8 minute read

José Neuton

“Me sinto honrado, feliz, alegre por essa homenagem como um dos Líderes Inspiradores em 2021”

POR CELSO MACHADO E CARLOS GUIMARAES

Advertisement

José Neuton era apenas um garoto de dez anos quando, inspirado pela fotografia de um trem, quis mudar da vizinha Ituiutaba para Uberlândia. Ao saber que na cidade havia estação ferroviária, a imagem ficou em seu imaginário infantil como símbolo de progresso e modernidade, ao ponto de, com a autorização da família, juntarse a um tio que havia se transferido para nossa cidade: José Batista da Costa. Relembra com carinho dessa época: “Eu vim morar com esse tio que tinha uma fábrica de sapato em Uberlândia. Morei uns 4 anos com ele. Fiquei órfão de pai com oito meses. Eu gostava muito desse tio que me ensinou o ofício e é responsável por boa parte do meu caráter. Pai do meu ex-sócio, Edvaldo José da Costa”.

Paralelamente, fez o curso técnico de Contabilidade e o superior de Direito, embora nunca, nem por um minuto, tenha exercido a advocacia. Assumiu a fabricação e comercialização de calçados como sua grande vocação. José Neuton pediu ao tio um empréstimo para adquirir uma simples loja de sapatos. Era um recurso tão pequeno que ele não conseguiu sequer pintar a loja, que carregava o sobrenome do ex-proprietário, a Casa Lopes. Era o ano de 1960 e ali tinha início uma das redes comerciais mais prósperas de Uberlândia, lojas que, sobretudo na época do Natal, adornavam a cidade de vitrines reluzentes que chamavam a atenção dos transeuntes. José Neuton era um jovem empreendedor. Neste início de carreira, ele enfrentava cerca de 20 horas em viagem de ônibus e ia até o Rio Grande do Sul em busca de novidades, já que por lá despontava um polo calçadista. Até aquele momento, calçados femininos eram adquiridos somente em São Paulo e masculinos em Franca. Ele era jovem e sem dinheiro. Mas tinha vontade, conhecimento e disposição para o trabalho. O apreço ao ofício, o desejo de inovar e de atender bem o cliente e a satisfação em lidar com pessoas fez com que prosperasse. No início, era apenas ele e um único funcionário, de 16 anos, que permaneceu com ele até os 46, quando se aposentou.

O tio que o hospedou e também foi o mentor de sua trajetória profissional tinha um filho, Edvaldo, para quem deixou uma loja de calçados, a Espadim. Como Edvaldo deveria se ausentar para o serviço militar, José Neuton se colocou à disposição para tomar conta da loja. Com o retorno de Edvaldo, ambos decidiram se tornarem sócios. A cidade foi crescendo e os dois comerciantes cresceram juntos. Em 1975, a Reicol, rede de lojas deles, era a segunda de calçados de Minas Gerais, com 630 funcionários e unidades em Araguari, Uberaba e Uberlândia. Por incrível que possa parecer, chegavam a vender cerca de 7.000 pares de calçados por dia. Isso em uma cidade com menos de 250 mil habitantes. Esse sucesso perdurou até meados da década de 1980, pois veio a inflação da era Sarney e eles, com a queda nas vendas, se viram obrigados a fechar as lojas de cidades vizinhas.

que procurava conduzir da melhor forma possível. Sendo o tipo de patrão que tratava muito bem os seus funcionários, conversava individualmente com cada um, explicava a situação e ouvia o seu ponto de vista. Procurou sempre ser um empresário com empatia em relação aos colaboradores. Empregou e demitiu muita gente, mas sempre preservando da relação profissional o respeito e a amizade. Também na era Sarney, José Nilton se desvinculou da fábrica de calçados que mantinha junto à rede de loja.

Era a Stiller que tinha com seu primo Edvaldo e outros sócios. Essa decisão levou ao rompimento da parceria sólida e afetuosa com ele. José Neuton relata que a sua afinidade com a área sempre foi tão grande que ele, além de conhecer profundamente todos os processos de matérias-primas e fabricação de calçados, passou também a identificá-los só de olhar para os pés das pessoas. Certa ocasião foi desafiado pelo cunhado a descobrir a origem de um sapato. Imediatamente, reconheceu a pelica como sendo argentina e, a partir dessa observação, a marca como sendo Astra. E de fato era. Para ele, essa apenas uma consequência do apego à profissão e de atualizações com os conceitos da área.

O empresário também teve uma participação societária no empreendimento do primeiro shopping de Uberlândia, o UberShopping, onde hoje está localizado um complexo hospitalar, no bairro Jardim Karaíba, naqueles tempos uma localização ainda distante do centro comercial da cidade. Na época a cidade tinha pouco mais de 400 mil habitantes e o shopping ficava a 4,5 quilômetros de distância, com um vazio urbano no percurso. Mas, os empreendedores foram levados pelo entusiasmo de ser ter um shopping na cidade, o que funcionou bem durante um certo tempo. Entre os sócios estavam, além do empreendedor John Simão, empresários de sucesso de empresas como Alô Brasil, Thiara, Constrular, entre outros. José Neuton conta a razão do insucesso desse primeiro center shopping da cidade.

