faria de Souza. A obra foi terminada anos mais

O legendário Astolfo Carlos da Silva que não perdia uma sessão da Câmara Municipal


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Dantas Ruas, antes de vir para Uberlândia viveu momentos de muito prestígio na época de ouro do radio brasileiro na então capital do país, Rio de Janeiro

Dantas Ruas: C eu destaco você! Por Júlio César de Oliveira

Altamirando Dantas Ruas nasceu em Pedra Azul no dia 29 de maio de 1922. Nos anos 1930, foi morar na cidade de Salvador com os seus tios. Na capital baiana estudou no Instituto Baiano de Ensino. Nesse educandário apaixonou-se pela literatura e escreveu as peças teatrais Escravos e Quando a Pátria Chama. Em 1938, tornou-se locutor da rádio Excelsior e trabalhou no jornal baiano O Imparcial.

om a eclosão da Segunda Guerra Mundial (193945), ingressou no exército interrompendo, momentaneamente, suas atividades profissionais. Ao término do conflito, mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro. Na “cidade maravilhosa” trabalhou, entre 1946 e 1959, nas rádios Mayrink Veiga, Guanabara, Mundial e Nacional. Na primeira foi locutor do programa de auditório Trio da Alegria e na última atuou como ator na novela Aqueles Olhos Negros. Em 1960, mudou-se para o estado do Espírito Santo, atuando profissionalmente na rádio Capixaba de Vitória. Em 1961, fixou residência em Uberlândia. Em junho desse ano, escreveu para o Jornal Correio de Uberlândia a crônica Eu Destaco Você, sob o tema Frequentador Educado de Nossos Cinemas. Sobre a crônica, o


Dantas aqui ao lado do fundador da Faculdade de Engenharia, dr. Genésio de Melo Pereira e o ex-vice-prefeito e presidente da ACIUB, Celson Martins

Jornal Correio de Uberlândia daquele ano fez o seguinte comentário: “A ‘novelinha’ da semana está fazendo sucesso, pela sua originalidade e pelo culto grau artístico do cast que interpreta. Magda e Dantas Ruas, constituem a famigerada dupla da Rádio Educadora. Ambos produzem e interpretam admiravelmente. [...] os rádio-teatros da Rádio Educadora prosseguem otimamente bem. São, sem a menor sombra de dúvida, os melhores da região”. Além da Educadora, Dantas Ruas também trabalhou na rádio Cultura, na TV Triângulo e, tempos depois, na TV Paranaíba. Devido à popularidade obtida no rádio, elegeu-se vereador da cidade de Uberlândia, em 1967, pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),

no ano de 1970. Como vereador, defendeu na Câmara Municipal melhores condições de trabalho para os taxistas e fez parte de diversas comissões, entre elas, da responsável pela criação da ICASU (Instituição Cristã de Assistência Social de Uberlândia). No entanto, foi como cronista que Dantas Ruas se destacou na cidade. Assim como os demais cronistas do século XX, os textos de Dantas Ruas apresentados nas rádios, e posteriormente publicados nos jornais, o cotidiano da cidade e destacaram personagens conhecidos e anônimos da sociedade uberlandense. Um dos livros, que reúne crônicas cuidadosamente escolhidas por ele, “o Sorriso da Inocência” foi doado ao Lions Clube Felisberto Carrijo,

para angariar fundos para a construção da Casa da Criança. Ele ainda gravou um disco, com tiragem especial, contendo crônicas e poemas. Era como cronista que Dantas Ruas gostava de ser chamado, o poeta ficava em segundo plano. Relendo suas crônicas verbalizadas nas rádios e publicadas nos jornais dos anos 1960/70, percebo que elas seguiam as determinações impostas pela indústria jornalística (número de páginas e caracteres) e radiofônica (minutos destinados à transmissão radiofônica). Assim como os demais cronistas da rádio do século XX, o seu texto coloquial, próximo à conversa, informou e divertiu uma grande parcela da população uberlandense, em particular à analfabeta. Revisitando seus textos que versavam sobre o cotidiano da cidade


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Luiz Fernando Quirino, Dantas Ruas e Sérgio Martinelli, três ícones da imprensa uberlandense

e destacavam os personagens conhecidos e anônimos da sociedade uberlandense, retorno à minha infância. Retroajo a um tempo em que suas crônicas lidas no rádio eram atentamente ouvidas nos lares, armazéns e botequins. Relendo Eu Destaco Você, Crônicas Da Cidade e Crônicas Da Tarde, lembro-me de uma Uberlândia e de um país que não mais existe. Após tantas (re)leituras realizadas no tempo presente, destaco Dantas Ruas que, ao longo de sua vida, definiu-se como jornalista de profissão, cronista por devoção e um romântico incurável. Faleceu em Uberlândia no dia 27 de janeiro de 1999. Júlio César de Oliveira. Doutor em História Social pela PUC/SP. Autor do livro Ontem ao luar: o cotidiano boêmio da cidade de Uberlândia (MG) nas décadas de 1940 a 1960, Edufu, 2012.

Capa do LP “De mim para você” com crônicas escritas e narradas por Dantas Ruas


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A antiga Santa Casa de Misericórdia dos padres vicentinos, que atendia população carente de Uberlândia, atual Hospital Santa Genoveva.

HOSPITAL SANTA

GENOVEVA UMA HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO E DE EVOLUÇÃO

Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

Sr. João Garcia Borges, Dr. Valdo Borges, Sr. Saul Afonso (Provedor da Santa Casa), Frei Egídio Parizi (Pároco da Capela do Hospital), Sr. Vírgilio Galassi (Prefeito de Uberlândia) e Sr. Ângelo Cunha Neto (Presidente da Câmara)

H

ouve um tempo em que Uberlândia era uma cidade pequena e os serviços médicos precisavam alcançar também a população mais pobre. Não existiam ainda planos de saúde, hospitais públicos e sequer previdência social para atendê-la. Homens de fé em Deus, como os padres vicentinos, cumpriam essa função. Cuidavam do Hospital São Vicente, também conhecido como Santa Casa de Misericórdia, e ali, nos cuidados com a saúde, as esperanças dos mais carentes eram renovadas. E estes missionários contavam com o apoio e voluntariado de praticamente todos os médicos da cidade. A Santa Casa havia surgido em 1918, dedicada à ação social e o atendimento aos doentes pobres. até que a Sociedade de São Vicente de Paulo em Uberlândia a assumiu em 1943 e a gerenciou até o encerramento de suas atividades, na década 1970. Com o tempo, a cidade e o país evoluíram, foram instituídas políticas públicas de atenção à saúde da população, a medicina evoluiu em nível nacional e também em nível local e, como os vicentinos não conseguiam recursos para atualizar e manter


Antiga capela do Santa Genoveva e abaixo uma das fachadas do Hospital que passou por várias transformações

a iniciativa do hospital, ele foi transferido à iniciativa privada, dando origem àquele que hoje é um dos principais complexos hospitalares da cidade, o Hospital Santa Genoveva, cujo nome é uma homenagem à santa padroeira de Paris, que viveu no século IV e realizou milagres de cura. Tudo começou quando o médico Wilson Galvão ouviu, em 1974, de um dos provedores da Santa Casa, Saulo Afonso dos Santos, sobre as dificuldades da instituição e a eminência de seu fechamento. Preocupado com isso, Dr. Galvão recorreu ao colega de ofício, o médico Fausto Gonzaga de Freitas, para pensarem em soluções, como a aquisição e transformação do local. Essa negociação permaneceu em sigilo por mais de um ano, até agosto de 1975, quando se tornou pública em decorrência de ser concretizada. Muitos profissionais da área consideraram a iniciativa uma loucura, dada as condições estruturais da Santa Casa, que estavam em derrocada. Ainda assim, um grupo de 32 médicos atendeu ao convite do Dr. Galvão e do Dr. Fausto e somaram à fundação do Complexo Hospitalar Santa Genoveva, inaugurando uma história de pioneirismo para o setor em Uberlândia. Entre eles, estavam nomes como Antônio Roquete, Carmo Gonzaga, Castinaldo Brasil, Dorinato Jorge, Henrique Garcia, João Kazan, Luizote de Freitas, José Ribeiro, Milton Viana,

Oswaldo de Freitas, Salah Daud, Valdo Borges e Willian Daud. Uberlândia, na época, tinha cerca de 125 mil habitantes. O médico Wilson Galvão, assim como Dr. Fausto Freitas, entre outros dos fundadores, eram oriundos do antigo Hospital Santo Agostinho, extinto quase na mesma época. Quando aconteceu a aquisição da Santa Casa dos padres vicentinos, engatinhava a Faculdade de Medicina de Uberlândia e existia a possibilidade de ela própria assumir o hospital. Galvão, diante do fechamento do Santo Agostinho, intensificou sua atuação na Santa Casa, vislumbrou a oportunidade de adquirila e atendeu ao apelo do Dr. Fausto para permanecer em Uberlândia, já que estava prestes a ir para os Estados Unidos. E assumiu o compromisso de corpo e alma. Mencionou em um depoimento que chegou a fazer de tudo pela implantação do hospital, de desenhos para a planta a serviços de auxiliar de pedreiro. O pneumologista Valdo Gonçalves era diretor clínico da Santa Casa e também foi um dos fundadores do Santa Genoveva. Paralelamente, ele também atuava no Hospital São Francisco. Ele chegou a relatar que a Santa

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Casa, apesar de todas as dificuldades era extremamente bem cuidada pelas freiras e padres vicentinos. Este comprometimento, muito provavelmente, também motivou a transferência para a iniciativa privada. Uma das inovações que o Hospital Santa Genoveva implantou na época foi o plantão permanente de médicos, em esquema de revezamento. Até então, não existiam plantões 24 horas e, em situações de emergência, o atendimento médico era realizado em domicílio. O Santa Genoveva passou a ser então, em primeira instância, a referência da cidade em pronto atendimento. E de lá pra cá, nestes 45 anos de funcionamento, foram inúmeras as inovações apresentadas. Outro fundador do Santa Genoveva que também deixou depoimentos sobre esse período de fundação do Complexo Hospitalar, foi o pediatra Salah Daud, falecido no início deste ano. Junto de dois ícones da pediatria local, os doutores Odelmo e José Ribeiro, ele teve um Instituto de Pediatria na praça Rui Barbosa, mantida por dois anos, até finalizar as atividades e transferir-se com os sócios para a sociedade Hospital Santo Agostinho, integrando parte do grupo que, pouco tempo depois, adquiriria a Santa Casa.


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Frei Egydio Parisi, dr. Castinaldo, dr. Wilson Galvão, Virgilio Galassi (prefeito) e Angelo Cunha Neto (presidente da Camara Municipal). abaixo dr. Fausto Gonzaga de Freitas o grande idealizador e criador do Hospital Santa Genoveva

o longo do tempo o crescimento do hospital foi tomando grande dimensão e ganhando credibilidade e confiança da sociedade. Da década de 1970 para cá, 11 presidentes dirigiram o hospital que hoje aproximadamente 300 médicos em 40 especialidades. Atualmente, o Santa Genoveva é considerado o maior complexo hospitalar privado de Uberlândia e chega a atender diariamente cerca de 187 pessoas no pronto-atendimento, atingindo uma média mensal de 5.800 atendimentos. Em 2015, implantou a primeira sala cirúrgica híbrida de Minas Gerais, capaz de realizar diagnósticos e tratamentos de alta complexidade, com técnicas minimamente invasivas. No final de 2016, foi implantado o Setor de Oncologia, que tinha como meta inicial atender 50 pacientes nos primeiros seis meses. Atualmente, já são 85 em tratamento. Em 2018 aconteceu o primeiro transplante de medula óssea autólogo e o Santa Genoveva foi o primeiro Hospital de Uberlândia, a realizar tal procedimento. Até o momento, foram realizados mais de 15 transplantes. Entre 2018 e 2019, foram investidos R$ 20 milhões para a inauguração de 72 novos leitos, equipados com tecnologia do Sistema Evolutix. Em 2019, o Serviço de Hemodinâmica do Santa Genoveva foi o único do Triângulo Mineiro, único entre os hospitais privados de Minas Gerais e o nono do Brasil a receber o Selo Diamante, concedido pelo IQG - Health Services Accreditations, em parceria com a Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI).


Dr. Henrique Garcia Borges Por CARLOS GUIMARÃES COELHO/CELSO MACHADO

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O

médico Henrique Garcia Borges nasceu em Uberlândia, em dezembro de 1941. E aqui viveu a infância e adolescência, fez o curso primário no grupo escolar Doutor Duarte Pimentel de Ulhôa e o ginasial no antigo Liceu de Uberlândia, saindo da cidade para os estudos do antigo curso científico em Ribeirão Preto, sendo o último ano deste cursado no Rio de Janeiro, onde também ingressou na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, hoje é a UNIRIO, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Retornou à cidade, já como médico, aos 28 anos. O jovem profissional da saúde, que se tornou médico por influência da mãe – o pai gostaria que ele se tornasse engenheiro -, convivia no Rio, no curso de Medicina, com outros lendários uberlandenses, como o professor Josias de Freitas, que lá mesmo se movimentou para a implantação do curso aqui em Uberlândia, além dos amigos Mário Augusto e Afrânio Azevedo, dois que também deixaram impressos seus nomes na história da Medicina em Uberlândia.

Dr Henrique com a esposa Vera Lúcia e o filho dr. Cláudio Henrique muito atuantes. Segundo ele, “tinha bons cirurgiões, alguns de alto padrão, como o doutor Arnaldo Vieira de Carvalho, o doutor Honorato, o doutor Duarte Ulhoa Portilho, o doutor Bolivar, o doutor João Fernandes. Tinha o doutor Ismael, o doutor Hermilon Corrêa, médicos de altíssimo gabarito. Então, eu me surpreendi com o nível médico que tinha a cidade naquela época. Para mim foi uma boa surpresa”. Foi ele quem, dois anos depois de sua chegada, lavrou a ata de fundação da cooperativa do setor, a Medminas, que depois seria a Unimed, a mesma da qual foi integrante da primeira diretoria, como secretário. “Tenho uma ótima lembrança dessa época.

A Sociedade Médica promovia sistemáticas reuniões mensais, além de atuar também como uma espécie de clube social para os profissionais Dr. Henrique retornou à cidade, da área, promovendo encontros depois de formado, por influência do festivos, jantares, etc.. O surgimento pai, mesmo seu professor Josias lhe da Unimed foi uma maneira de os oferecendo uma colocação no Rio de médicos se aproximarem mais do Janeiro. Segundo ele, aqui chegando doente. Existia aquele vácuo. Se o obteve grande apoio do médico doente era indigente, ia para a Santa Honorato Vieira de Carvalho, com Casa e as outras opções eram o INPS quem trabalhou por cerca de quatro ou a clínica particular. Não existia anos, na Casa de Saúde São Miguel. um nível intermediário”, relatou o médico. Dr. Henrique surpreendeu-se com Quando retornou a Uberlândia, o que viu por aqui. A cidade que ele entrou em um corpo médico com a imaginava pequena e provinciana, mesma competência que conheceu suspirava ares de progresso. Os no Rio de Janeiro. Eram em menor poucos médicos existentes eram número, mas com atuação em nível

de excelência. O cenário da medicina local ainda era muito incipiente. Ele contou, por exemplo, que o Hospital Santa Genoveva era o Hospital São Vicente de Paula, conduzido pelos padres vicentinos e chamado de Santa Casa. E era um serviço praticamente gratuito. “O médico vinha aqui operar em prol da medicina e do doente, sem ganhar nada. Era um hospital bom, não era excepcional, mas era bem organizado, limpinho. A Santa Casa ofereceu muito serviço aos mais pobres. Os médicos contribuíam como podiam. Eu fiz várias cirurgias no Hospital São Vicente, como todos os médicos de Uberlândia também fizeram. Todos eles se uniram em prol da Santa Casa. Depois, veio o problema financeiro, problema administrativo, a cidade foi mudando e a Santa Casa virou o Santa Genoveva”, contou Dr. Henrique, sendo ele próprio um dos pioneiros do Hospital Santa Genoveva, cuja fundação se deu em 1975. Mesmo em se tratando de um profissional que atuou de modo empreendedor no setor médico, Dr. Henrique revela modéstia ao revisitar o seu expressivo passado de realizações. Considera-se apenas um médico igual aos tantos outros. “Trabalhei demais, atendi gente, até indigentes, na Santa Casa. Atendi doentes em vários hospitais. Operei muita gente, foram mais de 16 mil cirurgias. Hoje eu tenho mais amigos


“ É preciso estudar sempre. A formação de hoje é boa, mas é preciso correr constantemente atrás das atualizações”

e menos pacientes, pois os pacientes viraram amigos”, orgulhou-se. Para ele, a medicina é um universo surpreendente. “Há doentes que melhoraram sem a gente esperar por isso, outros bons pioraram, coisas que aconteceram que a gente nunca poderia imaginar. Só quem vive isso de dentro pode saber. O médico ajuda muito as pessoas. É preciso que ele seja um pouco mais valorizado. As autoridades e o Governo precisam valorizar melhor o médico. Eu tinha um professor que dizia o seguinte: ‘você pode ter uma escola de medicina em qualquer lugar, até debaixo de uma árvore. Só precisa ter o professor, o aluno e o doente. Se um desses pilares soltar, não existe medicina’. Não existe medicina sem doente. Não existe medicina sem o médico. E não existe medicina sem quem ensina. Então, o professor, o médico, o doente e o hospital fazem parte do contexto”, opinou. O ofício de Dr. Henrique acabou se perpetuando também no seio familiar. Ele, que chegou a lecionar na faculdade de Medicina em seus primórdios, tem um neto e dois filhos médicos. A filha tornou-se advogada. “Sinto que a medicina está entre a minha vida e a da minha família. Eu só tenho que agradecer à medicina hoje”, afirmou o médico, ressaltando sua crença que o povo merece uma medicina melhor. “O médico não tem condições, sozinho, de oferecer uma boa medicina. Ele precisa do apoio, precisa de hospital, precisa de remédio, de material, de enfermagem, de limpeza no hospital, tudo isso para ter condições de trabalhar. A pior coisa é um doente chegar em um hospital e não existir as condições

ideais para tratá-lo. Isso é frustrante para o ser humano. Tem gente que diz: ‘Médico ganha dinheiro demais’. O que o médico ganha e o que faz na medicina é o natural da profissão. Uma vez um médico português, no Rio, me disse o seguinte: ‘a vida não tem preço. Mas, a medicina tem’. O médico não pode fazer daquele doente a sua vida. Ele ganha do ofício o que a medicina preceitua, pois é uma profissão de preço e não de exploração”, refletiu o médico. Dr. Henrique formou-se há 53 anos. Ainda está na ativa, mas se preparando para parar. Pretende exercer a profissão por um ano ou no máximo dois e depois se afastar um pouco. Não tem muitos planos para quando isso acontecer e imagina que ainda deve aparecer esporadicamente em seu trabalho. O médico está casado há 53 anos “e muito bem casado”, faz questão de enfatizar - com a pedagoga Vera Lúcia Abrão Borges, professora universitária aposentada. Trabalhou 35 anos no Departamento de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia. No seu tempo livre, Dr. Henrique gosta muito de ouvir música erudita. É o seu passatempo predileto. Afirmou que a ouve muito, estando entre os preferidos para audição o brasileiro Carlos Gomes e o austríaco Wolfgang Amadeus Mozart. Segundo ele, passa dos três dígitos o número de óperas que já assistiu. Fica feliz pela internet ter facilitado este acesso, principalmente pelos canais do YouTube, mas já viajou várias vezes com o intuito apenas de assisti-las, em cidades como Ribeirão Preto, São Paulo e Rio de Janeiro.

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Além desse passatempo predileto, também gosta muito de assistir jogos de futebol. Para as novas gerações de médicos, Dr. Henrique aconselha perseguir sempre o aprofundamento na área. Considera a contemporaneidade, embora bastante facilitada em relação aos tempos antigos, com o setor médico vivendo um período muito sacrificado. “É necessário que os profissionais da área se aprimorem sempre e não permitam que a profissão decaia. Hoje existe à disposição um bom conhecimento médico, mas quem está começando a carreira deve investir no conhecimento e no bom relacionamento com os demais médicos. É preciso estudar sempre. A formação de hoje é boa, mas é preciso correr constantemente atrás das atualizações”, orientou Dr. Henrique. Da época que retornou para a cidade, no fim dos anos de 1960, à era atual, o médico considera que Uberlândia foi abençoada pelo serviço médico que possui. Ele vê a cidade muito bem equipada no setor. “Hoje existem profissionais de altíssimo nível, hospitais incríveis, laboratórios diversos e de imagens muito bem equipados. É uma referência para o país, quem sabe até mesmo para América Latina. Tem de prosseguir assim. O povo da cidade deve valorizar a medicina que tem”, finalizou o médico.

Não existe medicina sem doente. Não existe medicina sem o médico. E não existe medicina sem quem ensina


ASSOCIAÇÕES FEMININAS DE UBERLÂNDIA (1920-1935) Elvira Komel (1928) http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/

MULHERES EM MOVIMENTO Por JANE DE FÁTIMA SILVA RODRIGUES

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ensar nos espaços para além da domesticidade feminina tem nos mostrado uma movimentação intensa das mulheres de Uberabinha a Uberlândia, conforme já demonstramos nos vários artigos escritos sobre a temática, publicados na Revista Almanaque, cuja importância é ímpar para o resgate da memória e da História do município uberlandense. Tivemos a oportunidade de, no último número desta Revista, escrever sobre o Grêmio Recreativo e Literário Feminino (1923-1930), que se constituiu em um espaço de ativa sociabilidade feminina, na pequena e pacata urbes de Uberabinha. A pesquisa sobre a temática revelounos uma marcante presença feminina fora do espaço doméstico, enveredando por diversas searas do cotidiano sociopolítico e cultural do município. Infelizmente as notícias veiculadas pela imprensa local, nossa principal fonte histórica, são esparsas, o que nos

impossibilita precisar a dimensão real da participação das mulheres, fora do âmbito doméstico, até os anos 60 do século passado, mas são indícios que comprovam uma forte atuação. O Jornal A Tribuna*** de 17/05/1925, nº 291, noticia a criação da Associação das Mães de Família, como política educacional do governo do Estado de Minas Gerais, pelo seu presidente, Dr. Mello Vianna. A solenidade foi dirigida pelo presidente da Câmara de Uberabinha, Cel. Eduardo Marquez e pelo profº Francisco de Mello Franco, diretor do Grupo Escolar e realizada no Paço Municipal com a presença de “elevado número de senhoras e cavalheiros da nossa melhor sociedade”. A diretoria da Associação das Mães de Família foi composta por Amanda Carneiro Teixeira**** (presidente), Hermínia Zocoli Costa (vice-presidente), Orlantina Penna (secretária) e Clarinda de Rezende (tesoureira). “Pela distincta*****

presidente, foi proferido longo e empolgante discurso sobre o dever das mães, concitando-as ao seu cumprimento”. As Associações das Mães de Família foram criadas em várias cidades de Minas Gerais, inseridas no artº 82 do Regulamento do Ensino Primário, de 1924. A Revista do Ensino, uma publicação do Estado de Minas Gerais, assim enfatizou o papel destas associações que deveriam [...] cooperar estreitamente com as autoridades escolares para o fim de levantar na escola o nível moral e de saúde, promover a matrícula e a freqüência escolar, concorrer para o desenvolvimento e o progresso das instituições escolares, particularmente as destinadas à assistência aos meninos pobres (Revista do Ensino, 1928, p. 3 www.repositorio.ufsc.br/xlmlui). Esse foi o incansável objetivo da Associação das Mães de Famílias da então Uberabinha na figura de duas de suas baluartes, Amanda Carneiro Teixeira e Clarinda Rezende. A associação se extinguiu em maio de 1931, noticiada pelo Jornal A Tribuna de 03/05, nº 547, “Esta associação prestou relevantes serviços aos meninos pobres desta cidade, alunos do nosso Grupo Escolar, e sua presidente, uma verdadeira heroína, mantendo com ingentes esforços essa sociedade que agora desaparece”. Pelos poucos artigos veiculados na imprensa local sobre a Associação das Mães de Família, foi possível perceber o labor da sua diretoria que recebia instruções diretas da Secretaria do


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Grêmio Literário e recreativo de Uberabinha – Diretoria 1926. De pé da direita para a esquerda: Aristotelina Magalhaes, Marieta dos Santos, Orestina Rezende de Barros, Emília Ribeiro, Maria Altina Jardim e Alice Paes. Sentadas: Alfredina Rezende, Brazilica Pacheco de Freitas, Maria Ribeiro Guimaraes, Marcigeta e Berenice Rezende Diniz. Interior do Estado de Minas Gerais, no que dizia respeito à divulgação das matrículas escolares, bem como, à manutenção, por meio de recursos financeiros, da permanência de crianças carentes na escola. Várias festas e outras atividades foram organizadas por suas dirigentes para a arrecadação de fundos necessários a esses propósitos, embora alguns artigos deixam transparecer a falta de apoio da sociedade, conforme o Jornal O Triumpho, de 10/05/1931, nº 4, “O motivo da extincção é a dificuldade com que a referida associação luctava para angariar donativos, porque era muito resumido o número de pessoas de bôa vontade que contribuíam ... o que causa verdadeiro pasmo!”. A Associação das Damas de Caridade de São Vicente de Paula constituiu-se em maio de 1929 com a seguinte diretoria: Vandilina Cunha e Augusta de Freitas (presidente e vice), Elvira Monteiro e Célia da Cunha (secretárias), Fiuca Freitas e Deolina Faria (tesoureiras), além de 12 mulheres no Conselho Fiscal. O objetivo da Sociedade era “trazer um grande conforto aos nossos mendigos

e aquelles que se impressionam com a quantidade de pedintes desta cidade”, disse a srª Elvira Monteiro ao Jornal A Tribuna, em 02/06/1929, nº 449. O referido Jornal, em seu nº 452, de 23/06/1929, traz uma matéria na qual a Associação enviou uma circular ao delegado e ao agente executivo do município solicitando uma mensalidade para a “Caixa das Esmolas, cujo produto servirá para o amparo dos nossos pedintes que serão retirados da circulação”. O escopo da solicitação era amparar em suas próprias casas “os deserdados da sorte, que arrastam perante o público a sua desdita”. Em setembro de 1929, a presidente eleita foi substituída por Iveta Borges Vilela, assim mencionada por Tito Teixeira: “foi para os pobres de Uberlândia uma devotada e para a sociedade, uma das mais distinctas colaboradoras” (Bandeirantes e Pioneiros do Brasil Central, v. 2, p. 254). O Jornal A Tribuna, de 19/08/1934, nº 820, anuncia novamente a refundação da Associação das Damas de Caridade, “que vem cooperar com a Conferência de S. Vicente, na assistência aos pobres de nossa terra”. A diretoria ficou a cargo de Maria

Leonor de Freitas Barbosa e Otília de Souza Macedo (presidente e vice), Benedicta de Ulhoa e Maria Barbosa (1ª e 2ª secretárias) e Aracy Moreira e Maria F. Peppe (1ª e 2ª tesoureiras). O articulista da matéria tece vários comentários sobre o sentimento da caridade e parabeniza as mulheres uberlandenses por esta empreitada em prol dos mais necessitados, “como anjos de consolação, sob o signo da mais santa das virtudes, aplacar a fome, sanar feridas, consolar tristeza e dulcificar agonias”. Embora não sendo uma associação ou sociedade, e de duração efêmera, merece destaque a criação do Batalhão Feminino João Pessoa, organizado em 05/10/1930, por iniciativa de Elvira Komel, em Belo Horizonte, e com aderência de várias cidades mineiras, incluindo Uberlândia. O município se tornou sede do comando da região do Triângulo Mineiro, sob a liderança do então senador Dr. Camilo Chaves, Comandante em Chefe e, para o município, o major José Persilva, oficial do 5º Batalhão da Força Pública de


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Minas Gerais, tendo como assistente o capitão Tito Teixeira. Coube à Stela Ribeiro Cunha, esposa do Dr. Otávio Rodrigues da Cunha, prefeito municipal, encarregar-se da organização do Batalhão Feminino João Pessoa em Uberlândia, por meio de um boletim concitando as mulheres a se alistarem. O Jornal O Diário da Revolução, de 19/11/1930, nº 11, reproduz um manifesto assinado por Elvira Komel, expondo as razões pelas quais as mulheres mineiras deveriam apoiar a criação do referido Batalhão: “À mulher mineira, que sempre se mostrou altiva deante do perigo ... cujas tradições de civismo assignalam as páginas mais refulgentes da história pátria – cumpre, neste lance decisivo da nossa vida republicana, zelar e defender os exemplos de bravura e honradez que lhe marcaram, em todos os tempos, as atitudes ... A postos, pois patrícias ... Tudo pela pátria, tudo pelo ideal”. Neste mesmo Jornal, em 24/10/1930, nº 16, publica-se a relação das diversas comissões que foram formadas, nominando suas presidentes e membros: Comissão de Informações: Odete de Oliveira Marquez; Comissão de Amparo às Famílias Combatentes: Deolinda Cupertino Faria; Comissão Encarregada de Confeccionar Roupas, Lençóis e Peças de Vestuário: Chiquinha Zanatta e Eufemia Toledo; Comissão de Proteção à Indigência: Clarinda Rezende; Comissão Angariadora de Donativos: Roselmira Santa Cecília; Comissão da Cruz Vermelha: Elisa Augusta Vilela Marquez. Em 16/08/1933, o Jornal A Tribuna, nº 716, publica um ofício tornando pública a fundação da Sociedade

Beneficente Feminina, “que tem por alvo socorrer os necessitados, dando-lhes remédios para seus males physicos e moraes ... e no conjunto das associadas não se distingue classe, cor e religião”. O ofício solicitava apoio do Jornal e expunha a composição da diretoria provisória: Maria Augusta Godoy e Brazílica de Freitas (presidente e vice), Raulina Pacheco e Antonieta F. de Brito (1ª e 2ª secretárias) e Aurora de Lima Alvim e Romilda de Freitas (1ª e 2ª tesoureiras). A matéria salientou que “Todas as acções, todos os emprehendimentos que tenham por escopo a prática da caridade merecem calorosos elogios e amparo efficientes”.

No dia 15/11/1935, a União Feminina Uberlandense promoveu um comício no Cine Avenida, em comemoração à data da Proclamação da República, com um grande número de jovens.

“O salão estava abarrotado”, descreve o Jornal O Estado de Goyaz, em 17/11/1935, nº 120. Discursaram Sílvia Alessandri, Lucília Lincoln, Irma de Paiva Rezende, José Thomaz de Aquino, o acadêmico José Feliciano Ferreira (representante dos jovens da campanha dos 50%), Onita Vilela, Dr. Manoel Thomaz Teixeira de Souza, o profº José Andrade Santos, Tarcila Faria e Maria de Lourdes Cupertino, que “discursou brilhantemente sobre a situação mundial e o papel da mulher na hora presente, recebendo longos aplausos”. O Jornal O Estado de Goyaz, nº Essa associação diferenciava-se das 118, de 03/11/1935, veiculou a demais por não ter o cunho filantrópico formação do comitê provisório da e sim político. Pesquisas nos indicaram União Feminina Uberlandense, que a Campanha dos 50% nasce em realizada na Escola Normal. De agosto de 1935, quando um grupo acordo com a matéria, além de grande de acadêmicos reunidos na Casa do número de senhoras e senhoritas, o Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, comparecimento de inúmeras pessoas elaboraram um manifesto, divulgando-o marcou o acontecimento. “Nenhuma no Distrito Federal e nos principais dificuldade encontrou para reunir centros estudantis do Brasil. elevado número de pessoas que assistiram, enthusiasticamente, a sua No documento, expunham as imensas organização”, escrevera o articulista. dificuldades materiais por eles vividas O lema da União era a “Paz e as para se manterem nos seus cursos e Liberdades Democráticas”, “além propunham “abatimentos nos meios de protestar contra a carnificina de locomoção e diversão e prometiam que flagela a terra africana”. No dia desencadear mobilizações para a 16/11/1935, o Jornal A Tribuna, nº conquista desses abatimentos e para 946, noticia a realização de mais tanto intitularam seu movimento como uma reunião com grande número de Campanha dos 50%”. (KAREPOVIS, associadas e “uma massa de jovens Dainis, 1935: A Manhã e a Campanha da campanha dos 50%”, sendo a dos 50%” (https://revistaperseu. diretoria composta por: Tarcila da fpabramos.org.br). Segundo o autor, Cunha Faria (presidente), Maria os estudantes foram violentamente de Lourdes Cupertino (secretária), reprimidos no Rio de Janeiro e em Belo Sílvia Alessandri e Mariana Ladeira Horizonte. como oradoras. “A sessão correu animadíssima, sob aplausos calorosos O interessante é que a Campanha da assistência”. dos 50% chega aos noticiários de


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Custódio da Costa Pereira e D.Ermínia Zocoli Costa foto do acervo de Silvia Simioni Uberlândia somente em novembro de 1935, tendo a participação de estudantes e professores(as) da Escola Normal. O acadêmico José Feliciano Ferreira, que participou como orador no comício de 15/11/1935, realizado pela União Feminina Uberlandense, era natural de Jataí/Go e estudante no Ginásio Mineiro, em Uberlândia, onde presidiu a Associação dos Estudantes Secundaristas. Após a conclusão de seus estudos em Uberlândia, cursou a Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, tornando-se um dos diretores da União dos Estudantes do Rio de Janeiro e participou ativamente do movimento estudantil que defendia a declaração de guerra ao Eixo, o fim do Estado Novo e a redemocratização do país. Após se bacharelar em 1944, regressou à sua cidade natal e se dedicou à vida política. Foi vereador (1947), Deputado Estadual pelo PSD (1950), governador de Goiás (1959/1961) e, em 1962, senador pelo Estado de Goiás. Faleceu aos 92 anos em março de 2009 (http://www.fgv.br› dicionarios › verbete-biog). Em uma entrevista concedida a nós em novembro de 1994 por uma das oradoras daquele comício de 1935, Sílvia Alessandri e secretária da União Feminina Uberlandense, nos relatou “...tive participação política discreta nos movimentos de 32 a 35, liderados por alguns professores da Escola Normal ... A tônica dominante dos discursos era a luta por um regime político baseado na igualdade social. Lembro-me que após uma oratória inflamada fui advertida de que seríamos todos presos. Tive que refugiar-me em Monte Alegre em face à repressão”. Sílvia nasceu em Monte Alegre aos 17/05/1919, veio estudar em Uberlândia no período de 1930 a 1935. Era neta de José Vilela Marquês e Elisa Augusta V. Marquês, um grande proprietário rural que deixou uma

enorme prole em Uberlândia, e filha de Isoleta Vilela e Vitório Alessandri. Casou-se com Geraldo Monteiro de Castro, veterinário em Goiânia onde constituiu a sua família. Os nomes de Sílvia Alessandri, Dr. Manoel Thomaz Teixeira de Souza, José Feliciano Ribeiro, Onita Vilela, dentre outros, estão presentes em um Mandato de Segurança impetrado no dia 24 de outubro de 1935 por Nelson Cupertino, visando à efetivação de um comício no Cine Teatro Avenida, no dia 27 de outubro. A autoridade local, o Delegado Capitão João Ribeiro da Silva, “alegando que os motivos dos requerentes eram outros se opôs à realização do evento” (OLIVEIRA, Ricardo José Pereira de. A ‘Intentona Comunista’ em Uberlândia. Reflexos da ‘Tradição Revolucionária’: o comunismo nos anos 1933-1935, 2003, 42 p. (https://monografiashistoriaufu. wordpress.com). À p. 25 da referida monografia, o delegado Capitão João Ribeiro da Silva, em seu despacho, alega que os impetrantes do Mandato de Segurança “estariam utilizando o comício como pretexto contra o fechamento da Aliança Nacional Libertadora” e cita os seguintes nomes: Dr. Manoel T. T. de Sousa, professor José Aparecida Teixeira, fotógrafo Salim Sauid e a srª. D. Onita Villela, “conhecidos elementos da extincta A.N.L.”. Infelizmente as informações obtidas pela fonte jornalística são esparsas e descontínuas, o que impossibilita uma real compreensão de um passado no qual as mulheres de Uberabinha/ Uberlândia transpuseram o espaço da domesticidade e saíram às ruas. Através das instituições de caridade ou de atividades de cunho político, como o Batalhão Feminino João Pessoa e a União Feminina Uberlandense, as

mulheres entraram em contato com um mundo eminentemente masculino. Ora reunidas com as altas autoridades do município, indo até a imprensa local, concedendo entrevistas, ora discursando, singraram um espaço de domínio dos homens e, com certeza, aprenderam muito. Para além dos afazeres domésticos e o cuidado com a prole, conseguiam tempo para uma inserção fora dos muros do lar. Há ainda a salientar que as mulheres aqui mencionadas, em sua quase maioria, pertenciam à elite econômica e política do município e provavelmente contavam com o trabalho de outras mulheres nas lides domésticas. Eram letradas e várias delas exerciam o magistério nas escolas locais, além de participarem de várias associações ao mesmo tempo. Com certeza foram audaciosas para o seu tempo. Urge que o resgate da memória das mulheres uberlandenses se faça em toda a sua extensão para avaliarmos o desdobramento da presença feminina e sua importância na construção dos mais de cem anos da História do Município. * Este artigo abarca a década de 1920 a 1935. O próximo número da Revista Almanaque será dedicado às décadas de 1940 a 60. ** Doutora em História pela Universidade de São Paulo e bacharel em Direito. *** Os Jornais aqui citados: A Tribuna, O Triumpho, O Diário da Revolução, O Estado de Goyaz foram publicados em Uberabinha/ Uberlândia. **** Agradeço ao Dr. Oscar Virgílio Pereira pelas informações acerca de Amanda Carneiro Teixeira, nascida em Uberaba e falecida em Uberlândia em 12/06/1996, irmã do engenheiro Armante Carneiro, empreendedor da Fábrica de Tecidos de Uberlândia e foi professora de piano de Cora Pavan Caparelli. ***** Algumas transcrições estão no português da época e, por isso, foram preservadas.


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Fios que tecem

memórias Tema da capa deste Almanaque, tecelãos e tecelãs de Uberlândia têm oportunidade de trabalho no Centro de Tecelagem, que completa 30 anos em 2022 Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

Q

uem passa pela avenida Rondon Pacheco não consegue desviar os olhos de uma construção em concreto cinza e “pastilhas” coloridas. Quem conhece a função daquele prédio dá valor ao seu conteúdo, por ser abrigo de uma arte milenar que, felizmente, ainda persiste na região: a fiação e a tecelagem. Ali é sede do Centro Municipal de Tecelagem, há alguns anos rebatizado de Fios do Cerrado. Aliás, a capa desta edição, feita pelo artista Henrique Lemes, traz uma linda xilogravura com as tecelãs do local. E é ele também quem assina a configuração artística dos três painéis coloridos em três pontos

O Centro de Tecelagem Fios do Cerrado está localizado no Bairro Patrimônio, um dos mais tradicionais de nossa cidade da fachada do prédio. A fiação e tecelagem pode ser algo difícil de imaginar para as novas gerações, mas é tradição que se perpetuou e vale ser conhecida pelo maior número de pessoas. Ela veio de um tempo quando era difícil separar o que era campo e o que era cidade, está por aqui desde quando éramos a São Pedro de Uberabinha.

O Centro de Tecelagem, em setembro do próximo ano, celebra os seus 30 anos de funcionamento. Ele surgiu em Uberlândia em 1992. O projeto, de autoria do arquiteto Roberto Andrade, foi concebido durante o primeiro mandato do prefeito Zaire Rezende (1983-88) e colocado em prática durante o exercício do prefeito Virgílio Galassi (1989-92).

Daí a sua importância, não somente pela apreciação estética dos produtos dela resultantes – roupas, mantas, passadeiras, caminhos de mesa, capas de almofadas, jogos americanos etc. – como também por carregar em seu manejo os fios da memória. Exatamente isso, é uma arte que tece histórias.

Localizado em uma área de 1.200 metros quadrados, em 2014, passou por sua primeira revitalização. E sofreu algumas intervenções em sua proposta original. Além de ser renomeado como Centro de Tecelagem Fios do Cerrado, passou a contar, no seu entorno, também com lanchonete, loja, academia ao ar livre e


Urdir, cardar, fiar e tecer são as etapas desse fascinante processo artístico. Antes de chegar ao tear, o algodão passa por métodos manuais de preparação

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parque infantil. O importante a ressaltar é que o espaço, acima de tudo, tem a premissa de ser um projeto social, cultural e educacional, que oferece oportunidade de emprego aos tecelões. Os usuários, a maioria mulheres, estão na faixa etária de 50 a 90 anos. Urdir, cardar, fiar e tecer são as etapas desse fascinante processo artístico. Antes de chegar ao tear, o algodão passa por métodos manuais de preparação. Inicialmente, ele é batido para abrir a pluma. Em seguida, vem a fase de cardar o algodão e deixá-lo uniforme para depois fazer o fio na roda, com a espessura desejada. Depois de urdido, o fio é levado para o tear e em seguida é feito o acabamento. É quando a peça passa pela última etapa de preparação. Quem define a forma da peça a ser criada é o tecelão. Ao dispor os fios no tear, ele pode produzir tapetes, forros, guardanapos, revestimentos para estofados, mantas e outros artigos. Tudo depende da imaginação de quem comanda. A tecelagem e o espaço que a abriga também foram tema de documentário. Com duração de 25 minutos, o filme ‘Tecendo Memórias’ é resultado de um projeto proposto pelo jornalista e produtor cultural Flávio Soares, com direção da cineasta Iara Magalhães e participação de uma grande equipe com diferentes profissionais ligados à comunicação, educação e produção técnica de áudio e vídeo. O filme mostra as experiências dos 22 tecelões e tecelãs da época, personagens principais da obra. Iara não esconde sua emoção ao lembrar da estreia do filme, em uma sala de cinema lotada não somente pelas pessoas interessadas no assunto mas também por todas as tecelãs e seus familiares. Para ela, foi uma experiência inesquecível. A história da cineasta com o Centro de Tecelagem é antiga. Quando ela retornou para Uberlândia, nos anos de 1980, tinha proximidade com o artista visual Edmar de Almeida, um dos idealizadores do projeto, e a produtora Virgínia Casado, ambos envolvidos

na implantação das atividades do espaço. Iara ficava fascinada com o processo de tingimento do algodão, com plantas do cerrado. Sua amiga Yone Correa de Araújo, artista visual e servidora pública que trabalhava no local, apresentava-lhe a todas as etapas do processo. Seu fascínio se estendia também à urdidura desenhada por Edmar de Almeida. Junto dele, ela propôs ao Iphan a constituição da tecelagem manual como patrimônio histórico. Para ela, a história dos teares é também uma trajetória de resistência. A cineasta chegou a realizar oficinas no Centro de Tecelagem, uma delas resultando no documentário, feito em criação coletiva com as próprias tecelãs. Atualmente fazendo doutorado em Comunicação pela UFMG, ela

afirma que este trabalho, por sua relevância e consistência artística e histórica, a persegue até os dias de hoje. E destaca uma potente frase/pergunta oriunda dele: “Por que eu as vejo tão fortes e as sinto tão frágeis?”, para ela, palavras que revelam a necessidade de trabalhar a perpetuação dessa atividade singular, quase única no país. “Memória é passado, presente e futuro. Hoje, em novas produções sobre o mesmo tema, fica pra mim o amor que tenho por estas mulheres e por este Centro de Tecelagem. A gente tem de lutar pela sua permanência. É muito importante esse patrimônio. Temos de fortalecer isso”, disse ela. O arquiteto Roberto Andrade, responsável pela concepção


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da arquiteta Márcia Freitas, servidora lotada na Secretaria Municipal de Planejamento. Andrade explica que a proposta do espaço foi de um hexágono, de 20m de face, dividido em três faces a partir de três apoios: o tingimento, o conforto pessoal e sanitários e o terceiro com setor administrativo e loja. Esse era o seu conceito original do projeto, com a parte da produção toda interligada, de modo que ficassem visíveis ao público todas as suas etapas. Ou seja, a lógica da planta seria a conexão entre o depósito, com a chegada da matériaprima, indo para a fiação e seguindo para a produção, eventualmente passando antes pelo tingimento. Com essa proposta, a intenção foi de resgate de todo o processo da tecelagem manual, o descaroçamento, a fiação, a carda, o tingimento, todas as etapas contempladas no conceito do projeto arquitetônico, com uma área livre circundando o jardim.

do espaço, conta que o local está em início de processo de tombamento. Há um processo anterior ao tombamento já publicado no Diário Oficial. Segundo ele, o projeto do Centro de Tecelagem surgiu a partir de um convênio do Governo de Minas, por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID, com algumas prefeituras do Estado. O objetivo era identificar unidades de produção relevantes que pudessem ser contempladas com algum tipo de incentivo público. A Tecelagem, como atividade em destaque na época – já existiam senhoras tecendo em espaços improvisados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Ação Social –, foi considerada por esse aspecto e

por sua importância na memória histórica da região. A iniciativa foi abraçada pela secretária da época, Niza Luz, e, em 1988, começaram as obras, concluídas na virada da década e com o início das atividades em 1992. O arquiteto contou que todo o projeto foi coordenado pelo BID e ele próprio ia com frequência à capital mineira, para as periódicas prestações de contas necessárias. A ideia, como ele relatou, teve origem um tempo antes, quando o seu escritório Andrade e Guerra estava fazendo o Centro de Bairro Primeiro de Maio, ligado ao mesmo programa do BID, resultado de um concurso público de arquitetura. Foi então sugerido pelo banco um projeto para o Centro de Tecelagem. A concepção arquitetônica contou também com a coautoria

Para a parte externa, os arquitetos propuseram um espaço aberto, uma área de convivência, com a visibilidade do prédio já sinalizando os seus conteúdos e funcionalidade. Com a alteração do projeto há sete anos, instalou-se uma lanchonete como anexo ao prédio e a entrada foi transferida para a avenida Rondon Pacheco. Em se tratando de um local para abrigar a produção artesanal, Roberto teve o desejo de inserir elementos das artes visuais em seu trabalho. Convidou então o artista visual Henrique Lemes para pensar em algo que remetesse à atividade do espaço e fosse de custo baixo, já que o recurso disponibilizado pelo BID era bastante limitado. Henrique então fez uma pesquisa de tramas e cores da tecelagem e criou os três painéis que circundam o Centro, cada um deles com cerca de 20 metros de comprimento por 3,5 de altura, com pinturas em tinta acrílica sobre os blocos de concreto, de modo que ficou com a aparência de pastilhas.


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VICTÓRIO

SIQUIEROLLI Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

A exemplo do que acontecia em todo o Brasil, há pouco mais de um século, a imigração italiana foi bastante expressiva também na cidade de Uberabinha, atual Uberlândia. Com a esperança de prosperidade, os italianos trouxeram sonhos na bagagem. E muitos deles se concretizaram

V

ictorio Siquierolli, garoto brasileiro, mas com pais e irmãos mais velhos italianos, foi um deles. Herdou do pai Giovani a tendência familiar para o trato com a terra. E alimentou-a com o amor à natureza. Com os irmãos, dividiu o talento para o manejo com o ferro para a indústria. A mãe de Victorio morreu no parto. O pai se casou novamente, mas também faleceu pouco tempo depois. E ele, sendo ainda uma criança, foi criado pelo irmão. Quando se casou, Victorio foi morar com a esposa, Amalia Rezende, nas terras do sogro, cuja localização é onde hoje está boa parte do Distrito Industrial. Dedicou-se também à criação e produção em série de equipamentos agrícolas. O casal, além dos filhos naturais, adotou 14 crianças.


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Victorio Siquierolli ao lado de familiares, como ele de origem italiana

V

ictorio, ainda muito jovem, aprendeu as regras da sobrevivência. Dedicou-se ao trabalho mecânico. Aproveitou as oportunidades e, com apenas 20 anos, em um engenhoso fornecimento de máquinas ao Exército, conseguiu saltar de operário a industrial. Ganhou 24 mil réis com a operação e os investiu em 20 lotes no bairro Martins, na avenida Vasconcelos Costa, para instalar a sua oficina e as casas de seus funcionários, quando os tivesse. Depois, acabou vendendo os imóveis para quitar uma dívida e abrir com o irmão uma fábrica em São Paulo. Ele, porém, não se adaptou em São Paulo e retornou com a esposa para Uberlândia. No

retorno, acabou se instalando em um sítio da sogra nos arredores da cidade, onde começou a desenvolver pequenas atividades agropecuárias e, paralelamente, foi retomando também suas habilidades industriais, ao tornarse sócio do irmão em uma oficina. Com a venda de sua parte da fábrica em São Paulo, Victorio e a esposa compraram uma bela casa na cidade e investiram no sítio, montando ali zoológico, viveiro de plantas e orquidário. Com a cidade crescendo e Victorio sendo bom negociante, já dono de várias terras, empenhou-se para que o Distrito Industrial tomasse forma. Vendeu terras com preço simbólico para a prefeitura e indústrias que lá se instalaram. Uma delas foi a

Cia. Souza Cruz. E assim, em nome do desenvolvimento e com generosidade, Victorio teve ações em prol de progresso e de solidariedade aos menos favorecidos. Em uma enchente, por exemplo, doou 32 hectares a serem urbanizados para as famílias desabrigadas. Assim surgiu o bairro Esperança. Também doou terras para igrejas, escolas e creches. E, o mais importante para ele, reservou uma área de 300 mil metros, com vegetação nativa, para se constituir o que é hoje o Parque Municipal Victório Siquierolli. Queria que ali fosse um espaço de aprendizado e de convivência das famílias com espécies preservadas da fauna e da flora do cerrado, como uma reserva ecológica dentro de um centro urbano, o que pretendia fazer também em outro espaço rural de sua propriedade, a


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Victorio com a esposa Amália Rezende e o Parque municipal que leva seu nome, cuja área foi doada por ele com esse fim

E assim, com generosidade e desprendimento, Victorio teve ações em prol de progresso e de solidariedade aos menos favorecidos.

Fazenda Matinha, o que infelizmente não aconteceu. Em 1997, ele próprio, na companhia da filha, Simone, colocou a pedra fundamental para a instalação do parque, em cuja inauguração, em 2002, também compareceu, falecendo no ano seguinte.


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Celso Machado na abertura da exposição ao lado de Carolina Toffoli do Instituto Algar, jornalistas Hélcio Laranjo e Carlos Guimaraes Coelho, o artista Alexandre França e a secretária de Cultura Monica Debs

Finalmentes

E

m celebração aos 10 anos deste Almanaque de Ontem e Sempre e os 133 anos da cidade de Uberlândia, foi realizada uma mostra das capas de todas as edições neste período e um recorte de fotos históricas da cidade, divididas por temas. A exposição foi aberta no Uberlândia Shopping, no dia 12 de agosto, permanecendo em cartaz até 5 de setembro e, por seu caráter itinerante, indo em seguida para o Cajubá Country Clube. Os artistas presentes na exposição são, na sequência: Denise Degani, Assis Guimarães, José Ferreira Neto, Hélvio de Lima, Charles Chaim, Ido Finotti, Lilian Tibery, André Maurício, Geraldo Queiroz, Alexandre França, Elaine Corsi, Hélico Laranjo, Maciej Babinski, Hélio de Lima, Kim Ferreira, Valtênio Espíndola, Thiago Dequete, Rejane Paiva e Henrique Lemes. Na segunda parte, de recortes históricos, foram selecionadas 30 fotos, apresentadas nos segmentos temáticos de Cultura, Esporte, Saúde e Educação e Arquitetura e Urbanismo. Cada painel tem a

medida de 1,43 X 1,26 em sua área de impressão.

Celso Machado e Carlos Guimaraes Coelho os responsáveis pela realização da mostra

Essas fotos foram fornecidas pelo grupo Fotografia de Rua de Uberlândia que surgiu no início da pandemia, por iniciativa do arquiteto Zied Sabbagh, como mero entretenimento em meio ao isolamento social e com o foco apenas na paisagem urbana contemporânea. A proposta acabou alcançando outra dimensão, com seu escopo sendo ampliado também para outras perspectivas, como fotos históricas da cidade. Em pouco mais de um ano, o grupo já atingiu mais de 11 mil membros. A ação dessa mostra foi coordenada pelo comunicador e empresário Celso Machado, com pesquisa de conteúdo e produção do jornalista e produtor cultural Carlos Guimarães Coelho, que também produz as matérias do Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre e é um dos administradores da página virtual Fotografia de Rua de Uberlândia. A programação visual foi do publicitário Gilberto Gildo de Oliveira, da Ei Comunicação.

O designer Gilberto Gildo e o artista Alexandre França Maria Eduarda e Taisa Ferreira Machado, dedicação total na organizaçao da mostra dos 10 anos do Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre


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