O Rebelde dos Pampas

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Porto Alegre, 15, 16 e 17 de março de 2019 - Nº 29 - Ano 22

reportagem cultural

Rebelde dos Pampas Porto Alegre, 2 de outubro de 1935. Na carceragem do quartel do Terceiro Batalhão da Brigada Militar, o psiquiatra, jornalista, escritor e marxista Dyonélio Tubino Machado encontra-se preso por força de sua militância política na Aliança Nacional Libertadora (ANL), grupo do qual era presidente da seção regional. Naquele dia, uma quarta-feira, Dyonélio Machado recebeu a visita do repórter do jornal A Manhã – ainda um cronista e escritor em formação – Rubem Braga, enviado do Rio de Janeiro. Devido à sua liderança frente a uma paralisação dos gráficos no Rio Grande do Sul, Dyonélio viu-se enquadrado na Lei de Segurança Nacional, instituída durante o governo de Getúlio Vargas. Promulgada em 4 de abril daquele ano, a lei (chamada pelos combatentes do fascismo de “A monstruosa lei”), em seu artigo 19, previa punição a todos aqueles que ousassem “induzir empregadores ou empregados à cessação ou suspensão do trabalho por motivos estranhos as condições do mesmo”. Ou seja, incitar os trabalhadores à greve. Mantido prisioneiro desde 18 de julho, Dyonélio Machado, ao mesmo tempo em que trazia ao mundo seu romance de estreia, Os ratos, entrava para a história política brasileira como o primeiro intelectual acorrentado pelos grilhões da famigerada lei, a qual, entre outros, também faria cativo, por anos a fio, o escritor alagoano Graciliano Ramos – que, da vívida experiência em inúmeras carceragens, conceberia a obra Memórias do cárcere, publicada postumamente em 1953. Dias antes - escreveu Braga nas páginas de A Manhã -, Dyonélio recebera ali, nas dependências da Brigada Militar (onde permaneceu durante seis meses, até ser transferido para o Rio de Janeiro, amargando, ao todo, dois anos de clausura), o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Companhia Editora Nacional em reconhecimento a Os ratos. Antes disso, porém, publicara dois outros livros: o (pouco prestigiado) volume de contos Um pobre homem, de 1927, e o vanguardista estudo – tido como um clássico da literatura médica brasileira – Uma definição biológica do crime, sua tese de doutorado em

psiquiatria, defendida em 1933. Alguns estudiosos da obra de Dyonélio, porém, veem como “pedra fundamental” o ensaio Política contemporânea: Três aspectos, de 1923, ano em que ingressa na Faculdade de Medicina, em Porto Alegre. Rubem Braga reportou suas impressões acerca de Dyonélio Machado, nascido numa família de origem humilde em Quaraí. Na definição do então iniciante cronista, um “homem de cultura de verdade”. Ele escreve: “Tenho trabalhado, nas fileiras libertadoras, com muitos homens admiráveis pela cultura, pela coragem, pela honestidade, pelo espírito de luta. Este (Dyonélio) é um”. Após a celebrada recepção de seu primeiro romance, Dyonélio (hoje dos nomes mais expressivos do período denominado Romance de 30 ou “segunda fase do modernismo”) teria de lidar, dali para frente, com o ostracismo motivado pela má aceitação (tanto por parte da crítica como dos editores) de seu romance seguinte, O louco do Cati, de 1942. Apesar do longo inverno que se sucedeu, Dyonélio jamais deixaria de publicar (sua bibliografia conta com, até agora, 19 títulos publicados). Obras, entre outras, como Eletroencefalografia (1944), Deuses econômicos (1966), Endiabrados (1980), O sol subterrâneo (1981) e Ele vem do fundão (1982). A consagração como um dos maiores escritores brasileiros viria apenas em 1979, aos 84 anos, quando Dyonélio recebeu o Grande Prêmio da Crítica da Associação Paulista de Críticos de Arte. E, também no mesmo ano, ao tomar posse na Academia Rio-Grandense de Letras, distinção que já haviam recebido grandes nomes da literatura gaúcha como Simões Lopes Neto e Alcides Maya. Dyonélio não devia estar lá muito preocupado com láureas: “Eu sou um rebelde. Eu não sou do público. Sou incapaz de escrever algo pensando no que vão achar, qual será a impressão que causará. Sou incapaz de ser um vendido à editora, ou ao público. É o mesmo que o cachorro magro da fábula, não aceitando a vida fácil de cachorro gordo, pois tinha que usar coleira. Viver dos meus direitos autorais seria impossível, eu fracassaria no pouco que fiz de bom”. Leia mais na página central

Autor de vasta produção - além dos celebrados Os ratos e O louco do Cati - Dyonélio Machado recebeu tardio reconhecimento público por sua obra, das mais importantes da literatura brasileira

ENEIDA SERRANO/DIVULGAÇÃO/JC

Cristiano Bastos, especial para o JC


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