“O primeiro ano do Ubershopping foi até muito bem. Mas depois todos os lojistas passaram a ter problemas. A Sears e o Supermercado Alô Brasil eram as lojas ancoras. A Sears pela inflação descontrolada foi mal. O Alô Brasil também foi muito mal, todos fomos muito mal. Aí tivemos que vender o shopping antes que ele nos prejudicasse mais. Chegamos à conclusão que nós não tínhamos competência financeira para ir adiante com o shopping. Resolvemos vender e infelizmente vendemos para uma pessoa que não tinha bons princípios. Ele não pagou o empréstimo na Caixa Econômica – falo isso até para esclarecer porque muita gente me pergunta sobre isso – tivemos um empréstimo na Caixa Econômica que não foi honrado. A Caixa Econômica moveu uma ação de cobrança, me hipotecaram meus bens e eu fiquei mais de vinte anos com os bens hipotecados até resolvermos o problema. Graças a Deus hoje é um hospital magnífico que engrandece Uberlândia, vai prestar um excelente serviço para Uberlândia e a construção, noventa por cento ainda é a mesma.”

A presença marcante do empresário se estende também à força do associativismo. Ele é um dos fundadores da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Uberlândia, a CDL. Segundo José Nilton, a CDL era um movimento novo no Brasil. Já existia no Rio de Janeiro. Em Uberlândia havia apenas o Credicerto, um sistema de cobrança de títulos atrasados. A iniciativa de trazer a CDL para Uberlândia foi de Orlando Pinto Guimarães, que convidou 11 lojistas para uma primeira reunião. E José Nilton foi um dos primeiros presidentes da organização. Sua gestão começou com 330 sócios, foi finalizada com 600 e hoje tem mais de 3000 associados. Ele também integrou a diretoria da Associação Comercial e Industrial de Uberlândia, a Aciub, onde atuou por cerca da 10 anos, sendo diretor em cinco gestões, além de também ter sido presidente do Rotary Clube. Apesar de toda essa militância no meio

José Neuton recebendo o troféu “Lider Inspirador” das mãos da presidente da ACIUB mulher, Rosiris Cerizze

José Neuton em recente reunião familiar

empresarial, José Nilton nunca se interessou em ingressar na política. Explica: “eu sei vender sapato, eu não sei ganhar voto. Vender sapato eu vibro, quando eu estou vendendo um sapato eu entusiasmo, tenho prazer de falar sobre o sapato e é uma coisa que eu gosto. É diferente, política precisa gostar. Tudo na vida precisa ter amor. E a gente não tem esse negócio de dois amores. Eu gosto de sapato, mas nunca tive vocação política”.

Ele lembra de quando, junto ao primo sócio, tentou contrair um empréstimo bancário para consolidar um capital de giro. Imaginava que as duas lojas que tinha na época – Espadim e Casa Natal – fossem suficientes como garantia. Mas era preciso ter imóveis próprios. E ele não tinha. Passou a comprar alguns terrenos em Uberlândia exatamente para ter cadastro bancário.

“Adoro esta cidade, eu vibro com Uberlândia, eu vibro com o meu negócio e com o negócio dos outros”. O empresário tem orgulho da sua trajetória. “Você tem que olhar o seu passado e sentir orgulho do que você conquistou, do que você fez pelos outros, pela cidade. Estou na idade de 80 anos e sou talvez diferente de algumas pessoas. A minha ambição financeira acabou. Trabalho até hoje, gosto de trabalhar, tenho prazer em trabalhar, tenho uma equipe boa que gosto muito, considero eles até como filhos. A minha preocupação hoje é ser feliz o resto de vida que eu tenho, que eu já gastei muita moeda né, tem poucas moedas para eu gastar. E, essas moedas têm que ser bem gastas. Tem que gastar com o que realmente vale a pena. O que realmente vale a pena: é você ter um ambiente de trabalho bom, é você sentir prazer e sentir alegria em viver. Então eu só faço hoje aquilo que me dá prazer e alegria. Se não tiver esses componentes, estou fora.

Procurei ser duas coisas na vida: procurei ser educado e um homem bom. Porque são duas coisas que você nunca se arrepende de ser. Lógico que não atinge o ideal, mas procuro ter essa conotação naquilo que faço. Financeiramente Deus foi muito generoso comigo, muito, Deus foi bom comigo em tudo. Me deu uma ótima família. Eu tenho uma esposa excelente, tenho bons filhos. Então às vezes eu paro e penso como Deus foi bom para mim e agradeço isso todos os dias.”

“Me sinto honrado, feliz, alegre por essa homenagem como um dos Líderes Inspiradores em 2021. Eu acho que talvez seja o mais agradecido. Eu vi a lista dos homenageados, acho que eu não podia estar nela não. A ACIUB foi muito boa comigo. Brinco muito e falo que sou um homem fora de moda. Fui um bom empresário no passado, hoje tenho uma loja modesta, que tem uma tradição muito boa, com uma clientela boa. Eu só tenho que agradecer isso. Fico muito contente, muito alegre e principalmente vindo de uma entidade de respeito como é a Associação Comercial e Industrial de Uberlândia. Fico muito, mas muito feliz mesmo.”

“Adoro esta cidade, eu vibro com Uberlândia, eu vibro com o meu negócio e com o negócio dos outros”

This article is from: